Pedi ao presidente do Benfica tempo para pensar

Fonte
www.abola.pt
Pedi ao presidente do Benfica tempo para pensar José Antonio Camacho continua a negar ter mantido contactos directos com o Real Madrid e não põe de parte a possibilidade de continuar à frente do Benfica na próxima época. Em Espanha, há muito que se dá como garantido que Florentino Pérez irá apresentá-lo na próxima segunda-feira como sucessor de Carlos Queirós. Mas o espanhol garante que, por enquanto, o seu pensamento está com o Benfica e diz que só não respondeu afirmativamente ao convite que lhe foi feito por Luís Filipe Vieira e José Veiga porque tem todo o direito de reflectir antes de tomar uma decisão. Nesta longa conversa com A BOLA, Camacho ainda deixa quase tudo como dantes. Fomos ao encontro de José Antonio Camacho em Múrcia, cidade que não troca por nenhuma outra no Mundo, e a hora em que esta entrevista foi realizada não podia ser mais inesperada: perto da uma hora da manhã, estendendo-se a conversa pela madrugada dentro, na unidade hoteleira onde o mais falado treinador de Espanha esteve hospedado até ontem. O cansaço e os efeitos da Taça de Portugal estavam ainda bem presentes na sua voz e, sobretudo, no seu rosto — alguém se lembrou de atirar-lhe água fria no calor dos festejos — mas a disponibilidade de Camacho foi total. Frontal, como sempre, abordou sem o mais pequeno sinal de incómodo, todas as questões que lhe foram colocadas, incluindo as mais delicadas e, no final, ficou a sensação de que, afinal, a sua saída da Luz não é assim tão líquida. Pelo menos, pela parte que lhe diz respeito... — Ainda se considera treinador do Benfica? — Claro que sim. O meu pensamento está no Benfica, continuo a trabalhar para o clube, ainda que digam que tirei todas os meus pertences do balneário. É mais uma das anedotas que se contam a meu respeito. O estádio foi entregue à UEFA, não podíamos ter nada no balneário, mas fizeram-se logo leituras precipitadas sobre o assunto. — Como analisa o facto de em Portugal se estarem a avançar nomes como os de Felipe Scolari ou Luís Fernandez para o substituir? — Em futebol tudo é possível, mas não posso guiar-me pelo que diz a comunicação social. No futebol, às vezes basta uma pergunta sobre um jogador ou treinador para que apareçam rumores sobre a sua contratação. Scolari, por exemplo, não está ocupado com a Selecção portuguesa? — Mas acaba de dizer que no futebol tudo é possível... — Isso é verdade, mas o Benfica é que pode confirmar ou não essas notícias. Por enquanto, ainda sou o treinador e no início da semana estarei em Portugal para continuar a trabalhar pelo clube. — Mas já ninguém acredita que não irá treinar o Real Madrid na próxima época... — Sempre disse que o futebol é a minha vida, faço o que achar conveniente. Já fui treinador do Real, com contrato para toda a vida e fui-me embora. Da mesma forma, estive quatro anos na selecção espanhola antes de me demitir e o mesmo se passou no Espanhol de Barcelona, de cujo presidente sou amigo. Deixei o clube quando entendi que tinha chegado ao fim de um ciclo. — E o seu ciclo no Benfica chegou ao fim? — Fui para o Benfica por seis meses, acabei por renovar e fiquei ano e meio. Agora, tenho de reflectir sobre o passo seguinte. Pedi tempo ao presidente para pensar. Identifico-me muito com a família benfiquista, conheço as suas exigências...A verdade é que se exige demasiado ao Benfica... — Essa exigência não estará em proporção directa com a dimensão do clube? — Percebo isso, mas neste ponto as coisas funcionam ao contrário. Dizem-te que é impossível contratar este ou aquele jogador, que não há dinheiro, mas depois exigem que ganhes tudo. É difícil aceitar. Se não podes contratar grandes jogadores também não podes exigir tanto. — Se vê as coisas desta maneira, porque aceitou continuar? — Foi algo de pessoal com o presidente do Benfica. Explicou-me que gostaria de liderar o clube, não podia deixar o projecto a meio e eu aceitei ir à luta com ele. Mas também nessa altura já se dizia que eu ia sair e a verdade é que acabei por ficar... «Não tomei qualquer decisão» — Desta vez, a comunicação social espanhola é unânime em colocá-lo no Real Madrid e toda a gente, aqui, lhe pede que aceite o convite de Florentino Pérez... — As coisas não correram bem no Real e as pessoas tentam animar-se. Logicamente, pensam logo em mudanças, mas tudo o que se tem dito não passa de comentários de rua. É tudo o que posso dizer. — Mas pode um homem que diz ser madridista dos pés à cabeça dizer não ao clube do coração? — Uma coisa nada tem a ver com outra. O dinheiro não é tudo na vida. O Benfica é também um projecto aliciante. Tem bons jogadores, com fome de triunfos e, independentemente de se ter conquistado a Taça de Portugal, se o clube mantiver estes jogadores vai ganhar títulos. Obviamente, o caso do Real Madrid é diferente, pode contratar os melhores jogadores da actualidade. — E podendo conjugar o factor afectivo com o financeiro, continua a recusar o Real Madrid?! — Só poderia aceitar ou recusar se alguém do Real Madrid tivesse falado comigo. Tenho vindo a dizer que ninguém o fez, nem o presidente Florentino Pérez, nem Valdano. Não tomei qualquer decisão, o problema é que vocês não acreditam. O que posso fazer? — Afirmou que só haverá novidades da parte de Florentino Pérez na segunda-feira. Isso não é reconhecer que houve contactos? — Uma coisa é ouvir pessoas ligadas ao clube dizerem que há interesse em José Antonio Camacho e outra, bem diferente, é terem falado comigo. O Real Madrid tem um treinador. Se eu estivesse na sua posição e soubesse que há outro treinador a negociar, ficaria zangado, com certeza. Vou passar o fim-de-semana em Madrid, mas faço-o porque tenho um jantar com Del Bosque e outros amigos, algo que fazemos todos os meses e depois, porque, vou igualmente estar num baptizado... — Não falaram consigo nem com o seu empresário? — Hombre, um clube pode negociar com o empresário, mas chega uma altura em que tem de falar com o principal interessado e isso não aconteceu... «Todo o direito de parar e pensar» — Deixar agora o Benfica não significaria abandonar um projecto a meio? — Nisto do futebol, nós treinadores e jogadores vamos em busca de outra etapa se tivermos de ir, e ficamos se tiver de ser. O projecto não é de uma pessoa, é colectivo. Os projectos são importantes, mas se perdes dois jogos seguidos vais para a rua. E se tivesse feito uma má temporada? As pessoas iriam dizer ‘vai-te embora’, ou não? Tenho todo o direito de parar e pensar antes de tomar uma decisão. — Sofreu esse tipo de pressões? — Da parte do presidente nunca a senti. Disse-me sempre que estava satisfeito com o meu trabalho, sabia o caminho que estávamos a percorrer. Tentei sacar o máximo rendimento dos jogadores e penso que o nosso trabalho foi bem sucedido. Mas consegui descortinar essa subtileza em muitas notícias... «Clube está dependente dos bancos» — Luís Filipe Vieira apregoou sempre a sua amizade e fidelidade em relação à sua pessoa. Na prática, foi sempre assim? — Dei-me sempre bem com o presidente, ele também sabe as dificuldades por que passei. Estivemos bem, desportivamente assumi tudo, a equipa tentou disputar o título e acabou por conquistar a Taça; nesse sentido, o presidente deu-nos estabilidade. Herdou situações difíceis no clube e até agora se quiser contratar grandes jogadores não o pode fazer. — Como assim? — Não sei se os adeptos sabem, mas o clube depende dos bancos para tudo. O nome Benfica, Estádio SA diz tudo. O presidente está a trabalhar muito para pagar o estádio, as dívidas, não sobra dinheiro para contratações. Podíamos ter contratado Ronaldinho em tempo útil e com ele, se calhar, as dívidas estariam pagas hoje em dia. Mas não havia dinheiro. — Quer dizer com isso que o futuro é sombrio? — Nada disso! Este ano, com o novo estádio e a carreira da equipa na UEFA, creio, se não estou em erro, que tivemos 800 mil espectadores mais do que na época passada. Dívidas que eram para ser pagas em 12 anos vão ser liquidadas em sete. A este ritmo, dentro de pouco tempo o Benfica será rapidamente campeão e voltará a ser um dos grandes da Europa. «Desconheço papel de Veiga» — Se ficar no Benfica, o dueto passará a triunvirato, com a entrada de José Veiga. Como tem sido a vossa relação? — Não sei qual será o trabalho dele no Benfica. Estivemos reunidos, e, tal como o presidente, também José Veiga mostrou interesse na minha continuidade, mas o presidente foi para o Brasil, eu estou aqui, não era a melhor altura para falar disso. — Mas o presidente não lhe explicou os motivos porque pretendia entregar o futebol a José Veiga? — Nestas coisas, não há como contar com o treinador. Na hora de analisar o seu trabalho, é diferente. Seja qual for a nova estrutura, o Benfica terá de ter em conta o que se passou com Paulo Almeida, por exemplo. Antecipámo-nos a toda a gente e contratámo-lo a custo zero. O mesmo aconteceu com Luisão, Fyssas e Geovanni, que não custaram dinheiro ao clube.