Decifrando imagens do passado

faneca_slb4ever

Citação de: Ned Kelly em 12 de Julho de 2016, 17:28
Quanto mais leio aqui sobre estas figuras da nossa História, mais amo o Benfica!

Isso mesmo :)

RedVC

#466
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Primus inter pares


Primus inter pares, uma expressão cuja tradução simples nos dirá "primeiro entre iguais". No texto de hoje usamos essa expressão não por uma questão de maior notabilidade mas antes por precedência histórica. Usaremos a expressão para falar de um glorioso pioneiro do atletismo. Glorioso? Gloriosíssimo!

Mas na verdade para parte do texto de hoje poderia ainda usar uma outra expressão latina célebre no meio desportivo: Citius, Altius, Fortius, a expressão latina usada como lema olímpico e cuja tradução imediata é "mais rápido, mais alto, mais forte". Uma expressão que nos remete para o ecletismo, para os desportos para lá do futebol. E é sobre os primórdios das outras modalidades que não o futebol no nosso Clube que também se falará.

Mas vamos por partes. Falemos primeiro do Glorioso pioneiro do atletismo.

Dia 2 de Dezembro de 1906. Velódromo de Palhavã, Lisboa. Concurso de Sports Atléticos. Duas fotografias, dois ângulos diferentes para um mesmo evento. Um evento com um grande significado histórica para o nosso Clube.



Linha de partida onde se observam 9 dos 13 atletas concorrentes à prova de resistência. Fonte: Revista Brasil-Portugal. Hemeroteca digital de Lisboa.



A mesma situação mas do ângulo oposto. Fonte: Ilustração Portuguesa. Hemeroteca digital de Lisboa.


Alinhados para iniciar a corrida da resistência de 1800 metros que era designada por prova de resistência estavam os 13 atletas concorrentes, a saber: Cooper e Ryal (Carcavellos Club), Franco de Araújo, Pinto Basto, Rembado e Ryder (CIF), Motta Veiga e R. Futscher (F. Cruz Negra), Arnaldo Silva, César de Mello e José Duarte (Real Ginásio Clube), Borges Pinto (Velo Clube de Lisboa) e... Félix Bermudes do Sport Lisboa.

E é esse o detalhe notável a salientar, Félix Bermudes foi o primeiro homem que representou o Sport Lisboa em atletismo.



Primus inter pares. Félix Bermudes, o primeiro dos Gloriosos praticantes de atletismo. Fonte Hemeroteca digital de Lisboa



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O Sport Lisboa


Fundado em 28 de Fevereiro de 1904 na Rua Direita de Belém numa célebre Farmácia que tivemos oportunidade de estudar bem (ver textos 99 e 100, página 31). O Sport Lisboa foi fundado para praticar o futebol. As restantes modalidades vieram depois fruto do interesse e aptidões particulares de alguns dos seus sócios.

E de facto como se constata das listas de atletas que participaram nas restantes provas, nesse dia o Sport Lisboa foi apenas representado por um atleta. O eclectismo estava longe de ser uma característica do nosso Clube nos seus dois-três primeiros anos.

E realmente tanto quanto é do meu conhecimento no caso do Sport Lisboa de Fevereiro de 1904 até Setembro de 1908, as modalidades terão ficado restritas a Félix Bermudes com o atletismo (e ciclismo?). Pouco depois Fortunato Levy concorreu em provas urbanas de ciclismo. Essa experiência seria breve uma vez que logo em Maio de 1907 Fortunato regressou a Cabo Verde e nunca mais terá voltado à metrópole.



Sport Lisboa, fundado na Farmácia Franco em Belém no dia 28 de Fevereiro de 1904.


Apenas mais tarde em 1908 já depois da fusão com o Grupo Sport Benfica e como recentemente tão bem documentou AlbertoMiguéns (http://em-defesa-do-benfica.blogspot.com/2016/07/acto-1-obrigado-felix-bermudes.html) mais tarde ainda, em 1916 com a junção do Desportos de Benfica, o nosso Clube viria a garantir a expansão da sua prática desportiva para outras modalidades e o aumento da implantação social do Clube. E que expansão! Seríamos aliás pioneiros em algumas modalidades.


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O Grupo Sport Bemfica

O Grupo de Sport Bemfica, como na época era designado, foi fundado no dia 26 de Julho de 1906. Foi fundado numa freguesia arrabalde de Lisboa por uma certa burguesia assente no comércio. Praticava diversas modalidades com treinos essencialmente ao fim de semana pois havia que labutar a semana inteira.



Grupo Sport Bemfica, fundado em Benfica no dia 26 de Julho de 1906.


O Clube dispunha de algo precioso para esse tempo. Tinha um amplo e funcional terreno para as mais diversas práticas desportivas. Tinha a famosa e formosa Quinta da Feiteira. Entre as suas modalidades destacavam-se o atletismo e o ciclismo.

O ciclismo tinha uma enorme importância que ficou expressa no emblema do GSB. A sua grande popularidade devia-se a não ser somente uma modalidade competitiva mas também de convívio social por via do cicloturismo bem reportado nessa época para diversas colectividades.

As provas atléticas com carácter festivo que eram organizadas pelo GSB mostravam bem a importância das duas modalidades na vida do Clube. Era um Clube virado essencialmente para a convivência social e por isso nesse tempo o carácter recreativo sobrepunha-se aos aspectos competitivos.




Quatro aspectos de modalidades que caracterizavam o eclectismo do Grupo Sport Benfica na Quinta da Feiteira em Agosto de 1907. Ciclismo, lançamento do peso, luta de tracção e a mais pitoresca corrida de sacos. Fonte: Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.



Ainda assim existiu uma crescente actividade competitiva e dessa forma nesses anos juvenis do nosso Clube, acabaram por se salientaram com as nossas cores uma série de atletas, alguns dos quais com alguma notoriedade outros cuja história rapidamente esqueceu.

A lista que em baixo se apresenta é basicamente um apanhado não pretensioso de vários atletas que praticaram o atletismo e o ciclismo nos primeiros anos do Sport Lisboa e do Grupo Sport Benfica (regra geral entre 1906 e 1911). Não é uma lista que se pretende exaustiva e não pretende listar de forma rigorosa todos os atletas e as modalidades que praticaram mas é um apanhado á medida que fui lendo algumas fontes. Alguns deles nem terão competido em provas fora do ambiente do GSB. A realidade terá sido muito mais alargada mas ainda assim não deixa de ser uma tabela curiosa. Alias, nesses primeiros anos (e assim foi mais algumas décadas) era norma os atletas praticarem diversas modalidades.



Compilação (não exaustiva) de atletas que competiram no nosso Clube em diversas modalidades desportivas que não o futebol entre 1906 e 1914. Salientado com o símbolo * estão os atletas que também jogaram na equipa da 1ª categoria do futebol.



Galeria ilustre de alguns dos pioneiros de outras modalidades que não o futebol.
Legenda para cima: A – Félix Bermudes; B - Fortunato Levy; C – George Ribeiro; D – Germano Vasconcellos; E – Augusto Jorge; F – António Fernandes; G – Carlos Marques; h – Alfredo Camecelha; I – Moisés Benoliel; J – Raúl de Macedo; K – Alberto de Albuquerque; L – Luís Gatto;
Legenda para baixo: M – Augusto Cabeça Ramos; N – Victor Jardim; O – Florindo Serras; P – Francisco Lázaro; Q – Augusto Fernandes;  R – Francisco Rocha; S – Josué Correia; T – Carlos Sobral; U – José Stromp; V – Cosme Damião. Fontes: diversas; Hemeroteca de Lisboa.


Em 1910, dois anos depois da fusão, numa célebre festa desportiva na Quinta da Feiteira, o Clube mostrava como os seus futebolistas praticavam outros desportos. Uma demonstração também que essas modalidades estavam não apenas dentro das actividades lúdicas mas também do interesse competitivo do Clube.


Festa desportiva na Quinta da Feiteira por ocasião do 6º aniversário do nosso Clube. Neste dia muitos dos futebolistas da 1ª categoria mostraram as suas qualidades em diversas provas de atletismo.


Corrida de obstáculos na Quinta da Feiteira em Fevereiro de 1910. Germano de Vasconcelos (vestido à GSB) contra Henrique Costa (vestido à SL). Fonte: Digitarq-TT.


Mais tarde por volta de 1914-1915 o ingresso de Carlos Sobral no nosso Clube viria também a adicionar a natação e o pólo aquático à lista de modalidades. Em 1916-1917 a integração dos Desportos de Benfica trouxe o hóquei em patins e a patinagem artística. Viria ainda o hóquei em campo do qual aliás Cosme Damião chegou a ser praticante. Muitas outras modalidades se seguiriam.


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Félix Bermudes e o desporto




O grande Félix Bermudes foi como vimos o primeiro de todos os atletas Benfiquistas. Um homem notável que praticava de forma emérita o futebol, hipismo, esgrima, ciclismo, distinguiu-se também por ter sido o nosso pioneiro do atletismo. Primus inter pares.

Aliás atestando bem o seu carácter pioneiro, o atletismo (ou no caso particular o pedestrianismo nome dado à corrida em espaço urbano) era uma modalidade desportiva que Félix já praticava há longos anos. Tão longos anos que mesmo recuando ao final do século XIX, ao ano de 1895, já podemos encontrar notícia de uma participação de Félix Bermudes numa corrida urbana.



Ecos de uma corrida (pedestrianismo) nas ruas da cidade de Lisboa em 1895. Félix Bermudes tinha 21 anos de idade. Faltavam ainda uma década para começar a sua aventura junto do Sport Lisboa. Fonte: Diário Ilustrado. Hemeroteca Digital de Lisboa.


Ganhou como não podia deixar de acontecer! Representava o Ginásio Clube Português. Estávamos ainda a nove, nove anos da fundação do Sport Lisboa mas Félix Bermudes já mexia. Com 21 anos eles já exibia a sua qualidade desportiva e adquiria o estatuto de campeão. Um estatuto que conquistaria no futebol, na esgrima e no tiro.

Para lá das suas virtudes intelectuais traduzidas em diversa obras nos campos do teatro, da poesia e da teosofia, Félix Bermudes foi um homem completo. Às virtudes da exercitação do cérebro juntava as virtudes da exercitação do corpo. A importância que o desporto teve na sua vida foi aliás reconhecida por ele num artigo publicado 16 anos após a sua morte.



Fonte: Revista "Vida Mundial", 1976. Hemeroteca digital de Lisboa.


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O evento

Nesse dia Félix Bermudes participou ainda nas provas do salto em comprimento, 100 metros e 300 metros obstáculos.



Félix Bermudes à direita a cortar a meta. Com a sua faixa (seria vermelha?). Fonte: Ilustração Portuguesa.


No seu tronco exibia uma faixa. De que cor seria? Vermelha quase de certeza!



Excertos alusivos às provas do Concurso de Sports Atléticos (2 de Dezembro de 1906) em que participou Félix Bermudes. Fonte: Ilustração Portuguesa; Hemeroteca digital de Lisboa.


Para além dessas provas, naquele dia desportivo, foram disputadas no velódromo de Palhavã mais algumas animadas provas desportivas.



Sports Athléticos em Palhavã. Dia 2 de Dezembro de 1906. Fonte: Brasil-Portugal. Hemeroteca digital de Lisboa.


O evento foi promovido por um grupo de senhoras de alta sociedade visando fins de beneficência. Cada uma das diversas provas atribuiu um prémio para os vencedores dados por figuras públicas destacadas do Portugal monárquico.



O comité organizador do evento de Sports Athléticos em Palhavã. Dia 2 de Dezembro de 1906. Fonte: Ilustração Portuguesa. Hemeroteca digital de Lisboa.



Tribuna real durante o evento de Sports Athléticos em Palhavã. Dia 2 de Dezembro de 1906. Fonte: Ilustração Portuguesa. Hemeroteca digital de Lisboa.

 

Provas de ciclismo e corrida de sacos durante o evento de Sports Athléticos em Palhavã. Dia 2 de Dezembro de 1906. Fonte: Ilustração Portuguesa. Hemeroteca digital de Lisboa.


As fotografias que dispomos mostram que para além da estreia do Glorioso no atletismo, o evento de Palhavã distinguiu-se também pelo entusiasmo e por uma acesa competição. Uma época de juvenilidade do nosso Clube e em que o desporto era ainda essencialmente praticado pelas elites.

Voltaremos ao atletismo e ao Grupo Sport Benfica um dia destes.



RedVC

Citação de: RedVC em 21 de Junho de 2016, 13:41
Citação de: M1904 em 21 de Junho de 2016, 12:26
Mais uma vez vou ter que repetir, excelente trabalho!   O0

Curioso o Team de Lisbonense usar o branco e vermelho segundo a noticia do jornal (quando as cores da cidade são o preto e branco usados desde a idade média). Sempre tive essa duvida, pois já vi referenciado que tinham usado o preto e branco.

Erradamente e propositadamente há quem tente passar esse jogo (entre uma seleção de Lisboa e uma do Porto) como um jogo do FCP contra Lisboa/Club Lisbonense, até para justificar a tal fundação de 1893... estórias dentro da história.

O Porto era constituído por jogadores do Ocriket Clube do Porto e do Velo Clube do Porto, e Lisboa por Carcavelos, Club Lisbonense e Cruz-Quebrada. A taça encontra-se no Museu do CIF, pois ficou na mão de Pinto Basto do Club Lisbonense, a raiz ou uma das raízes do CIF.

Obrigado M1904  O0

A satisfação da partilha equivale à satisfação quando vejo que existe um pequeno grupo de pessoas que aprecia estas pesquisas.

É de facto interessante a escolha das cores. Terá sido intencional ou fortuita? A presença de Ingleses terá influenciado? Simples acaso? Seria o equipamento de outro grupo? Não sabemos.

Aparentemente os três primeiros grupos a praticar o futebol na região de Lisboa terão sido o Foot-Ball Club Lisbonense também designado Club Lisbonense, o Ginásio Clube Português e o Carcavellos Club (tenho ideia que numa primeira fase o seu nome era ligeiramente diferente). Ao que sei jogavam essencialmente no Campo Pequeno e na Quinta Nova em Carcavellos.

Teria de verificar mas tenho ideia forte que as cores destes "teams" era outras que não esta camisola esquartelada vermelha e branca. Por isso o mistério continua.

Ao que parece por volta de 1890 já existiam numerosos grupos a praticar o futebol. Terá existido um primeiro surto de grande exuberância futebolística em Lisboa. Depois com os problemas sociais e económicos e com a questão do ultimatum Inglês o futebol tornou-se mal visto. Isto para além da sociedade ver mal que os jovens andassem a correr uns atrás de outros de cuecas...

É pena o CIF não ter ou não partilhar devidamente o material e conhecimento que têm (terão?) desse período pioneiro. Talvez subsista material por explorar no lado dos descendentes da família Pinto Basto e família Villar.

Seria no principio de 1903 e 1904 que se daria um novo impulso. O Sport Lisboa foi parte fundamental desse novo impulso. Poucos sobreviveram. Nós sobrevivemos por causa de termos gente com cabeça e coragem que não teve medo de prosseguir. Gente que definiu os valores do Clube, as cores e o símbolo. Gente que praticou o futebol nas mais difíceis condições. A mística e a adesão popular vieram cedo. Tudo isso explica que tenhamos sobrevivido. Como naquele filme se dizia "O princípio é um tempo muito delicado". E foi mas sobrevivemos.

Ainda haverá coisas para revelar? Talvez. Vamos em busca. Com o tempo mais virá.


Estava a ler a História do Desporto em Portugal de Homero Serpa e lá claramente se refere que o equipamento do Foot-Ball Club Lisbonense foi numa fase mais tardia camisola encarnada  branca, calções brancos e meias pretas.

Familiar, não?


Aquele era o equipamento do Lisbonense. Provavelmente um equipamento muito similar foi também o primeiro equipamento do Sport Lisboa. Atente-se no detalhe da meia preta. O Sport Lisboa também tinha meia preta mesmo já quando a camisola foi a Gloriosa camisola vermelha de tão grandes tradições como dizia Homero Serpa.




RedVC

#468
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A "Corrida da Marathona".

Manhã de 20 de Outubro de 1907. Cruz Quebrada, região ocidental da linha costeira de Lisboa Lisboa. Manhã de ressaca depois do mau tempo que tinha fustigado a cidade na noite anterior. Cerca das 9h45, nove atletas perfilam-se na linha de partida. Em breve seria dado o tiro de partida para a "Corrida da Marathona" organizada pelo jornal semanário Tiro e Sport.


Imagem publicada pelo Tiro e Sport com os nove concorrentes alinhados na linha de partida na Cruz Quebrada. Atente-se na diferença de calçado dos Portugueses para os Ingleses do Carcavellos... Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Na verdade se atentarmos no jornais, o trajecto dessa corrida de 1907 previa um percurso da Cruz Quebrada até Cascais, perfazendo no total a distância de 17 Km. Longe, bem longe da distância dos 42.195 Km da maratona. Apesar disso a corrida teve diversos detalhes notáveis, desde os atletas concorrentes, passando pelos promotores, pelo júri e até alguns assistentes.


Os atletas

Os nove concorrentes representaram 3 clubes. A saber, pelo Grupo Sport Bemfica participaram Augusto Jorge, António Fernandes e Carlos Marques, pelo Carcavellos Club, A. Lowe, K.R. Thompson e AS Cooper e pelo Football Cruz Negra, Joaquim Vital, António Vital e Travassos Lopes.

Só aqui nesta lista vários detalhes interessantes. A presença do Carcavellos a competir numa modalidade que não o futebol ou o ténis. A presença do efémero mas importante Football Cruz Negra, que resultou de uma cisão no Campo de Ourique e cuja extinção viria a beneficiar o SCP e principalmente o Império.

E depois o nosso Grupo Sport Bemfica, pelo qual alinharam três notáveis do pedestrianismo (atletismo) desse tempo. Não tiveram a notoriedade de Félix Bermudes ou de Franciso Lázaro (nosso atleta em 1911) mas foram dos primeiros e, como veremos, honraram a camisola. Aliás atente-se justamente na sua camisola uma vez que do meu conhecimento esta é a mais antiga representação fotográfica do emblema do GSB.




O grupo de 3 atletas do Grupo Sport Benfica que no dia 20 de Outubro de 1907 competiu e conquistou a Corrida da Marathona. Nas camisolas estava ilustrado o emblema do Clube (à direita). Fonte: Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.


Já em tempos Alberto Miguéns publicou num número do Benfica Ilustrado um cartão do GSB datado justamente de Outubro de 1907 mas esta fotografia é a primeira que eu conheço onde se percebe o símbolo do GSB. Pena é que a fotografia não tenha uma resolução superior.



Cartão de sócio do Grupo Sport Bemfica datado de Outubro de 1907. Fonte: Alberto Miguéns in Benfica Ilustrado.


A corrida

Após os aguaceiros caídos antes da corrida as estradas (que na época eram bastante diferentes das actuais...) proporcionavam pisos em mau estado colocando dificuldades aos concorrentes. A passagem dos concorrentes pela diversas povoações, Paço de Arcos, Oeiras, Parede, S. João do Estoril e por fim Cascais motivaram alguma adesão popular. Em algumas dessas povoações os corredores foram mesmo recebidos (!) por comissões locais constituídas por elegantes senhoras e cavalheiros que os felicitavam e incentivavam.



Diversos aspectos dos atletas, organização e assistência durante o trajecto entre a Cruz Quebrada e Cascais percorrido pelos 9 atletas da Corrida da Marathona disputada no dia 20 de Outubro de 1907. Fonte Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.



O juri e outros ilustres

A chegada a Cascais trouxe um toque especial à corrida. Os corredores foram recebidos na linha de meta pelo ilustre júri constituído por notáveis pioneiros do desporto Português, em particular do... futebol: Guilherme Pinto Basto, Eduardo Romero, Carlos Villar e Joaquim Costa.



O Rei Dom Carlos, o Infante D. Afonso, e elementos do júri assim como o troféu da "Corrida da marathona". Fonte Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.


Do primeiro, um dos introdutores do futebol em Portugal já aqui falamos no texto (109; "Em homenagem a Guilherme Pinto Basto", pág. 30). O segundo participou na primeira demonstração pública de futebol num Domingo de Outubro de 1888 justamente na vila de Cascais. Por sua vez Carlos Villar e Joaquim Costa, ambos da Marinha Portuguesa, foram dos promotores mais activos e divulgadores mais eficazes das regras e das virtudes do futebol. Carlos Villar foi à semelhança de Guilherme Pinto Basto um dos jogadores do primeiro Lisboa vs Porto disputado na cidade Invicta em 1894. Foi ainda um fundadores do CIF em 1905.


Mas as figuras notáveis da sociedade Portuguesa desse tempo não ficaram por aqui. A corrida teve ainda a suprema distinção de contar com a presença do rei D. Carlos e do seu irmão, o infante D. Afonso. Este último tinha ainda o pitoresco de ser popularmente conhecido por "Arreda", pois era um pé de chumbo a conduzir automóveis, repetindo com frequência o grito de "Arreda! Arreda!" para que os atónitos transeuntes se afastassem. Livra!!! Claro que atrás do rei e do infante esteve uma boa parte da corte dessa época.



Foto nº 6, o elemento do júri, Guilherme Pinto Basto lendo os resultados ao rei D. Carlos e ao infante D. Afonso. Foto nº 7, o Rei e seu irmão à chegada dos corredores em Cascais, felicitando o comandante Joaquim Costa pela organização do evento. Fonte: Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.


Os vencedores

Cumprida a distância, a vitória coube ao nosso atleta Carlos Marques. O Grupo Sport Benfica contra as expectativas iniciais batia em toda a linha os atletas Ingleses do Carcavellos. Um motivo de prestígio para o nosso Clube.



Carlos Marques atleta do Grupo Sport Benfica, o grande vencedor da "Corrida da marathona". Fonte Tiro e Sport; hemeroteca de Lisboa.



Os atletas António Fernandes (2), A. S. Cooper (6) e Travassos Lopes (9) que viriam a ser 2º, 3º e 4º classificados, respectivamente.


Carlos Marques (3) cumpriu a distância em 1 hora e 10 minutos. Em segundo lugar chegou outro dos nossos homens, António Fernandes (2) que cumpriu a distância em 1h14. Apenas em 3º lugar embora somente com mais 5 segundos que o 2º classificado chegou A.S. Cooper (6), o melhor dos Ingleses. Travassos Lopes (9) que inicialmente liderou a corrida teve uma significativa quebra e apenas chegaria em 4º lugar. Augusto Marques (1) o nosso terceiro homem acabou por chegar em 5º lugar fazendo com que o nosso Clube também ganhasse por equipas.


A tabela final ficou assim ordenada:

               1º - Carlos Marques (GSB; 3) 1h10
               2º - António Fernandes (GSB; 2) 1h14

               3º - A. S. Cooper (CC; 6) 1h14m05
               4º -  Travassos Lopes (FCN; 9) 1h15
               5º - Augusto Jorge (GSB; 1)1h16
               6º - K. Thompson (CC; 4)
               7º -H. Lowe (CC; 5) 1h21

               8º -Joaquim Vital (FCN; 7) 1h26
               9º - António Vital (FCN; 8) 1h26


Dessa forma o grande vencedor colectivo foi o GSB com 8 pontos, depois o CC com 16 e no último lugar o FCN com 21. Limpamos a competição! Para rei ver!


O troféu

E de facto foi das mãos do rei D. Carlos que os nosso atletas receberam o belo troféu de bronze doado pelo Conde dos Olivais e Penha Longa. O Benfica pode assim orgulhar-se de que recebeu troféus não apenas de presidentes da Républica de Portugal mas também do penúltimo rei de Portugal.

E como disse o jornal nessa ocasião Dom Carlos teve "palavras de louvor e incitamento aos briosos rapazes" que venceram a prova "aproveitando a selecta assistência a ocasião para saudar entusiasticamente os vencedores do GSB!". Foi um grande dia. Um dia mesmo à Benfica!


O troféu da corrida da maratona, baptizado com o apropriado nome de "Au But!" que neste contexto significa "À meta!



O troféu de bronze da "Corrida da marathona". Oferecido pelo Conde dos Olivais e da Penha Longa chamava-se troféu "Au but!" que neste caso significa "À meta!". Fonte Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.


Este valioso troféu não consta no entanto do acervo do museu Cosme Damião. Encontramos a explicação no facto de no dia 3 de Maio de 1908, numa nova edição da "Corrida da Marathona" (desta vez já na distância de 24 Km), o mesmo troféu foi entregue ao Velo Clube de Lisboa. O troféu era assim atribuído de forma não definitiva ficando na posse temporária do clube vencedor da competição. Por onde andará hoje essa bela peça de bronze?

Os atletas receberam ainda medalhas comemorativas do seu feito desportivo. Neste dia é certo que o GSB teve a vantagem de não contar com a concorrência do Velo Club de Lisboa, grupo com corredores fortes entre os quais o campeão Francisco Lázaro. Aliás Lázaro viria a correr no nosso Clube em 1911 quando já nos designávamos por SLB.
Escolhi para este texto a corrida de 20 de Outubro mas o que é facto é que uma outra "Corrida da Marathona", igualmente promovida pelo Tiro e Sport se desenrolou em 3 de Maio de 1908 sendo que nesse dia Lázaro e a sua equipa levaram a melhor. Nesse dia Augusto Jorge foi substituído por... José Stromp (alguns detalhes no texto 19 – "Um Stromp â Benfica", pág. 4).



As medalhas oferecidas aos vencedores pelo Tiro e Sport no dia 3 de Maio de 1908. Medalhas similares foram recebidas por Carlos Marques e pelos restantes atletas do GSB no dia 20 de Outubro de 1908. Fonte: Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.


Assim se demonstra que pelo menos desde o último trimestre de 1907 o GSB já tinha actividades desportivas de competição. Para lá das actividades de recreio que envolviam o ciclismo e atletismo nas mais diversas modalidades popularizadas na época, um pequeno conjunto dos seus atletas já competia e como vimos com bons resultados. Particular destaque foi assumido por Carlos Marques e por António Fernandes. Atletas campeões à Benfica!



Uma imagem da linha de partida da Corrida da Marathona de 3 Maio de 1908. Os atletas do GSB tinham os dorsais 1, 2 e 3. Curiosamente o vencedor do ano passado Carlos Marques usou o dorsal nº 2. Fonte: Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.




RedVC

#470
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Memórias de Viena

Viena, 1964.



Áustria de Viena, 1964. José Águas, agachado, é o primeiro à esquerda. Fonte: Jean Hardt.


Uma imagem rara. O Gloriosíssimo José Águas, goleador Benfiquista a envergar a camisola do Austria Wien.

Uma imagem infeliz. Mas quase nos engana. Quase parece aquela que foi a sua camisola do coração.

Não sendo uma fotografia a cores percebe-se que seria com toda a probabilidade uma camisola de cor roxa, a cor dominante do Austria Wien.


O Adeus

Fechado o ciclo da Luz, em 1963-1964, José águas fez uma época no Áustria de Viena. Um ano de escasso registo. Como se fosse pecado. Pecado depois de abandonar a camisola vermelha, no que foi uma fusão perfeita para o mais elegante jogador da nossa história.

O texto de hoje pretende dar um vislumbre fotográfico de parte dessa aventura Austríaca. Memórias de Viena.

Mas antes de fazermos essas viagens, deitemos um olhar sobre o último dia de Águas no SL Benfica.


Ponto prévio: considero que José Águas pertence à mais fina flor da Alma Benfiquista. Este é um dos homens que pelo seu talento e dedicação se elevou ao mais alto, ao melhor do que o nosso Clube alguma vez produziu. Águas reuniu tudo, a classe, a garra, a qualidade, o desportivismo, a alegria, o golo!


Carregados de glória, de gratidão mas também de tristeza os Benfiquistas organizaram uma festa de despedida no dia 5 de Setembro de 1963.




Estádio da Luz, 5 de Setembro de 1963. Festa de despedida de José Águas. Fonte: DL, Fundação Mário Soares.


No Estádio do Sport Lisboa e Benfica, jogadores Benfiquistas e Portistas alinham para dizer adeus a José Águas.



Guarda de honra de jogadores do Benfica e do FCP. Fonte: Helena Águas.



Alinhado pela última vez com a camisola vermelha. Fonte: Helena Águas.



Com os filhos, Helena, Cristina e Rui. O pequeno Rui sorria. Um dia tal como o Pai comandaria o nosso ataque rumo a uma final Europeia. Fonte: Helena Águas.



Aos 15 minutos do jogo, deu-se a mais simbólica passagem de testemunho entre avançados centro do Glorioso: José Águas entrega a sua camisola e dá o seu lugar na equipa a José Torres. O bom gigante seria um digno sucessor. Quanta fortuna teve o Benfica em ter estes dois homens nas suas fileiras. Fonte: Helena Águas.



A emoção veio forte quando Ângelo lhe entregou uma prenda do resto do plantel. Os gigantes também choram.



Jantar de homenagem a José Águas. O cumprimento do presidentes Fezas Vital. Ali por trás conseguem ver-se as duas Taças dos Clubes Campeões Europeus que ele ajudou a conquistar. Fonte: Helena Águas.


Um grande homem. Um jogador inesquecível. José Águas foi o avançado mais deslumbrante, elegante, correcto mas também letal da nossa história. Só mesmo este homem poderia estar na imagem mais bela da nossa história, em Berna a levantar aquela Taça. Nunca noutra parte da nossa história se resumiu a nobreza, o anseio, a luta, a garra, a vitória Benfiquista numa só imagem. Uma vitória que recompensou tantos que o precederam e que orgulha tantos que lhe sucederam. Por isso e por tudo o que nos deu amamos José Águas e nunca o esqueceremos.

Não admira que num Benfica Ilustrado se tenha dito que José...


Para sempre!


Memórias de Viena

E depois veio Viena...


Fonte: Delcampe.


Em 1963 depois de sair do SL Benfica abriu-se um novo embora curto episódio da vida do futebolista José Águas. Um episódio na distante e fria Áustria. Capital Europeia da grande música, cidade de grande requinte.




Estatísticas de José Águas no Áustria de Viena. Participação em 20 jogos, 9 deles oficiais. Conseguiu um total de 8 golos, sendo 2 deles obtidos em jogos oficiais. Longe dos números de outras épocas. Fonte: Austria-Archiv.


E do conjunto de jogos onde se participou se percebe que foi no Estádio Ernst Happel que José Águas jogou o seu último jogo da Taça dos Clubes Campeões Europeus. Jogou os 90 minutos no jogo da 2ª mão da primeira ronda pré-eliminatória, ajudando a sua equipa a vencer por 1-0. Na primeira mão tinham perdido na Polónia por igual resultado num jogo em que Águas não participou. O jogo de desempate disputou-se uma semana depois, novamente no Ernst Happel mas mesmo assim o Austria Wien perderia por 2-1 e seria eliminado. José águas não jogou esse jogo de desempate.

http://www.uefa.com/uefachampionsleague/season=1963/clubs/club=50063/matches/index.html]http://www.uefa.com/uefachampionsleague/season=1963/clubs/club=50063/matches/index.html



Também no campeonato não viriam grandes alegrias pois o Áustria Wien ficaria em 2º lugar atrás do campeão Rapid Wien, que conquistou mais 6 pontos. Aqui encontramos listados os 20 jogos em que José Águas deu a sua contribuição ao clube austríaco:

http://www.austria-archiv.at/spieler.php?Spieler_ID=315&Saison_Display=53


Ou seja foi uma época desportiva fraca. No dia 20 de Junho de 1964 disputou o seu último jogo contra o Admira Energie. A sua equipa ganhou mas Águas não marcou qualquer golo. E terminou aí.

Não sei se José Águas foi ou não feliz em Viena. É difícil que tenha sido. Terá sido uma mudança muito brusca, apesar deste período austríaco ter sido apenas um breve episódio da sua vida. Seria sempre difícil ter sido feliz quando para trás tinha deixado tantas recordações bonitas, a família, os lugares, as memórias, os dias felizes do Benfica. O coração de José Águas estaria certamente em parte em Lisboa e em parte no Lobito. Em Viena apenas uma curta passagem, uma conclusão digna de uma grande carreira .

Estão disponíveis imagens que captaram alguns desses dias de Viena. Ao vê-las é preciso deixar um sincero agradecimento à sua filha, Helena Águas. A disponibilização destas fotografias, assim como o livro (que tive o prazer de comprar) que ela escreveu sobre o seu Pai são uma generosa e sentimental dádiva a todos Benfiquistas. São parte da história deslumbrante do seu Glorioso Pai.

Aqui ficam, memórias de Viena:



Em trânsito. Fonte: Helena Águas.



À chegada a Viena. Fonte: Helena Águas.




Um momento de descontracção culinária com Jacaré, o seu colega de equipa e amigo Brasileiro. Fonte: Helena Águas.



Águas, Jacaré e um outro companheiro a serem examinados por um médico – presumo do Austria Wien. Fonte: Helena Águas.



À mesa num momento de descontracção entre os dois bons amigos. Fonte: Helena Águas.



Com os filhos, Cristina, Rui e Helena Águas. Fonte: Helena Águas.



E numa homenagem final, deixo aqui a mais bela prosa que alguma vez li sobre José Águas. Deixo as palavras escritas de António Lobo Antunes. Um texto à altura do talento do escritor que o redigiu e que é também uma expressão sincera, profunda e sentimental de um homem que se recorda que enquanto menino teve a fortuna de ver José Águas a espalhar classe nos relvados. Quantos de nós não gostariam de ter tido esse privilégio?



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O senhor Águas

Nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio?
Há mais de trinta anos que não assisto a um jogo de futebol. Não conheço os estádios novos, vejo, às vezes, um bocadinho na televisão. Mas entre os dez e os vinte anos não falhava um jogo do Benfica. E não falhei enquanto Águas jogou. Claro que não era apenas Águas: era Costa Pereira, Germano, Ângelo, Simões, Eusébio, Cavém, o grande Mário Esteves Coluna que Otto Glória considerava o melhor jogador português, outros mais artistas que jogadores, como José Augusto, por exemplo, a todos estou grato pela beleza e a alegria que me deram, porém nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas.

Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio? Era a elegância, a inteligência, a integridade, o talento, e ao pensar em escrever o meu desejo era ser o Águas da literatura. Vi Pelé, Didi, Nilton Santos, Puskas, Di Stefano, Santamaria, tantos outros génios, no tempo em que o futebol não era ainda uma indústria nem os jogadores funcionários competentes, comandados por esse horror a que chamam técnicos: era pura criação, uma actividade eufórica, uma magia cinzelada, uma nascente de prazer, uma inspiração, um entusiasmo. Águas foi tudo isso e, muito novo, ganhou o respeito dos colegas, dos adversários, dos jornalistas da época, que os havia de grande qualidade, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Aurélio Márcio, Homero Serpa, tantos outros. Não jogava futebol: criava futebol, respirava futebol, inventava futebol, e teria sido um privilégio para mim conhecê-lo. Não para falar com ele, para o ouvir. A sua beleza física invulgar distinguia-o de todos os outros, a forma de se mover em campo era única, a autoridade sobre os companheiros natural e humilde. Os miúdos que iam comigo à bola chamavam-lhe senhor Águas, sem sonharem que era desse modo que Simões e Eusébio o tratavam, como tratavam Coluna. Senhor Águas, senhor Coluna. Reconhecíamo-lo, do alto do terceiro anel, no estádio de então, onde, de tão longe, os jogadores minúsculos, pelo modo de correr, se deslocar no campo, passar, rematar, reconhecíamo-lo pelos seus golpes de cabeça, inimitáveis, pelo sentido da ocupação do espaço, pela simplificada geometria do seu futebol. Não tinha a garra de Ângelo ou Cavém, a força de Coluna, o gigantesco talento de Eusébio, o poder do drible de Simões, a velocidade de José Augusto: era uma espécie de rei sereno e eficaz, um aristocrata perfeito. Até a andar os olhos ficavam presos nele, na harmonia dos gestos, no modo de ajeitar bola, e eu, criança de dez anos ou adolescente de quinze, pensava tenho de trabalhar mais esta página, ainda não chego aos calcanhares de José Águas. Escrever como ele jogava, com a mesma subtileza e a mesma eficácia. Escrever como a equipa do Benfica, umas vezes à Ângelo, outras à Germano, outras à Coluna, e finalizar à Águas. Nunca deve ter ouvido falar em mim nem podia adivinhar que um garoto qualquer o tomava não apenas como mestre de futebol mas como mestre de escrita. Só, mais tarde, certos saxofonistas de jazz, Bird, Coltrane, Webster, Coleman, Hodges, alguns mais, tiveram, sobre o meu trabalho, influência semelhante. Mas Águas foi o meu primeiro e indisputado professor: escreve como ele joga, meu estúpido, aprende a escrever como ele jogava. Como morava em Benfica via-o, às vezes, no autocarro do clube e ficava, pasmado de admiração, a fitá-lo. Isto lembra-me o meu irmão Nuno chegando a casa de dedo no ar

- Toquei no Eusébio, toquei no Eusébio

como provavelmente, eu o faria, porque na infância e na adolescência o futebol era, para além de uma aprendizagem do mundo, um prazer infinito. A cor dos equipamentos
(o meu amigo Artur Semedo:

- Não sou um homem às riscas, sou homem de uma cor só)

a entrada em campo, o hino, tudo isto me exaltava e fazia feliz. E as vitórias, comemoradas em Benfica com bebedeiras eufóricas. Uma das minhas glórias secretas, confesso-o agora, consiste em ter visto a fotografia do meu pai no balneário do hóquei em patins do Benfica, de ele ter estado no Campeonato da Europa de 1936, em Estugarda, com vinte ou vinte e um anos, e de brincarmos com uma caixa de lata cheia de medalhas, a que o meu pai não dava importância alguma e eu considerava inestimáveis. Há pouco, a minha mãe

- O que faço eu a isto?

exibindo-me uma espécie de troféu ou de placas num estojo, que alguns anos antes de morrer a Federação de Patinagem lhe entregou, juntamente com outras antigas glórias, e que me recordo de o meu pai, que não saía, ir receber com satisfação secreta. Mas, claro, eu era só filho do Lobo Antunes, não era filho do Águas, e ainda sei medir as distâncias.

Portanto, o que vou eu fazer a um campo de futebol se ele já não joga? Seguir os funcionários competentes de um negócio? Assistir ao bailado dos técnicos? Ver a fantasia substituída pela sofreguidão, a ambição pela avidez, o amor ao clube pela violência idiota? Claro que continuo a querer que o Benfica ganhe. Claro que sou, como em tudo o resto, parcial, sectário, por vezes sem bom senso algum. Mas há séculos que não sofro com as derrotas e, sobretudo, não choro lágrimas sinceras com elas: estou-me nas tintas.

Contudo voltaria a trotar, radiante, para assistir à entrada em campo de Costa Pereira, Mário João, Germano, Ângelo, Cavém, Cruz, José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Simões, a agradecer-lhes o facto de me terem, durante anos e anos, colorido a existência. E talvez no fim do jogo, postado junto ao autocarro, quando os jogadores saíssem do balneário, o senhor Águas me apertasse a mão.





Fonte: Revista Visão
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RedVC

#472
-118-
Taça Charles Miller '55 (parte I): O torneio e o seu tempo.

A Taça Charles Miller na sala de troféus do SC Corinthians,

A Taça Charles Miller disputada em 1955 no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Fonte: todopoderosotimao.com


Esta taça foi disputada entre Junho e Julho de 1955 num torneio que decorreu no Rio de Janeiro e em São Paulo, Brasil. Entre os seis participantes do torneio esteve o Sport Lisboa e Benfica. Apesar de não termos vencido esta competição o nosso Clube tem no seu Museu uma réplica oferecida pela CBD dado o brilhantismo atingido pela nossa equipa durante o torneio.

A fotografia do troféu será o ponto de partida para em onze textos se evocar a inesquecível participação do Sport Lisboa e Benfica nesse Torneio Charles Miller:

•   -118- O torneio e o seu tempo.
•   -119- A comitiva Benfiquista.
•   -120- Esses loucos dias cariocas.
•   -121- Entre treinos e feijoadas.
•   -122- Mengo, Mengão; Azarão!   
•   -123- Escaramuças Uruguaias!
•   -124- Doces Palmeiras.
•   -125- America amarga.
•   -126- O "caseiro" Alemão.
•   -127- Gente boa que se vai!
•   -128- O regresso dos heróis.


Como se demonstrará, esse torneio trouxe grande prestígio ao Sport Lisboa e Benfica no Brasil. Cinco anos antes, o SLB tinha feito uma grande digressão pela África lusófona aumentando significativamente a paixão e a adesão do nosso Clube nessas paragens.

Agora chegava a vez do país irmão, o maior espaço da Lusofonia. Era o tempo certo depois da feliz contratação do carioca Otto Glória. Entre 19 de Junho e 10 de Julho a comunidade Lusa no Brasil e os próprios Brasileiros tiveram a ocasião de perceber a grande dimensão social e desportiva do Sport Lisboa e Benfica.

Ao talento e competitividade exibida pela nossa equipa nos relvados Brasileiros somou-se a simpatia e a classe da nossa comitiva fora deles. A digressão de 1955 foi um marco inesquecível para a universalidade do Benfiquismo! Serão desses dias de intenso brilho Benfiquista que falaremos nos próximos textos.




A Taça Charles Miller de 1955

A Taça Charles Miller foi uma competição de futebol organizada pela Federação Paulista de Futebol, tendo sido disputada desde 1954 até 1958. Foi realizada em substituição da "II Copa Rivadácia" cuja organização a CBD não conseguiu concretizar. Assim, patrocinada sob os auspícios do Conselho Técnico da CBD, a edição de 1955, disputada entre 19 de Junho e 10 de Julho, foi a única que teve um formato internacional. Nesse ano, o torneio contou com a presença do Sport Lisboa e Benfica, campeão de Portugal e do Clube Atlético Peñarol, campeão do Uruguai.

Os dois convidados internacionais não foram escolhidos por acaso. O Sport Lisboa e Benfica chegou ao Brasil prestigiado por ter sido campeão de Portugal nesse ano e por ter ganho a Taça Latina cinco anos antes. Era igualmente reconhecido como o Clube mais popular de Portugal. Aliás, como veremos, o SL Benfica confirmou-se como um Clube que atraía massas, cativando a preferência da comunidade Lusa no Rio de Janeiro e de São Paulo. Ao que parece o SL Benfica terá recebido 85 mil escudos por cada partida do torneio. Essas verbas, interessantes para a época, acabaram por ser o dinheiro mais bem gasto pelos organizadores. A participação do SLB foi um óptimo negócio para a CBD, uma vez que a nossa equipa teve um grande desempenho desportivo, encheu os estádios e com isso salvou financeiramente o torneio.

Já o Clube Atlético Peñarol, campeão Uruguaio no ano anterior, foi uma escolha com um significado muito particular. Cinco anos antes, o Uruguai derrotou o Brasil (1-2) na final do Campeonato do Mundo de 1950. Nesse dia 16 de Julho de 1950, em pleno Maracanã, o Uruguai infligiu a mais traumática derrota desportiva do Brasil de sempre. O "Maracanazzo" provavelmente suplantou em dramatismo a recente e humilhante derrota Brasileira na meia-final do Mundial 2014 contra a Alemanha (1-7). Foi uma tragédia nacional.




O Peñarol representava um futebol imensamente prestigiado pelos títulos olímpicos de 1924 e os títulos de campeão mundial de 1930 e 1950. As realidades futebolísticas Sul-Americanas daquele tempo eram diferentes. Nesse ano de 1955 o Brasil nunca tinha sido campeão mundial e ao invés o Uruguai tinha dois títulos mundiais. Faltavam ainda três anos para o mundial da Suécia e Pelé ainda nem sequer tinha aparecido no Santos. E assim se entende melhor a importância da participação do Peñarol na Taça Charles Miller '55.

Inicialmente a CBD terá tentado organizar um torneio octagonal integrando o Honvéd (Hungria) e uma outra equipa Europeia – falando-se na Fiorentina (Itália), Newcastle ou Chelsea (Inglaterra), entre outras. Terão sido questões de verbas que inviabilizaram que Puskas, Kocsis, Czibor e restantes companheiros acabassem por não entrar neste torneio. Assim a competição no seu formato final envolveu seis equipas que jogaram todas entre si.


Os cinco jogos do Benfica ficaram assim calendarizados:



Ou seja o Benfica defrontaria os clubes cariocas e o Peñarol na cidade do Rio de Janeiro e deslocar-se-ia a São Paulo para defrontar os clubes Paulistas. Ainda se terá levantado a hipótese de o Benfica jogar no Maracanã contra o Corinthians mas o facto de o encontro ser decisivo para o desfecho do torneio acabou por fazer com que o Corinthians não saísse da sua cidade e do seu estádio.


Quem foi Charles Miller?


Segundo a ideia mais consensual entre os especialistas, Charles Miller foi o introdutor do futebol no Brasil por volta de 1894. Também por essa altura Charles Miller terá também introduzido o râguebi no Brasil. A seguir resume-se um conjunto de factos retirados do museudosesportes.blogspot.com.br.

Charles Miller nasceu em São Paulo no dia 24 de Novembro de 1874. Nascido no seio de uma família abastada era filho de pai Escocês e mãe Brasileira mas de origem Inglesa. Aos 10 anos, após concluir a sua formação escolar primária, Charles foi estudar em Inglaterra onde numa escola pública em Hampshire completou a sua educação. Por lá estudou durante 10 anos e por lá também aprendeu a praticar diversos desportos, entre os quais futebol, cricket, ténis e râguebi. Em 18 de Fevereiro de 1894, quando regressou ao Brasil diz-se que trouxe na bagagem duas bolas usadas, um par de chuteiras, um livro com as regras do futebol, uma bomba de encher bolas e uniformes usados. Estaria decidido implantar a prática desse desporto no Brasil.

"Os primeiros jogos tiveram lugar na Chácara Dulley, no bairro do Bom Retiro. Outras partidas foram disputadas na Várzea do Carmo, em terrenos da municipalidade. O primeiro jogo foi disputado entre o The Team do Gás, integrado por empregados daquela Companhia e o The S.P. Railway Team formado por funcionários dessa ferrovia. Isso aconteceu no dia 15 de abril de 1895. A primeira tarefa dos atletas ao chegarem ao campo foi enxotar do mesmo os animais da Cia. de Viação Paulista que pastavam. Logo depois foi iniciado o jogo que transcorreu interessante, sendo que alguns jogadores utilizavam calças por falta de uniforme adequado. Venceu a equipe do S.P. Railway, por 4x2. Charles Miller estava entre os vencedores. Quando terminou o jogo, havia o compromisso para se promover um segundo encontro."
Fonte: museudosesportes.blogspot.com.br

Charles Miller jogaria futebol no São Paulo Athletic Clube até 1910 e depois disso viria ainda a ser árbitro. Foi funcionário da Mala Real Inglesa (Royal Mail Line ; uma das principais companhias britânicas de navegação). Com setenta e nove anos de idade, morreu no dia 30 de Junho de 1953. Não admira que a CBD logo em 1954 o tenha querido homenagear com a instituição de uma Taça com o seu nome.




Charles Miller numa fase mais avançada da sua vida. Fonte: TV Globo.


É interessante estabelecer comparações com o que se pensa ter acontecido em Portugal. A data de 1894 significa que a introdução do futebol em Portugal continental precedeu o Brasil em cerca de seis anos. Se pensarmos no evento de 1875 na Madeira por acção do Inglês Charles Hilton então a diferença aumenta para dezanove anos. Em ambos os casos foram estudantes em Inglaterra que ao regressar ao país de origem trouxeram a ideia e meios para promover a prática do futebol. No caso de Portugal foram os irmãos Guilherme, Eduardo Luís e Frederico Pinto Basto e no caso do Brasil foi Charles Miller.

Durante o século seguinte o Brasil tornou-se um dos países mais apaixonados na prática do desporto-rei. O Brasil atingiu uma posição cimeira em vários períodos do século XX. É actualmente penta campeão mundial tendo dado ao mundo jogadores que foram expoentes máximos do virtuosismo e da beleza do futebol: Friedenreich, Leónidas, Pelé, Coutinho, Garrincha, Vává, Didi, Tostão, Gérson, Rivelino, Jairzinho, Zico, Ronaldo e Ronaldinho. No Brasil nasceriam ainda Clubes de grandeza ímpar no futebol mundial: Vasco da Gama, Botafogo, America, Fluminense e Flamengo no Rio de Janeiro; Santos, Corinthians, São Paulo, Palmeiras em São Paulo; Grémio e Internacional em Portoalegre; Cruzeiro e Atlético Mineiro em Minas Gerais; entre tantos e tantos outros. Do Brasil viriam ainda para o futebol Benfiquista nomes que estão inscritos a ouro nos melhores de sempre: Ricardo Gomes, Mozer, Valdo, Izaías, Luisão, Júlio César e Jonas. E tudo começou num certo Charles Miller.


As equipas do torneio

Dadas as peculiaridades históricas e a grande dimensão territorial do país, o Brasil tem uma história única e complexa no que concerne às competições de futebol à escala nacional. Até ao final da década de 50 os clubes competiam essencialmente nos campeonatos estaduais, sendo os jogos entre clubes de diversos estados considerados particulares, o que não queria dizer que tinham menos importância. Não existindo organização, existiu sempre qualidade e competição acesa. De 1933 a 1966 existiu um campeonato Rio-São Paulo, competição algo irregular e que apenas estabilizou na década de 50. Apenas em 1959 foi criado um torneio nacional, a Taça Brasil que resultou de um alargamento do torneio Rio-São Paulo. Em 1967, o Torneio Rio-São Paulo foi expandido para incluir equipes de outros estados, designado como Torneio Roberto Gomes Pedrosa, e popularmente conhecido por "Robertão". Essa terá sido a primeira competição Brasileira à escala nacional.

Outro facto interessante é a precocidade dos contactos internacionais entre equipas Brasileiras e Europeias, isto apesar das condicionantes geográficas. Como já aqui falamos um desses primeiros contactos envolveu a visita de uma equipa da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) ao Brasil durante o mês de Julho de 1913. Essa equipa, que pode ser considerada como uma selecção de Portugal, era capitaneada e orientada tecnicamente pelo nosso Cosme Damião (ver os textos 46-47). Facto fundamental é que oito dos dezasseis jogadores dessa comitiva eram Benfiquistas. Essa equipa da AFL disputou jogos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Já nessa altura a equipa portuguesa não se ficou pela componente desportiva assumindo também uma agenda carregada com compromissos sociais. Depois disso e até 1955 diversos Clubes Brasileiros vieram em digressão a Portugal, com particular destaque para a digressão do Vasco da Gama a Portugal em 1931 (ver texto 43).

Do que atrás se referiu poder-se-á concluir que o melhor futebol Brasileiro se jogava essencialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. O futebol Paulista era considerado mais técnico enquanto o do Rio de Janeiro era mais competitivo e viril. Existiam muitos Clubes com equipas forte com grande nível competitivo mas não existia um campeonato Brasileiro à escala nacional.

Assim se compreendem os critérios estabelecidos pela CBD para o grande torneio de 1955. Foram convidados o campeão e vice-campeão de 1954 dos Campeonatos Carioca (Flamengo e America, respectivamente) e Paulista (Corinthians e Palmeiras, respectivamente). A estes clubes juntaram-se o Sport Lisboa e Benfica, campeão português de 1954-1955, e o CA Peñarol, campeão uruguaio de 1954. Dos seis clubes participantes apenas dois (Flamengo e Peñarol) apresentam uma data de fundação anterior à do Sport Lisboa e Benfica.





O futebol Benfiquista em 1954-1955

A digressão do SLB ao Brasil em 1955 ocorreu numa época de profunda transformação do nosso Clube. O Clube celebrava os seus 50 anos e logo com a inauguração do Estádio da Luz.



A equipa de futebol do Sport Lisboa e Benfica que defrontou o FCP (1-3) no dia 1 de Dezembro de 1954, dia da inauguração do Estádio da Luz. De pé, da esquerda para a direita: Angelino Fontes, Costa Pereira, Jacinto, Ângelo, Naldo, Caiado, Artur, Bastos, Otto Glória. Em baixo: Palmeiro, Coluna, Águas, Calado, Du Fialho.

Futebolisticamente, a época de 1954-1955 foi uma das mais decisivas de sempre da história do SLB. O nosso Clube estava há quatro anos sem ganhar o campeonato, vendo o SCP conquistar um até aí inédito tetra-campeonato. Apesar de reconhecidamente contarmos com excelentes praticantes não conseguíamos traduzir essa qualidade em títulos. Havia também que renovar a equipa e aliviar uma folha salarial pesada. O presidente Joaquim Ferreira Bogalho e os seus companheiros de Direcção decidiram operar uma completa revolução no futebol do Clube. A medida nuclear para essa revolução foi a contratação de Otto Glória, um treinador Brasileiro que tinha orientado os clubes cariocas CR Vasco da Gama, o America FC e o Olaria.

Otto Glória foi o primeiro Brasileiro a orientar a nossa equipa de futebol. Foi uma escolha feliz pois o Brasileiro trouxe uma verdadeira revolução ao futebol Benfiquista com a sua sagacidade e competência técnica mas também com um conjunto de inovações que mudaram para sempre o futebol Português. Numa década, assente nas suas inovações e num conjunto inigualável de jogadores, o Benfica ascenderia ao topo da Europa.

Com Otto vieram regras duras, mais disciplina, maior capacidade atlética e maior velocidade de jogo. Otto trouxe também inovações tácticas e aumentou a concentração e o rigor competitivo da equipa. Foi criado um lar do jogador onde moravam a tempo inteiro os solteiros e a tempo parcial os casados (geralmente de 5ª feira até 2ª feira de manhã). Esse local permitia o desenvolvimento de um espírito de grupo e o aumento da concentração individual e colectiva antes dos jogos. Foi também criado um bem equipado departamento médico capaz de responder às exigências do Benfica.

Igualmente decisiva foi a mudança de paradigma imposta no profissionalismo no futebol do Clube. Não mais eram permitidas interferências de dirigentes (presidente incluído) no trabalho técnico e em particular no balneário. Não mais foram toleradas outras actividades profissionais dos jogadores da primeira equipa. Por esses e outros motivos, considerando o início de época anterior, abandonaram o Clube 7 jogadores com um passado de grande notoriedade (Rogério Pipi, Mário Rui, Julinho, Moreira, Fernandes, Rosário e Félix) e 6 jogadores com aparecimento esporádico na equipa titular (António Manuel, Neves Pires, José Batista "Bicho", Gonzaga, Júlio, José Henrique Vaz). Muitos desses jogadores estavam em fase final da carreira. Alguns tinham profissões paralelas onde auferiam proventos importantes especialmente se pensarmos que nesse tempo os rendimentos do futebol não garantiam o futuro dos futebolistas e das suas famílias. Foi esse justamente o caso de Rogério Lantres de Carvalho. O popular "Pipi" optou por abandonar o Clube e privilegiar a sua vida como vendedor de automóveis onde conseguia bons proventos. Prosseguiu assim a sua actividade futebolística amadora no Oriental durante mais alguns anos onde mostrou a sua classe. Com todas essas saídas, o Benfica partia para uma nova época aparentemente bastante enfraquecido. Puro engano.


Rogério Pipi no Oriental saudando Bastos e Jacinto, seus antigos colegas. Fonte: Delcampe.


No início da época 1954-1955 a Direcção Benfiquista garantiu a contratação de jogadores pouco conhecidos dos sócios. Felizmente dois deles, os jovens jogadores Moçambicanos Alberto da Costa Pereira e Mário Esteves Coluna viriam a revelar-se decisivos não apenas nessa época mas também durante a década seguinte.




Algumas das contratações do futebol do SLB, época de 1954-1955. Entre jogadores que passaram quase anónimos pelo Clube estavam os imortais moçambicanos Costa Pereira e Coluna. Fonte: Em Defesa do Benfica.


No final dessa época dura e competitiva, o Sport Lisboa e Benfica celebrava o seu 8º título de campeão nacional de futebol, o primeiro no Estádio da Luz. Ainda assim tudo podia ter sido diferente uma vez que esse título foi conquistado no limite e com alguma fortuna num dia de dramáticas decisões. Tudo se passou na tarde de 24 de Abril de 1955. No Estádio da Luz vivia-se um ambiente deprimido apesar do SLB ir vencendo o Atlético por conclusivos 3-0. Os olhos estavam no relvado da Luz mas os ouvidos estavam no relato da rádio que iam contando o que se passava no Estádio das Salésias. Por lá, o CF Belenenses ia vencendo o SCP por 2-1, resultado que fazia dos azuis de Belém campeões nacionais.


Momento decisivo. A 4 minutos do fim golo de Martins, empate para o SCP e título para o SL Benfica. Fonte: Diário de Lisboa; Fundação Mário Soares.


Mas a 4 minutos do fim desse jogo, um golo de Martins deu o empate ao SCP! Ironia do destino, esse golo do SCP fazia a Luz explodir de alegria! Esse golo do SCP dava o título de campeão nacional ao SLB. Esse golo levou a Luz à festa do seu primeiro título! ´Nunca um golo do SCP foi tão doce para o SLB e nunca um golo do SCP foi tão amargo para o CFB. O Diário de Lisboa na sua edição de 25 de Abril de 1955 resumia o que tinha sido a época e o mérito da equipa do Sport Lisboa e Benfica.



Fonte: Diário de Lisboa 25 Abril 1955; Fundação Mário Soares.



Sport Lisboa e Benfica, campeão nacional de 1954-1955. De pé, esquerda para a direita: Angelino Fonte, Bastos, Jacinto (cap.), Pegado, Naldo, Ângelo, Caiado, Alfredo, Artur, Costa Pereira. Agachados: Calado, Arsénio, Palmeiro, Azevedo, Águas, Coluna, Salvador, Du fialho e Zézinho. Fonte: Delcampe.


No próximo texto falar-se-á com detalhe da comitiva Benfiquista ao torneio Charles Miller de 1955.



Bakero

Fantástico esse campeonato, ganho mesmo no photo-finish!  :D

Já do lado oposto, teremos 77/78, o tal invicto mas que mesmo assim perdemos por diferença de golos para o porto; o 85/86 com aquela estúpida derrota com os lagartos na Luz na penúltima jornada; e claro, 12/13  :disgust:

Haverá mais campeonatos ganhos ou perdidos in extremis pelo Benfica?

RedVC

#474
Citação de: Bakero em 25 de Agosto de 2016, 18:47
Fantástico esse campeonato, ganho mesmo no photo-finish!  :D

Já do lado oposto, teremos 77/78, o tal invicto mas que mesmo assim perdemos por diferença de golos para o porto; o 85/86 com aquela estúpida derrota com os lagartos na Luz na penúltima jornada; e claro, 12/13  :disgust:

Haverá mais campeonatos ganhos ou perdidos in extremis pelo Benfica?

Como referes tivemos essas infelicidades. Mas há outra ainda mais antiga.

Em 1947/48 perdemos um campeonato para o SCP por disputa de confrontos directos. Por 1 golo. Foi o célebre campeonato do pirolito. Era treinador o Húngaro Lipo Hertzka.

Foi um campeonato inacreditável pois tínhamos ganho por 3-1 no campo do Lumiar (SCP) na primeira volta e depois estragamos tudo quando eles foram ao Campo Grande (nosso) ganhar por 4-1.

O SCP era treinado por Cândido de Oliveira, um génio do nosso futebol. Grande futebolista, grande treinador, grande pensador. Co-fundador do jornal "A Bola". Uma personalidade fascinante que foi selecionador nacional, treinador do SCP, do FCP, do CFB, da ACA, do Flamengo do Rio de Janeiro, etc.

Mas Cândido Oliveira nunca foi treinador do Sport Lisboa e Benfica. O seu grande amigo António Ribeiro dos Reis, e muitos outros notáveis Benfiquistas nunca permitiram que isso acontecesse. No princípio da década de 20 Cândido abandonou o SLB para fundar o Casa Pia Atlético Clube. Levou com ele a maior parte da equipa (campeã nesse ano). Logo ele que era o homem em quem Cosme confiava para lhe suceder como o grande organizador, o grande pensador do Clube.

E nesse tempo quem saia do Benfica a mal nunca mais voltava.

E Cândido de Oliveira nunca escondeu que o seu coração era...  Benfiquista! De um lado e de outro, todos homens de fibra. Verticais até ao fim. Mas foi de cortar o coração.


(actualizado...)

RedVC

#475
-119-
Taça Charles Miller '55 (parte II): A comitiva Benfiquista.



E assim foi num clima de euforia associativa que o Sport Lisboa e Benfica embarcou para o Brasil na noite do dia 14 de Junho de 1955 para disputar a Taça Charles Miller. Com as vacinas e passaportes em ordem, os 17 Gloriosos jogadores, 2 treinadores, 4 dirigentes e 1 árbitro foram:



Lista dos 17 jogadores que integraram a comitiva Benfiquista para a digressão Sul-Americana. Ordenação por antiguidade.

Nota: valores sujeitos a confirmação por terem sido retirados do Almanaque do Benfica (pouco fiável)


Ou seja um grupo com uma média de idades de 26 anos, mesclando jogadores jovens e quatro trintões.

Na baliza tínhamos Costa Pereira e Bastos, dois enormes guarda-redes alternaram a titularidade nos anos seguintes. Nesse ano o recém-chegado Costa Pereira tinha ganho vantagem e era o titular absoluto.

A defesa era comandada pela serenidade do capitão de equipa Jacinto, que com os seus 34 anos era o mais veterano da equipa. Ao seu lado jogava Artur Santos que se destacava pelas suas capacidades atléticas e eficácia.

O meio campo era comandado pelo trintão Fernando Caiado, mas Mário Coluna com apenas 20 anos de idade começava a impor-se logo na sua primeira época de águia ao peito. Nos anos seguintes Coluna tornar-se-ia o mais extraordinário centrocampista da história do SLB.

No ataque destacava-se José Águas, um outro Africano e seguramente o mais elegante avançado de sempre no nosso Clube. Letal. Estávamos a apenas seis anos da primeira glória Europeia Benfiquista e a nossa equipa já integrava cinco futuros campeões europeus: Costa Pereira, Artur Santos, Ângelo, Mário Coluna e José Águas.

Para além das capacidades atléticas desses jogadores deve notar-se que existiam personalidades muito diferentes naquela equipa. Para além do seu talento futebolístico, a personalidade dos jogadores chave da equipa foi um elemento fundamental para o sucesso que viria. Otto Glória estava a lançar não apenas as bases do sucesso dessa equipa mas também as bases dos sucessos das equipas que vieram na década seguinte. É por isso pitoresco ver como num jornal Brasileiro vieram retratadas as curiosas personalidades de alguns dos jogadores da comitiva.



Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Listando o que esse jornal Brasileiro publicou, deliciem-se com a diversidade do nosso grupo:

•   Costa Pereira "a alegre cigarra, rei dos "penalties" e do público feminino de Lisboa";
•   Caiado "a formiga no duro, trabalhadora e económica";
•   Ângelo "o neurasténico (mania das doenças) e piadista";
•   Águas "a criança grande, social, brincalhão e doce de coco do público feminino";
•   Palmeiro "o irrequieto bem-humorado";
•   Zézinho, leitor compulsivo de clássicos (Guerra Junqueiros, Eça de Queiroz, etc);
•   Alfredo "o três pés, dono de uma adega";
•   Arsénio "a enciclopédia ambulante que sabe tudo e guarda tudo";
•   Jacinto "o calmo industrial de cortiça";
•   Coluna "o caçula taciturno que falando o mínimo faz o máximo";
•   Artur "o meio advogado, presidente da Caixa dos defensores dos colegas".


Curiosamente, apesar da mudança do futebol Benfiquista para o profissionalismo, imposta por Otto no princípio dessa época, os jornais Brasileiros deram a entender que os jogadores mantinham outras actividades que lhe davam bons rendimentos. Esses "empregos" eram



Fonte: Diário da Noite.


•   Costa Pereira - telegrafista de aviação;
•   Bastos - desenhista;
•   Jacinto - dono de indústria de cortiça;
•   Artur Santos – dono de mercearia;
•   Monteiro - radiotécnico;
•   Caiado - desenhista da camara municipal de Lisboa;
•   Alfredo - dono de restaurante;
•   Ângelo - industrial de calçado;
•   Calado - caixa de banco em unidade bancária do presidente Bogalho;
•   Pegado - tradutor público de Inglês e Francês;
•   Coluna - estudante;
•   Palmeiro - estudante;
•   Salvador – estudante;
•   Arsénio - empregado de escritório;
•   Vieirinha - dono de mercearia;
•   José Águas – estudante.


Os que não foram

Ficaram de fora da digressão pelo menos 5 elementos do plantel de 1954-1955. Desses, dois tiveram grande destaque no campeonato nacional dessa época, Naldo (defesa) e Du Fialho (avançado). Este último tinha contraído uma fractura numa perna num jogo contra o CFB. Havia também Garrido, outro avançado igualmente lesionado com uma fractura num braço. A perda desses dois avançados reduziu o poder de fogo da nossa equipa levando Otto Glória a integrar Vieirinha, um jogador importante noutras épocas mas que nesse tempo já era reservista e estava de saída do Clube. Azevedo e Mendes, outros dois promissores avançados, acabaram por também não ser integrados na comitiva apesar de Azevedo ter tido participação positiva no campeonato dessa época.



No final da época, a nossa equipa receberia o reforço de 5 novos jogadores mas nenhum integrou a digressão ao Brasil. Desses, apenas Cavém vindo do Sporting da Covilhã se revelou mais tarde um indiscutível. Cavém foi aliás um dos melhores jogadores da história do SLB, tendo tido um papel chave nos sucessos do final dessa década de 50 e da Gloriosa década de 60.








É curioso ainda notar que à semelhança do que se passou em diversas digressões de outras equipas de futebol Portuguesas ao Brasil, alguns jornais falaram que o SLB poderia levar jogadores de outros clubes para fortalecer alguns sectores da equipa. No passado o SCP em 1928 tinha levado Roquete (Casa Pia) e Carlos Alves (Atlético do Porto), o Vitória de Setúbal em 1929 levou esses mesmos dois jogadores e ainda Gustavo (Casa Pia) e Tamanqueiro (Olhanense) e novamente o SCP em 1951 levou Ben David (Atlético) e Vieirinha (Estoril).

Em concreto especulou-se que o Benfica poderia levar Matateu, o extraordinário avançado do CF "os Belenenses". Do ponto de vista histórico teria sido curioso ver Matateu a jogar pelo SLB tanto mais que o nosso grupo estava enfraquecido nas suas opções atacantes. Mas o SL Benfica é um Clube diferente e assim essa possibilidade – se é que alguma vez existiu - foi desmentida pelos nossos dirigentes. Ao invés, Ribeiro dos Reis salientaria com orgulho de que o nosso Clube só iria levar ao Brasil jogadores de futebol que pertencessem aos seus quadros. Matateu ficaria em Lisboa para ajudar o CFB a vencer o CR Vasco da Gama que nessa altura estava em digressão em Portugal.

A comitiva Benfiquista integrou também o treinador Otto Glória e o massagista/adjunto Adelino Fontes. Estavam igualmente presentes 4 dirigentes do Clube, a saber, Joaquim Ferreira Bogalho (presidente), Manuel Abril Júnior (tesoureiro), José Ricardo Domingues Júnior (director), Agostinho Paula (director). Ou seja o nosso Clube estava representado ao mais alto nível. A duração da digressão e o volume e a importância social dos locais e instituições a visitar eram grandes e exigentes, justificando esse forte peso institucional e executivo.

Joaquim Ferreira Bogalho, foi o maior presidente da História do SLB. Foi Águia de Ouro em 1938 ou seja 14 anos antes de assumir a presidência do Clube. Foi presidente do SLB de 15/03/1952 a 30/03/1957. Nesses cinco anos concretizou a construção do Estádio da Luz, o grande objectivo que propôs para os seus mandatos. As obras iniciadas em 14 de Junho de 1953, decorreram de tal forma que no ano seguinte, a 1 de Dezembro de 1954, o belo Estádio foi inaugurado. Quando abriram as portas, o Estádio estava integralmente pago. Mas Bogalho não foi apenas o homem do Estádio, foi também o homem que lançou as bases do profissionalismo e que instalou uma estrutura competente que começou a detectar e a contratar os melhores jogadores Portugueses, em particular nas colónias Portuguesas do Ultramar. Não querendo ser injusto com outros presidentes, foi sobre a presidência de Bogalho que o SLB se agigantou e deu tradução desportiva à primazia na preferência popular que existia já desde o nosso nascimento. Foi na sua presidência que se lançaram as bases para a glória dos anos 60 que nos distanciou definitivamente dos nossos opositores.


Joaquim Ferreira Bogalho cedendo à emoção do momento. Reconhecem-se Gastao Silva e Paulino Gomes Júnior. No dia 1 de Dezembro de 1954 o Sport Lisboa e Benfica inaugurava o mais belo Estádio que alguma vez existiu. Fruto da comunhão e entusiasmo dos Benfiquistas foi em Ferreira Bogalho que se personificou o melhor de todos.
De todos Um.


Por fim dado o carácter multinacional do torneio e satisfazendo um pedido da CBD à FPF, com a nossa comitiva viajou ainda o árbitro José Santos Marques que integrou um corpo de árbitros com brasileiros, um uruguaio e um alemão.



Bakero

Obrigado por estes textos!

Se o Benfica se tornou no gigante que se tornou, realmente muito se deveu ao trabalho de sapa destas pessoas, que o fizeram por companheirismo e por amor ao clube. Foram eles que puseram o Benfica na rota de se tornar no maior clube Português e um grande da Europa.  :bow2:

Ps: Águas: "doce de coco do público feminino"  ;D


RedVC

#477
Citação de: Bakero em 26 de Agosto de 2016, 16:28
Obrigado por estes textos!

Se o Benfica se tornou no gigante que se tornou, realmente muito se deveu ao trabalho de sapa destas pessoas, que o fizeram por companheirismo e por amor ao clube. Foram eles que puseram o Benfica na rota de se tornar no maior clube Português e um grande da Europa.  :bow2:

Ps: Águas: "doce de coco do público feminino"  ;D


Obrigado Bakero.

:cool2:

Há várias descrições deliciosas. A de Costa Pereira é também hilariante: "a alegre cigarra, rei dos "penalties" e do público feminino de Lisboa".

A imprensa do Brasil era muito agressiva, bastante avançada para a época. E claro, alguns tentaram explorar a novidade de terem aquela rapaziada alegre e simpática.

Os nossos rapazes eram profissionais e portaram-se de forma digna. Mas claro tinham direito a se divertir nas horas livres. E meninas à volta de rapaziada de futebol era coisa não muito rara no Brasil da década de 50.

Aliás a esse propósito aconselho o texto "Entre treinos e feijoadas". Fica aqui um cheirinho de parte do programa social mais leve da nossa rapaziada.



Mas houve também um  programa social sério e exaustivo.



RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte III): Esses loucos dias cariocas.



A chegada ao Rio de Janeiro



1 - A comitiva Benfiquista a descer para terra Brasileira. O presidente Ferreira Bogalho e o dirigente Manuel Abril à frente. 2 – A comitiva chega à zona de desembarque do aeroporto. À frente reconhecem-se J. R. Domingues Júnior, Artur Santos, Bastos e o capitão Jacinto. 3 – A primeira fotografia de grupo em terras brasileiras. Reconhecem-se entre outros, no primeiro plano: Monteiro. Coluna, Arsénio Alfredo, Palmeiro e Ângelo. Atrás de pé, Bastos, Salvador, Artur Santos, Angelino Fontes, Calado. 4 – José Águas sempre simpático exibindo a sua muito viajada mala. 5 – O batalhão de fotógrafos alinhados para captar as fotografias do grupo Benfiquista. 6 - O zeloso e muito "xingado" funcionário do aeroporto do Galeão. O homem de nome Telmo apareceu em diversos jornais. "Xingado" por todos mas "famoso" por um dia. Fonte: Última Hora e A Noite; Hemeroteca Brasileira.


A comitiva do Sport Lisboa e Benfica chegou ao aeroporto do Galeão no Rio de Janeiro ao começo da noite do dia 15 de Junho de 1955 embora a hora de chegada estivesse inicialmente prevista para as 15h30. Felizmente o atraso não se deveu a nada de grave.

Como se percebe pelas fotografias da ocasião, a comitiva chegou bem e animada. Um verdadeiro batalhão de fotógrafos esperava os Benfiquistas e registou essas imagens históricas. Isto apesar desses numerosos fotógrafos terem a sua acção dificultada por ridículas limitações colocadas por um excessivamente zeloso funcionário do aeroporto. O clima chegou a aquecer com os fotógrafos a depositar todas as suas câmaras no chão em sinal de protesto. A situação lá foi desbloqueada quando um superior deu nas orelhas ao referido funcionário. Os jornais no dia seguinte não calaram a sua indignação. Seria o primeiro episódio de uma série de rábulas.

A comitiva Benfiquista foi afectuosamente recebida por um largo conjunto de grandes personalidades do desporto Brasileiro e em particular do futebol carioca. Entre essas personalidades estiveram Sylvio Pacheco (presidente da CBD), Gilberto Cardoso (presidente do Flamengo), Alves de Miranda (presidente do conselho técnico da CBD), outros membros da CBD, do Flamengo e do Vasco da Gama e ainda um representante da municipalidade do Rio de Janeiro que ofereceu o apoio a prefeitura do Rio de Janeiro durante a estadia dos Benfiquistas. Em destaque estiveram diversos homens ligados ao Vasco da Gama, clube com origem ligada à comunidade Portuguesa daquela bela cidade.



Momentos de socialização da comitiva Benfiquista no Hotel Riviera. 7 – Otto Glória e o presidente Ferreira Bogalho revelando boa disposição ao lado de um Haylton Machado anfitrião Brasileiro. 8 – Otto Glória em alegre convívio com Medrado Dias, homem ligado ao Vasco da Gama (CONFIRMAR). 9 – Otto Glória ao lado do presidente Bogalho, Artur Santos e Salvador. 10 – José Águas a telefonar provavelmente para a sua noiva (com quem casaria daí a apenas dois meses). Bastos e Vieirinha pareciam estar alegremente a "cuscar" a conversa. Fonte: Última Hora e Arquivo Público do Estado de São Paulo.


Uma tragédia que passou perto

No dia seguinte ao emotivo e cansativo dia da chegada ao Rio de Janeiro, chegaria uma notícia dramática. O avião da Panair, Lockheed Constellation 049-46-21, que tinha trazido a nossa comitiva, tinha-se despenhado perto de Assunção, capital do Paraguai. Dos 24 ocupantes do avião salvaram-se apenas 8, incluindo apenas 3 dos 10 tripulantes. Esse drama humano provocou uma grande comoção na nossa comitiva. Estava fresca ainda a memória do trágico acidente do AC Torino apenas cinco anos antes. A vida continuava mas um drama desses nunca mais se esquece.



Fonte: Jornal A noite de 16 de Junho de 1955; Hemeroteca Brasileira e http://www.planecrashinfo.com/1955/1955-27.htm


A troca de hotéis

Inicialmente a comitiva foi conduzida ao Hotel Riviera, tal como orientado pela CBD (Confederação dos Desportos Brasileiros). Lá chegados a comitiva Benfiquista não apreciou as condições encontradas, tendo Otto Glória pedido a António Calçada, dirigente do Vasco da Gama, que providenciasse a mudança de Hotel. A ideia que passou para as revistas foi de que o Hotel Riviera passava por obras e por isso não estaria adequado para uma equipa como a do Benfica. Paralelamente correu também a ideia que Otto não pretendia que os atletas estivessem expostos ao intenso movimento que por lá se fazia incluindo as muitas bonitas mulheres que por lá cirandavam. Otto era um carioca e por isso sabia muito bem o que estava ou não adequado para a sua equipa.

Assim, a comitiva viria a transferir-se para o belo Hotel Luxor, localizado perto da famosa praia de Copacabana. O hotel Luxor seria talvez mais calmo mas convenhamos que ao lado daquela praia a questão das mulheres bonitas não terá sido resolvida. Mas se Otto ficou satisfeito decerto que os jogadores ficaram ainda mais.



Momentos movimentados no Hotel Riviera. 11 –Otto Glória olha apreensivo para a muito povoada sala de jantar do Hotel Riviera. Ao seu lado Bastos, Coluna enquanto Vieirinha olha curioso para a câmara do repórter. 12 –  "Seu Otto" já a dizer das boas a quem podia alterar a situação. Estava em curso a mudança de Hotel. Fonte: Última Hora e A Noite; Hemeroteca Brasileira.



O Benfica já instalado no Hotel Luxor. Coluna, Alfredo e Jacinto aproveitavam o conforto de um espaço com a praia de Copacabana.


O irmão Vasco e o primo Botafogo

Ao longo da competição os jornais Brasileiros salientaram o apoio prestado aos Portugueses nos Estádios por parte de muitos Brasileiros. Em particular foi notado o apoio especial sempre prestado pela torcida do Vasco da Gama. Para além disso, respondendo a uma solicitação da CBD, o Vasco da Gama colocou as suas instalações desportivas de São Januário à disposição do SLB. Com essa gentileza o Vasco da Gama honrava assim as suas origens Portuguesas e correspondia as boas relações que os dois clubes mantinham desde os tempos em que o Vasco da Gama se deslocou a Lisboa no já distante ano de 1931 (ver texto 43 - "Um jogo infeliz, uma pista extraordinária").



Cumprimento no Hotel Riviera entre Ferreira Bogalho presidente do Sport Lisboa e Benfica e Abelard França figura grata do Vasco da Gama e presidente da Federação Metropolitana de Futebol. Um momento institucional entre dois Clubes que eram e continuam a ser as duas maiores bandeiras desportivas da Lusofonia. Fonte: Diário da Noite; Hemeroteca Brasileira.

Deu-se aliás a curiosa situação de que no dia seguinte à chegada da nossa comitiva ao Rio de Janeiro, o Vasco da Gama chegava a Lisboa para efectuar jogos contra equipas Portuguesas. O SL Benfica recebeu formal e calorosamente a comitiva do Vasco da Gama. Em digna representação do presidente Ferreira Bogalho, os membros dos Orgãos Sociais António Ribeiro dos Reis e Justino Pinheiro Machado chefiaram a comissão de recepção aos vascaínos. Na ocasião foi feita uma visita ao novo Estádio seguida de um banquete com cerca de 300 convidados no restaurante de Montes Claros.

Ribeiro dos Reis durante o brinde lembrou os 50 anos do SLB, destacando a os tempos de euforia que se viviam no Clube depois da inauguração do Estádio, coroados depois com as conquistas do campeonato e da Taça. Falou depois Justino Pinheiro Machado agradecendo o hospitaleiro e carinhoso acolhimento dos vascaínos aos Benfiquistas em digressão no Rio de Janeiro. Findo o toque do hino do Benfica os Benfiquistas acabaram gritando "Vas-co! Vas-co!" com os Brasileiros a retribuir com "Ben-fica! Ben-fica!".

O banquete finalizou com o presidente do Vasco da Gama, Artur Pires, que se confessou emocionado mas não admirado com a recepção. Artur Pires confessou-se ele próprio um simpatizante do SLB por influência de amigos Portugueses no Rio de Janeiro. O SLB concedeu o título de sócio honorário a vários elementos ligados à Direcção do clube cruzmaltino, a saber, António Soares Calçada, Artur Fonseca Soares, Ciro Aranha, José Amaral Osório, António Rodrigues Tavares, Jaime Soares Alves e João da Silva. As ligações entre os dois clubes estavam mais fortes do que nunca.



Excerto de notícia de 1 de Julho de 1955 relativo ao jantar de homenagem oferecido pelo SLB à comitiva do Vasco da Gama em digressão em Lisboa. Excerto da visita de cortesia da Direcção do Vasco da Gama à sala de troféus do SLB no dia 11 de Julho de 1955. Fonte: DL; Fundação Mário Soares.


Mas as boas relações institucionais estendiam-se a outros clubes cariocas tais como o Botafogo, clube que curiosamente tinha ligações antigas ao universo Benfiquista (Luís Vieira em 1913-1915 e Rogério Pipi em 1947-1948). Todas essas boas relações foram traduzidas no plano social durante a digressão de 1955.



Fonte: Diário da Noite; Hemeroteca Brasileira.


As ambições Benfiquistas

À chegada ao aeroporto do Galeão, o presidente Ferreira Bogalho fez declarações efusivas e elogiosas para com o povo Brasileiro. Declarou não ter ilusões quanto à sorte da sua equipa no torneio dado o nível superior do futebol Brasileiro. Salientou no entanto que o Benfica manteria sempre uma atitude desportiva e competitiva no torneio.
Falando em seu nome e no dos restantes jogadores, o nosso capitão Fernando Caiado mostrou-se emocionado pela participação no torneio e ainda esperançado numa boa prestação durante a competição.



Fonte: Diário da Noite, 16 Junho 1955.


Por sua vez Otto Glória, que foi efusivamente saudado pelos seus patrícios, não escondia a saudades que tinha do seu país. O treinador salientou as dificuldades que a sua equipa iria encontrar e que pretendia que os seus jogadores aprendessem com a experiência. Em declarações prestadas aos jornais, Otto era muito claro:

"Não conto com o título, apenas espero que os torcedores Brasileiros tenham uma boa impressão do actual futebol Português. As esperanças aqui não são maiores ou menores do que quando assumi a direcção técnica do Benfica (...) No Brasil volto a contar com a mesma atitude dos meus comandados para apresentar uma campanha digna do prestígio conseguido pela nossa equipe."

Apesar disso, Otto não deixou de acrescentar que o SL Benfica tinha aspirações a ganhar jogos. Otto disse que o Benfica tinha uma equipa organizada e com jogadores de qualidade, como aliás os Brasileiros tiveram oportunidade de constatar. Essa equipa, maioritariamente constituída por jogadores jovens, estava em boa forma e por isso esperava fazer boa figura no torneio.



Fonte: Jornal Correio da Manhã; Hemeroteca Brasileira.


Como nos viam os Brasileiros

Foram precisos 51 anos para que o Sport Lisboa e Benfica se deslocasse em digressão ao Brasil. Os jornais Brasileiros souberam transmitir o empolgamento da comunidade Portuguesa com a vinda do Glorioso ao Brasil. Esses jornais informaram que o Benfica era o Clube mais popular do futebol Português e que os ventos de modernidade nesse futebol estavam associados ao seu compatriota Otto Glória. O destaque mediático foi portanto muito grande fazendo que o SL Benfica tenha sido muito bem vendido para o potencial público desse torneio. Felizmente, como veremos, o Benfica correspondeu a essas expectativas.




Alguns dos títulos dos jornais a propósito da eminente chegada dos Benfiquistas. Fonte: Hemeroteca Brasileira.



RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte IV): Entre treinos e feijoadas.



Dia 22 de Junho de 1955, Rio de Janeiro, campo do Bangú.



Treino em 22 de Junho de 1955 no Estádio do Bangú. As duas equipas posam sorridentes para a posteridade. Fonte: Helena Águas.


A imagem acima apresentada captou um momento de alegre convívio entre jogadores do Bangú e do SL Benfica. Foi captada antes de um treino bem disputado. Três dias antes o Benfica já tinha jogado o seu primeiro jogo do torneio contra o CR Flamengo (ver próximo texto) e nesse dia treinava-se para quatro dias depois enfrentar o Peñarol.

O treino foi competitivo tendo os titulares enfrentado um misto de reservas Benfiquistas e de jogadores do Bangú recrutados para completar um quadro de 22 jogadores.


Zizinho e o Bangú

Entre os jogadores do Bangú destacava-se Zizinho, jogador da célebre selecção Brasileira que perdeu a final do mundial de futebol de 1950 em pleno Maracanã. Nascido em Niterói em 14/09/1921, Zizinho, de seu nome completo Tomás Soares da Silva, contava já com 34 anos embora tivesse ainda alguns anos pela frente na sua bela carreira. Iniciou-se no Carioca de Niterói passando depois pelo Byron, para depois iniciar a sua carreira à escala nacional onde passou por Flamengo (1939-1950), Bangu (1950-1957), São Paulo (1957-1958) e Audax Italiano no Chile (1961-1962).



À esquerda: Zizinho, um dos imortais da selecção Brasileira. À direita: Poy, Zizinho e Bela Guttman, campeões Paulistas pelo São Paulo Futebol Clube em 1957!  Fonte: http://spfcnoticias.com/


Principais títulos e distinções individuais de Zizinho:

•   3 Campeonatos Carioca (1942, 1943 e 1944) pelo Flamengo.
•   1 Campeonato Sul-Americano (1949) pelo Brasil.
•   Melhor Jogador da Copa do Mundo da FIFA: 1950
•   Eleito para o All-Star Team da Copa do Mundo da FIFA: 1950
•   1 Campeonato Paulista (1957) pelo São Paulo
•   4º Maior Jogador Brasileiro do Século XX pela IFFHS: 1999
•   10º Maior Jogador Sul-Americano do Século XX pela IFFHS: 1999
•   Eleito o 79º Melhor Jogador do Século XX pela revista Placar: 1999
•   Eleito o 83º Melhor Jogador da História das Copas pela revista Placar: 2006
•   Eleito para o Time dos Sonhos do Flamengo pela revista Placar: 2006
•   Eleito um dos 1000 Maiores Esportistas do Século XX pelo jornal Sunday Times


Algumas frases célebres (retiradas da sua página na wikipedia, https://pt.wikipedia.org/wiki/Zizinho):


•   "Bastava os alto-falantes do Maracanã anunciarem o nome de Zizinho para saber quem seria o vencedor da partida." (Nélson Rodrigues)

•   "Seu futebol faz recordar o Mestre Leonardo da Vinci pintando alguma obra rara." (Giordano Fattori, jornalista do Gazzeta dello Sport, sobre Zizinho)

•   "Eu lia Zizinho, todo domingo, no Maracanã." (Armando Nogueira - jornalista e escritor)

•   "As 'mocinhas' de hoje deviam jogar no nosso tempo." (Zizinho, craque dos anos 50, sobre a reclamação da violência pelos jogadores da década de 70)

•   "Ponta ou tem que ser muito bom ou só serve para não deixar a bola sair para lateral." (Zizinho, ex-craque da Seleção Brasileira)

•   "A bola tem vida própria. Ela gosta de ser bem tratada." (Zizinho, ex-craque da Seleção Brasileira)

•   "Eu não conseguia dormir à noite. Eu sonhava que aquilo era um pesadelo e não tinha acontecido." (Zizinho, ex-craque da Seleção Brasileira, sobre a derrota na final da Copa de 50)

•   "Quando eu era garoto, procurava imitar dois jogadores: o Dondinho, meu pai, e o Zizinho. Quando comecei a minha carreira no Santos, o Zizinho estava encerrando a dele no São Paulo. E encerrando em grande estilo. Ele foi campeão e considerado o melhor jogador do Campeonato Paulista de 1957. Zizinho era um jogador completo. Atuava na meia, no ataque, marcava bem, era um ótimo cabeceador, driblava como poucos, sabia armar. Além de tudo, não tinha medo de cara feia. Jogava duro quando preciso." (Pelé, sobre Zizinho, seu ídolo quando criança).

•   "Esse era o Mestre" – (Pelé, resumindo Zizinho, seu ídolo quando criança)



Pelé e Zizinho, dois génios do futebol Brasileiro. Fonte: reliquiasdofutebol.



Nesse dia, todos os jogadores Benfiquistas quiseram tirar uma fotografia com Zizinho.


Aspectos do treino no campo do Bangú no dia 22 de Junho de 1955; 1 – Zizinho e José Águas posam para a posteridade. Nesse dia foram vários os atletas Benfiquistas que quiseram tirar uma fotografia com tão famoso atleta; 2 – Costa Pereira, em tratamentos e a falar com Zizinho. 3 – Coluna e Caiado a darem uma mão a Zizinho. 4 – José Ricardo Domingues Júnior e Otto Glória entre diversos elementos do Bangú. 5 - Otto Glória a dar indicações aos seus homens. Fontes: Helena Águas e Arquivo Publico de São Paulo.



Os treinos



Fonte: Gazeta de Notícias; Hemeroteca Brasileira.

Fundado em 17 de abril de 1904, o Bangú Atlético Clube manteve-se na sombra dos 4 gigantes do Rio de Janeiro (CR Botafogo, CF Flamengo, Fluminense e CR Vasco da Gama). Manteve no entanto um lugar próprio e relevante no desporto do Rio de Janeiro. Ainda hoje disputa com América FC o lugar de 5º maior clube do Rio de Janeiro. Curiosamente, ambos os clubes partilham as mesmas cores com o nosso Clube.



Nesse dia de 22 de Junho, o Bangú abriu-nos as suas instalações do Estádio Proletário em Moça Bonita e recebeu-nos com dignidade e grande afectuosidade. O que se seguiu foi uma jornada inesquecível de confraternização. A simpatia deste pequeno mas historicamente importante clube carioca, fez-se sentir com o gentil acompanhamento de Guilherme da Silveira Filho, o presidente do Bangú. Depois do treino, a comitiva Benfiquista foi conduzida à Vila Hípica para uma suculenta feijoada à Brasileira. Foi grande a animação dos convivas.




À noite a comitiva Benfiquista juntamente com o Peñarol, foi ver o espectáculo "Não Vou no Golpe" no Teatro João Caetano.



Treinando e socializando

No Rio de Janeiro os treinos Benfiquistas realizaram-se também no Maracanã e em São Januário (local de treino do CR Vasco da Gama). Alguns desses treinos para além de assegurarem a ambientação dos nossos jogadores ao clima Brasileiro e darem preparo físico e táctico, foram também uma ocasião para a apresentação mediática da nossa equipa à curiosa e muito activa comunicação social Brasileira. A digressão Benfiquista tinha também objectivos de representação social do nosso País. Assim listam-se alguns dos eventos mais destacados:

•   17 Junho reconhecimento ao Maracanã e treino nocturno em São Januário. Foram treinadas essencialmente as componentes de preparação física individual;

•   18 Junho os Benfiquistas treinaram no Maracanã, numa sessão interdita ao público. A escolha da hora foi também peculiar pois os trabalhos iniciaram-se cerca das 11 da manhã, altura em que o sol já brilhava forte. Os Benfiquistas não gostaram do relvado do Maracanã, salientando em particular a dureza e secura do piso;
Um aspecto curioso desses treinos foi ver os jogadores do SL Benfica a envergarem uma camisola com faixa diagonal vermelha um pouco ao jeito do River Plate da Argentina.



6 – Entrada da equipa do Benfica no relvado do Maracanã. 7 – Otto Glória liderando o treino. 8 – Artur e Caiado a avaliar o estado da relva. A dureza e secura do piso não foram do agrado da equipa. 9 – Prelecção de Otto Glória. 10 – A linha avançada do SLB. 11 – Coluna e Pegado a equipar-se nos balneários do Maracanã. Fonte: Arquivo Público São Paulo.


•   23 Junho, pela manhã a comitiva Benfiquista terá visitado o Corcovado. Infelizmente parece não haver imagens da visita a esse local místico e de espectacular beleza natural;

•   23 Junho, pela tarde a equipa visitou o Palácio da Guanabara onde foram recebidos pelo prefeito do Distrito Federal e da Câmara Municipal;

•   25 Junho, um dos pontos altos da agenda social, a comitiva do Benfica visitaria o presidente da Republica do Brasil J. Café que na altura habitava no Palácio do Catete no Rio de Janeiro. Brasília era ainda um projecto em construção;



A recepção concedida pelo Presidente da Republica do Brasil à comitiva Benfiquista. Fonte: Jornal da Noite; Hemeroteca Brasileira.


Ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brasil, foi ofertada o diploma de sócio honorário conforme aprovado em Assembleia Geral em 4 de Junho de 1955. Na ocasião o presidente Ferreira Bogalho fez um pequeno mas sentido discurso.
E a agenda prosseguiu nos dias seguintes:

•   1 Julho, comitiva recebida e homenageada pela Federação Metropolitana de Football de São Paulo;

•   2 Julho, comitiva recebida e homenageada no Palácio de Alumínio pela Confederação Brasileira de Boxe;

•   6 Julho, visita a uma usina da Companhia Siderúgica Nacional Brasileira na cidade de Volta Redonda com almoço no Hotel Bela Vista. Estiveram a acompanhar a comitiva Benfiquista alguns elementos da Direcção do Vasco da Gama. Os Benfiquistas visitaram depois o ginásio e a piscina daquela cidade.


As deslocações também foram um factor de desgaste. De 28 Junho até ao dia 3 de Julho o Benfica esteve em São Paulo para jogo contra o Palmeira. Voltaria ao Rio de Janeiro para jogar contra o America mas para o último jogo contra o Corinthians seria forçado a viajar novamente para São Paulo. Pelo meio ainda múltiplas homenagens e visitas a instituições de emigrantes Portugueses Foram dias loucos e mesmo para os conceitos da época, essa agenda foi pouco recomendável para uma equipa de alta competição.



Algumas manifestações do enorme entusiasmo da comunidade Portuguesa no Brasil.

Tantos foram esses eventos que o jogador Francisco Calado, sem papas na língua, declarou a jornalistas Brasileiros: "Os dirigentes terão que concluir um dia que a eles cabe a responsabilidade de cumprir o programa social de uma delegação. Estamos esgotados. Chega de homenagens Se perdermos como no domingo então somos nós os criticados e não eles".

Com essas declarações Francisco Calado mostrava a sua forte personalidade. Não admira que na década seguinte tivesse sido dirigente do Clube.

Mas o próprio Otto Glória admitiu, quando questionado: "Não podemos deixar de atender certos convites, Se isto acontecesse, isto é, se voltarmos a Portugal sem que participássemos de certas festividades, poderíamos até ser alvos de críticas das mais justas".

Agora, pelas fotografias existentes nem tudo parece ter sido cansativo. Alguma desse convívio deu com certeza bastante prazer aos nossos jogadores. Não fazendo alusão aos mexericos (que os houve e muitos...) publicados em certas revistas Brasileiras, finalizo o texto de hoje com uma selecção que ilustra muito bem outra vertente da socialização.



Fonte: Arquivo Público de São Paulo.


No próximo texto será enfim tempo para tratar do futebol jogado no campo. Em breve iria começar o grande torneio Charles Miller 1955.