Decifrando imagens do passado

RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte V): Mengo, Mengão; Azarão!


E eis que chegou o dia da estreia: 19 de Junho de 1955, Rio de Janeiro, Estádio do Maracanã.



O colossal Maracanã nos anos 50. Capacidade para 200 mil pessoas. O SLB jogou lá pela primeira vez no dia 19 de Junho de 1955. Brilhou mas não conseguiu vencer. Uma semana depois chegaria a primeira vitória.

O Benfica estreava-se no torneio e no Maracanã num jogo contra o CR Flamengo. Com cerca de 150 mil pessoas nas bancadas, o Flamengo venceria o jogo por 1-0:




Antes do jogo começar e em ambiente fraterno e caloroso, o Sport Lisboa e Benfica foi homenageado pela comunidade Lusa que compareceu em peso. Quase todas as entidades que congregavam portugueses no Rio de Janeiro aderiram a um vasto e organizado programa de homenagens executado nos momentos que antecederam o jogo. Foi um verdadeiro desfile de homenagens envolvendo faixas honoríficas, troféus de oferta, moças bonitas, muito brilho e sorrisos. Homenagens similares ocorreram nos outros jogos do torneio.



1 – Fernando Caiado, capitão de equipa homenageado pela comunidade Portuguesa; 2 – Imposição de faixa de campeão de Portugal a José Águas e Francisco Palmeiro; 3 – Outro ângulo da imposição de faixa a José Águas e a Artur Santos; 4 – Duas jovens moças entregando à equipa do SLB a bonita taça oferecida pelo periódico "Mundo Português". Hoje está exposta no Museu Cosme Damião; 5 – A equipa do Sport Lisboa e Benfica que defrontou o CR Flamengo no dia 19 de Junho de 1955. Os nossos jogadores envergavam as faixas oferecidas pela comunidade Lusa homenageando o título de campeão nacional de 1954-1955.



Fonte: Hemeroteca Brasileira.



Exposta no Museu Cosme Damião, a Taça oferecida pelo periódico "Mundo Português" no dia 19 de Junho de 1955 em pleno Estádio do Maracanã (ver fotografia 4).



Dois aspectos das homenagens da comunidade Lusa no Rio de Janeiro à nossa equipa.


Finalmente depois de todas as homenagens iniciou-se o grande jogo.

O Flamengo apresentava-se com uma equipa muito forte, particularmente na sua linha ofensiva onde se destacavam Índio, Evaristo e Esquerdinha. No meio campo pontuava Rubens um jogador de selecção Brasileira dotado de enormes recursos técnicos.



6 – Fernando Caiado cumprimenta Dequinha, capitão do CR Flamengo; 7 – A equipa do SL Benfica entra pela primeira vez no Maracanã trazendo a bandeira Brasileira; 8 – A equipa do CR Flamengo homenageia o SL Benfica com uma bandeira de Portugal; 9 – Coluna num abraço fraternal a Rubens; 10 – Conversa entre guarda-redes e goleiro. Costa Pereira e Ari trocam impressões e cumprimentos; 11 – Fase de jogo com um ataque conduzido por Coluna; 12 – Mais um ataque do SL Benfica à baliza dos cariocas; 13 – Coluna recebendo assistência médica nos balneários; 14 - Um aspecto impressionante da massa humana que abandona o grandioso Maracanã. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.


No seu ambiente e amplamente motivados, os cariocas entraram melhor e logo após o apito do árbitro exerceram pressão intensa sobre um Benfica nervoso. A nossa equipa parecia aturdida com o ambiente esmagador e assim logo no segundo minuto Evaristo marcou aquele que viria a ser o único golo da partida. Costa Pereira não esteve isento de culpas nesse golo.



Três ângulos diferentes que registaram o golo que decidiu a partida. Flamengo 1 Benfica 0. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Temeu-se o pior. Mas, ao contrário desses primeiros momentos, a equipa do Benfica manteve-se coesa e reagiu de imediato exibindo a nobreza e a raça dos seus jogadores. Jogando com calma e solidez defensiva, cedo se percebeu que a equipa do Benfica não iria derrocar perante a adversidade inicial mas antes iria discutir rijamente o jogo.

E assim foi. Com uma defesa organizada e dotada de jogadores rápidos a equipa Benfiquista praticou bom futebol, equilibrou territorialmente o jogo e jogou com método e decisão. A partir daí as ocasiões mais flagrantes para alteração do resultado pertenceram ao SLB. Esse belo desempenho conjugado com as rivalidades cariocas (com uma grande representação de adeptos do Vasco da Gama) e com a comunidade Lusa levou o Benfica a ter grande apoio nas bancadas. Os Brasileiros sempre apreciaram equipas que jogam bom futebol.

De entre os nossos jogadores, os maiores destaques foram para Costa Pereira e para Coluna. A exibição do nosso guarda-redes teve grande brilho com esplêndidas defesas e um estilo único a sair dos postes. Essa postura era desconhecida para os cariocas. Foi uma sensação!

Também Coluna, com o seu estilo de jogo desconcertante fazendo uma perfeita aliança entre técnica e força, destacou-se de tal forma que foi desde logo equiparado a Didi, o célebre jogador do Fluminense e da selecção Brasileira.

Foi ainda notada a boa prestação de Artur, jogador atlético e ainda de Caiado a municiar os avançados. Arsénio foi notado na construção de jogo ofensivo apesar de ter sido ineficaz na conclusão.



Ecos da imprensa Brasileira acerca do grande desempenho dos Benfiquistas contra o Flamengo. De salientar em baixo a saliência a Costa Pereira que como se lê na legenda: "O guarda-redes Costa Pereira brilhou intensamente aparecendo como a melhor figura do cotejo internacional. Aqui o vemos impedindo uma carga de Henrique". Fonte: Diversos periódicos Brasileiros; Hemeroteca Brasileira.


Também foi notada a fraca inspiração de José Águas mas Otto Glória daria a explicação: Águas apresentou-se a jogo com dois focos dentários, facto que naturalmente lhe afectou o rendimento. Nada de grave e que foi prontamente tratado.



José Águas num tratamento dentário no Brasil (Otto Glória confirmou a situação depois do jogo do Flamengo, conforme a notícia anexa). Lá atrás Arsénio e Vieirinha, os seus colegas do ataque Benfiquista. Estaria a dar apoio ou terão sido os clientes seguintes? Fonte: Helena Águas e Hemeroteca Brasileira.


Como curiosidade, Evaristo, o marcador do golo da vitória do Flamengo, viria a jogar anos mais tarde no FC Barcelona. Em 31 de Maio de 1961 esteve em Berna. Nesse dia Evaristo perdeu e viu o SL Benfica sagrar-se Campeão Europeu. Para Costa Pereira, Artur, Ângelo, Águas e Coluna estava vingada a derrota de 1955. E com juros!






RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte VI): Escaramuças Uruguaias!



Dia 26 de Junho de 1955, Estádio do Maracanã; Rio de Janeiro.
Segunda jornada do torneio Charles Miller de 1955. O Sport Lisboa e Benfica jogava contra o AE Peñarol.



Perante uma assistência calculada em 150 mil espectadores o SL Benfica conquista a sua primeira vitória:



Foi um jogo de luta, de raça, de vibração. O Benfica dominou e venceu pelo seu melhor jogo e maior coração. Na primeira parte os nossos jogadores irritaram-se com frequência por causa das entradas violentas dos uruguaios. Nada de estranhar dada a violência deliberada, praticada de forma estratégica pelos Sul-americanos. O nosso meio campo tinha gente de fibra, raçuda como Ângelo, Palmeiro e Caiado, que começou a irritar-se com aquelas escaramuças Uruguaias.

O papel do árbitro foi difícil apesar de advertir constantemente os uruguaios. Otto Glória sabedor do estilo de jogo dos uruguaios teve de alertar os seus jogadores para evitarem responder às provocações e à violência tolerada pelo árbitro. Nessa primeira parte o SLB, e em particular Ângelo e Palmeiro responderam na mesma moeda. Felizmente o primeiro tempo acabou sem incidentes irreparáveis mas também sem golos. Coluna foi o melhor com dois bons remates a por o guarda-redes uruguaio à prova.




1 - Otto Glória no balneário junto dos seus jogadores. 2 – Os capitães Davoine e Caiado cumprimentam-se. 3 – Aspecto de um ataque do SL Benfica à baliza Uruguaia. 4 - Otto Glória no banco a orientar a equipa. Fonte: Arquivo Público de São Paulo e Hemeroteca Brasileira.


Na segunda parte as alterações tácticas feitas por Otto Glória assim como os ajustes na atitude competitiva da equipa levaram-nos à vitória. O Benfica passou a praticar um futebol rápido, dinâmico, positivo e criativo. Bola rasteira com passes certos e infiltrações constantes deram cabo do juízo aos uruguaios. A troca de Caiado por Salvador melhorou o jogo da equipa em particular de Coluna. José Águas viria a rematar à trave mas seria Coluna aos 30 minutos do segundo tempo a fazer um golo soberbo, indefensável. Apenas cinco minutos depois, Águas matava o jogo marcando o segundo golo a passe de Coluna. O Maracanã aplaudiu de pé!




5 – Lance aéreo duramente disputado entre Águas e dois uruguaios. Salvador observa. 6 – José Águas remata para fazer o segundo golo. Estava ganho o jogo! 7-8 – Dois ângulos diferentes das celebrações do 2º golo Benfiquista. 9 – Final do jogo. Artur e Alfredo felicitam Águas!



Ilustração gráfica dos dois golos Benfiquistas. Fonte: Esporte Ilustrado; Hemeroteca Brasileira.


No balneário do Benfica a alegria era enorme sendo Otto Glória particularmente vitoriado. Era uma vitória marcante, a primeira em terreno Sul-Americano e perante o entusiasmo e apoio apaixonado de milhares de Portugueses e Brasileiros. Não foi por isso um exagero quando o presidente Ferreira Bogalho declarou:

"Vi com os olhos rasos de água muitos Brasileiros gritarem: Benfica! Benfica! quando dos nossos golos! Os nossos rapazes foram magníficos, dominando em absoluto esta grande equipa de campeões do mundo que é o Peñarol. Não podemos ignorar que a nossa vitória foi árdua, por vezes dura e ríspida, e que a não devemos somente à qualidade dos nossos jogadores mas ao público Brasileiro que nos aclamava."




10 – Festejos entre o pessoal da defesa. O Benfica vencia pela primeira vez no Maracanã. 11 - Nos balneários o embaixador de Portugal no Brasil António de Faria (de laço) felicita o presidente Ferreira Bogalho e Mário Coluna. 12 – O grande José Águas a cuidar do visual. Águas foi o "doce de coco" das meninas Brasileiras. Fonte: Arquivo Público de São Paulo.


De negativo apenas a saída de Salvador por lesão. Costa Pereira, Artur Santos, Ângelo e Caiado foram considerados os mais destacados na componente defensiva, enquanto Salvador e José Águas destacaram-se no sector ofensivo. Acima de todos esteve Mário Coluna com um golo e uma assistência. O monstro sagrado começava a mostrar-se ao mundo. Não admira o interesse que diversos clubes cariocas manifestaram na sua contratação. Naturalmente, Ferreira Bogalho não esteve pelos ajustes. José Ricardo Domingues Júnior foi claro ao dizer que vender Coluna provocaria uma revolução no Clube!

O prestígio do Benfica subiu às nuvens entre os emigrantes Portugueses e também entre os Brasileiros uma vez que vencer os Uruguaios não era reconhecidamente tarefa fácil. No dia seguinte os jornais Brasileiros deram amplo eco dessa enorme vitória.




Ecos na imprensa da vitória do SL Benfica contra o Peñarol. Fonte: Diversos; Hemeroteca Brasileira.


A ilustrar o estado de espírito dos uruguaios no final do jogo basta dizer que nenhum jornalista Brasileiro teve sequer a coragem de colocar qualquer questão ao treinador Obdúlio Varela. Apenas se sabe que quando um empregado do vestuário do Maracanã lhe perguntou se precisava de qualquer coisa, Varela terá mesmo respondido:
"Precisava de arsénico para os meus jogadores!"
.

Varela era o antigo capitão da selecção Uruguaia que se sagrou campeã do Mundo em 1950 derrotando o Brasil em pleno Maracanã. Nesse dia o "Jornal da noite" descreveu Obdúlio como um "animal na jaula"... O homem estava tão danado que no jogo seguinte regressaria episodicamente aos campos de futebol. De nada valeu, a grande equipa do America FC venceria os Uruguaios por conclusivos 4-1.

Mas naquele dia teve de lidar. Só deu Benfica!



RedVC

#482
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Taça Charles Miller '55 (parte VII): Doces Palmeiras.


São Paulo, tarde do dia 29 de Junho de 1955. Estádio do Pacaembú.


Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido por Estádio do Pacaembu em 1955. Localizado na praça Charles Miller, no final da avenida Pacaembu, foi inaugurado em 1940. Tem capacidade para 40 mil espectadores, Foi a casa do SC Corinthians até 2014. Fonte: UOL Esporte.


Terceira jornada do torneio Charles Miller. O SL Benfica entra no Estádio do Pacaembú para disputar um contra a SE Palmeiras.


O SE Palmeiras é o clube da predilecção da enorme comunidade de origem italiana em São Paulo. O clube é também chamado pelos seus adeptos como Verdão, Porco ou Palestra.

O SL Benfica ganhou esse seu primeiro jogo no Pacaembú por 2-1. Foi a segunda vitória no torneio.



O Benfica dominou o jogo de princípio ao fim do jogo apesar do Palmeiras ter melhorado no segundo tempo depois de duas substituições. Marcou primeiro o Benfica aos 18 minutos por intermédio de Águas depois de uma excelente assistência de Arsénio (embora outras crónicas tenham indicado Zézinho). Aliás esse foi um dia de inspiração de Arsénio que fez várias outras excelentes assistências para os seus companheiros.

O empate do Palmeiras viria a ser obtido no início da segunda parte. Nesse período o Palmeiras cresceu na sua produção e aparentou que iria tomar conta da partida. No entanto o Benfica voltou a impor o seu bom jogo e apenas dez minutos depois Coluna assistiu Francisco Palmeiro que atirou a contar. Até final o Benfica acentuou progressivamente o seu domínio tendo criado mais oportunidades para dilatar o marcador mas isso acabaria por não acontecer.



1 – Os capitães de equipa cumprimentam-se antes do início da partida. 2 – José Águas marca o primeiro golo da tarde.3 – Costa Pereira corajosamente frusta mais um ataque dos Paulistas. 4 – O guarda-redes do Palmeiras tenta boquear mais um ataque Benfiquista conduzido por José Águas. 5 – Uma outra investida de José Águas às redes do Palmeiras. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Vitória justa do Benfica que tornou a nossa equipa uma séria competidora à vitória final. Tudo dependeria do jogo contra o America. O Benfica estaria de volta ao Rio de Janeiro para jogar apenas 4 dias depois. Como se viu o tempo de recuperação (agravado pela viagem São Paulo-Rio de Janeiro) seria curto perante a bela equipa do America.



Ecos da vitória do SL Benfica no Pacaembú contra o AS Palmeiras. Fontes: Hemeroteca Brasileira.



RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte VIII): America amarga.



Rio de Janeiro, dia 3 de Julho de 1955. O Benfica estava de volta ao Maracanã para defrontar o America FC. O terceiro jogo do Benfica no Maracanã trouxe-nos a segunda derrota no torneio.



Antes do desafio os jornais Brasileiros pretendiam passar a ideia de que os Benfiquistas estavam convencidos da sua superioridade. Não era verdade, nem sequer Otto deixaria que isso acontecesse. Otto tinha aliás sido treinador do America e sabia da valia dos alvi-rubros. Por outro lado a nossa equipa, cuja composição pouco variou durante todo o torneio, tinha jogado apenas 4 dias antes e por isso tinha acumulado ao cansaço uma viagem de São Paulo ao Rio de Janeiro. Apesar de se apresentar moralizada com as duas vitórias anteriores, a equipa Benfiquista estava consciente da qualidade do adversário. Os jornais começavam também a passar a ideia de que o Benfica podia conquistar o torneio. E de facto, dada a prestação do Corinthians até essa altura parecia claro que o vencedor deste jogo disputaria com os Paulistas a vitória final no torneio.

Sobre um calor tropical, o America venceu com mérito por 4-2 apesar de ao intervalo se registar um empate a uma bola. Foi um jogo disputado com ardor, sendo durante muito tempo incerto quanto ao resultado final. Nos primeiros 20 minutos da partida o Benfica dominou praticando um jogo alegre, veloz, ágil e agressivo. Passado esse período inicial o America foi mais rápido e mais homogéneo, assumindo o controlo da partida. Marcou primeiro o America mas Águas empatou aos 40 minutos.



Depois do reinício, dois deslizes de Costa Pereira decidiram o jogo. José Águas ainda faria o 2-3 mas Leónidas depois de uma partida em ardorosa luta com Artur Santos, acabaria por selar o triunfo dos cariocas ao marcar o quarto golo.



1 – Os capitães Cácá (America) e Caiado a cumprimentarem-se. 2 – A Miss Brasil Emília Correa de Lima que deu o pontapé de saída posa para as fotografias entre Cácá e José Águas. Ao lado está o árbitro uruguaio Washington Rodrigues. 3 – José Águas observa o guarda-redes Pompeia a agarrar a bola. 4 – Artur e Jacinto em acção perante o ataque carioca. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.




5 – Caiado e José Águas no balneário em atitude de claro desapontamento pelo resultado final. 6 – Alfredo, o nosso "três pés" a ser observado pelo massagista Angelino Fontes. Fonte: Arquivo Público do Estado de São Paulo.


Foi um dia negro para os dois guarda-redes. Costa Pereira que estava a ser um dos destaques da nossa equipa deu alguns frangos que comprometeram a equipa. Curiosamente uns anos depois Costa Pereira considerava que o maior frango da sua carreira não foi o aquele contra o Inter de Milão mas sim um desses golos sofridos contra o America.

Mas Costa Pereira não fez por menos. Segundo declarou a razão desse seu desastre ter-se-à devido a ter sido... envenenado. Transcrevendo:

Não me conseguia lembrar de nada dessa partida até ver o filme feito desse jogo. Recordo que antes da partida um sujeito me deu um cigarro que eu fumei. Como disse, além de não ter tomado conhecimento do jogo, após a partida dormi 14 horas seguidas. Devo ter sido narcotizado por aquele cigarro.



As bombásticas declarações de Costa Pereira. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Foi igualmente um jogo fraco de Coluna que tinha estado tão bem até aí. O cansaço começava a impor leis. Do nosso lado os melhores terão sido Artur Santos e Fernando Caiado.

Do outro lado Pompeia, o guarda-redes do America, também sofreu dois frangos. A diferença esteve no bom futebol e na rapidez dos cariocas. Leónidas esteve em particular destaque no comando do ataque. Mas o America não era só um conjunto de excelentes jogadores. Os cariocas tinham uma bela equipa, vencendo com todo o merecimento. O próprio presidente Joaquim Ferreira Bogalho foi claro dizendo que o America tinha sido a melhor equipa com quem o Benfica tinha jogado. O presidente destacou a técnica e rapidez dos cariocas.




Diversos ecos da vitória do America sobre o Benfica. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Findo esse jogo restava ao Benfica jogar contra o Corinthians. Infelizmente também nesse jogo circunstâncias extra-futebol viriam a determinar o desfecho final do desafio e do torneio.




RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte IX): O "caseiro" Alemão.



Dia 10 de Julho de 1955. Novamente em São Paulo e no Pacaembú, O SL Benfica defrontou o Corinthians. Venceu o Corinthians num jogo emotivo, discutido ardorosamente pelas duas equipas e com uma decisão polémica do árbitro que influenciou o resultado final.



Na última jornada do torneio Charles Miller o Benfica já não tinha possibilidade de vencer a competição. No entanto para lá do prestígio, a peleja interessava também ao America pois uma vitória dos Benfiquistas faria com que os cariocas vencessem a competição. Os jornais brasileiros salientaram o bom jogo de ambas as partes atribuindo a vitória do Corinthians à maior experiência dos Paulistas mas também à influência do árbitro alemão.



Otto Glória fez alinhar Calado a extremo esquerdo numa tentativa (bem-sucedida) de anular a forte ala direita dos paulistas. Jogando numa espécie de 4-2-4, o Benfica começou melhor o jogo, evidenciando boa organização defensiva e atrevimento no ataque. Aos 30 minutos de jogo uma iniciativa de Palmeiro resulta num centro para a área ao qual correspondeu José Águas com um cabeceamento sensacional. Golo do Benfica!

O Corinthians reagiu a esta vantagem inicial dos portugueses com uma intensa pressão sobre o Benfica e sobre o árbitro. Voavam garrafas sobre o relvado. E logo oito minutos depois do nosso golo o árbitro apita para uma suposta falta de Ângelo. Decisão inacreditável. Apenas a emotividade do jogo e a pressão sobre o árbitro explicam a marcação daquela grande penalidade a favor dos paulistas. Uma vergonha tal que até os jornais Paulistas a consideraram discutível. O "caseiro" alemão manipulava o resultado e relançava o jogo. Na cobrança, Claúdio que até aí tinha sido perfeitamente anulado pela defensiva Benfiquista, conseguiu empatar a partida.

A partir daí o jogo cresceu em virilidade com alguns excessos de parte a parte. Das bancadas continuavam os arremessos de objectos para o relvado. O Benfica não se deixou abater e continuou a fazer um jogo rápido e perigoso para as redes dos paulistas onde o guarda-redes Gilmar mostrava a sua enorme qualidade. A exibição de Gilmar foi apontada como fundamental para que o Corinthians não sofresse mais golos Benfiquistas. Três anos depois Gilmar seria o titular da selecção Brasileira que se sagraria campeã mundial de futebol na Suécia. À sua frente estiveram homens como Didi, Vává, Pelé e Garrincha, entre outros. Gilmar foi um dos maiores, senão o maior guarda-redes Brasileiro de todos os tempos.



Gilmar, primeiro no Corinthians, depois no Santos de Pelé, foi talvez o maior goleiro da história do Brasil. Brilhou a grande altura contra o SL Benfica. Nesta fotografia posa ao lado do defesa Bellini, e do técnico Vicente Feola com a taça Jules Rimet ganha na final contra a Suécia em 1958. Fonte: www.futebolglobal.com.br


No segundo tempo o Corinthians dominou a partida, jogando de forma enérgica mas também nervosa e sem grande confiança. Um novo golo do Benfica significaria a derrota do Corinthians no torneio. Nas bancadas continuavam manifestações de desagrado com arremesso de todo o tipo de projécteis sendo necessário por vezes interromper a partida para que as autoridades actuassem convenientemente. E quando já se pensava que o marcador não seria mais alterado, a apenas 4 minutos do fim o árbitro alemão marcou um livre perto da área do Benfica por falta de Zézinho. Na cobrança Claúdio marca e a bola batendo na trave, resvalou e sofrendo um efeito caprichoso acaba por trair Costa Pereira.

Até final o Benfica lançou-se num ataque cerrado e durante esse ataque quase conseguiu o empate. Zézinho enviou uma bola à trave da baliza de Gilmar e na recarga chutou para as nuvens. Não era o dia do Benfica. O Corinthians lá ganhava o torneio, com mérito com certeza mas também com uma inestimável ajuda do "caseiro" Alemão.



Imagens do SL Benfica contra o Corinthians. 1 – As equipas alinhadas antes do início do jogo. 2 – Gilmar sofre o primeiro golo após espectacular cabeceamento de José Águas. 3 – A grande penalidade assinalada pelo "caseiro" alemão é convertida por Claúdio. 4 – A bola sofrendo um efeito caprichoso aninha-se nas redes de Costa Pereira. Claúdio faia o seu segundo golo a dava a vitória aos Paulistas. 5 – José Águas investe de forma corajosa contra Gilmar. O guardião Brasileiro foi decisivo para a vitória dos Paulistas. 6 – Costa Pereia em bom nível domina o espaço aéreo. 7 – Ângelo de cabeça quente avança para o "caseiro" alemão mas é refreado por Costa Pereira. Fonte: Hemeroteca Brasileira.



Ecos do jogo Corinthians 2 – Benfica 1; disputado no dia 10 de Julho de 1955 no Pacaembú. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Do lado do Benfica uma vez mais Artur Santos exibiu-se a grande nível. Costa Pereira regressou às grandes exibições. Caiado, Calado, Águas e Coluna igualmente muito bem.
Sendo Brasileiro, Otto Glória sentiu-se mais à vontade para no calor da derrota e sem papas na língua fazer afirmações corrosivas para com a organização e a arbitragem desse último jogo. Para Otto o jogo com o Corinthians foi o único jogo anormal no torneio. Disse com clareza que até parecia que o torneio (leia-se a vitória) tinha sido encomendado pelo Corinthians. Segundo Otto nada no regulamento dizia que o Corinthians deveria jogar sempre em casa. O Brasileiro defendeu que jogo deveria ter sido disputado no Maracanã e não na casa do Corinthians.

Mas Otto também não se esqueceu de comentar a actuação do alemão Horst, apontando-o como um dos factores de desequilíbrio da contenda. Nada de admirar pois o juiz alemão já antes tinha arbitrado o jogo entre o Corinthians e o Peñarol tendo estes sido claramente prejudicados quando a dois minutos do fim lhes foi anulado um golo limpo que lhes daria a vitória. Na altura a CBD advertiu o árbitro mas estranhamente voltou-o a nomear para mais um jogo do Corinthians e logo o jogo decisivo do torneio. E claro, aconteceu o que era de prever. Foi um final infeliz ainda mais agravado com conflitos nas bancadas entre adeptos corinthianos e adeptos portugueses.

Otto terá solicitado à Direcção Benfiquista que fizesse um enérgico protesto mas ao que parece a reclamação não terá acontecido. Ao invés o presidente Ferreira Bogalho sempre elegante para com os seus anfitriões fez declarações suaves relativizando os conflitos assim como os incidentes de jogo que os provocaram.



Otto falou ainda do clima da tensão nervosa e mesmo de alguma hostilidade uma vez que o Benfica quando entrou em campo foi recebido com... pedras. Literalmente com pedras.
Aproveitando ainda para fazer um balanço Otto, falou nas vantagens da participação no torneio para a sua equipa. Salientou que o Benfica ganhou experiência, malícia, técnica individual e colectiva mais apurada. Até aquele último jogo com o Corinthians no final pôde ser encarada como experiência.


RedVC

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Taça Charles Miller '55 (parte X): Gente boa que se vai!


Fazendo contas

Terminado o torneio, a classificação final ficou assim definida:






Os melhores marcadores do torneio foram Washington (America) e o nosso José Águas, ambos com 4 golos marcados. Laércio (Palmeiras) e Borghini (Peñarol) foram os guarda-redes com mais golos sofridos com 13 e 12 golos, respectivamente, seguidos de Costa Pereira com 8 golos sofridos.

Outro aspecto interessante foi a rentabilidade do torneio. Somando as receitas dos jogos do Glorioso, esses valores perfizeram cerca de dois terços (66%) do valor total encaixado pela CBD! Todo esse dinheiro representou mais do dobro do obtido nos jogos de qualquer um dos cinco restantes opositores. O SL Benfica salvou financeiramente o evento.




Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Destaques Benfiquistas

Dos 17 jogadores que integraram a comitiva Otto Glória usou apenas 13. Assim, Bastos, Monteiro, Pegado e Vieirinha não chegaram a estrear-se em qualquer dos 5 jogos do torneio. Otto definiu 10 jogadores que foram sempre titulares. Na ausência de Du Fialho, titular durante a época, Otto manifestou algumas dúvidas para o lugar de extremo direito Otto. A opção prioritária pareceu Zézinho mas este revelou alguns problemas físicos que levaram ao uso de Salvador ou Calado (este último tinha sido quase sempre titular durante o campeonato Português). Igualmente por razões físicas, Arsénio foi uma vez substituído. Estes números deixam claro que Otto tinha ideias bem definidas e apenas por razões de força maior fez alterações no onze que considerava titular. A única excepção teria sido Du Fialho, caso tivesse ido ao Brasil, uma vez que tinha sido titular frequente durante aquela época.




Pelas crónicas, todos os jogadores que entraram em campo tiveram excelente prestação. Alguns foram no entanto mais destacados pela imprensa Brasileira. Aqui fica em homenagem, composições de diversos artigos de jornais Brasileiros que destacaram os imortais Costa Pereira, Mário Coluna, Arsénio Duarte e José Águas:









Tempo de despedidas

A comitiva Benfiquista despediu-se da imprensa carioca oferecendo-lhe um cocktail no Hotel Luxor. No evento, o presidente Ferrreira Bogalho agradeceu a forma criteriosa e simpática como a delegação Benfiquista foi sempre tratada. Acrescentou que regressava encantado e que os pequenos incidentes verificados no jogo com o Corinthians foram uma coisa natural de competição. Por fim, falando sobre Otto Glória, Bogalho declarou que em Lisboa se combatia o treinador Brasileiro como forma de atingir o Benfica. Esta afirmação foi feita a propósito de supostas declarações polémicas que Otto teria feito sobre o desporto Português. Antes como agora o Benfica sempre teve uma forte imprensa negra. Bogalho declarou que o desporto em Portugal era nessa altura era controlado por um ministro e que este advertira o Benfica em face das supostas declarações polémicas de Otto Glória. Assim, Bogalho pediu a melhor colaboração da imprensa Brasileira para que Otto pudesse continuar a sua meritória obra no Sport Lisboa e Benfica.

Mais tarde houve ainda lugar a um jantar de homenagem do Departamento de Imprensa Esportiva (DIE) Brasileiro à Imprensa Desportiva de Portugal. O presidente Benfiquista que também participou no evento ofereceu na ocasião uma flâmula ao director geral do DIE.



Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Não foi por isso estranho ver os jornais Brasileiros a darem eco a sentimentos de amizade, agradecimento e saudade para com a comitiva Benfiquista. Conforme um jornal publicou: "GENTE BOA QUE SE VAI":



Fonte: Diário de Notícias; Hemeroteca Brasileira.


Fonte: Diário de Notícias; Hemeroteca Brasileira.

Em dupla despedida estava Otto Glória, à família e aos profissionais do meio. Otto era uma figura prestigiada, de grande riqueza humana e cultural; um homem de fácil e agradável socialização. Era no entanto um treinador exigente, irascível por vezes, mas que compreendia os jogadores e sabia como os motivar. Foi um inovador que trouxe a modernidade ao futebol do Sport Lisboa e Benfica. Aqui o vemos no momento do regresso a Portugal, a receber o mais saboroso de todos os beijos. Gente boa que partiu, gente boa que ficou.



Fonte: Última Hora; Hemeroteca Brasileira.


O Benfica seguiu para Caracas onde participou num torneio quadrangular com o La Salle, Valência (Espanha) e o São Paulo (Espanha). Mas dessas histórias já não cabe aqui falar.

No próximo texto finalizarei esta série falando do regresso dos heróis a Portugal.



Ned Kelly

A salvar bilheteiras desde sempre, mesmo no Brasil!

Obrigado por (mais) esta crónica.

RedVC

Citação de: Ned Kelly em 12 de Setembro de 2016, 16:50
A salvar bilheteiras desde sempre, mesmo no Brasil!

Obrigado por (mais) esta crónica.

Nem mais. Obrigado Ned!  O0

RedVC

#488
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Taça Charles Miller '55 (parte XI): O regresso dos heróis.




Lisboa, 10 de Agosto de 1955. Do aeroporto até à Rua do Jardim do Regedor. Imagens de intensa alegria e comunhão entre adeptos e a comitiva Benfiquista regressada da América do Sul:



Duas imagens do autocarro do Clube ladeado por entusiasmados Benfiquistas com o detalhe extraordinário de vermos 6 fotógrafos sentados no tejadilho do autocarro. Loucura no regresso dos heróis!. Fonte: Helena Águas.


Terminada a aventura Sul-americana foi tempo da comitiva Benfiquista regressar a casa. E que regresso foi!


Fonte: Museu Cosme Damião.


Nesse dia 10 de Agosto de 1955 a comitiva chegou a Lisboa depois de uma longa digressão por terras Brasileiras e Venezuelanas. A comitiva Benfiquista chegava cansada mas com intenso orgulho pelas suas notáveis prestações desportivas complementadas por uma agenda social que em muito prestigiaram o nome do Sport Lisboa e Benfica e Portugal.

O aeroporto de Lisboa estava abarrotado de pessoas à espera da comitiva. Depois milhares de pessoas distribuíram-se pelo trajecto até à sede na Rua do Jardim do Regedor. A comitiva fez o seguinte percurso: Aeroporto de Lisboa, Bairro de Alvalade, Avenida da Republica, Praça Marquês de Pombal, Avenida da Liberdade e por fim Praça dos Restauradores até à Rua Jardim do Regedor. O cortejo durou cerca de três horas a chegar à nossa sede, observando-se pelo caminho as mais variadas manifestações de apreço e clubismo. Um belo ensaio para seis anos depois quando apenas uma Taça (e outra no ano seguinte) trariam tanta felicidade aos Benfiquistas.

Na sede estavam os membros dos órgãos sociais e outras grandes figuras Benfiquistas que integraram a comissão de boas vindas que formalizou a recepção á comitiva: Ribeiro dos Reis, Justino Pinheiro Machado, José Magalhães Godinho, entre outros. Presentes também representantes da FPF, da AFL, e de vários clubes desde o Oriental até ao SCP.
Já no Estádio, a equipa desfilou e posou para as fotografias exibindo orgulhosamente todos os troféus ganhos na longa, cansativa mas também altamente prestigiante e rentável digressão Sul-Americana!



De volta ao Estádio da Luz, a comitiva Benfiquista exibiu orgulhosamente os troféus conquistados na digressão ao Brasil e Venezuela. A réplica da Taça Charles Miller está assinalada em ambas as fotografias. Em cima reconhecem-se, de pé, Angelino Fontes, Vieirinha, Bastos, Monteiro, Calado, Coluna, Alfredo, Otto Glória, Artur, Pegado, Caiado, Costa Pereira. Em baixo: Jacinto, Zézinho, Palmeiro, Arsénio, Águas, Salvador e Ângelo. Fonte: Em Defesa do Benfica e Helena Águas.


Os Benfiquistas viviam dias excitantes. Com um novo Estádio, um título nacional e uma equipa renovada e com talentos emergentes, tudo era alegria. O futebol Benfiquista encarava o futuro com uma organização moderna, estruturada, coesa e eficiente. Estava em curso a transformação do velho Sport Lisboa e Benfica na máquina fortíssima que se sagraria Bicampeã Europeia. Estava em curso a projecção do SL Benfica e do País à escala planetária; algo nunca antes visto! Cruzando culturas, credos, raças, perspectivas e estilos de vida, a todo o lado chegou o Sport Lisboa e Benfica. Na linguagem universal do futebol, a nossa equipa exibiu desportivismo, talento, educação e respeito pelas diferenças exibidos na expressão da sua lusitanidade.


Voou alto a nossa Águia!



Voou alto nesses inesquecíveis dias Brasileiros!

E Pluribus unum



Uma nota final

Este conjunto de onze textos foi, por opção consciente, uma longa série com muito material que nunca vi apresentado ou analisado em qualquer outro lado. Reunir, analisar e estruturar esse material levou muito tempo e deu muito trabalho. Sabia que não haveria muito retorno. Assim foi.

Talvez não valesse a pena fazer esta série se não desse tanto gozo pessoal a fazer. Se não desse prazer em os partilhar com o pequeno número de membros deste fórum que têm a capacidade e inteligência de ir para lá da espuma dos dias. A esses Benfiquista que leram, que conseguem desfrutar de forma completa o que é verdadeiramente o Sport Lisboa e Benfica, deixo um bem-haja e um sincero obrigado.



Ned Kelly

Da minha parte agradeço imenso este trabalho. Já conhecia a história desta digressão, mas não com este pormenor que tu aqui trouxeste.

Bakero

Da parte que me toca, também muito te agradeço.  :bow2:

Estou a conhecer partes da História do Benfica da qual tinha (e tenho) um conhecimento muito limitado. E esta é uma parte muito importante, porque foram os anos da criação do monstro que é hoje o  :slb2:

RedVC

Obrigado Ned e Bakero.  O0
É uma satisfação fazer e partilhar.
A curiosidade em saber é grande. O que se descobre é surpreendente.
Por vezes tenho pena em ver que alguns Benfiquistas parecem limitar o seu conhecimento da história do Benfica a duas taças dos campeões, e mais uma dúzia e meia de grandes jogadores da nossa história. É pena. A aprendizagem do passado do Glorioso surpreende-nos, orgulha-nos, prestigia o nosso nosso Clube, e dá dimensões maiores, bastante maiores ao nosso Benfiquismo.

Bakero

Sem dúvida! Principalmente porque a História do Benfica é, como dizes, inacreditavelmente rica! Arrisco-me mesmo a dizer que até 1994 só mesmo o Real Madrid ultrapassará o nível de Historial do Benfica.

São literalmente mil e uma aventuras encapsuladas num só clube. Uma lenda autêntica (e mesmo pós-94 passámos pela enorme crise mas já temos novamente muito por contar).

E nesse aspecto, concordo que também me faz confusão o pouco interesse dos benfiquistas, quando são adeptos de um clube tão notável. Dá ideia que no final da década de 90, início de 2000 colaram-se muito ao passado, devido à ausência de alegrias no presente mas actualmente o interesse é mínimo.

RedVC

#493
É verdade.

A década de 60 foi brilhante e seria de esperar um sentimento nostálgico. É bem Português.

As décadas de 70 e 80 poderiam (e deviam) ter-nos dado um título Europeu. Teria sido amplamente justo. Casos houve em que apenas o acaso do destino não trouxe a taça para a Luz.

Na década de 60 as finais contra os milaneses em que em ambos os casos tínhamos melhor equipa. A final de Londres com o Manchester em que Eusébio no último minuto deveria ter arrumado o jogo. Fatalidades.

Nas eliminatórias contra o Ajax na década de 70. Caso tivéssemos passado estou convencido que teríamos sido campeões europeus. Ainda com Eusébio mas já com Néné, Jordão, Vitor Baptista, etc. Fatalidades.

Na década de 80 a meia final com o Carl Zeiss... depois o Anderlecht, depois a final de penalties com o PSV... Derrotas fortuitas. Fatalidades.

De 1994 a 2004 tivemos um período negro. Apitos dourados e culpas internas.

Mais recentemente a desgraçada final com o Sevilha e até com o Chelsea.

Todos esses insucessos reforçaram o fatalismo. Mas não há razões para isso. O que é mais curioso é que para mim se deve combater o fatalismo com a demonstração do brilhantismo do passado.

Estou perfeitamente envolvido e acompanho o sucesso do tempo presente. Acho que estamos a viver um tempo ameaçador em termos sociais, financeiros, éticos. O SL Benfica não escapa a isso. Ainda assim é um tempo de sucessos. Voltamos a ganhar um tri. Fomos a finais europeias. É preciso ter consciência disso. E viver plenamente estes tempos.

Não há razões para fatalismos. Novamente o fatalismo combate-se com a demonstração do brilhantismo do passado, com todas as fases que o Clube passou. Combate-se com a demonstração que o SL Benfica foi e é muito mais do que a década de 60. Com a demonstração do brilhantismo dos nossos antepassados face a tantas (e bem maiores) adversidades desses tempos.

Durante 50 anos sobrevivemos sem campo, sem balneários, sem condições mínimas para assegurar a sobrevivência. Sobrevivemos a deserções. Sobrevivemos a ataques dos mesmos clubes de sempre, à força bruta do dinheiro, à prepotência. à ditadura. Contra regimes, contra adversidades, o SL Benfica sobreviveu sempre. Com a nobreza e inteligência das suas maiores figuras mas acima de tudo com a espantosa nobreza e generosidade do adepto anónimo. Até os estrangeiros que por cá passaram perceberam isso. Até eles se deixaram enfeitiçar. Não se pode matar o SL Benfica porque o Clube é Portugal. O SLB tem na sua base a essência de Portugal. Não podem nem nunca o poderão matar.

Por exemplo falemos no homem  da estátua. No cidadão do mundo. No sobrevivente do holocausto. No homem que viu tudo e experimentou tudo no mundo do futebol nas suas andanças de décadas. Cidadão do mundo habituado a ver de tudo. Na Europa de Leste, nos Balcãs, em Itália, na América do Norte, na América do Sul, no Porto, por todo o lado por onde ele passou ele viu e experimentou tudo. Ainda assim depois de por aqui passar ele deixou estas palavras:


"Chove? Faz Frio? Faz Calor? Que Importa, nem que o jogo seja no fim do mundo, entre as neves das serras ou no meio das chamas do inferno... Por terra... Por mar... Ou pelo ar, eles aí vão, os adeptos do Benfica atrás da equipa... Grande... Incomparável... Extraordinária... massa associativa!"




Não são estas palavras bem mais significativas que uma maldição inventada e estúpida? Uma pseudo-maldição que ele próprio negou.

Ele viu de tudo mas no final ficou Benfiquista.

É disso que falo. O fatalismo e a fatalidade combatem-se com o conhecimento do passado Que só nos enobrece, que só nos orgulha. Que só nos diferencia e eleva aos mais altos desígnios. E Pluribus Unum.


RedVC

#494
-129-
O "caramujo" do futebol (parte I).

Clube de Regatas Vasco da Gama, plantel de 1949, Campeão Carioca.



Vasco da Gama, plantel de 1949. Designado por Expresso da vitória e liderado por Flávio Costa foi campeão carioca invicto. Salientam-se dois futuros Benfiquistas: Oto Glória (Otaviano Glória, assistente técnico) e Mão de Pilão (Aureliano Rodrigues, assistente de massagista). Salienta-se também o lendário massagista Mário Américo. Em primeiro plano, o sexto a contar da esquerda está também destacado o mítico Heleno Freitas, um antigo grande craque do Botafogo onde foi colega de Rogério Pipi.


Esse grande plantel era comandado por Flávio Costa, futuro treinador da selecção do Brasil que perderia a final do campeonato do mundo de 1950 no dramático Maracanazzo. Mas para nós Benfiquistas o maior interesse está em identificar na fotografia dois homens que alguns anos depois se tornariam figuras importantes do futebol do Sport Lisboa e Benfica da década de 50.

O primeiro é Otto Glória, nesse tempo adjunto de Flávio Costa. Com a saída de Flávio Costa para a Selecção Brasileira, Otto, antigo praticante e treinador de basquetebol, viria a assumir o cargo de treinador principal do futebol do CR Vasco da Gama. Cinco anos depois, após passagens pelo America FC e Olaria AC, Otto viria para o SLB para se tornar um dos mais importantes treinadores da nossa história. Um ganhador, pensador, inovador, um revolucionário que deixou escola e sementes para o Benfica bicampeão Europeu.

O segundo, menos conhecido dos Benfiquistas, era um dos dois massagistas negros do Vasco da Gama. Neste texto falaremos de ambos, o primeiro chamado Mário Américo e o segundo Aurelino Ferreira Rodrigues mais conhecido no mundo do futebol como Mão de Pilão. E será justamente em Mão de Pilão que vamos estar mais interessados, uma vez que foi durante 5-6 anos foi um competente e dedicado funcionário do futebol do Sport Lisboa e Benfica. Quando chegou a Portugal Mão de Pilão tinha já uma curiosa história de vida. O texto de hoje dará um resumo dessa história.



Aurelino Ferreira Rodrigues, o "Mão de Pilão".


O boxeur que veio da Bahia


Aurelino Ferreira Rodrigues nasceu em 1925 na Baixa do Sapateiro em São Salvador da Baía. Na sua terra natal, Aurelino começou a trabalhar como estivador, um trabalho duro que lhe trazia magros proventos. Por ser forte e ter ambição de subir na vida, Aurelino iniciou paralelamente uma actividade como boxeur onde rapidamente atingiu notoriedade local. Confirmado por ele, Aurelino viria a ganhar a alcunha de Mão de Pilão por via da potência do seu soco.



Mão de Pilão o boxeur Bahiano. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


A Bahia tornou-se rapidamente pequena para a sua ambição e assim veio para o Rio de Janeiro... a pé. Como ele dizia: "A pé minha gente!". E assim, juntamente com dois amigos fez-se à estrada para ir para a grande cidade do Rio de Janeiro em busca de uma terra de oportunidades. Logo no início desse percurso desentendeu-se com os amigos e prosseguiu sozinho parando nas fazendas que foi encontrando no caminho, onde trabalhou, dormiu e comeu.

Chegado ao Rio de Janeiro, Aurelino integrou-se como boxeur na Academia de boxe do Madureira (pequeno clube carioca que ainda hoje existe). Em 1946 passou a ser boxeur no Clube de Regatas Vasco da Gama onde passou a conviver com outro antigo boxeur do Madureira, o mineiro Mário Américo. Este homem mudaria a vida de Aurelino.

No Vasco, continuaria a revelar-se um boxeur bem-sucedido, tendo contado que chegou a ter uma série de 15 vitórias consecutivas com 15 KO logo no primeiro assalto. Contava aliás várias histórias entre as quais uma vez em que com um tremendo murro tinha fracturado os cinco dedos dessa mão. No boxe acumulou uma série de títulos e medalhas: Campeão de Novos, Campeão de Novíssimos, Campeão Carioca, Campeão Brasileiro, Campeão Sul-Americano por equipas. Aurelino chegou igualmente a disputar torneios pré-olímpicos.


Aurelino Rodrigues (Mão de Pilão), campeão Brasileiro de boxe na categoria de Meios-médios. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Os caramujos do futebol

Mas a vida dos ringues é curta. Em 1948, abandonou os ringues, e aceitou a sugestão do seu amigo Mário Américo, massagista do CR Vasco da Gama, para aprender a arte das massagens. Os dois antigos boxeurs e companheiros de clube tornaram-se assim os dois caramujos do futebol, os homens das massagens do futebol no Vasco da Gama. Mestre a aprendiz, em tempos felizes no clube dos Portugueses do Rio de Janeiro.



"Os caramujos do futebol". Fonte: Diário da Noite; Hemeroteca Brasileira.


Caramujo, cornetinha ou burrié é um molusco gastrópode aquático com a concha em espiral. Na gíria do futebol carioca dos anos 50 por vezes esse nome era usado para aludir aos dois prestigiados massagistas do Clube de Regatas Vasco da Gama.
Mão de Pilão foi aluno e assistente de massagista titular Mário Américo. Ambos estiveram ligados ao título carioca do Vasco da Gama em 1949.



À esquerda, os dois caramujos em acção no balneário do Vasco da Gama. Mão de Pilão lá atrás e Mário Américo à frente em sessões de recuperação muscular de jogadores Vascaínos. À direita o médico (Dr. Giffni) e o enfermeiro (Quincas) do Vasco da Gama. O departamento médico era um organizado e eficaz e serviu de modelo para a reformulação que Otto impôs no nosso Clube a partir de 1954. Fonte: Esporte Ilustrado; Hemeroteca Brasileira.



O comando técnico do futebol do Vasco da Gama no final da década de 40. Uma equipa organizada e vencedora. Da esquerda para a direita: Mão de Pilão (massagista adjunto), Otto Glória (treinador adjunto), Flávio Costa (treinador principal), Dr. Amílcar Giffoni (médico) e Mário Américo (massagista titular). Os dois caramujos do futebol Vascaíno em grande destaque. Fonte: Hemeroteca Brasileira.


Integrado na estrutura do Vasco da Gama, Mão de Pilão teve oportunidade de ir em digressão a numerosos países na Europa e na América do Norte.

Ironicamente, o grande salto de carreira de Mão de Pilão envolveria a saída do seu amigo e mestre do Vasco da Gama. Com mais de 10 anos de casa, Mário Américo sairia de forma polémica e precipitada do Vasco da Gama para a Portuguesa dos Desportos. Rapidamente se arrependeria mas também rapidamente o seu destino acabou por ser a selecção Brasileira. No Vasco, os dirigentes tiveram o sangue frio e a sensatez de promover Mão de Pilão a massagista titular do clube. O trabalho ficou muito bem entregue.




Mário Américo

Pela curiosidade e por ser merecido, aqui fica a evocação de Mário Américo, mestre de Mão de Pilão, figura lendária do futebol Brasileiro. Nascido em e falecido em São Paulo em 9 de Abril de 1990, este mineiro foi talvez o mais famoso massagista da história do futebol brasileiro.



Mário Américo trabalhando com Pelé e Garrincha em 1958. Fonte: associacaoportuguesadesportos.


Carinhosamente tratado pelos seus jogadores como "vaca preta", era pelo que se diz virtuoso nas artes das massagens mas também nas mais exóticas artes do vodu e do samba (estranha combinação, huh...).

Mário Américo passou por um pequeno número de clubes tendo o Vasco sido o mais importante, mas a imortalidade chegou por ter sido massagista da Selecção Brasileira em Sete Mundiais! Iniciou-se no Mundial do Brasil 1950 e fechou a sua inestimável contribuição no Mundial da Alemanha 1974! Tal como Pelé, Mário Américo foi um dos poucos, a sagrar-se tricampeão mundial de futebol e goza hoje de um estatuto de lenda do futebol no Brasil. Sobre a fabulosa carreira de Mário Américo, de antigo boxeur até se tornar o lendário massagista ao serviço de diversos clubes e em particular da selecção Brasileira, encontram-se aqui alguns elementos:

http://associacaoportuguesadesportos.blogspot.pt/2011/01/mario-americo.html

https://tardesdepacaembu.wordpress.com/tag/massagista-mario-americo/

http://ftt-futeboldetodosostempos.blogspot.pt/2011/03/o-craque-disse-e-eu-anotei-mario.html


Curiosamente numa entrevista no início da década de 60, Mário Américo deu a entender que recebeu uma proposta de Portugal mas que a rejeitou sugerindo que em seu lugar fosse Mão de Pilão. Não custa supor que o convite terá sido do Sport Lisboa e Benfica.



Fonte: Revista do Esporte nº 266. Hemeroteca Brasileira


E assim se percebe a importância da contratação de Mão de Pilão pelo Benfica. No final de 1955, por via de Mão de Pilão, alguns dos notáveis conhecimentos e técnicas de recuperação muscular de Mário Américo chegariam a Portugal e ao Sport Lisboa e Benfica. As voltas que o mundo dá.



Adeus Vasco, olá Benfica!. Dia 13 de Dezembro de 1955. Aurelino Ferreira, o filho e esposa embarcaram no navio "Vera Cruz" para Lisboa onde chegaram cerca de 10 dias depois. Fonte: Diário da Noite; Hemeroteca Brasileira.