Sven-Göran Eriksson

Treinador, (1948-02-05 - 2024-08-26),
Suécia
Equipa Principal: 5 épocas (1982-1984, 1989-1992), 241 jogos (163 vitórias, 48 empates, 30 derrotas)

Títulos: Campeonato Nacional (3), Taça de Portugal (1), Supertaça (1), AF Lisboa Taça de Honra 1ª Divisão (1)

NMFVS

Descanse em Paz Mister. Muito obrigado por tudo!

isaias

Citação de: Elvis the Pelvis em 26 de Agosto de 2024, 15:35
Citação de: Red2802 em 26 de Agosto de 2024, 14:53
Citação de: txjose em 26 de Agosto de 2024, 14:31Até já mister.

Depois do Benfica ser eliminado na Taça dos Campeões (não me lembro da época), Sven disse nos jornais (uma coisa parecida).
 
"A partir de agora, às Quarta-Feira os jogadores em vez de estar a jogar vão ver os jogos na TV"

Completamente furioso mas com uma postura de gentleman.



Isso deve ter sido na eliminação com a Roma em 90/91 para a Taça Uefa.

Repara:

82/83 - Finalista da Taça Uefa
83/84 - Eliminado da TCE pelo Liverpool

89/90 - Finalista da TCE com Milan
90-91 - 1 Ronda da Taça Uefa com Roma
91-92 - Eliminado pelo Barcelona em Camp Nou num jogo cuja vitória daria acesso a mais uma final da TCE (o vencedor do grupo tinha acesso à final).

Ou seja:

Em cinco anos perdeu duas finais, foi eliminado duas vezes pelos campeões europeus desse ano (Liverpool em 84 e Barcelona em 92).

Sobra a eliminação com a Roma como a pior prestação europeia do Benfica de Eriksson.

Patamares...

Certíssimo.

A de 84 foi nos quartos de final da Taça/Liga dos Campeões. Esse Liverpool era apenas a melhor equipa da Europa.

Em 1992 foi contra o Dream Team do Cruyff. E o Benfica tinha também uma excelente equipa, deu bastante luta lá em Camp Nou, perdendo 2-1. Cá na Luz foi 0-0 e o Benfica podia perfeitamente ter vencido. No final do jogo, os benfiquistas assobiaram fortemente a equipa... por empatar contra o Barcelona. Outros tempos, outra exigência.

A eliminação contra a Roma em 90/91 foi realmente a única eliminação precoce e surpreendente. Essa Roma acho que foi à final da Uefa nesse ano, mas perdeu para o Inter.

Em Roma o Benfica fez um grande jogo. Poderia, perfeitamente, ter vencido. Peruzzi esteve em grande e Carnevale fez o golo. Foram as principais figuras do jogo.
Pouco depois:




Pedro.SLB.71

Partiu um Senhor,
Muito de nós que vivemos a sua chegada e assistimos inloco, vimos o nosso Benfica a ser grande por esse país fora e consequentemente por essa Europa fora.
Tive o privilégio de ver o nosso Benfica a ser Benfica, vi um Senhor que trouxe a urbanidade para o nosso país, no momento em que ainda nos soltavamos das amarras do passado. Vi um senhor que sempre foi uma referência a vários níveis, na comunicação, na postura, na forma como respirava futebol.

Deixa-nos um Senhor, que descanse em paz para eternidade.

Obrigado Mister Eriksson

Trapattoni

Citação de: Holmesreis em 26 de Agosto de 2024, 22:31Contrariando uma promessa que tinha imposto a mim próprio, a de parar de elaborar postagens em forma de testamento, achei que a morte de Eriksson merecia que voltasse a produzir algo que não fazia desde 1533, em pleno reinado de D. João III: uma mensagem com 57 parágrafos.

A razão: acho que nós, os benfiquistas de meia-idade que ainda passam aqui pelo fórum de quando em vez, temos a obrigação moral de catequizar os jovens benfiquistas, os vieiristas e todos os infiltrados que por aqui passam. Nós, que conhecemos um Benfica diferente, fervilhante e vivo e não esta amálgama de estilhaços agonizantes que envergonham a nossa Mística e a fibra em que foi concebida.

Deixo-vos aqui (para quem tenha paciência de ler até ao fim) duas histórias verídicas, conhecidas por uma minoria de sócios e adeptos e que demonstram a honorabilidade de Sven-Goran Eriksson e do porquê do Benfica lhe dever uma estátua, pelo que conquistou, mas sobretudo pela Mística que ajudou a fermentar, sem artificialidades ou subterfúgios bacocos:



Estamos em junho de 1983. Um Benfica demolidor acaba de sagrar-se campeão nacional com 4 pontos de vantagem sobre o FCP de Pedroto, praticando um futebol virtuoso e com resultados desnivelados. A 12 de junho, jogar-se-ia a final da Taça entre os dois clubes. "Jogar-se-ia", digo bem. Graças a Pinto da Costa, Adriano Pinto e José Maria Pedroto, instala-se uma guerra na Praça da Alegria em plena sede da Federação Portuguesa de Futebol. Para manter o controlo dos órgãos sociais da Federação, o Presidente Romão Martins permite a penetração de elementos da Associação de Futebol do Porto nas áreas de decisão da Federação, além da promoção de dirigentes do Sul com estreita amizade com Pinto da Costa como Amândio de Carvalho, António Pimenta e Azevedo Félix. O objetivo era descentralizar a Final da Taça e levá-la para o Norte, numa lógica de integração nacional. A organização da final era entregue a Adriano Pinto "e sus muchachos". Em fevereiro, pouco depois de ser disputada a eliminatória dos oitavos de final, a notícia cai como uma bomba junto dos órgãos de imprensa: a final será jogada no Estádio das Antas, casa do Futebol Clube do Porto!
Coincidência, ou não, a verdade é que nesse ano, fora a primeira eliminatória com o União de Coimbra, os azuis e brancos tiveram o caminho facilitado nos sorteios da Taça, jogando sempre em casa com adversários desnivelados: Famalicão, Espinho e Braga, sendo que na meia-final receberam a Académica a penar na Segunda Divisão, despachando-os com 9-1.
Um mês antes da final, a FPF (e bem) decidiu que o princípio da neutralidade estava ferido e que o FCP não poderia beneficiar do fator-casa numa final, lembrando-se da vergonha que tinha sido a final de 1977 quando o Presidente do Braga Lino Gomes de Almeida (e ilustre sócio do FCP) concorda, a troco de um prato de lentilhas, que a final entre Braga e FCP fosse disputada nas Antas.

Pinto da Costa colocou-se logo em ação. Na altura, ainda não havia "O Jogo", mas utilizou o "Jornal de Notícias" e a simpática redação nortenha da "Gazeta dos Desportos" para lançar o ultimato: ou o jogo se faria nas Antas, ou a equipa pura e simplesmente não compareceria à final. Novas eleições se realizaram que levaram ao poder um ex-deputado do CDS: Silva Resende. Este, avesso a peixeiradas, relembrou a legislação: a falta de comparência levaria à despromoção do FCP na época seguinte. Adriano Pinto e outros elementos da A.F.Porto e Braga ameaçam colocar os cargos à disposição no Conselho de Disciplina e Conselho de Justiça em solidariedade com Pinto da Costa. Silva Resende propõe primeiro o Jamor (recusado taxativamente pelo FCP por via telefónica) e depois, uma solução de consenso: o Municipal de Coimbra, local onde a Selecção Nacional fazia os seus estágios e, por influência de Otto Glória, disputava os jogos particulares. O Benfica concordou com esse plano, mas o FCP não. É convocada uma Assembleia-Geral de emergência onde Pinto da Costa verbera contra os poderes instalados de Lisboa e apela a sócios e adeptos a cercar a sede da Praça da Alegria para demonstrar o descontentamento de toda uma região.
O tempo vai passando e as reuniões na FPF não se realizam por falta de quórum, pois os elementos nortenhos apresentavam atestados médicos. Termina a época 1982/83 sem se realizar a final da Taça.
Entretanto, amigos comuns de Pinto da Costa e Fernando Martins juntam-nos num jantar em Montechoro em meados de julho. Pinto da Costa usa a carta emocional: a doença de Pedroto já tinha sido diagnosticada, o cancro ia avançado, era melhor enterrar-se o machado...O Presidente do Benfica cede nas pretensões, em nome da pacificação do futebol português. Ninguém levaria a mal que o Benfica perdesse um troféu disputado em casa de um adversário.
A final é marcada para 21 de agosto.

Na noite do estágio, Fernando Martins aborda Eriksson e Toni, sossegando-os. Humberto Coelho fizera uma entorse na semana anterior e era baixa para o jogo, tal como Alves e Chalana. Era o primeiro jogo oficial da época, os sócios compreenderiam se houvesse um desaire. A resposta do nórdico deixou Martins estupefacto:
"-Presidente, vamos entrar em campo para assumir o jogo e jogar ao ataque como se estivéssemos na Luz. Nem poderia deixar de ser assim, não acha? Não concebo outro resultado que não a vitória!"

E o jogo foi nosso, calando os 55000 que pretendiam fazer a festa antecipada. Um remate de folha seca de Carlos Manuel deu-nos o troféu, além de uma esplendorosa exibição do Bento que deteve todos os remates do Gomes e do Jacques. E, nunca mais se disputou uma final da Taça no Estádio das Antas.

2.º Episódio: 28 de abril de 1991.

Era a jornada 34, faltariam 5 para o final. Benfica e FCP separados por um ponto, disputavam o jogo do século no Estádio das Antas. O auge do poder tentacular do FCP: Conselho de Disciplina da FPF, Conselho de Justiça e Conselho da Arbitragem nas mãos de figuras sinistras ligadas ao FCP, ao abrigo dos "chitos" protagonizados por Adriano Pinto. O responsável pelas nomeações arbitrais era Lourenço Pinto, reconhecido adepto do FCP ( e mais tarde Presidente da Mesa da Assembleia Geral) que se depara com um dilema: como não nomear o melhor e mais prestigiado árbitro internacional português, presente nos Mundiais do México e Itália, apesar da oposição de Pinto da Costa? Havia a opção Rosa Santos, mas estava a recuperar de uma lesão muscular.
O FCP tinha vindo de uma retumbante vitória em Alvalade onde o melhor em campo tinha sido o alentejano Bento Marques, outro árbitro internacional. Não sobejavam alternativas. Pinto da Costa exige a nomeação de Fortunato Azevedo, protegido do seu compadre Augusto Duarte e controlado pelos azuis e brancos. O problema estava nos regulamentos da época que exigiam um hiato de três jornadas antes que um árbitro pudesse apitar o mesmo clube. E Fortunato já tinha picado o ponto 15 dias antes na vitória magra de 1-0 sobre o Farense.
Sai a nomeação de Carlos Valente "soprada" para a imprensa perante a ira do presidente portista. Com Lourenço Pinto, é arquitetado um plano que tudo tinha para dar certo: pressionar o árbitro setubalense a desistir da nomeação. 3 dias antes do jogo, o Jornal de Notícias e "O Jogo" expõem artigos relativos às relações de amizade entre Valente e Gaspar Ramos, chefe do departamento de futebol do Benfica. Depois, entra em força o braço armado do FCP: Reinaldo Teles entrega ao famoso Guarda Abel a incumbência de estabelecer um regime de terror. Sabendo que a equipa de arbitragem se deslocava de comboio, este fica parado o triplo do tempo na Estação da Campanhã, onde é apedrejado e há tentativa de invasão em massa para linchar o árbitro. No Hotel onde se hospedavam, chuva de insultos e tentativas de agressão. 16 horas antes do jogo, Lourenço Pinto ordena a Fortunato Azevedo para se preparar porque tem indicações que Valente cederá a pressões. Deslumbrado, estagia num hotel onde é descoberto por jornalistas da Bola e Record que estranham a sua presença ali quando estaria nomeado para um jogo em Castelo Branco na recém-criada Segunda Divisão de Honra.

Valente faz jus ao nome e não cede às ameaças de morte. A Estrutura do Benfica resolve abdicar do almoço e deslocar-se mais cedo do que o previsto para as Antas para se equiparem e adaptarem-se ao relvado.

Pinto da Costa tenta novo jogo sujo. O delfim de Reinaldo Teles, Jorge Gomes (que foi assalariado do Benfica entre 2003 e 2018, numa vieirada nojenta) dá ordens ao roupeiro e outros funcionários para despejarem uma dezena de bidões de creolina no balneário reservado aos jogadores do Benfica. O cheiro é agonizante. Os dirigentes do Benfica procuram o delegado da FPF para formalizarem uma queixa, mas ninguém lhe põe a vista em cima.

Cinicamente, aparece Pinto da Costa com um sorriso espelhado na sua cara. Ninguém ousa confrontá-lo. Ninguém, à exceção do treinador Sven-Goran Eriksson que coloca-se em frente do presidente do FCP e, firme mas educadamente, lavra o seu protesto, explicando-lhe que sabe que o ato foi premeditado. Pinto da Costa responde-lhe da forma que entrou para a História:
-«Sr.Eriksson, respeito e admiro-o muito, mas está nos meus domínios e estamos a travar uma guerra. Guerra é guerra! Desenrasquem-se!»

Alguns jogadores insistem em equipar-se no balneário. O médico Amílcar Miranda alerta-os para os perigos dos eflúvios libertados pelos compostos químicos fenólicos.
Eriksson dá a ordem, sem hesitação:
-Equipem-se nas escadas, onde houver espaço! Não nos vergarão! Somos o Benfica!

O resto já sabemos...Minuto 80, Eriksson retira o exausto Pacheco (cheio de feridas e nódoas negras nas pernas) por César Brito. No minuto seguinte, gooooooooooooooooolllllllllllllllooo!! 5 minutos depois, 0-2!


Eriksson corporizava o Benfica glorioso que aprendemos a amar. Esse Benfica abnegado, a fazer das fraquezas forças, com Fé indomável na excelsa Mística, está morto. Assassinado pelo vieirismo-costismo e pelas vistas curtas dos sócios.

E por tanto o amarmos, temos o dever de o tentar ressuscitar.

E Pluribus Unum!

Grande post. A melhor Leitura que já tive nos últimos anos.

Joaquim Ferreira Bogalho

Citação de: Red2802 em 26 de Agosto de 2024, 16:03
Citação de: Elvis the Pelvis em 26 de Agosto de 2024, 15:35
Citação de: Red2802 em 26 de Agosto de 2024, 14:53
Citação de: txjose em 26 de Agosto de 2024, 14:31Até já mister.

Depois do Benfica ser eliminado na Taça dos Campeões (não me lembro da época), Sven disse nos jornais (uma coisa parecida).
 
"A partir de agora, às Quarta-Feira os jogadores em vez de estar a jogar vão ver os jogos na TV"

Completamente furioso mas com uma postura de gentleman.



Isso deve ter sido na eliminação com a Roma em 90/91 para a Taça Uefa.

Repara:

82/83 - Finalista da Taça Uefa
83/84 - Eliminado da TCE pelo Liverpool

89/90 - Finalista da TCE com Milan
90-91 - 1 Ronda da Taça Uefa com Roma
91-92 - Eliminado pelo Barcelona em Camp Nou num jogo cuja vitória daria acesso a mais uma final da TCE (o vencedor do grupo tinha acesso à final).

Ou seja:

Em cinco anos perdeu duas finais, foi eliminado duas vezes pelos campeões europeus desse ano (Liverpool em 84 e Barcelona em 92).

Sobra a eliminação com a Roma como a pior prestação europeia do Benfica de Eriksson.

Patamares...

Certíssimo.

A de 84 foi nos quartos de final da Taça/Liga dos Campeões. Esse Liverpool era apenas a melhor equipa da Europa.

Em 1992 foi contra o Dream Team do Cruyff. E o Benfica tinha também uma excelente equipa, deu bastante luta lá em Camp Nou, perdendo 2-1. Cá na Luz foi 0-0 e o Benfica podia perfeitamente ter vencido. No final do jogo, os benfiquistas assobiaram fortemente a equipa... por empatar contra o Barcelona. Outros tempos, outra exigência.

A eliminação contra a Roma em 90/91 foi realmente a única eliminação precoce e surpreendente. Essa Roma acho que foi à final da Uefa nesse ano, mas perdeu para o Inter.

Fui ver o jogo do Barcelona à Luz.

Podíamos ter ganho mas também podíamos ter perdido...

O Laudrup e o Stoitchkov puseram a cabeça dos defesas do Benfica em água...

Era um Barcelona de sonho que viria a sagrar-se campeão europeu pela primeira vez na sua história, em Wembley frente à Sampdoria, no famoso livre do Koeman.

Olha aí a relíquia...



Sempre lá...o Neno fez uma boa exibição, para variar, tirou dois golos feitos, se bem me recordo, ao búlgaro.

fdpdc666

Sven Goran Benfica.
'Selvagem e Sentimental' é um espaço de opinião semanal do benfiquista Vasco Mendonça.



Sven Goran Eriksson foi homenegeado no Estádio da Luz em abril e Vasco Mendonça sugere nova homenagem (Foto Miguel Nunes)

Spoiler
Quase tudo parece ter sido escrito sobre Sven Goran Eriksson, e ainda bem. Felizmente, não deixaram uma extraordinária história para depois da morte do protagonista. Os elogios fúnebres a pessoas que fomos esquecendo, mesmo sabendo que eram importantes, ganham sempre uma aura de arrependimento por não se ter dito tudo o que queríamos ou não termos estado lá tantas vezes quanto devíamos. Eriksson foi tão marcante na sua passagem pelo Benfica e pelo nosso futebol que ficou sempre entre nós, muito depois de ter liderado a equipa técnica num dos grandes períodos da história do clube e de ter encantado milhões de adeptos. E é assim que permanecerá. Não é caso para menos. Ocorria-me hoje, horas após a morte confirmada de alguém há muito em paz com o seu destino, que existirão diferentes formas de explicar a totalidade do Benfica a alguém. Podemos falar de Cosme Damião e dos 24 magníficos que decidiram criar algo muito maior do que eles, de Eusébio, de Mário Coluna, José Augusto, Torres, Águas e tantos outros, de Chalana, de Carlos Manuel, e de tantos outros que juntos encheriam esta página. Podíamos falar dos adeptos que são aquilo que sustenta a grandeza da instituição, ou de mais ídolos que têm o seu nome inscrito na história do clube, mas nenhuma explicação será fiel à realidade sem explicar que Eriksson foi e continuará a ser um dos alicerces que faz do Benfica um gigante do futebol.

Nasci em 1981 e só me apercebi da existência de Eriksson na sua segunda passagem pelo clube. Lembro-me de já viver obcecado por futebol, de memorizar todos os jogadores, todos os marcadores de golos e os minutos a que cada golo tinha sido marcado. Lembro-me de sonhar relatar jogos na rádio quando chegasse a adulto, a única profissão que me lembro de alguma vez ter desejado. Lembro-me da primeira vez no estádio e das muitas que se seguiram, dias inteiros que eram uma realidade alternativa. Lembro-me de ver o Domingo Desportivo como se de um momento sagrado se tratasse, e quase sempre irrepetível. Os golos chegavam pelo correio, numa experiência que seria insuportável aos olhos dos adeptos mais jovens de hoje, a quem o sismo chegou numa notificação da Google antes mesmo de terem sentido a terra tremer. Comprar jornais às escondidas dos meus pais, com o dinheiro das gomas, tornara-se um hábito. Aprendera a ler cedo e estava convencido de que o mundo inteiro estava contido nas páginas dos desportivos (há dias em que ainda penso assim). Eu e o leitor sabemos que há recordações muito mais grandiosas do que era então o Benfica e de quem era Eriksson, vindas de quem estava sempre na Luz enquanto tudo isto acontecia. São as pessoas que mais gosto de ouvir. Cada um viveu a história de acordo com a sua circunstância, umas vezes partilhada, outras vezes meio tola e singular. A minha circunstância era a de um miúdo cheio de sonhos, um miúdo ao qual vou tentando regressar desde então. De todas estas recordações, há uma que me marca até hoje, e que relembro sempre, mesmo quando ninguem me pergunta, como o momento em que percebi a grandeza do Benfica. Eram 16:45 do dia 23 de maio de 1990 quando a minha professora da terceira classe, que não era benfiquista, decidiu que as aulas terminariam mais cedo. Passáramos o dia no recreio a ensaiar o modo exato como o jogo aconteceria, eu mais por palavras do que por gestos técnicos com a bola. Os meus relatos, inspirados naquelas tardes da Antena 1 a saltitar de estádio em estádio, terminavam sempre da mesma forma: uma jogada construída de forma ardilosa e dramática, eu a adiar o prazer para dar um efeito realista ao relato e não parecer que íamos ganhar só porque sim, a bola disputada no meio campo, com direito a sucessivas reações à perda, até ao momento apoteótico em que punha à prova as minhas reais aptidões para um dia vir a relatar jogos na rádio. Tinha que ser capaz de prolongar a palavra golo, ênfase no primeiro o, até ficar sem ar. Aí chegado, inspirava se suficiente para gritar bem alto: do Benfica!

As aulas terminaram mais cedo porque naquele dia o Benfica jogava uma final da Taça dos Campeões Europeus. Se fosse hoje, a professora teria as redes sociais à perna e seria obrigada a escolher outro ofício. Felizmente isto não aconteceu em 2024 (a parte de sairmos mais cedo, irmos a uma final da Champions pode ser já amanhã), e por isso lhe posso dever hoje estas palavras de gratidão, à minha professora e a Sven Goran Eriksson, o treinador que, anos mais tarde, vim a perceber tratar-se de uma pessoa invulgarmente carismática, um homem com uma vida cheia de histórias para contar e pouco arrependimento para dispensar, mas que naquela altura me parecia só um tipo diferente.

 O tempo explicou melhor o porquê dessa sensação. O reconhecimento daquilo que foi a sua passagem pelo Benfica e pelo futebol português revela a marca singular de alguém que tornou um clube gigante, ainda maior à sua passagem. Mostra um homem que se engrandeceu por causa do Benfica, mas que nunca se esqueceu do Benfica, essa coisa linda que lhe aconteceu e lhe abriu as portas do resto do mundo. Sinto tristeza e angústia quando penso na morte de uma pessoa que esteve sempre aqui, de pedra e cal, intrinsecamente ligada a um acontecimento tão importante na minha vida. Penso nisso e naquilo que as perdas sucessivas dos heróis do meu clube significam. Ainda sou uma criança "feita para grandes férias", como escreveu Ruy Belo, uma criança sempre a desejar o dia em que sai mais cedo das aulas porque nesse dia joga o Benfica. Mas agora tenho as minhas próprias crianças, uma forma mais empedernida de ver as coisas, e a realidade concreta teima em intrometer-se na agenda. Já não pede licença nem negoceia férias. Nos últimos anos fui a mais funerais do que a casamentos. Sempre que alguém vai a enterrar, penso no mesmo que muitos de nós. Sou convencido novamente da urgência de vivermos o máximo que podemos enquanto podemos. Saio do cemitério simultaneamente comovido e comprometido em fazer uma espécie de justiça a quem nos deixou primeiro. Foi isso que o próprio Eriksson nos transmitiu numa das suas últimas mensagens, em que pede que saibamos viver com alegria. Se tomarmos a sua vida como inspiração, isso significa deixar as tristezas para trás, como na história contada por Dietmar Hamann, internacional alemão treinado por Eriksson no Manchester City. Uma manhã, numa viagem do City à Tailândia para alguns jogos promocionais, Eriksson chegou à beira de Hamann com uma garrafa de champanhe e dois copos. O jogador perguntou ao treinador o que estavam a celebrar e Eriksson esclareceu: «a vida, meu caro.» 

Mais uma vez, o Benfica perde uma das suas maiores referências num tempo em que, por força da nossa finitude e do trajeto do clube, as referências se tornam cada vez mais escassas. Cada dia que passa é mais um dia em que a instituição Sport Lisboa e Benfica vive mais à conta da grandeza dos que vieram do que daqueles que hoje cá estão hão-de vir. Mas, para lá dos dias tristes em que, de certa forma, nos despedimos de quem somos, fica a ânsia de apontar aos novos começos. Que saibamos contrariar a sentença inevitável e consigamos honrar com alegria os pergaminhos do Benfica e aproveitar a vida e a paixão que este clube pode dar a tanta gente. Começando pelo pequeno Francisco, um miúdo a quem a vida pregou a mais dolorosa das partidas, e a quem a Fundação Benfica em boa hora deu a mão para lhe arrancar o mais difícil, um sorriso. Que o clube lhe dê mais alegrias e o relembre, apesar da dor, que é uma criança feita para grandes férias.

 Quanto a Sven Goran Eriksson, não tenho dúvidas de que sorriria perante uma última homenagem. Não sei quanto custa nem me interessa, mas seria bonito que, no próximo jogo em casa, todos os lugares no estádio tivessem um chapéu da Macieira à espera de cada um de nós. Se alguém perguntar o que estamos a celebrar, responderemos a quem estiver ao nosso lado: a vida, meu caro.
[fechar]

Vasco Mendonça in A Bola

Eduardo Gomes


O Património

que nojo aproveitarem a morte de um dos últimos ícones do verdadeiro Benfica, para fazer culto ao líder.

Que nojo completo do que se tornou este clube.

Que versão rasca da Coreia do Norte


CitriC

Venho aqui prestar a minha homenagem a este grande benfiquista, grande treinador, grande homem!


Obrigado Erisson, Jamais serás esquecido.


Que descanse em paz.


Eduardo Gomes

Joao Querido Manha
@minderico

Sven-Goran Eriksson, o treinador que mais vezes entrevistei e que mais me ensinou.


Gsound

Nosso treinador quando comecei a acompanhar futebol e o Benfica. Será sempre o mais especial de todos.

Paz à sua alma.

Manfred von Richthofen


Slb04Sempre

Para mim morre um bocadinho de Benfica, e a minha lembrança de um puto de 15 anos, a descer a rua e comprar A Bola e ler sobre o Benfica...

Nostalgia de um Benfica diferente, de um futebol diferente...

Até sempre Eriksson