Decifrando imagens do passado

Rodolfo Dias

Falas aí em algo que eu queria perguntar. Fala-se de o último jogo no Campo de Benfica ter sido em 11 de Março de 1923, algo que também é mencionado no site do Benfica (e algo que eu também tenho tomado como verdadeiro). Todavia, no Almanaque do Benfica (pelo menos a versão que tenho, a do Centenário) esse jogo é mencionado como tendo sido disputado no Campo da Palhavã, propriedade do Império. E infelizmente o Diário de Lisboa não permite fazer a prova dos nove a esse respeito. Qual das versões é a correcta?

RedVC

Bem Rodolfo, a minha interpretação é que o jogo foi em Benfica. Isso inferido da notícia do Diário de Lisboa. Talvez a notícia seja um pouco dúbia mas ainda assim entendo que jogaram primeiro o SCP vs CIF seguindo-se depois o desafio SLB vs Império. Mas poderei ver outras fontes. Para já o que está disponível parece apontar para Benfica.

Incrivelmente a Ilustração Portuguesa descreve as incidências do jogo mas não diz onde foi?!?



Para além disso até se pode interpretar que o SLB vs Império foi antes do CIF vs SCP.

Ned Kelly

Citação de: RedVC em 06 de Março de 2017, 23:00
Citação de: Theroux em 06 de Março de 2017, 22:23
Vou abrir um parênteses no melhor tópico desta secção apenas para partilhar uma fonte audiovisual nova com muitos motivos de interesse: https://arquivos.rtp.pt/ Alguns destaques:

Provavelmente os melhores 4 minutos da história da RTP: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/1962-sport-lisboa-e-benfica/

Basket com um ambiente incrível em 1972: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/basquetebol-f-c-porto-vs-s-l-benfica/

Fialho Gouveia a jogar futsal na Luz em 1974: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/futebol-e-hoquei-no-pavilhao-da-luz/

Grande reportagem sobre a Luz em 1972: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/o-estadio-da-luz/

Excelente nota Theroux. Vi no telejornal na RTP e estou desde então a ver. A ver e a deliciar-me

Aqui pessoal

https://arquivos.rtp.pt/?advanced=1&s=Benfica

Cito esta mensagem por falar do arquivo da RTP.

Finalmente a RTP começou a colocar no arquivo online mais conteúdos e até final de 2017 vai aumentar o número de conteúdos disponibilizados. É de saudar, já que a RTP Memória insiste em repetir jogos e, curiosamente, se fossemos a fazer a classificação dos campeonatos pelos jogos que dão então estaríamos sempre entre o 6º e o 10º...

Mas este ponto é positivo e, para além do Benfica, existem documentários e programas antigos de grande qualidade.

Quanto ao recanto do RedVC, que grande prazer que é sempre vir cá ler estas pérolas! Obrigado, companheiro.

RedVC

Citação de: Ned Kelly em 15 de Março de 2017, 14:15
Citação de: RedVC em 06 de Março de 2017, 23:00
Citação de: Theroux em 06 de Março de 2017, 22:23
Vou abrir um parênteses no melhor tópico desta secção apenas para partilhar uma fonte audiovisual nova com muitos motivos de interesse: https://arquivos.rtp.pt/ Alguns destaques:

Provavelmente os melhores 4 minutos da história da RTP: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/1962-sport-lisboa-e-benfica/

Basket com um ambiente incrível em 1972: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/basquetebol-f-c-porto-vs-s-l-benfica/

Fialho Gouveia a jogar futsal na Luz em 1974: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/futebol-e-hoquei-no-pavilhao-da-luz/

Grande reportagem sobre a Luz em 1972: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/o-estadio-da-luz/

Excelente nota Theroux. Vi no telejornal na RTP e estou desde então a ver. A ver e a deliciar-me

Aqui pessoal

https://arquivos.rtp.pt/?advanced=1&s=Benfica

Cito esta mensagem por falar do arquivo da RTP.

Finalmente a RTP começou a colocar no arquivo online mais conteúdos e até final de 2017 vai aumentar o número de conteúdos disponibilizados. É de saudar, já que a RTP Memória insiste em repetir jogos e, curiosamente, se fossemos a fazer a classificação dos campeonatos pelos jogos que dão então estaríamos sempre entre o 6º e o 10º...

Mas este ponto é positivo e, para além do Benfica, existem documentários e programas antigos de grande qualidade.

Quanto ao recanto do RedVC, que grande prazer que é sempre vir cá ler estas pérolas! Obrigado, companheiro.

Obrigado Ned  O0
As vossas palavras são sempre muito importantes para mim. Fico muito feliz que vocês apreciem estes pedaços da maravilhosa história do SLB.


RedVC

#589
-144-
A Taça Ruy da Cunha.

Dia 15 de Março de 1913, a equipa da primeira categoria de futebol do Sport Lisboa e Benfica alinha para a eternidade.




Equipa que disputou a final da Taça Ruy da Cunha contra o SC Império. De pé e da esquerda para a direita temos os avançados, Florindo Serras, Álvaro Gaspar, Luís Viera, José Domingos Fernandes e Alberto Rio. Sentados temos os médios, Carlos Homem de Figueiredo, Cosme Damião e Artur José Pereira. Em baixo temos os defesas e guarda-redes, Henrique Costa, Augusto Paiva Simões e Francisco Belas. Na meia-final contra o Lisboa FC, jogou Francisco Cal em vez de Francisco Belas. Fonte: História do SLB 1904-1954 de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva. Fonte: Almanac "O Mundo" publicado em 1914.


Cumprem-se hoje 104 anos!

Quase perdida, quase anónima, esta bela fotografia mostra-nos uma das equipas de eleição do Sport Lisboa e Benfica. Recua à primeira década do século XX, ao ano de 1913.

E lá estão eles, exibindo as suas grandes bigodaças e olhares determinados! Uma fotografia esquecida de uma das mais brilhantes equipas lideradas por Cosme Damião, o maior de todos os Benfiquistas. Nesta equipa Cosme assumia o papel de médio centro, função de coordenador e distribuidor de jogo. Dentro e fora de campo.

Mas Cosme estava bem acompanhado, por:

o seguro guarda-redes Paiva Simões,
o sereno e seguro defesa Henrique Costa,
o potente defesa Francisco Belas,
o craque Artur José Pereira, o maior jogador Português até aparecer Vítor Silva,
o versátil defesa-médio Carlos Homem de Figueiredo,
o rápido extremo direito Florindo Serras de quem aqui falamos no texto anterior.
o talentoso e malogrado Álvaro Gaspar, também conhecido por Chacha,
o goleador Luís Viera (do meu conhecimento o 3º Português a jogar no estrangeiro)
o forte interior esquerdo José Domingos Fernandes,
o irrequieto extremo esquerdo Alberto Rio,

Uma equipa recheada de talento e de fortes personalidades. Uma equipa à Benfica!

Para além de recordarmos visualmente esses jogadores, revelando uma fotografia esquecida no tempo, vamos falar da conquista da taça Ruy da Cunha no distante ano de 1913.


A Taça Ruy da Cunha

Em Março de 1913, o Jornal "O Mundo" instituiu um torneio de futebol a disputar na sua semana desportiva entre alguns dos melhores clubes Lisboetas.



A Taça Ruy da Cunha conquistada em 15 de Março de 1913. Fonte: Museu Cosme Damião.


A taça teve o nome – presumo que por homenagem - de Ruy Alves da Cunha, um nome prestigiado de um dos mais nobres e antigos clubes portugueses, o Real Ginásio Clube (ver texto -86- Um inesperado Glorioso. pág. 25). Nesse ano, aliás dois dias depois o Ginásio Clube Português completava 38 anos.



O ginasta Ruy Alves da Cunha, figura de grande destaque no Real Ginásio Clube. Fonte: Tiro Civil; Tiro e Sport; Hemeroteca de Lisboa.



Fonte: Sports Illustrados; Hemeroteca de Lisboa.


O Jornal "O Mundo" foi fundado em 1889. Tinha uma orientação Republicana e por isso na sua primeira década de existência contribuiu activamente para a causa Republicana e a queda da Monarquia. Em 1913 já se vivia no novo sistema e assim o Jornal adquiriu ainda maior influência.



Redação do jornal "O Mundo" situado na Rua de São Roque. Fonte: AML.



Os Jogos

Os jogos foram todos disputados no Campo do Lumiar. As meias-finais foram disputadas em 10 de Março tendo o SLB ganho ao Lisboa FC por concludentes 6-0! Na outra meia final o CIF – Clube Internacional de Futebol foi surpreendentemente eliminado pelo Sport Clube Império ao perder por 1-0.

À época o CIF era o grande rival desportivo do SLB embora já nessa altura o nosso Clube fosse claramente mais popular. O SCP pouco contava pois apesar de seis anos ter aliciado oito jogadores e alguns dirigentes do Sport Lisboa - quase provocando a extinção do nosso Clube - tinha já voltado à sua original mediocridade competitiva. E foram justamente o CIF e o SCP que abriram esta competição numa pré-eliminatória vencida pelo CIF por 2-1.

Pobres viscondes que sete anos depois da sua fundação e apesar da força bruta do dinheiro continuavam a não ganhar nada. Bola! A incapacidade de recrutar e desenvolver talentos fez com que no ano seguinte tivessem de voltar a usar a força bruta do dinheiro para conseguirem ter alguma competitividade. E onde foram buscar qualidade? Ao Sport Lisboa e Benfica roubando de uma assentada Artur José Pereira (médio e melhor jogador nacional da altura), Paiva Simões (guarda-redes) e Boaventura Silva (médio). Foi assim em 1907, em 1914, e por aí adiante.

Assim, na final disputada em dia 15 de Março de 1913, defrontamos o SC Imperio por 2-1, resultado feito após prolongamento. O Sport Lisboa e Benfica conquistava a Taça Ruy Alves da Cunha. Apesar do jogo ter sido decidido em prolongamento, as crónicas da época falam num jogo de sentido único. Um jogo em que a nossa equipa atacou de forma intensa com o SC Império a defender e a contra-atacar como podia. Apesar de se baterem de forma valorosa, os amarelo e negros perderiam para os vermelhos. No final ganhou a melhor equipa.

Apesar de não dispor de uma fotografia do jogo de Março fica aqui uma imagem de um outro jogo entre o SL Benfica e o SC Império disputado no dia 25 de Dezembro de 1913.


E esta aqui colorida é relativa a um jogo no campo de Palhavã, no dia 2 de Novembro de 1913, em que o Benfiquista Alberto Rio se escapa a Robert Matos do SC Império. Robert Matos também viria a jogar com a camisola vermelha.



Fonte: Em Defesa do Benfica.



Os emblemas dos cinco Clubes que disputaram a Taça Ruy da Cunha: Sport Lisboa e Bemfica, Império Sport Club, Lisboa Football Club, Clube Internacional de Futebol e Sporting Club de Portugal. Não conheço o emblema do Império Sport Clube e por isso apresento o emblema do Império Lisboa Clube, designação que o Clube tomou depois da junção do Império Sport Clube com o Lisboa Football Club.


Resumindo os resultados da competição, temos:


Resultados da competição de futebol da Semana Desportiva de "O Mundo".


O evento

O evento que decorreu no Campo do Lumiar contou com a ilustre presença do Presidente da Republica, o Dr. Manuel de Arriaga.



Tribuna de honra da Semana Desportiva de "O Mundo" disputada em Março de 1913. Distinguem-se o presidente da Republica Manuel de Arriaga (barba branca) e o presidente do Conselho Afonso Costa. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


A ilustrar a diversidade e vitalidade do evento desportivo ficaram várias imagens.



Desfile dos atletas que participaram na Semana Desportiva de "O Mundo". Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


E algumas das diversas modalidades disputadas no evento:



Diversos aspectos da Semana Desportiva de "O Mundo" disputada de 9 a 16 de Março de 1913 no Lumiar. Em cima à esquerda – Manuel António Teixeira, vencedor da competição de motocicletas. Em cima à direita – desfile dos atletas do SCP. Em baixo- Competição de luta greco-romana. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Para a história deixo ainda o nome dos vencedores das diversas modalidades





RedVC

#590
-145-
Gourlades da linha.

Este vai ser um artigo longo. Daqueles pouco populares mas dos quais me orgulho particularmente. Daqueles artigos que têm informação que contribui de forma efectiva para um conhecimento mais profundo e mais estruturado de algumas figuras do SLB. Para lá da espuma dos dias. Hoje falaremos do universo familiar à volta de uma das figuras históricas maiores do nosso Clube.

Para aqueles que tiverem coragem: aqui vamos!

Igreja de Santo António do Estoril, antigo Convento dos recoletos de São Francisco



Numa nota prévia e estritamente pessoal, devo dizer que associo a esta Igreja algumas memórias de adolescência. Assim, foi com alguma satisfação que recentemente soube que este espaço está também ligado à família Gourlade. O Mundo é pequeno, o Benfica é enorme...



Apontamentos para a História da Villa e Concelho de Cascaes. Obra de Pedro Lourenço de Seixas Borges Barruncho. Typographia Universal, Lisboa. Obra editada em 1873 ou seja um ano depois do nascimento de Manuel Gourlade.


Ou seja, por este texto percebe-se que este espaço foi propriedade de Manuel Joaquim Jorge. Sucede que este homem foi um dos bisavôs de Manuel Gourlade. PAra além disso Manuel Joaquim Jorge foi um grande negociante da cidade de Lisboa sendo considerado no seu tempo um homem abastado. A reflectir a sua importância social basta dizer que entre os convidados presentes no seu casamento com Maria Severina Paula de Almeida Laroche, celebrado na Ajuda em 1752, estava tão-somente, entre outras figuras de Estado, Sebastião José Carvalho e Melo, ou seja o Marques de Pombal.

Mais tarde a propriedade foi herdada pela sua neta Anna Thereza Jorge Gourlade, filha de Bernardo Augusto Gourlade Júnior e de Thereza Polycarpa Jorge, avôs paternos de Manuel Gourlade. Assim, em 1873, quando Manuel Gourlade tinha 1 ano de idade, esta propriedade pertencia a uma sua tia paterna. É bastante provável que durante a sua meninice, Manuel Gourlade tenha frequentado este espaço no Estoril.

O universo familiar paterno de Manuel Gourlade era aliás vasto, compreendendo os descendentes do casal Bernardo Augusto Gourlade (1799-1882) e Thereza Polycarpa Jorge Gourlade (1799-?). Este casal, unido pelo matrimónio na Igreja da Memória na Ajuda no dia 9-04-1821, teve pelo menos 8 filhos:



O universo familiar paterno de Manuel Gourlade. António Maria Gourlade foi o pai de Manuel Gourlade.

Ou seja, Manuel Gourlade, filho de António Maria Gourlade, teve pelo menos 4 tios e 3 tias paternas.


A Igreja de Santo António do Estoril



Vários tempos do Convento de São Francisco e Igreja de Santo António do Estoril. Fonte: Câmara Municipal de Cascais e Delcampe.


Nas proximidades do Convento dos Salesianos, junto à Av. Marginal, ergue-se a Igreja Matriz de Santo António do Estoril. A sua construção, com data de 1527, foi no entanto levada a cabo sobre uma pequena Ermita dedicada a S. Roque. Já a zona do adro e cruzeiro foram erigidos sobre uma pequena capela dedicada a Santo António, a qual havia sido encomendada por Leonor Fernandes, proprietária da área circundante de nome Casal do Estoril. Esta igreja sofreu ao longo dos tempos grandes destruições e recuperações, sendo de mencionar a reconstrução após o terramoto de 1755, em que ficou quase totalmente destruída. Posteriormente, em 1927, voltou a ser alvo de infortúnio, após demolidor incêndio. Felizmente salvaram-se os azulejos pombalinos que foram restaurados e repostos segundo configuração original. O projecto de reconstrução foi da autoria do Arquitecto Tertuliano Marques, enquanto que a execução dos frescos ficou a cargo de Carlos Bouvalot, tendo sido respeitadas as suas características, segundo a informação disponível de épocas anteriores. Fonte:  http://jf-cascaisestoril.pt/patrimonio

Uma nota curiosa é que este Arquitecto Tertuliano (Lacerda) Marques (sublinhado) foi um dos miúdos que participou em alguns dos treinos do Sport Lisboa nas Terras do Desembargador às Salésias nos anos de 1904-1905. O Mundo é pequeno, o Benfica é enorme.


Da família Gourlade



Genealogia resumida da família de Manuel Gourlade.


A família Gourlade terá vindo para Portugal ainda no século XVIII, sendo originária de França. A consciência familiar desse facto explica que dois séculos mais tarde Manuel Gourlade se apresentasse por vezes nos treinos em Belém com uma faixa a tiracolo com as três cores da bandeira Francesa. Temos essa pitoresca descrição na entrevista que Cosme Damião deu ao jornal "A Bola" em 1945.



Excerto da entrevista ao jornal "A Bola" dada por Cosme Damião em 1945. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Manuel Gourlade destacado numa equipa talvez da segunda categoria do Sport Lisboa, alinhada nas Terras do Desembargador às Salésias antes de 1910. Lá atrás nota-se a silhueta do Palácio Nacional da Ajuda. Do outro lado, virada bem de frente para Manuel Gourlade (guarda-redes, vestido de branco) estava a Igreja da Memória à Ajuda onde ele foi baptizado no dia 31 de Outubro de 1872. Fonte: AML.


Também Daniel dos Santos Brito, seu colega, amigo e igualmente fundador do Sport Lisboa, nos recordou a figura e as acções inesquecíveis de Gourlade.



Fonte: Ecos de Belém


De Manuel Gourlade (1872-1944) relembro que em tempos foi localizado o respectivo registo paroquial de baptismo (ver texto -27- A primeira Águia. pág.6), divulgando-se assim pela primeira vez as datas do seu nascimento e óbito. As datas querem-se rigorosas porque respeitam a memória dos homens e porque adicionam elementos para a melhor compreensão do seu tempo e acção. No caso de Gourlade sabia-se que tinha morrido em Campolide no Asilo D'Espie Miranda, mas não se sabia exactamente quando.

Sabia-se igualmente que seria membro de uma família abastada e que terá tido uma educação privilegiada no Colégio Nobre de Carvalho, um dos mais prestigiados estabelecimentos de ensino privado daquele tempo (Fonte: Almanaque do Benfica). Os dados que agora se reúnem confirmam essa ideia.

E assim, partindo dessa Igreja de Santo António, falaremos de forma resumida, dos Gourlades, da sua genealogia e de alguma da sua notoriedade social. No final – espero - perceberemos um pouco melhor quem era Manuel Gourlade; o homem no seu contexto familiar.


Da história da família Gourlade


Recuando no tempo, sabemos que a família Gourlade foi nobilitada por D. Maria I na pessoa de Ângelo Diogo Gourlade - feito Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (Torre do Tombo, Registo geral de Mercês, D. Maria I, Lv. 10, Fl. 130; Fonte: http://geneall.net/pt/forum/120406/familia-gourlade/). Sabemos também que em 1788 este Ângelo Diogo Gourlade já vivia por Alcolena, ou seja na zona do Bairro do Restelo (fonte: Almanach para o ano 1788, Academia Real das Sciencias).

Mais tarde, o seu filho Bernardo João da Matta Gourlade foi militar de carreira tendo estado ao serviço logo no início do século XIX. Muito provavelmente ainda terá combatido contra os exércitos invasores... Franceses!



Dois excertos de livros que demonstram a carreira militarem de Bernardo João da Mata Gourlade, bisavô de Manuel Gourlade. Fonte: Colecção oficial de legislação portuguesa de 1866 - Página 308. Compilação das Ordens do dia: do Quartel general do Exercito Portuguez na Campanha de 1813. Google books


Já no conturbado período que se seguiu, em plenas guerras entre liberais e absolutistas, e para lá da sua vida de militar – uma vez mais presumo – entre as tropas liberais, Bernardo Augusto da Matta Gourlade veio a ter uma intervenção social com tendências progressistas e democráticas. De facto, o seu nome consta na lista dos subscritores da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, aprovada em 23 de Setembro de 1822. Deve notar-se que essa Constituição de 1822 foi a primeira lei fundamental portuguesa, sendo o mais antigo texto constitucional português e, tecnicamente, um dos mais bem elaborados. Marcou uma tentativa de pôr fim ao absolutismo e inaugurar em Portugal uma monarquia constitucional. (Joaquim de Carvalho e wikipedia).



Constituição de 1822. Bernardo João da Mata Gourlade, bisavô de Manuel Gourlade foi um dos seus subscritores. Fonte: Google Books


Ao longo de dois séculos a família Gourlade teve diversos membros que tiveram quer cargos militares quer cargos de funcionários públicos (em particular amanuenses ou seja copistas de textos ou documentos escritos à mão). Os Gourlade tinham alguma relevância social e como vimos, pelo menos alguns dos seus ramos eram nobilitados e tinham posses, sendo por vezes mencionados nas colunas sociais dos jornais da época.



Notícias das colunas sociais relativas à família Gourlade. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


E faziam notícia dos seus óbitos nesses mesmos jornais, hábito geralmente endereçado a classes socialmente mais favorecidas.



Alguns exemplos de obituários da família Gourlade que saíram em jornais da época. Nota-se um nome frequente: Manuel Joaquim Gourlade, que era tio-paterno e também padrinho de baptismo do "nosso" Manuel Gourlade. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Dos espaços em que viveu Manuel Gourlade

Manuel Gourlade era filho de António Maria Gourlade e da Dona Ana Maria da Glória Gourlade. Os seus pais casaram em 8-12-1869. Manuel Gourlade terá sido o seu único filho, nascido em casa, na Rua da Paz nº 118, rua do Bairro e freguesia da Ajuda. Nasceu pelas 11h00 do dia 25-10-1872 e foi baptizado na Igreja da Memória à Ajuda, em 31-10-1872, ou seja apenas seis dias depois de ter nascido! O seu pai casou já quarentão, sendo que a sua mãe era viúva de um tal José Paulino.



Igreja da Memória à Ajuda. Fonte: AML.



Localização e aspectos antigos e actuais da Rua da Paz à Ajuda, onde numa dessas casas nasceu Manuel Gourlade. Fonte: AML


A Ajuda era um bairro popular e populoso, tendo sido nesse espaços que o jovem Gourlade cresceu e se fez homem.



Alguns dos locais na Ajuda frequentados por Manuel Gourlade durante a sua vida.


Seria depois na Rua de Belém que Gourlade faria grande parte do seu percurso profissional como contabilista da Pharmacia Franco. Mais tarde seria ainda intérprete no Porto de Lisboa, aproveitando o facto, raro na época, de dominar pelo menos as línguas Francesa e Inglesa.



Exemplo da contabilidade feita por Manuel Gourlade nos primeiros anos do nosso Clube. Fonte: SB.


Ainda sabemos pouco dos últimos anos de vida de Manuel Gourlade. Recentemente, Alberto Miguéns deu-nos a conhecer um período particularmente triste, talvez pela década de 20, em que a decadência pessoal e profissional de Manuel Gourlade quase o levou a cometer suicídio. Seria um anjo, na forma de Daniel Santos Brito, seu antigo colega da Farmácia Franco, que o salvaria de um momento de fraqueza, dessa tentação de terminar a vida junto a uma margem do Rio Tejo. Solidão, esquecimento, desilusões? Não o sabemos.

Ainda assim não seria um acontecimento inédito na família Gourlade pois sabe-se que pelo menos o seu primo Pedro Augusto Guimarães Gourlade cometeu suicídio em 1910. No caso de Manuel Gourlade sabemos que Daniel Santos Brito evitou esse desenlace trágico em condições quase fortuitas. E foram as mãos amigas de Daniel Santos Brito que o conduziram à Quinta da Mineira, ao Asilo D'Espie Miranda, em Campolide. Foi ali, com uma vista que dominava o vale de Alcântara onde tantas futeboladas tinham sido feitas, que Manuel Gourlade, a Primeira Águia, espírito generoso e voluntarista, pioneiro imortal do SLB, viveu os seus últimos dias neste Mundo.

 

Dois tempos de evolução da Quinta da Mineira onde ainda hoje se situa o Asilo D'Espie Miranda. O último ninho da Primeira Águia. Fonte: AML.


Como terão sido esses dias na Quinta da Mineira? Terão sido entre 10 a 20 anos. Muito tempo do qual sabemos pouco ou nada. Sabemos que terá recebido visitas de Daniel Santos Brito, que felizmente teve uma vida longa. Caso tenha recebido informações do exterior então Gourlade terá tido a satisfação de saber do crescimento imenso que teve aquele pequeno Clube que ele ajudou a nascer e a quem deu tanta dedicação, saber, esforço e muitas das suas economias pessoais. Certamente uma satisfação no ocaso da sua vida. Talvez um dia seja possível saber mais. O caminho faz-se caminhando e no caso de Gourlade temos vindo a fazer um caminho interessante.

Este texto é mais uma dessas minhas tentativas e mais uma das minhas homenagens pessoais a um homem a quem o Sport Lisboa e Benfica tanto deve.



Manuel Gourlade (1872-1944)

Paz à sua Alma


Bakero

É uma figura muito interessante. Curiosa a forma como Cosme Damião descreve Goularde, devia ser cá uma personagem  ;D

Nos últimos anos tem-se afunilado muito a fundação do Benfica na figura de Cosme Damião...por um lado, será justo por tudo o que Cosme representou para o Benfica, mas por outro, não estará a ser injusto para todos os outros que ajudaram a fundar o clube? Não será mais correcto afirmar que o Benfica foi fundado por um grupo de 24 pessoas e não por uma pessoa só?

RedVC

Certamente. Não se pode transigir nesse facto histórico. O acto fundador do nosso Clube ocorreu em 28-02-1904. Temos uma lista manuscrita por Cosme com 23 nomes. São 24 fundadores.

Mas para lá desse acto fundador houve um processo, uma evolução que movimentou muitos mais nomes. Alguns desses homens que não estiveram na Farmácia Franco no último dia de Fevereiro de 1904 terão sido bastante importantes. Estamos provavelmente a falar de algumas dezenas de homens cujos nomes a história mais correntemente divulgada não guardou. Um dia falarei de alguns deles. José da Cruz Viegas foi talvez um dos mais importantes. Foi o homem que definiu as cores e provavelmente foi decisivo para o nome inicial do nosso Clube. Dele já por aqui se falou. De outros um dia destes haverá oportunidade.

RED_1904

Citação de: RedVC em 21 de Março de 2017, 19:57
Certamente. Não se pode transigir nesse facto histórico. O acto fundador do nosso Clube ocorreu em 28-02-1904. Temos uma lista manuscrita por Cosme com 23 nomes. São 24 fundadores.

Mas para lá desse acto fundador houve um processo, uma evolução que movimentou muitos mais nomes. Alguns desses homens que não estiveram na Farmácia Franco no último dia de Fevereiro de 1904 terão sido bastante importantes. Estamos provavelmente a falar de algumas dezenas de homens cujos nomes a história mais correntemente divulgada não guardou. Um dia falarei de alguns deles. José da Cruz Viegas foi talvez um dos mais importantes. Foi o homem que definiu as cores e provavelmente foi decisivo para o nome inicial do nosso Clube. Dele já por aqui se falou. De outros um dia destes haverá oportunidade.

Outro caso é Félix Bermudes.

RedVC

#594
Citação de: RED_1904 em 23 de Março de 2017, 17:06
Citação de: RedVC em 21 de Março de 2017, 19:57
Certamente. Não se pode transigir nesse facto histórico. O acto fundador do nosso Clube ocorreu em 28-02-1904. Temos uma lista manuscrita por Cosme com 23 nomes. São 24 fundadores.

Mas para lá desse acto fundador houve um processo, uma evolução que movimentou muitos mais nomes. Alguns desses homens que não estiveram na Farmácia Franco no último dia de Fevereiro de 1904 terão sido bastante importantes. Estamos provavelmente a falar de algumas dezenas de homens cujos nomes a história mais correntemente divulgada não guardou. Um dia falarei de alguns deles. José da Cruz Viegas foi talvez um dos mais importantes. Foi o homem que definiu as cores e provavelmente foi decisivo para o nome inicial do nosso Clube. Dele já por aqui se falou. De outros um dia destes haverá oportunidade.

Outro caso é Félix Bermudes.

Certamente.

Na minha avaliação existem três homens que coloco acima de todos os outros pela relevante contribuição - enquanto dirigentes (leia-se pensadores e executores) - que deram no período mais crítico do nosso Clube. Como se diz num filme famoso "O princípio é um tempo delicado".

Foram eles, por ordem cronológica: Manuel Gourlade, Cosme Damião e Félix Bermudes. Eu coloco-os acima de todos tal como coloco três futebolistas acima de todos os outros que vestiram a nossa camisola nos 113 anos da nossa brilhante História: Coluna, Eusébio e Chalana.

É uma opinião pessoal mas estou seguro da sua justeza.

Ned Kelly

No Chalana discordamos. Eu gostava que tivesse sido, mas ou tínhamos o Chalana ou o 3º anel concluído e esse hiato dele no Benfica tirou-lhe essa preponderância, porque quando regressou nunca voltou a ser o Chalana de antigamente.

Para mim esse terceiro é o Nené.

Quanto ao facto de estarmos actualmente a centrar os méritos da fundação num único Homem, têm ambos razão. Felizmente a nossa História é colectiva e diversa, com muitas pessoas importantes. Esse "culto da personalidade" actual - inclusivé o cântico diz "Fundado por Cosme Damião" -  é minimizar a nossa História e esse aspecto colectivo que nos distancia, por exemplo, do clube do avôzinho. Mas estou como o Miguéns, o Cosme é o pai do benfiquismo e devemos-lhe imenso quando quase desaparecíamos do mapa.

RedVC

Citação de: Ned Kelly em 24 de Março de 2017, 18:54
No Chalana discordamos. Eu gostava que tivesse sido, mas ou tínhamos o Chalana ou o 3º anel concluído e esse hiato dele no Benfica tirou-lhe essa preponderância, porque quando regressou nunca voltou a ser o Chalana de antigamente.

Para mim esse terceiro é o Nené.

Quanto ao facto de estarmos actualmente a centrar os méritos da fundação num único Homem, têm ambos razão. Felizmente a nossa História é colectiva e diversa, com muitas pessoas importantes. Esse "culto da personalidade" actual - inclusivé o cântico diz "Fundado por Cosme Damião" -  é minimizar a nossa História e esse aspecto colectivo que nos distancia, por exemplo, do clube do avôzinho. Mas estou como o Miguéns, o Cosme é o pai do benfiquismo e devemos-lhe imenso quando quase desaparecíamos do mapa.

Que seja Néné que está muito bem escolhido. Eu vi jogar os dois e a minha preferência ia para o génio puro de Chalana. É claro que eu adorava Néné que para mim já era entradote e que me ria quando ouvia as bocas que lhe davam na bancada. Mas no fundo todos o adoravam. Néné é um colosso. E ao que sei uma das melhores pessoas que se pode conhecer.

Aliás eu não posso deixar de sentir uma sorte descomunal por ter visto jogar esta equipa Bento, Veloso(Pietra), Bastos Lopes, Humberto, Álvaro, Carlos Manuel, Shéu, Alves, Chalana (Diamantino), Néné, Filipovic (Manniche). Uma constelação. Uma benção. Saudades imensas.

Quanto a Cosme, concordo por inteiro. E só para revelar sentido de oportunidade daqui a uns minutos vou colocar aqui um belo naco. Vou falar sobre o jovem Cosme e a sua família. Vai ter material interessante. Vai-se chamar "Para lá da Lenda". Estou a polir.

RedVC

#597
-146-
Cosme, para lá da Lenda.



Cosme Damião.

Um dos 24 fundadores do nosso Clube.
A figura superlativa do nosso Clube no período 1907-1926.


Hoje vamos para lá da Lenda. Vamos falar do contexto familiar do jovem Cosme Damião. Do pouco que se sabe e expor o que os documentos nos permitem saber como uma tragédia familiar moldou a vida de Cosme Damião.



Da tragédia se faz Luz


Uma hora da manhã do dia onze de Junho de 1895. Na sua casa da Travessa do Prior, freguesia de São João Baptista do Lumiar, morria Cosme Damião, filho de Cosme Damião, casado com Rosa Marques e pai de cinco filhos. Na dor e na tragédia familiar desabava o mundo da pobre viúva e dos seus cinco filhos.



Registo Paroquial de óbito de Cosme Damião (pai). Faleceu em 11 de Junho de 1895.


Com apenas 32 anos Cosme (pai) morria na flor da idade. Morreu de uma pneumonia, doença que ceifava muitas vidas naqueles tempos duros, de fraca nutrição e de escassa e precária assistência médica.

Cosme (pai) era carroceiro de profissão, natural do Lumiar tal como o seu pai, Cosme Damião (avô), ferrador de profissão. Como era comum nesse tempo, as mulheres da família eram domésticas. Eram famílias modestas e cujos parcos recursos dependiam do ganha-pão do chefe de família. A morte do chefe de família foi uma terrível sentença para a viúva e para os seis filhos.



A família de Cosme Damião.


Contrariamente ao que se pensava, Cosme não era o filho mais velho do casal Cosme e Rosa Maria. A filha mais velha do casal era uma menina chamada Rosa e só depois vinha Cosme, 1 ano mais novo. Ou seja, a primeira filha do casal recebeu o nome da mãe e o primeiro filho do casal recebeu o nome do pai. Mas existiam mais três filhos.

Quando o seu pai faleceu, Rosa tinha feito 11 anos no mês anterior, Cosme tinha quase 10 anos, Joaquim tinha 6 anos, Maria tinha quase 3 anos e Jesuína, a mais nova tinha apenas 4 meses. Maria, nascida em 1887 tinha falecido logo no ano seguinte.

A mãe Rosa, incapaz de sustentar os seus seis filhos, viu-se forçada a tomar decisões. Terá optado por destinar a filha mais velha às tarefas domésticas e à ajuda na criação dos irmãos mais novos, algo comum nesses tempos. Já no caso de Cosme, a sua mãe tentou que ingressasse como órfão na Real Casa Pia. Era a melhor opção não só para aliviar as finanças de casa como também para permitir que tivesse uma educação que lhe possibilitasse ter um futuro melhor. Sendo analfabeta, Rosa Maria Marques pediu ao Padre da sua paróquia para que este lhe fizesse um requerimento ao Provedor da Casa Pia. Com essa decisão Rosa mudou para sempre o mundo do seu filho Cosme, da sua família e bem vistas as coisas mudou também o nosso mundo.



Pedido de Rosa Maria Marques para o ingresso de seu filho Cosme Damião na Real Casa Pia. Documento formulado pelo pároco do Lumiar e datado de 30-04-1896.


Não sabemos que tipo de ajudas teve Rosa Maria Marques para daí em diante criar os restantes quatro filhos. Não sabemos sequer se os conseguiu criar a todos junto de si. Terá Joaquim Damião também ingressado na Casa Pia? Também não sabemos com que periodicidade o jovem Cosme pôde sair da Casa Pia para visitar a sua mãe e os seus irmãos.

Na Casa Pia, o menino Cosme fez-se homem, concluiu o Curso Comercial tornando-se por via disso um funcionário superior na administração da Casa de Palmela. Mas mais importante, sabemos que Cosme Damião (filho), graças às virtudes da forte componente desportiva da educação proporcionada pela Casa Pia, tornou-se um desportista nobre, disciplinado, generoso, formador e inovador. Tornou-se o nosso Cosme. O maior de todos nós.



Genealogia resumida da família de Cosme Damião.


A origem do nome Cosme

Cosme Damião (filho), filho de Cosme Damião (pai), filho de Cosme Damião (avô), filho de Raimundo Fernandes Gonçalves e de Mariana Thereza!

Hummmm, de onde terá vindo o nome Cosme e apelido Damião? Do nada?! Como é possível que em 1803, quando o avô de Cosme nasceu, não tenha recebido o apelido de seu pai ou de sua mãe?!



Certidão de baptismo de Cosme (avô).
Nascido em 27-09-1803, baptizado em 22-10-1803 na Igreja de São João Baptista do Lumiar.


Na verdade nas certidões mais antigas o avô de Cosme aparece-nos como Cosme Damião Fernandes. Mas o apelido acabou por cair tornando-se apenas Cosme Damião. E assim seria para o avô, para o filho e para neto. Uma linha masculina de três homens todos chamados Cosme Damião!



As assinaturas de Cosme Damião (pai) e Cosme Damião (avô) lada a lado no registo de casamento do primeiro em 15 de Maio de 1881.



Certidão de baptismo de Cosme (pai).
Nascido em 27-09-1862, baptizado em 24-02-1863 na Igreja de São João Baptista do Lumiar.



Certidão de baptismo de Cosme (filho).
Nascido em 2-11-1885, baptizado em 27-12-1803 na Igreja de São João Baptista do Lumiar.


Mas porquê Cosme Damião?

A resposta está no registo de baptismo de Cosme Damião (avô). Olhemos então para a sua data de nascimento: 27 de Setembro de 1803. Cosme Damião, filho de Raimundo Fernandes (que também aparece como Raimundo Fernando e Raimundo Fernanddo Gonçalves) nasceu no dia 27 de Setembro de 1803.

Ora para as religiões Afro-Brasileiras o dia 27 de Setembro é considerado Dia de São Cosme e Damião! Curiosamente a religião Católica considera o dia anterior, ou seja 26 de Setembro como o Dia de São Cosme e Damião. A data de nascimento de Cosme (avô) é a origem dos nomes de uma linhagem de três homens. Assim, é aos pais de Cosme Damião (avô) (Raimundo Fernandes Gonçalves ou à sua esposa Mariana Thereza,) ou ao seu padrinho (Manuel Pereira da Costa) que devemos o nome Cosme Damião! O nosso Cosme Damião, fundador do Sport Lisboa e Benfica poderia ter sido um Manuel Fernandes desta vida...




Tabela dos dias dos Santos publicada na Revista da Semana em 1910. Fonte: BND



Iconografia e história dos mártires Cosme e Damião



Alguma da muito diversificada iconografia dos mártires da Igreja Cosme e Damião. Fonte: Google.


Mais sobre a iconografia dos Santos Cosme e Damião pode ser encontrada aqui: http://deniseludwig.blogspot.pt/2013/09/pinturas-dos-santos-cosme-e-damiao.html





Segundo a tradição Católica, Cosme e Damião eram irmãos gémeos, nascidos na Egeia (agora Ayas, no Golfo do İskenderun, actual Turquia). Eram filhos de um nobre pagão que faleceu quando os filhos ainda eram crianças. Cosme e Damião e os seus outros três irmãos (Antino, Leôncio, Euprépio), foram todos sido criados na fé Cristã pela sua mãe Teodora. Os seus verdadeiros nomes terão sido Acta e Passio.

Os gémeos Cosme e Damião eram médicos que curavam os doentes não apenas com o seu saber médico mas também através dos milagres que advinham da sua Fé e das suas orações. A tradição refere também que tratavam de igual forma os animais. A sua santidade é atribuída não apenas ao facto de curarem os doentes mas também de exercerem os seus actos médicos sem cobrar dinheiro por isso.

Durante as implacáveis perseguições aos Católicos no reinado do imperador romano Diocleciano, o prefeito Lísias mandou prender os gémeos Cosme e Damião. Apesar de lhes ter sido exigida a retractação, os gémeos recusaram. E continuaram a recusar mesmo sobre tortura. Diz a tradição que nenhum ferimento lhes foi imposto apesar das torturas impostas por água, fogo, ar. Mesmo na cruz onde foram colocados para morrer, mantiveram-se incorruptos. A morte viria apenas por decapitação por espada no dia 27 Setembro, provavelmente entre os anos de 287 e 303. Juntamente com os gémeos foram também martirizados os seus três restantes irmãos.



"São Cosme e Damião crucificados e apedrejados". Um extraordinário quadro (Têmpera sobre madeira, 38x46 cm) de Fra Angélico (1438-1440). Alte Pinakothek, Munique, Alemanha.


Pouco depois, os restos mortais dos mártires enterrados na cidade de Ciro, na Síria começaram a ser associados a curas milagrosas. Dois séculos depois, a cura uma doença perigosa do imperador Justiniano I (527-565) foi atribuída à sua intercessão. O culto cresceu.

Cosme e Damião são considerados os patronos dos médicos, cirurgiões e farmacêuticos, sendo por vezes representados por emblemas médicos. No Portugal do século XIX, estes dois mártires eram ainda os padroeiros de confrarias médicas, sendo que para conseguir o título de Doutor em Coimbra, era necessário pagar emolumentos à Irmandade de S. Cosme. A tradição também lhe atribuiu a prática de distribuírem doces às crianças, tradição que se mantém nos nossos dias em algumas localidades Afro-Americanas. Fonte: Wikipedia


Existem diversas orações a estes Santos. Como esta, por exemplo:

São Cosme e São Damião, que por amor a Deus e ao próximo vos dedicastes à cura do corpo e da alma de vossos semelhantes, abençoai os médicos e farmacêuticos, medicai o meu corpo na doença e fortalecei a minha alma contra a superstição e todas as práticas do mal.

Que vossa inocência e simplicidade acompanhem e protejam todas as nossas crianças.

Que a alegria da consciência tranquila, que sempre vos acompanhou, repouse também em meu coração.

Que a vossa protecção, São Cosme e São Damião, conserve meu coração simples e sincero, para que sirvam também para mim as palavras de Jesus: "Deixai vir a mim os pequeninos, pois deles é o Reino dos Céus".

São Cosme e São Damião, rogai por nós.

Ou então estes bonitos versos que são cantados ao ritmo dolente de violão por crianças por moças e rapazes em determinadas regiões do Brasil, que de porta vão pedir oferendas em nome dos Santos




A Igreja de São João Baptista do Lumiar

Não estaria completo este texto sem que se falasse de alguns locais do Lumiar onde o pequeno Cosme viveu os seus primeiros 10 anos de vida.

Em primeiro lugar Igreja de São João Baptista do Lumiar, o templo onde foram baptizados os três Cosme Damião. Instituída no século XIII, esta Igreja foi não apenas local de culto mas também local central das vivências das gentes dessa paróquia. Desde local de reunião até feira de gado, de tudo um pouco se passou no adro da Igreja.



E numa nota pessoal não posso deixar de notar que quase sempre que me dirijo para o nosso Estádio passo por esta Igreja.



Cronologia da Igreja (parcial)

● 1266 - criação da freguesia do Lumiar;

● 1276 - instituição da Igreja Paroquial de São João Baptista e São Mateus pelo Bispo de Lisboa, D. Mateus (1259-1282), à qual foram anexados os lugares vizinhos de Telheiras, Ameixoeira e Charneca; a primitiva igreja do Lumiar (de uma só nave e com invocação de São João Baptista e do Apóstolo São Mateus), foi edificada em terreno da propriedade que D. Afonso III possuía nesta zona;

● 1283 - criação de uma feira de gado no Largo da Igreja de São João Baptista do Lumiar que passou a coincidir com a data da celebração religiosa dedicada a Santa Brígida; ...

● 1885 - com uma nova reforma administrativa a freguesia de São João Baptista foi incorporada na cidade de Lisboa;

● 1932 - o dia 7 Fevereiro - incêndio causador de significativos estragos no monumento, incluindo um valioso revestimento azulejar quinhentista e o guarda-vento; na reedificação, orientada pelo arquitecto Tertuliano Marques, foram aproveitadas as estruturas não danificadas e reutilizados alguns materiais; ...

● 1997 - classificação do Conjunto do Paço do Lumiar.


A cronologia completa (bastante mais longa) desta Igreja pode ser lida aqui: http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=5063


Depois, algumas imagens a Travessa do Alqueidão e do Prior, locais onde morou a família de Cosme.
 



E pronto.
Siga a lenda.




Ned Kelly

Eh pá, muito bom mesmo!

"O nosso Cosme Damião, fundador do Sport Lisboa e Benfica poderia ter sido um Manuel Fernandes desta vida... " Ah ah ah. Sim, podería ter sido, tinha tudo para correr mal na vida e acabou por lhe correr bem. Até no clube que ajudou a fundar, refundar, crescer e difundir.

Agora que está explicada cabalmente a origem do nome Cosme Damião, falta explicar porque deu o Benfica tempo de antena a quem nos chamou o nosso Cosme de... Júlio.  :confused:

RedVC

Citação de: Ned Kelly em 27 de Março de 2017, 17:08
Eh pá, muito bom mesmo!

"O nosso Cosme Damião, fundador do Sport Lisboa e Benfica poderia ter sido um Manuel Fernandes desta vida... " Ah ah ah. Sim, podería ter sido, tinha tudo para correr mal na vida e acabou por lhe correr bem. Até no clube que ajudou a fundar, refundar, crescer e difundir.

Agora que está explicada cabalmente a origem do nome Cosme Damião, falta explicar porque deu o Benfica tempo de antena a quem nos chamou o nosso Cosme de... Júlio.  :confused:


Muito bem lembrado Ned  O0


Se a minha profissão fosse ser historiador,
Se tivesse tido a honra de trabalhar no Sport Lisboa e Benfica,
Se tivesse inventado um nome sem qualquer suporte documental,
Se nunca tivesse explicado porque o fiz,
Se nunca tivesse assumido porque o fiz,
Se nunca tivesse pedido desculpa pelo que fiz,
Se nunca tivesse pedido desculpa por desrespeitar a memória de Cosme Damião,

Eu morria de vergonha.

Mas isso sou eu,
Biólogo de profissão,
Homem de Ciência habituado a provar o que digo,
Profissional habituado à revisão crítica dos meus pares,
Benfiquista de nascença e de coração.

Isso sou eu. Os outros que reflictam no que fizeram e no que são.