Decifrando imagens do passado

Bakero

Ahah realmente seria impossível  ;D.

Mas o que me fica é isto: 50 anos depois o clube que andava com a casa às costas tem o dobro dos campeonatos do clube que sempre teve todas as condições e mordomias.

É fascinante como o Benfica se tornou no maior clube Português e não o Sporting, quando pela lógica seria o contrário...

Ps: É por isso que gosto de ler os teus textos, porque se hoje o Benfica é o maior clube Português, muito se deve também ao "trabalho de sapa" que foi feito nos primeiros 50 anos do clube e que de tão pouco se sabe hoje em dia... O0

RedVC

#691
É isso Bakero.  O0

O sentimento de Ser Benfiquista para ser completo não se pode resumir ao Presente. Perguntas fundamentais que qualquer Benfiquista deve fazer para perceber o seu Clube: 

Como foi possível? Quem e como? O que nos distinguiu?
Quais as figuras centrais da nossa História?
Quem e o quê se perdeu pelo caminho e porquê?
Quais os detalhes mais curiosos de alguns grandes momentos da nossa História?
Quais os cruzamentos onde uma decisão e uma pessoa poderiam ter mudado tudo?

As respostas a essas perguntas ajudam a perceber os tempos actuais. E foram elas que estiveram na base do Decifrando.

Os nossos fundadores e pioneiros estabeleceram símbolo, cores e um Ideal. Acredito que os Benfiquistas se sentem atraídos pelo Clube pela grandeza desses elementos mesmo que não tenham deles plena compreensão da génese e dos detalhes que lhes estão associados.

O nosso passado mostra que mesmo em em tempos em que não fomos tão vitoriosos, ainda assim a nossa massa adepta continuou a crescer e a sentir o Clube, estando plenamente convicta de que o nosso destino é o de vencer. Assente no símbolo, cores e no Ideal, é essa massa adepta, generosa, exigente, calorosa que nos distingue. Foi ela é que tornou possível que nos primeiros 50 anos mesmo com a casa às costa e escorraçados pelo antigo regime a que tanto nos querem colar, ainda assim fomos grandes. Depois, assim que tivemos o Estádio da Luz e pudemos colocar os recursos só na parte desportiva, então podemos partir para o Mundo. Somos o Clube mais Português e isso percebe-se quando vamos ao estrangeiro.

Os primeiros anos do nosso Clube estavam e estão ainda muito esquecidos pela generalidade dos Benfiquistas. A informação disponível era escassa. Muitos não a conhecem. Não é fácil procura-la e é complicado interpreta-la. Eu sentia a falta de respostas e como sou teimoso, tenho aprendido como obter informação. Esforço-me por cruzar informação, por reflectir sobre ela e levantar questões. Depois tem sido aproveitar as virtudes deste fórum para partilhar com outros Benfiquistas.

O Decifrando é pois um produto de insatisfação permanente em perceber o Sport Lisboa e Benfica. É uma das contribuições possíveis que poderia dar a outros Benfiquistas. Corresponde ao que sei e posso fazer. Cada um de nós faz o que pode de acordo com os seus gostos, capacidades ou tempo disponível. Tal como tu tens feito com o memoriagloriosa e como muitos outros que por aqui andam.

Não pensei inicialmente que seria o maior contribuinte deste tópico. Talvez o tenha feito evoluir para um nível excessivamente aprofundado e talvez por isso algumas pessoas inibem-se de contribuir. Mas eu sempre disse e reafirmo que a ideia era ter aqui um espaço de partilha de imagens que nos permitissem fazer perguntas e interpretações sobre figuras e episódios da nossa História. Um bom exemplo foi a fotografia que partilhaste e para a qual ainda tentarei perceber mais alguma coisa.

É bom partilhar este sentimento de Ser Benfiquista!


RedVC

#692
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Tamancos de oiro (parte IV) – do Sado ao Rio.




A comitiva do Vitória de Setúbal já a bordo do paquete "Ceylan" que a transportou até ao Brasil. As identificações (minhas) são na sua maioria conclusivas. Nota-se a presença de Gustavo e de Luís Xavier que mais tarde foram grandes jogadores do SL Benfica. No topo está uma imagem do "Ceylan", paquete pertencente à Compagnie des Chargeurs Réunis. Fonte: AML.



Em 1929, depois de se desvincular do Benfica, o Tamanqueiro foi alternando entre jogar meia época no SC Olhanense e outra meia nos espanhóis do Recreativo de Huelva (Espanha). Eram regiões onde se sentiria bem.


Mas em meados de 1929 aceitou um convite do Vitória de Setúbal para fazer uma longa digressão pelo Brasil, que passaria pelo Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, entre outras cidades. Apesar dos sadinos terem nessa altura uma equipa aguerrida e competitiva, a Direcção do Vitória tratou de assegurar alguns reforços exclusivamente para essa digressão.

O sadino Tamanqueiro foi um dos contactados e claro está, para um espírito irrequieto como o Tamanqueiro, o convite terá sido irresistível. Afinal era o maior clube da sua terra e o clube onde tinha feito parte da sua formação. E assim, de Julho a Outubro de 1929, o Tamanqueiro viajou pelo Brasil integrado numa comitiva sadina. Juntamente com a comitiva viajaram também, entre outros, Cândido de Oliveira (que chegou até a arbitrar com classe um dos jogos dos sadinos) e o famoso aquarelista Português Alberto de Souza (1880-1961).




A lista da comitiva Sadina que partiu em digressão ao Brasil de 1929. Fonte: BND


Para além do Tamanqueiro, os outros jogadores que não pertenciam aos quadros do Vitória foram Carlos Alves (Carcavelinhos), Roquete (Casa Pia), Gustavo (Casa Pia, depois SL Benfica), Liberto Santos (União Lisboa). Estes reforços só para digressões eram comuns nessa época uma vez que os jogos no estrangeiro eram encarados como representações de Portugal. Apenas o SL Benfica – tanto quanto é do meu conhecimento – nunca teve semelhante prática.

O treinador dos Sadinos era o Arthur John (1898-1972), um Inglês que cumpria a sexta temporada nos sadinos, tendo por lá conquistado dois campeonatos de Lisboa e dois campeonatos de Setúbal. A sua contribuição para o futebol sadino terá sido decisiva embora muito tenha beneficiado da existência de ótimos jogadores, naturais da cidade do Sado.

Finda essa digressão de 1929, Arthur John mudou-se para Lisboa para se tornar o primeiro treinador estrangeiro do SL Benfica. O sucesso seria imediato, conquistando para o nosso Clube os Campeonatos de Portugal de 1929-1930 e de 1930-1931. Arthur John é assim responsável por termos quebrado um longo período de ausência de conquista de títulos nacionais. Curiosamente Arthur John já não contou com o precioso concurso do Tamanqueiro que entretanto tinha regressado a Olhão.

Estranhamente, ao fim de duas temporadas vencedoras, o bicampeão Arthur John trocaria o Benfica pelo SCP... Uma vez mais a força bruta do dinheiro verde? O que e certo é que apesar de treinar os verde-brancos entre 1931 e 1933, nessas duas temporadas o SCP nada conquistou. Outro treinador que mudou de cavalo para burro, saindo sem honra nem glória...

Assim, em acréscimo a Cândido de Oliveira que na fotografia nos aparece de costas, identificam-se nessa comitiva sadina mais quatro homens que, em algum tempo da sua vida, estiveram ligados ao SL Benfica:



Benfiquistas passados e futuros na comitiva sadina de 1929


Essa digressão sadina é por si só uma história interessante e atribulada, por via de um agudo litígio contratual. O conflito extremou-se ao ponto da CBD proibir os sadinos de fazerem mais jogos em território Brasileiro. Os sadinos ainda jogaram em São Paulo, depois em Rio de Janeiro e finalmente em Minas Gerais mas quando chegaram ao Recife já estariam impedido de jogar pelas autoridades desportivas Brasileiras. 

Na ressaca, também a FPF suspenderia o clube e os jogadores durante algum tempo. Infelizmente o VFC terá sido vítima de empresários e de conflitos entre entidades desportivas Paulistas.

Também do ponto de vista desportivo as coisas não correram bem. Dos oito jogos referenciados, os sadinos perderam 5 e empataram 3. Mas, não sendo este o tempo ou o espaço para desenvolver esses aspectos (tarefa para os adeptos sadinos), ainda assim aqui ficam mais algumas imagens parcialmente legendadas.



A equipa do Vitória FC que foi derrotada por 0-4 por uma Selecção Paulista em 8-09-1929. Fonte: BND.


Já do ponto de vista social as coisas aparentemente correram muito bem.



Instantâneos da agenda desportiva e social em que a comitiva sadina quando esteve em São Paulo. Em cima, instantâneos de um jogo contra uma selecção de São Paulo (empate). Em baixo, imagem de uma visita da comitiva sadina ao Consulado Português em São Paulo. O Tamanqueiro esteve sempre na linha da frente. Fonte: BND.



Como seria de prever, os espertos dos Brasileiros imediatamente identificaram que, entre a comitiva sadina, o Tamanqueiro era o alvo mais interessante para as suas reportagens. E esses repórteres não se inibiam em horas nem em locais para fazer o seu trabalho...


O Tamanqueiro acordado por uns atrevidos jornalistas Brasileiros. A entrevista aconteceu mesmo na sua cama e não faltou a fotografia! Fonte: BND.



Um pouco mais tarde e já com trajos mais apropriados. Fonte: BND.



O Tamanqueiro não passou despercebido aos Brasileiros. Fonte: BND.



Do Sado ao Rio, passando por São Paulo e Belo Horizonte para encalhar no Recife... E falta ainda saber como os jogadores terão aproveitado as belezas naturais do Brasil. Que digressão dos diabos...





alfredo

Citação de: RedVC em 21 de Setembro de 2017, 21:39
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Até sempre Alfredo Valadas!

Dia 1 de Dezembro de 1944, estádio do Campo Grande em Lisboa.


O adeus do Campeão. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Em ambiente emotivo, os sócios do SLB e convidados especiais diziam adeus a uma das lendas do futebol Benfiquista. Foi uma festa bonita organizada para dizer adeus ao jogador Alfredo Valadas, um extremo esquerdo de enorme valor, um homem vertical que fez carreira durante dez épocas no futebol Benfiquista, ao ponto de se tornar numa das referências incontornáveis da Mística e do Amor à camisola.

Os jornais fizeram a divulgação do evento e deram destaque à despedida de um popular e prolífico avançado do futebol Português de então. Um desportista correcto e um homem que fez um trajecto interessante, começando no SCP e terminando como uma figura Benfiquista. Um dos nossos.



Notícia do Diário de Lisboa de 2-12-1944.





Emoções a rodos. O presidente interino do SLB, Costa e Sousa, abraça Alfredo Valadas. Era o tempo das emoções depois de um sentido discurso de despedida e agradecimento. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Nesse dia Valadas recebeu o apreço, o agradecimento e o carinho dos seus dirigentes, amigos, companheiros de equipa, sócios, simpatizantes do nosso Clube e até de antigos adversários.

Entre os dirigentes, discursaram para fazer o elogio de Alfredo Valadas, o Dr. Bento Rocha (presidente FPF), o Dr. Ayala Boto (inspector da Direcção Geral dos Desportos). Pelo nosso Clube discursou António Ribeiro dos Reis que deixou para sempre uma expressão marcante: o "tiro à esquerda" de Valadas.



Parte do elogio de Ribeiro dos Reis a Alfredo Valadas. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.




Joaquim Ferreira Bogalho, Victor Silva e Luís Xavier fizeram questão de estar presentes. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Mas para além de antigos e actuais companheiros, a sua festa de despedida teve também a ilustre participação de adversários que integraram uma equipa mista que enfrentou num jogo de futebol uma equipa com os melhores jogadores do nosso Clube. Foi esse o caso de Montez e Francisco Ferreira (V. Setúbal), José Lopes, Gregório, Armindo e Francisco Lopes (Atlético), Carlos Pereira e Palma Soeiro (CUF) e Azevedo, Soeiro e Peyroteo (Sporting).

E assim, de forma inesperada e impensável nos dias de hoje, esses adversários envergaram o equipamento branco, alternativo do SLB, sendo por isso possível ver entre outros, Peyroteo a envergar o manto sagrado!



Peyroteo, envergando uma camisola do Sport Lisboa e Benfica!
Uma imagem surpreendente que só a festa de despedida a Alfredo Valadas tornou possível. Nesse dia Alfredo Valadas aproveitou também para promover as pazes entre Peyroteo e Gaspar Pinto, adversários que andavam desavindos. Valadas era um atleta valoroso, pacificador, sempre respeitando colegas e adversários. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Na lógica de algum sportinguista de hoje, essa imagem poderia ser interpretada como uma prova de uma predilecção escondida do grande jogador sportinguista. No Benfica isso não se faz. Nesse dia, de forma nobre e em homenagem a um valoroso adversário, o grande avançado sportinguista envergou o manto sagrado durante 90 minutos. Tempos mais saudáveis em que os adversários não eram inimigos.

Findos 40 minutos da primeira parte, Alfredo Valadas foi substituído (presumo que por Rogério Pipi). Recebeu então uma estrondosa ovação que muito o comoveu. Ficava encerrada uma magnífica carreira, que honrou as cores do Glorioso e o futebol Português. Inesquecível.



Dois instantâneos da festa desportiva e das emoções do dia da despedida de Alfredo Valadas. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Uma carreira (quase) sempre a subir


Alentejano de nascimento, Alfredo Valadas nasceu em Minas de São Domingos, freguesia de Corte do Pinto, concelho de Mértola, distrito de Beja.

Valadas deu os seus primeiros passos no Luso Sporting Clube de Beja, clube fundado em 16-06-1916 depois de uma cisão do Águia Foot Ball Club. Em 8-09-1947, o Luso Sporting Clube de Beja juntar-se-ia ao União Sporting Clube e ao Pax-Júlia Atlético Clube para formar o Clube Desportivo de Beja. Ainda assim, os Estatutos do Clube Desportivo de Beja, consideram que a "data da fundação do Clube é 16-06-1916, por ser esta a data da fundação do Luso Sporting Clube, de que o C. D. Beja, como no Artº. 1º se diz é a continuação" (fonte: wikipedia).

   

Valadas com a camisola do Luso Sporting Clube de Beja. Fonte: Glórias do Passado.


Na sua meninice, Valadas era Sportinguista. Depois, por via do destaque que conseguiu dar ao seu futebol nas três épocas que esteve no Luso Sporting Clube Beja, Valadas conseguiu ingressar no SCP em 1931-1932. Nessa altura os Leões eram treinados por Arthur John e Valadas entrou muito bem na equipa, onde esteve apenas duas épocas. Inicialmente evoluiu como interior esquerdo tendo inclusivamente marcado ao Glorioso.

 

Valadas de verde e branco e a marcar ao SLB no dia 26-03-1933.


Valadas teve sempre um jogo feito de potência, de entusiasmo pela disputa dos lances e concretizado com o seu portentoso remate. Era um excelente finalizador. O destaque no SCP fez com que logo na sua temporada de estreia chegasse a internacional A por Portugal, num jogo frente à Jugoslávia, no Lumiar em 3-05-1932, onde aliás marcou (vitória de Portugal por 3-2).



Valadas, ajoelhado, segundo a contar da esquerda, entre os seleccionados para uma selecção de Portugal de 1937, dirigida por Mestre Cândido de Oliveira.


Manteria o rendimento na segunda época passando a ser utilizado como extremo esquerdo. Em duas épocas de verde e branco marcou 24 golos num total de 38 jogos, números de enorme destaque e que mereceram dos dirigentes de leonino a promessa de reconhecimento salarial condigno.

Infelizmente para o SCP, os dirigentes na altura não cumpriram as promessas de lhe assegurar estabilidade financeira e o reconhecimento devido pelo destaque e produção que conseguiu nessas duas épocas de SCP. Em litígio com os dirigentes, Valadas, homem vertical, preferiu passar uma época sem jogar do que continuar num Clube com dirigentes sem palavra. Como diria mais tarde:  "Desde o início, os dirigentes prometeram-me um emprego e não cumpriram; aborreci-me e voltei à terra, onde estive um ano sem jogar para ficar livre".

E assim ficou criada a oportunidade para Valadas mudar de Clube. Os dirigentes do Benfica não hesitaram, fazendo com que Valadas passasse a vestir de vermelho, mudando para o Clube da sua vida. E de facto, como anos mais tarde Carlos Manuel nos disse, é possível mudar de Clube quando se entra muito novo e se faz todo um trajecto de aprendizagem como jogador e como homem num Clube com uma Mística inigualável, uma massa associativa que faz a diferença e acarinha aqueles que honram o manto sagrado.

Valadas ao longo dos seus dez anos de Águia ao peito, fez-se Benfiquista por via da paixão, do carinho, das tardes de Glória que viveu nas Amoreiras e no Campo Grande. Valadas viveu 10 anos de Mística, de inigualável paixão pelo Clube. E inevitavelmente fez-se Benfiquista. Tornou-se um dos nossos, construindo progressivamente uma carreira de 10 anos de Águia ao peito, recheada de golos, de títulos e de carinho por parte dos adeptos Benfiquistas.

Foram muitos os momentos inesquecíveis de Alfredo Valadas mas de entre esses destacam-se os históricos 12-2 que em Fevereiro de 1944 foram servidos ao FCP. Nesse dia Valadas ajudou a dinamitar os Portistas marcando dois golos, um deles o golo inaugural!



O dia da dúzia. Na vitória estrondosa sobre o FCP por doze a dois, Valadas apontou dois golos e serviu muitos mais para os seus companheiros! Soares dos Reis teve o pior dia da sua carreira. Nunca o FCP sofreu uma derrota tão esmagadora. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Como capitão Valadas recebeu a Taça de Portugal de 1939-1940 depois de um jogo disputado no Campo do Lumiar contra o CFB. Valada marcaria um golo! Ficha de jogo, aqui: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19391940/taca-de-portugal/1940-07-06/sl-benfica-3-x-1-belenenses



Alfredo Valadas recebendo a Taça de Portugal de 1939-1940 das mãos de Cruz Filipe, presidente da  FPF. Atrás dele está Brito. Ao lado deste estão César Ferreira, Francisco Rodrigues e Manuel Jordão. Estes três últimos têm aos pés aquilo que parece uma garrafinha de tinto para beber à noite. Para comemorar a vitória pois então!!!


Depois também a Taça de Portugal de 1943-1944, trajecto em que teve a oportunidade de enfrentar em dois jogos o seu Luso de Beja. Em ambos os jogos teve oportunidade de marcar e com que emoção o deve ter feito...

https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19431944/taca-de-portugal/1944-04-22/luso-beja-1-x-4-sl-benfica

https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19431944/taca-de-portugal/1944-04-15/sl-benfica-4-x-1-luso-beja


O trajecto seria concluído com mais um triunfo, seria a terceira Taça de Portugal para Valadas mas já não jogou o jogo da final contra o Estoril (vitória por 8-0). Aproximava-se o fim da sua carreira e o seu lugar estava bem entregue ao grande Rogério Pipi.



A vitória na Taça de Portugal de 1943-1944. Valadas está à paisana ao lado de János Biri. Aproximava-se o final da carreira e ia já assumindo funções de adjunto do treinador Húngaro.


Muitas conquistas, muita alegria, muita camaradagem fizeram parte de um percurso notável para o qual Valadas muito trabalhou e muito sentiu o que era o SLB. Ele próprio se tornou parte do SLB.



Alfredo Valadas (primeiro à esquerda), junto dos companheiros, nos balneários a celebrar mais um título de Campeão pelo Benfica! Fonte: O Poço dos nossos Adversários.



Uma imagem mais recuada. A conquista do campeonato de 1935-1936. Alfredo Valadas (primeiro à direita) no Estádio da Amoreiras integrado numa das mais brilhantes equipas da nossa História. Fonte: O Poço dos nossos Adversários.



Uma famosa linha avançada Benfiquista, algumas décadas mais tarde. Glórias do Benfica onde estava Alfredo Valadas. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Já na década de 60 e para sempre ligado ao SL Benfica, Alfredo Valadas (de pé, segundo à esquerda com fato azul) foi um ilustre membro do Sport Lisboa e Saudade.


Nesse dia da despedida, Alfredo Valadas deve ter revisto tudo e tido a recompensa por tanta dedicação. E em profunda emoção, com o carinho de família, amigos, todos os Benfiquistas, Valadas sentiu todas as emoções. A noite em sua casa terá sentido que entrava na lenda; nesta lenda de que se faz continuamente o Sport Lisboa e Benfica.



Entre amigos e família, até sempre Alfredo Valadas! Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Era chegado o tempo para iniciar uma carreira de treinador. Trabalhou inicialmente nas camadas jovens dos SLB e foi também treinador adjunto de János Biri. Mestre Valadas, como depois foi carinhosamente conhecido, fez uma carreira longa onde teve alguns momentos altos interessantes, tais como os vividos no Vitória Sport Club (Guimarães) e mais tarde no Sport Comércio e Salgueiros, entre outros.



Mestre Valadas no VSC. Chegou a conseguir um excelente 6º lugar no Campeonato de 1948-1949. Fonte: Glórias do Passado.




Alfredo Valadas faleceu em 1994, com 82 anos de idade.

Paz à sua alma. Honra à sua memória.

Obrigado Alfredo Valadas.





bravo Victor. mais uma vez, e como sempre, uma história muito bem contada. acho que nao existem muitos resumos desta qualidade e principalmente de um tempo em que mal se sabia como preservar a história para o futuro. gracas a pessoas como ti, que juntam muitas pecas do puzzle para reconstruir o passado, a história do clube cada vez se torna um pouco mais completa.

p.s. a foto da seleccao foi do jogo contra a espanha em vigo a 28 de novembro 1937.

RedVC

Obrigado alfredo!  O0

É uma satisfação quando vejo que alguém expressa o seu agrado por estes textos. E ainda mais quando é de alguém a quem reconheço um Benfiquismo activo e generoso.

E sim, eu conheço essa fotografia dos Balaídos na Corunha. Há mais uma ou outra desse jogo. Ao que sei a FIFA não o reconhece oficialmente pois foi um particular organizado por uma Espanha Franquista em guerra.

Abraço!

RedVC

#695
-181-
Tamancos de oiro (parte V) – O Benfica não esquece os seus!




Foi duro o final de vida desportiva do Tamanqueiro. Um itinerário que passou pelo Porto, por Braga e Coimbra.

Em 1932, o Tamanqueiro começava a sentir o inevitável declínio imposto pela Biologia. Os jogos dentro do campo e o grande jogo da vida cobraram cedo o seu alto preço. Longe do fulgor de outros tempos, ainda assim o Tamanqueiro insistiu em jogar por mais alguns anos. Jogou ainda no Académico do Porto (onde terá encontrado Carlos Alves), no Sporting de Braga (onde também terá sido treinador e terá encontrado Alberto Augusto), União de Coimbra e Recreio Desportivo de Braga.



Tamanqueiro no SC Braga em 1935-1936. Ao lado de Alberto Augusto, outro antigo Benfiquista. Aproximava-se o fim. Fonte: Glórias do passado.



E depois veio a doença, fatal, cruel. Aquela que não escolhe idades.

Com apenas 39 anos, Raul Figueiredo adoecia e sucumbia no Hospital de São José em Lisboa. Desaparecia Raul, o homem, marido e pai de família. Desaparecia também o jogador, o Tamanqueiro, a alegria dos campos de futebol.

Sozinho, com certeza amargurado com o destino da mulher e dos seus filhos menores, Raul Figueiredo expirou no Hospital de São José em Lisboa, vencido pela doença. Apesar de a família morar na Rua Tomás da Anunciação, perto do cemitério dos Prazeres, Raul Figueiredo foi enterrado no cemitério de Benfica.



Um dilacerante obituário. Longe dos seus tempos de Tamanqueiro, Raúl Figueiredo Soares terminou amargamente os seus dias neste Mundo. Expirou numa cama de Hospital. Um bravo que partiu quase anonimamente. Fonte: DL, CasaComum.org.


Desconheço exactamente em que altura aconteceu, mas em 1947 a Srª. Josefina Amélia dos Santos, a esposa do Tamanqueiro era funcionária do Sport Lisboa e Benfica. Provavelmente o Benfica esteve atento e tratou de garantir que a família tivesse alguns meios de subsistência para esses tempo tão difíceis. Os filhos do Tamanqueiro deram entrada na Casa Pia, casa-mãe, berço acolhedor de tantos e tantos órfãos deste país. Tal como Ribeiro dos Reis, como Cosme Damião, como tantos outros, os valores e o carinho da Casa Pia, valeram aos órfãos do Tamanqueiro e os ajudaram a fazer-se homens, cidadãos e desportistas.




Raúl Figueiredo e a esposa, a Srª. Josefina Amélia dos Santos, ainda nos dias felizes.


E foi justamente em Abril de 1947, quase seis anos após a morte do Tamanqueiro, que o SL Benfica deu uma nova prova de que não esquece os seus. António Ribeiro dos Reis esteve presente, em representação do nosso Clube. Nesse dia, o SL Benfica disse presente, custeando os custos da transladação e instalação dos restos mortais do Tamanqueiro num jazigo camarário do cemitério de Benfica.

Cerca de 22 anos depois de o ter convocado pela primeira vez para a selecção nacional, Ribeiro dos Reis mostrava uma vez mais que não se esquecia do homem e do jogador que tanto o tinha impressionado. Que existam sempre homens como António Ribeiro dos Reis e Alberto Miguéns (ver: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2017/09/estreia-do-chacha.html) para nos fazerem lembrar que entre os valores mais altos do Sport Lisboa e Benfica está o não esquecimento dos que nos defenderam, dos que nos levaram mais alto.

Hoje, os restos mortais do grande Tamanqueiro descansam para a eternidade em Benfica, no mesmo cemitério onde estão os imortais Álvaro Gaspar e Francisco Lázaro, que tal como ele tiveram um dia a honra e o privilégio de envergar a camisola rubra.



Dia de 1947. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Coberto com a bandeira do Sport Lisboa e Benfica, com rosas vermelhas e brancas sobre o seu caixão, os restos do Tamanqueiro foram depositados enfim num jazigo para o descanso eterno. Ao lado de uma pequena e comovida assistência, com a dor da perda sempre presente, a mulher e os filhos do Tamanqueiro, acompanharam-no em mais uma viagem, a última. É assim o Sport Lisboa e Benfica. Ou melhor devia ser sempre assim. Assim os seus dirigentes fizessem sempre como fez o grande António Ribeiro dos Reis.

Olhando para a fotografia, se repararem, percebe-se que um dos filhos do Tamanqueiro envergava a farda da Casa Pia. Na ausência do marido e Pai, os filhos do Tamanqueiro deram entrada na Casa Pia onde foram educados. A Casa Pia, sempre carinhosa, sempre receptiva a receber os mais necessitados, valeu nesse tempo aos órfãos de Raul Figueiredo. Como antes tinha acontecido a Cosme Damião, a Ribeiro dos Reis, a tantos e tantos outros miúdos, os filhos do Tamanqueiro cresceram sobre o manto protector da Casa Pia, por lá se fizeram homens, formados para a vida.

Ao lado, amparando e confortando a sua mãe, com apenas 17 anos de idade, estava o filho mais velho do Tamanqueiro. Raul Figueiredo era o seu nome, tal como o seu pai. Raul António Leandro Figueiredo, de seu nome completo e nascido em Olhão em 1930. E tal como o pai veio a ser um futebolista. Tinha um talento diferente, pois era tecnicamente menos virtuoso e mais atlético. Tornou-se um grande defesa-central, fez uma destacada carreira ao serviço do clube da cruz de Cristo, jogando ao lado de, entre outros, Vicente e Matateu. Fez ainda parte da equipa belenense que inaugurou o Estádio do Restelo em 1956 e chegou a internacional por Portugal. Ao que sei foi esse o primeiro caso em que pai e filho chegaram a internacionais pela selecção Portuguesa de futebol. Mais tarde Raul emigraria para os Estados Unidos da América.




O filho do Tamanqueiro ao lado de Vicente e de Matateu na excelente equipa do CFB que inaugurou o Estádio do Restelo em 23-09-1956.



Ficha de emigração preenchida no Rio de Janeiro, Brasil, de Raul Figueiredo, o filho de Raul "Tamanqueiro".


Curiosamente, nas palavras do próprio Raul Figueiredo, filho, a primeira hipótese que teve de ingressar um clube profissional foi... o SL Benfica. A sua mãe era funcionária do Clube e por isso ele frequentava as nossas instalações. Treinou e agradou. Havia interesse de parte a parte mas por ser demasiado jovem não foi logo possível a assinatura de um contrato de profissional. Havia que esperar. No ano seguinte, Raul e a família mudaram de residência para a zona de Belém e isso acabou por leva-lo para longe do Benfica e para perto do CF "os Belenenses". Por um acaso do destino, os Benfiquistas tiveram de esperar por José Águas e pelo seu filho Rui Águas, para ver enfim pai e filho envergarem o manto sagrado. O destino quer sempre com mais força.



Uma entrevista ao muito jovem filho do Tamanqueiro. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


O irmão de Raul, o filho mais novo do Tamanqueiro visitou recentemente o nosso Museu, lembrando histórias de seu Pai e exibindo orgulhosamente a sua preferência clubística ao lado de um amigo com a camisola do SC Olhanense.




E que melhor forma de concluir este último texto sobre o Tamanqueiro do que ver e ouvir o seu filho Raul a falar do Pai?



Obrigado. Até sempre Tamanqueiro!


RedVC

#696
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Amesterdão 1928 (parte I) – a varanda dos heróis

Dia 10 de Junho de 1928. Paços do Concelho da Câmara Municipal de Lisboa.



Dia 10 de Junho de 1928, Câmara Municipal de Lisboa. Recepção à comitiva de futebol olímpica em Amesterdão 1928. Fonte: TT.



Nesse dia o presidente da edilidade Lisboeta, José Vicente de Freitas promoveu uma recepção e uma sessão de homenagem e agradecimento à comitiva do futebol olímpico que competiu de forma brilhante nos Jogos de Amesterdão 1928.

Esta é uma fotografia importante para a história do futebol Português pois nela encontramos muitas das figuras mais prestigiadas do futebol da década de 20, num momento único de celebração.

Ainda assim identificar pelo menos alguns destes homens não é tarefa fácil, pois muito tempo passou, esvaindo-se da memória colectiva nacional a fama efémera de que desfrutaram. Vamos então tentar fazer justiça a alguns desses homens tentando dar nomes aos seus rostos, num exercício que nos dará pistas sobre quão notável era essa galeria e qual a importância desse evento.



Dando nome a alguns dos rostos de alguns dos homens responsáveis por uma página brilhante do futebol Português.



Para lá desse registo fotográfico, outros igualmente interessantes foram obtidos quando a comitiva assomou à mais famosa varanda da CML, aquela mesmo onde 18 anos antes, no dia 5 de Outubro de 1910 foi proclamada a Republica em Portugal. Nos últimos anos, para nós Benfiquista, a mesma varanda tornou-se com saborosa frequência, um dos palcos das celebrações Benfiquistas.



Aclamação popular dos atletas de futebol olímpico na CML. Fonte: TT e Bib. Arte Gulbenkian.


E se notarmos o detalhe de uma dessas fotografias podemos fazer mais algumas identificações, umas esperadas e outras verdadeiramente inesperadas. Ora vejam lá:



Uma varanda recheada de notáveis do futebol Português. Fonte: TT.



Pois é... Para lá dos jogadores que eram muito justamente vitoriados pela multidão, também ali se identificam dois dos 24 fundadores do Sport Lisboa:

Francisco Reis Gonçalves, na altura presidente da AFL e figura grada do Clube de Futebol "os Belenenses" (presidente em 1921 a 1922) e

Cosme Damião, pai do Benfiquismo, figura-maior da nossa História. Cosme Damião terá chegado a colaborar na AFL e no COP e dessa forma percebe-se melhor a sua presença naquela varanda.

Esses dois homens representam muito para o Benfiquismo e foram talvez os mais resilientes pois mesmo passados cerca de 24 anos depois da célebre reunião da Farmácia Franco, ali estavam eles ainda na primeira linha do futebol Português.



Duas figuras incontornáveis do futebol Português na primeira metade do século XX.



Nos próximos textos analisaremos mais fotografias, salientaremos o Benfiquistas e aproveitaremos para falar na inesquecível aventura do futebol olímpico em 1928. Será uma série muito gráfica e que não ficará apenas pelo que se passou dentro do campo.


A série terá um total de seis textos, a saber:

● -182- Amesterdão 1928 (parte I) – a varanda dos heróis

● -183- Amesterdão 1928 (parte II) – o evento e os eleitos

● -184- Amesterdão 1928 (parte III) – um Chili saboroso

● -185- Amesterdão 1928 (parte IV) – e todas as esperanças foram permitidas

● -186- Amesterdão 1928 (parte V) – morrer sim, mas de pé...

● -187- Amesterdão 1928 (parte VI) – emoções à Holandesa




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RedVC

#698
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Amesterdão 1928 (parte II) – o evento e os eleitos

Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928



Cartazes oficiais e medalha-tipo dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928.



Os Jogos de Amesterdão decorreram na Holanda de 17 de Maio a 12 de Agosto de 1928. Realizados na Paz relativa estabelecida entre duas guerras mundiais, os Jogos beneficiaram de um clima mais desanuviado e propício ao ideal olímpico. Pela primeira vez, foi usado o protocolo oficial que ainda hoje vigora em que a comitiva da Grécia abre o desfile na Cerimónia de Abertura, cabendo ao país organizador – no caso a Holanda - a honra de fechar o desfile. Também pela primeira vez, a "Chama Olímpica" flamejou no topo de um Estádio Olímpico durante todo o tempo em que decorreu o evento.



Aspecto da cerimónia de abertura dos jogos olímpicos de Amesterdão, 1928.



Participaram nos Jogos um total de 2 883 atletas, representando 46 países. Foram disputadas 109 provas e pela primeira vez, as mulheres participaram em provas de atletismo e ginástica. Esta participação maior das mulheres terá estado ligada ao afastamento de Pierre de Coubertin da presidência do Comité Olímpico Internacional. Tempos de mudança.

Pela primeira vez na História do olimpismo, o Estádio Olímpico apresentou uma pista de 400 metros com raias marcadas no chão.A figura mais mediática dos Jogos foi novamente o americano John Weissmuller, o futuro e mais famoso dos Tarzans das telas do cinema. Weissmuller venceria novamente as provas de Natação dos 100 e 400 metros.

Os Jogos tiveram ainda alguns problemas de financiamento, desde logo com a inexistência de uma aldeia olímpica, facto que obrigou a que o alojamento dos atletas e restantes elementos das comitivas fosse feito em em escolas, quartéis e navios transatlânticos ancorados no porto da cidade. Em Amesterdão iniciou-se também uma ligação comercial duradoura entre o olimpismo e a Coca Cola, companhia americana fabricante de refrigerantes, fundada em 1886



Algumas imagens relativas à presença da Coca-Cola company nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, uma relação comercial que dura até aos dias de hoje. Fonte: The Coca-Cola Company.


O Comité Olímpico Português enviou 32 atletas aos Jogos de Amesterdão, naquela que foi a maior participação Portuguesa até então, isto sabendo que Estocolmo 1912 foram os primeiros Jogos em que participamos. Provavelmente o interesse acrescido nesse evento resultou da vontade das novas autoridades políticas nacionais dar visibilidade ao País de forma a consolidar o regime autoritário que se tinha implantado dois anos antes.



A comitiva Portuguesa desfilando na Cerimónia de abertura de Amesterdão 1920. Fonte: COP.




Selo olímpico de Portugal nos Jogos Olímpicos de Amesterdão 1928. Fonte: TT.



A grande novidade foi mesmo a inédita aposta na participação de uma selecção de futebol nesses Jogos. Para essa aposta terá pesado significativamente a constatação de que o País dispunha finalmente de um conjunto de excelentes jogadores que davam algumas garantias de uma participação honrosa. Assim seria.

Para o nosso País, o resultado mais significativo desses Jogos foi uma medalha de bronze, a segunda da nossa história olímpica, que foi conquistada na modalidade de Esgrima, na prova de Espada e Florete. A esgrima Portuguesa que tnha ficado em 4º lugar em Paris, 1920 e Antuérpia 1924, chegava enfim à medalha. Foi a época de ouro da esgrima Portuguesa. A equipa medalhada era constituída por Paulo d' Eça Leal, Mário de Noronha (futuro dirigente do SLB), Jorge Paiva, Frederico Paredes, João Sasseti e Henrique da Silveira.



Os "6 mosqueteiros" de Amesterdão. A equipa olímpica Portuguesa de esgrima, medalhada em Amesterdão, 1928. Mário de Noronha é o primeiro a contar da direita. Fonte: COP.



O futebol olímpico de 1928


O torneio olímpico de futebol dos Jogos de Amesterdão 1928 envolveu 16 equipas e foi jogado num sistema de eliminatórias. O primeiro jogo da competição ou seja o primeiro dos 1/16 de final foi justamente o Portugal – Chile disputado no dia 27 de Maio de 1928.



Um momento histórico a diversos níveis. A entrada da Selecção Nacional no Estádio Olímpico de Amesterdão para iniciar a competição olímpica dos Jogos de Amesterdão 1928. Os Benfiquistas estão assinalado a vermelho.



Foram essas as duas selecões que inauguraram não apenas o torneio olímpico de futebol mas também o magnífico Estádio Olímpico de Amesterdão, onde 34 anos depois, Águas, Coluna, Eusébio e restantes companheiros nos deram uma das maiores vitórias da Gloriosa História ao conquistar a nossa segunda Taça dos Clubes Campeões Europeus.



Vista aérea do imponente Estádio olimpico de Amesterdão durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928.






Passados 34 anos, seria no Estádio Olímpico de Amesterdão que se viveria uma das mais belas páginas da História do Sport Lisboa e Benfica.



Os eleitos


A comitiva olímpica portuguesa de futebol integrou 18 atletas e 4 dirigentes.



Os eleitos. Cândido de Oliveira escolheu e teve ao seu dispôr uma notável galeria de jogadores. Note-se a saliência visual dada a Roquete. Assim se percebe como é efémera a glória no futebol...



Destes últimos, 2 eram dirigentes federativos: António Ribeiro dos Reis e Salazar Carreira e 2 eram directores técnicos, Cândido de Oliveira (selecionador) e Ricardo Ornellas (adjunto).



Os quatro dirigentes técnicos e federativos que integraram a comitiva do futebol olímpico de 1928. Todos eles com obra publicada e dos quais se exemplifica um título publicado. Fonte: TT.



Em 1928, Portugal teve a felicidade de ter Cândido de Oliveira como seleccionador nacional. Era um homem de superior cultura, avançado para o futebol do seu tempo pelos seus profundos e sólidos conhecimentos. É no entanto altamente provável que Cândido Oliveira tenha escutado de forma atenta as opiniões sensatas e sabedoras de Ricardo Ornellas e António Ribeiro dos Reis, seus antigos colegas casapianos. Qualquer um destes dois homens chegou também a desempenhar o cargo de seleccionador nacional. Estes três homens foram do melhor que tivemos no futebol em Portugal. Sobre Ribeiro dos Reis poderão ser encontradas mais considerações no texto

Ricardo Ornellas é um outro nome ilustre mas esquecido do nosso desporto. Formado na Casa Pia foi depois empregado de escritório, jornalista desportivo ("Diário Popular", onde chegou a chefe de redacção e "A Bola", onde assinou com o pseudónimo de Renato de Castro), treinador de futebol (Casa Pia AC) e seleccionador nacional. Foi autor de diversos livros sobre futebol. Em 1966, um ano antes de falecer foi distinguido pelo Governo de Portugal com a medalha de Bons Serviços Desportivos. Na comitiva olímpica de 1928 desempenhou o cargo de adjunto de Cândido de Oliveira embora nas listas de inscrição apareça como jogador.

José Salazar Carreira foi prestigiado sportinguista e figura essencialmente ligada ao atletismo. Foi também um homem muito bem relacionado com as elites políticas do antigo regime. Salazar Carreira desempenhou diversos cargos tais como a Presidência do Sporting Clube de Portugal (1925-1927), da Associação de Lisboa de Atletismo, da Associação de Lisboa de Râguebi, da Federação Portuguesa de Atletismo, da Federação Portuguesa de Futebol (1930-1931) e da Confederação de Desportos. Foi igualmente um destacado membro do Comité Olímpico Português. Se há clube que teve presença e influência privilegiada nas altas esferas políticas e desportivas na época foi o SCP. A figura de Salazar Carreira é o exemplo mais destacado desse poder e privilégio.

Ora, a tarefa de escolher os integrantes da equipa nacional nunca foi fácil ou consensual. Exige quer mérito técnico e físico individual, quer critérios de espírito de equipa, disciplina, adaptação ao modelo de jogo do treinador nacional, quer ainda complementaridade de talentos para compor um colectivo coeso e ganhador. Para além disso e naquele tempo não era particularmente diferente, é necessário tanto quanto possível, garantir representação equilibrada das principais cores clubísticas.

A lista foi evoluindo consoante esses critério, estando patente no arquivo do COP que para lá do grupo de 18, outros jogadores estiveram nas cogitações de Cândido de Oliveira.



Listas provisórias dactilografadas e manuscritas (pelo punho de António Ribeiro dos Reis) dos escolhidos para a Selecção Nacional que participou na modalidade de futebol dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928. Fonte: Arquivo COP.



Entre os 18 jogadores do grupo final, o CF "os Belenenses" foi o clube mais representado com 4 jogadores, seguidos do SL Benfica, do Sporting CP, e do Vitória FC todos com 3. Estes quatro clubes eram as forças dominantes desse momento. Depois, Boavista FC, Carcavelinhos FC, Casa Pia AC, FC Porto e União FL contribuíram com 1 jogador. Como se vê os Clubes de Lisboa forneceram 13 dos 18 jogadores, número elucidativo em como o futebol Lisboeta era o mais competitivo e o que tinha os melhores valores individuais nessa época.



Os "cromos" dos 18 selecionados.



Entre esses 18 jogadores destaque particular para os três Benfiquistas: Vítor Silva e José Gonçalves (Ava) e o Tamanqueiro (Med) e ainda para um futuro Benfiquista: Aníbal José.



Os Gloriosos olímpicos de 1928.



Jorge Tavares, avançado-centro, era o mais antigo no SLB, onde ascendeu à equipa principal em 1923-1924. Depois, com a chegada de Vítor Silva ao nosso clube, justamente no início de 1928, Jorge Tavares passou progressivamente a jogar cada vez menos. Em 1928 Jorge Tavares estava recuperado de uma doença que o afectou algum tempo antes. Ainda assim, não chegou a jogar em Amesterdão, não saind da sombra de Pepe e Vítor Silva, dois génios do futebol Português.

Vítor Silva foi um avançado sobre-dotado, um dos maiores avançados da nossa História e que foi também uma figura imensamente popular no nosso Clube e no futebol nacional. Estreou-se no SLB em Janeiro de 1928 e na selecção nacional um pouco antes. Em Amesterdão, Vítor Silva foi uma das estrelas maiores da equipa e o seu melhor marcador com 3 golos.

Já o Tamanqueiro foi outro dos que brilhou intensamente, recebendo muitos elogios dos jornalistas presentes, entre os quais se destacou o famosos Gabriel Hanot. No SLB, o Tamanqueiro brilhou com o manto sagrado entre 1926 a 1928, tendo depois regressado ao SC Olhanense no final deste evento olímpíco.

Destaque igualmente para Aníbal José (Med) que nesse final de época de 1927-1928 ainda militava no Vitória FC mas que estava a poucos meses de passar a envergar o manto sagrado. Este excelente e fogoso jogador sadino, contratado para colmatar a saída do Tamanqueiro, brilharia com o manto sagrado de 1928 até 1932. Em Amesterdão não jogou pois estava tapado por três jogadores que consitutuíam um meio-campo sólido e muito rotinado.



Reconstituição do passaporte olímpico de Anibal José João, ainda com a caimisola do Vitória FC. Fonte: Arquivo COP.



Em contra-ponto, na lista final dos 18 jogadores, não estavam alguns dos nomes mais prestigiados do futebol nacional dessa época. Entre essas ausências, talvez a mais notória tenha sido a do casapiano António Pinho, um defesa brilhante que durante alguns anos fez dupla na equipa nacional com o capitão sportinguista Jorge Vieira. António Pinho era um nome prestigiado no futebol nacional e um dos que em 1921 liderados por Cândido de Oliveira, abandonaram o SLB para fundar o Casa Pia AC. Curiosamente, talvez por isso ou também por isso, António Pinho voltaria ao SLB justamente no início da época 1928-1929... Ou seja abandonou o CPAC pouco tempo depois de Cândido de Oliveira ter optado por não o incluir na lista final dos olímpicos Portugueses.

Depois, podemos ainda lembrar outros jogadores ausentes, alguns dos quais estiveram nos planos iniciais de Cândido de Oliveira. Jogadores como Martinho de Oliveira e Serra Moura (Sporting CP), José Rodrigues (CF Marítimo), Raúl Jorge (FC Barreirense), Francisco Silva "Caramelo" (Vitória FC).




Seis jogadores que foram ausências notadas na lista dos selecionados para a equipa olímpica de 1928.


Entre os Benfiquistas que não foram selecionados, percebe-se que os Jogos de 1928 vieram já numa fase de final da carreira de prestigiados jogadores como Jesus Crespo, Vítor Gonçalves, José Simões, Mário de Carvalho e José Bentes Pimenta. Outros como Vítor Hugo ou Ralf Bailão também não foram escolhidos por Cândido de Oliveira, presumivelmente apenas por questões técnicas uma vez que nessa época eram figuras de primeiro plano na equipa Benfiquista.




Alguns dos melhores jogadores Benfiquistas que não foram selecionados para Amesterdão, 1928.


Fechadas as escolhas, tratadas as burocracias, passaportes, bilhetes, reservas de hotel, inscrições, era chegado o tempo da partida. A opção foi fazer a viagem de comboio numa longa jornada ferroviária Europa fora que, partindo da estação do Rossio os levou para terras Holandesas. A viagem fez-se em duas etapas, primeiro Lisboa – Paris e depois Paris – Amesterdão. A selecçao pernoitou ainda em Paris antes da segunda etapa . Estava em curso a primeira grande aventura do futebol Português nos Jogos Olímpicos.



Dia 21-05-1928, dia de despedida dos jogadores da selecção nacional de futebol que partiram no comboio para participar nos Jogos de Amesterdão, 1928. Fonte: TT.



Não temos muitos detalhes sobre o que aconteceu na longa viagem mas ao que parece desde as primeiras horas instalou-se um clima de grande camaradagem nas carruagens. Boa disposição, alegria e guitarradas! É logo no início deu-se um episódio pitoresco pois Carlos Alves tinha levado a sua guitarra e um dos acompanhantes da equipa era o Capitão Sousa Martinho, por sinal um bom guitarrista. E para melhorar, Ribeiro dos Reis compôs logo ali, de improviso, uma série de quadras. As primeiras horas da viagem forma assim passadas ao som de guitarradas à Portuguesa com os versos de Ribeiro dos Reis a ecoar nas carruagens. Festa tuga, com certeza. Os versos seriam mais tarde publicados na revista Ilustração, e por isso aqui se podem reproduzir - com vénia - numa montagem alusiva ao pitoresco episódio.



Carlos Alves com a sua guitarra Portuguesa, Ribeiro dos Reis autor das quadras e o Cap. Cousa Martinho o guitarrista de serviço,  animaram a comitiva Portuguesa nas primeiras horas da longa viagem de comboio Lisboa – Amesterdão. Fonte: Hemeroteca de Lisboa e TT.



De notar que Ribeiro dos Reis falava nos seus versos nos nomes de 11 dos 18 selecionados, deixando claro quais eram os titulares da equipa. Outros tempos.
Chegados a Amesterdão a comitiva teve a desilusão de constatar que o Hotel Holanda, reservado pelo COP tinha quartos que se assemelhavam mais a albergues de 4 paredes onde tinham sido acumuladas camas para acolher grupos de 3 ou 4 jogadores. Aliás nem todos cabiam nesse Hotel tendo 4 deles que se alojar num outro. Inacreditável... Nem armários nem gavetas nem prateleiras, uma situação incompatível com alta competição.

Ao que parece tudo se deveu à incúria de quem tinha reservado o hotel sem ter o prévio cuidado de verificar as condições que seriam oferecidas à comitiva Portuguesa. Como homens dignos que eram, os dirigentes até reservaram o pior quarto para eles nas águas-furtadas... Havia que resolver a situação! Ao fim de dois dias e após sucessivas reclamações, enfim lá apareceram os móveis e lá foram descongestionados os quartos. Estava tudo pronto para a grande competição.


Que comecem os Jogos!





RedVC

#699
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Amesterdão 1928 (parte III) – um Chili saboroso



A equipa titular contra o Chile.



Foi este o onze titular Português no torneio olímpico de futebol dos Jogos de Amesterdão, 1928. E seria nos restantes jogos com excepção do jogo contra a Jugoslávia em que jogou João dos Santos no lugar de Armando Martins, que estava tocado.



Um princípio de sonho


O sorteio ditou que iniciaríamos a competição defrontando nos 1/16 de final a aguerrida selecção do Chile. O Chili como então se dizia, tinha atletas baixos mas com aparente melhor robustez do que os nossos homens. Havia desconhecimento da valia do adversário e havia também o nervosismo próprio da inexperiência e do novidade de tudo o que rodeava a nossa comitiva.

Alguns jornais deram eco de como foi a manhã desse dia de estreia. No hotel, a comitiva Portuguesa ia lutando como podia contra os nervos de estreia. Num quarto ouvia-se o som da guitarra e alguém que trauteava um fado. Era o Tamanqueiro que cantando aliviava os o que lhe ia na alma.

Aliás, o Tamanqueiro, uma personagem única onde quer e com quem estivesse, era o centro das atenções.



As palavras de Cândido de Oliveira sobre o Tamanqueiro antes e durante o jogo contra o Chile. Fonte: DL-CasaComum.



Nos quartos ao lado falava-se para enganar os nervos mas sem tocar no jogo. O almoço foi cedo. Pouco depois começaram depois a surgir os poucos Portugueses que tinha ido para apoiar: Dois setubalenses Teixeira e Luz, os benfiquistas Francisco Silveira e Artur Aires, os sportinguistas capitão Sousa Martinho, Caleya Ribeiro, Mário Madeira, Leiria Pinto e Gonçalves Madeira. Nervos, esperança, expectativa...Tudo era novo e desafiante. Mais guitarradas, mais conversas. O Capitão Sousa Martinho mudou-se então para o piano e começou a tocar... Cantou-se em coro as estrofes do hino nacional. Repetiu-se o canto já dentro do autocarro. Estava tão perto a hora desse primeiro jogo.


Enfim no estádio!


Chegados aos balneários foi tempo para vestir a camisola das quinas. A nossa equipa vestiu uma camisola vermelha, calção azul-ferrete, meias negras com canhão listrado de verde e branco. Era hora de entrar em campo e saudar a assistência. Enfim o jogo!




E assim no dia 27 de Maio de 1928 o Estádio Olímpico de Amesterdão deu-se a estreia do nosso País numa competição olímpica de futebol. Sob arbitragem do egípcio Mohammed e defrontando os chilenos que se apresentavam com camisola azul clara e calção branco, a nossa selecção jogou contra o vento na primeira parte.

O jogo começaria mal pois logo aos 3 minutos de jogo os chilenos marcaram um golo depois de um pontapé a 20 metros da baliza. Um golpe duro mas a nossa equipa continuou a jogar com bastante ardor. Mas aos 14 minutos os Chilenos voltaram a marcar na sequência de um centro vindo do lado direito a que se seguiu mais um remate de fora de área.

A piorar tudo, aos 33 minutos o nosso interior esquerdo, o sadino Armando Martins, caiu no relvado gritando com dores após carga a pés juntos sobre o seu joelho direito. Foi retirado em braços perante os aplausos da assistência. Naquele tempo não eram permitidas substituições e por isso passamos a jogar 10 contra 11 e com um marcador que indicava 0-2. Logo a seguir Roquete salvou o que poderia ter sido o 0-3. Desanimo? Derrotismo? Baixar de braços? Nada disso!



Dia 27 de Maio de 1928. Portugal defrontou e venceu o Chile por conclusivos 4-2.


Dez minutos depois de sair, Armando Martins conseguiu regressar ao relvado entre os aplausos da assistência. Os cerca de 2.300 espectadores estavam maioritariamente com a nossa Selecção. E foi aí nessas contrariedade que emergiu a raça da nossa equipa, com o espírito guerreiro do Tamanqueiro a inspirar outro cenário. Aos 38 minutos um centro do sportinguista José Manuel Martins foi correspondido por Vítor Silva, o magnífico avançado Benfiquista, que fez o primeiro golo Português. GOLO! Todo o Estádio aplaude. Havia esperança!

Pouco mais de um minuto depois e aproveitando a desconcentração dos Chilenos, a nossa selecção fez o segundo golo quando José Manuel Martins arrancou novo centro que foi aproveitado pelo lendário belenense Pepe. GOLO! Incrível! Sensacional! Ainda antes do final da primeira parte a nossa selecção chegava ao empate!




A superioridade Portuguesa acentuaria-se durante a segunda parte, ficando finalmente expressa com mais dois golos. Pepe fez o seu segundo golo da tarde aos 60 minutos e o último da autoria do portista Valdemar Mota foi apontado aos 63 minutos depois de uma jogada individual. Sentindo-se derrotados os sul-americanos passaram a abusar do jogo duro até ao final do jogo mas de nada lhes serviria.

Segundo as crónicas a nossa equipa distinguiu-se pela raça e pela precisão de passe. Para lá dos dois golos de Pepe, o grande destaque da equipa foi mesmo o Tamanqueiro que motivou com a sua raça e talento toda a da nossa equipa. Vítor Silva esteve menos bem mas ainda assim marcou um golo crítico que iniciou a recuperação.



A avaliação de Cândido de Oliveira sobre o desempenho dos dois Benfiquistas. Fonte: DL-CasaComum.


Cândido de Oliveira confessou que a nossa equipa esteve à beira do abismo mas que soube reagir a tempo, jogando bem mas também jogando "à doida, de olhos fechados - em direcção ao golo do Chile". Com inteiro merecimento a equipa Portuguesa seguia assim para os oitavos-de-final onde iria defrontar a aguerrida selecção da Jugoslávia.




RedVC

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Amesterdão 1928 (parte IV) – e todas as esperanças foram permitidas



Um dia de felicidade! A equipa técnica e a rapaziada a abraçar Augusto Silva, o herói da tarde!



Apenas dois dias depois, a 29 de Maio, a nossa selecção defrontou a selecção da Jugoslávia, representante de um futebol sempre feito de força e virtuosismo técnico. O jogo foi disputado no Oude Stadion (Estádio Velho), oficialmente conhecido como Het Nederlandsch Sportpark. Com cerca de 1200 pessoas a assistir a nossa equipa alinhou com a mesma equipa à excepção de Armando Martins que tocado foi substituído por João dos Santos, um outro sadino.




A equipa que defrontou e venceu a Jugoslávia (2-1).




Os dois estádios da competição olímpica. O Estádio Olímpico de Amesterdão e logo ao lado o Estádio Velho onde Portugal defrontou a Jugoslávia no dia 29 de Maio de 1928. Fonte: wikipedia.




Um aspecto mais aproximado do Het Nederlandsch Sportpark onde Portugal defrontou a Jugoslávia. Fonte: architectureofthegames.net



Entramos bem em jogo e após alguma insistência inauguramos o marcador aos 24 minutos, quando o belenense Augusto Silva lançou Pepe que serviu excelentemente Vítor Silva. Este não se fez rogado e inaugurou o marcador este para Portugal. GOLO!

Era o segundo golo na competição do nosso inesquecível avançado. Mas os Jugoslavos não esmoreceram e conseguiram empatar 14 minutos com um belo remate de longe. No final da primeira parte o resultado registava um empate a 1 golo e tudo estava em aberto.



Vítor Siva, um avançado sobre-dotado que nos primeiros anos usou frequentemente uma boina. Seria o melhor marcador Português nesta competição. Olímpica. Fonte: TT.




Diversos aspectos de antes, durante e depois do jogo Portugal 2 – Jugoslávia 1.



Video do Portugal 2 – Jugoslávia 1.



Na segunda parte destaque inicial para ambos os guarda-redes que evitaram esforçadamente diversos golos. O público dividiu-se no apoio, os lances perigosos sucediam-se, o jogo estava bom. Um golo seria decisivo para definir o vencedor. E foi nesse cenário que a nossa equipa começou a evidenciar preocupantes sinais de fadiga.

Nesse tipo de jogos um talento individual pode resolver o impasse e nesse dia esse papel coube ao talentoso belenense Augusto Silva, o médio centro da nossa selecção. A dois minutos do fim, Augusto Silva arrancou em força, forçou o caminho, driblou, até que conseguiu desferir um remate fantástico a um canto da baliza Jugoslava. Um grande GOLO!



Carregando sobre a baliza jugoslava.



Faltavam dois minutos. Ribeiro dos Reis corria como doido na bancada, dando indicações sobre o tempo que restava. Frenesim. Nervos. Gritos dentro e fora de campo. E depois de um sofrimento interminável lá veio o apito final. Explosão de alegria em pleno relvado! Festa à Portuguesa!

Portugal estava nos quartos-de-final. Dois jogos, duas vitórias, um belo futebol e duas belas exibições muito elogiadas pela crítica. Um registo magnífico para uma selecção então desconhecida, estreante em grandes competições internacionais e que tinha apenas poucas dezenas de jogos nos sete curtos anos do seu historial. Em toda a comitiva sentia-se uma enorme satisfação de ter prestigiado o País e também a ilusão do que ainda estava para vir.

A equipa Portuguesa defrontaria nos quartos-de-final a selecção do Egito.

E todas as esperanças foram permitidas.




RedVC

#701
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Amesterdão 1928 (parte V) – morrer sim, mas de pé...


Lisboa, dia 4 de Junho de 1928. Uma multidão aglomera-se junto a uma sucursal do jornal O Século.




A multidão aglomerada junto do jornal "O Século" sedenta de informação do andamento dos jogos de futebol. Fonte: TT.



Esta foi uma imagem que se repetiu em todos os jogos que Portugal disputou no torneio olímpico de Amesterdão 1928. Os populares buscavam avidamente informação actualizada sobre o andamento do Portugal – Egipto, jogo dos quartos-de-final da referida competição. À falta de televisão ou rádio, para os mais impacientes a única possibilidade de ter informação actualizada e credível era através da afixação de notícias nas portas dos edíficios onde funcionavam das redacções dos maiores jornais da época ("O Século" e o "Diário de Notícias") ou das suas sucursais mais importantes.

O entusiasmo popular foi crescendo à medida que iam surgindo os resultados positivos. Vivia-se uma inédita e inusitada esperança nas capacidades da nossa Selecção. O fervor nacionalista promovido pelo regime mais ajudou à identificação com a equipa nacional. Da Holanda vinham relatos de uma equipa Portuguesa lutadora e talentosa que honrava as quinas que tinham ao peito. O orgulho nacional estava no máximo.



O jogo da (des)ilusão


Fomos eliminados. Foi uma desilusão tremenda em Amesterdão e em Portugal. Desilusão e revolta, diga-se. Mas lá iremos.

Nesse dia 4 de Julho a nossa selecção regressou ao Estádio Olímpico de Amesterdão para defrontar o Egipto. O jogo não correu bem. Sofremos dois golos, marcamos dois golos mas acabamos por perder o jogo. Dito de outra forma tivemos pouca sorte e um mau árbitro. À superioridade técnica da nossa equipa os Egípcios contrapuseram com uma equipa mais rápida e que fechou muito bem os caminhos para a sua baliza. Os Egípcios tinham também a vantagem de ter maior experiência em competição olímpica uma vez que 4 anos antes tinham competido em Antuérpia 1920, onde aliás bateram a favorita Hungria (equipa onde jogavam Béla Gutmann e János Biri...) por 3-0.



Dia 4 de Julho de 1928, Portugal 1 – Egipto 2. Os capitães das equipas de Portugal e do Egipto e a equipa de arbitragem. O árbitro italiano foi o grande protagonista do jogo que eliminou Portugal.



Nesse dia Cândido de Oliveira voltou a contar com Armando Martins e assim pode voltar fazer alinhar a sua equipa titular. Durante o jogo, apesar de generosos no esforço, os Portugueses não esconderam o cansaço acumulado das duas partidas anteriores. Cândido de Oliveira apresentou praticamente sempre o mesmo 11 e o conceito de gestão de esforço era então muito diferente...

Portugal alinhou com o seu equipamento para aquela competição com camisola vermelha, calção azul-ferrete, meias negras com canhão listrado de verde e branco. A Selecção Egípcia alinhou com camisola verde-claro, calção branco



O onze que defrontou os Egípcios no Estádio Olímpico de Amsterdão no dia 4-07-1928.



A equipa Portuguesa sofreu o primeiro golo dos egípcios aos 20 minutos, na primeira verdadeira jogada de perigo dos Egípcios. Foi um lance infeliz do guarda-redes Roquete que optou não por agarrar mas por rechaçar uma bola para o pior sítio possível. Roquete voltaria a falhar no segundo golo dos Egípcios já aos 4 minutos da segunda parte depois de uma saída extemporânea. Mais tarde, com a elegância que o caracterizava, Cândido de Oliveira admitiria que nesse dia Roquete tinha comprometido a equipa. O reparo foi justo mas infelizmente para Cândido de Oliveira, o lado negro de António Roquete não se manifestaria só dentro de campo nesse dia mas também fora do campo alguns anos mais tarde. Mas desse triste aspecto não nos cumpre desenvolver aqui.




Dia 4 de Julho de 1928, Portugal 1 – Egipto 2. Foi um dia negro para António Roquete.


A perder por 0-2 não restava outra alternativa à nossa equipa senão carregar ainda mais sobre os africanos. Rematamos muito, investimos com ardor e generosidade até que a pressão sobre os Egípcios se tornou asfixiante. Alugava-se meio campo mas golos... nem vê-los!


https://youtu.be/e4H5XZL4Zk4
Vídeo do jogo Portugal 1 – Egito 2, disputado no dia 4 de Julho de 1928.


Por fim, Vítor Silva fez um remate que o guarda-redes egípcio defendeu já dentro da baliza. Só que o Egípcio foi fino e mesmo acoçado por Pepe e Vítor Silva que tentavam confirmar o tento, arremessou a bola para fora. Espantosamente, apesar do Senhor Vuyk, o fiscal de linha holândes ter assinalado o golo e o público ter celebrado o lance, o árbitro italiano decidiu nada apontar. Um escândalo.



O guarda-redes Egípcio e o árbitro italiano foram os principais protagonistas do resultado final.



Essa decisão sentenciou o resultado mas mesmo assim e até final do jogo, Vítor Silva conseguiria ainda marcar o nosso golo de honra depois de uma espetacular jogada individual em que driblou todos os adversários que lhe apareceram à frente. Um belo lance do nosso jogador que nem aquele árbitro conseguiu anular.

A partida chegou ao final mas era indesmentível o peso negativo que aquela decisão tinha sobre o resultado final. O fiscal de linha Vuyk chegou ao ponto de discutir com o árbitro acerca da decisão no lance que definiu o jogo mas de nada valeu. O mal estava feito e o resultado selou uma injustiça. Morremos, mas de pé.



Fonte: DL-CasaComum



Igualmente inútil foi o protesto que mais tarde foi formalizado pela comitiva Portuguesa perante tal arbitragem. O COI julgou-o imprecedente, validando a passagem dos Egípcios à meia-final.


Fonte: DL-CasaComum



Como depois se viu, a equipa Egípcia gastou todos os cartuchos no jogo contra Portugal uma vez que na meia-final foi esmagada pela Argentina por 6-0. Para os 3º e 4º lugares os africanos seriam depois massacrados por 11-3 pela Itália. A selecção do Sr. Mauro acabou por ter um docinho no jogo de atribuição dos 3º e 4º lugares.

No desafio da final os Argentinos seriam impotentes (1-2) para travar o Uruguai que assim renovou o seu título olímpico que tinha sido conquistado em Paris, 1924. Na avalizada opinião de Cândido de Oliveira, os Uruguaios foram indiscutivelmente a melhor equipa do torneio mostrando uma técnica e uma coordenação como equipa bastante superior às restantes.



Quadro dos resultados do torneio olímpico a partir dos oitavos-de-final do torneio de futebol em Amesterdão, 1928. Portugal jogou ainda um jogo de pré-eliminatória (1/16) contra o Chile (4-2). Fonte wikipedia.



Curiosamente tanto e selecção olímpica do Uruguai como a da Argentina tinham passado por Lisboa em trânsito para Amesterdão. No caso da selecção Argentina houve até um jogo contra a nossa selecção que acabou num nulo 0-0.



A equipa do Uruguai, campeã olímpica em Amesterdão 1928, quando passou em trânsito por Lisboa. Fonte: TT.




A equipa Argentina, vice-campeã olímpica em Amesterdão 1928, quando passou em trânsito por Lisboa. Fonte: TT.




Balanço final

Em resumo, a nossa selecção registou duas vitórias e uma derrota com 7 golos marcados e 5 sofridos. Vítor Silva com 3 golos foi o nosso melhor marcador na competição, sagrando-se assim o melhor marcador da nossa equipa. Segundo o site Sports.reference, Vítor Silva foi o mais jovem atleta Português desses jogos com 19 anos e 97 dias.
Como nota saliente ficaram os muitos elogios da imprensa e o carinho e reconhecimento por parte dos adeptos Portugueses.



Fonte: DL-CasaCoum


Individualmente houve diversos destaques, embora a coesão da equipa tenha sido o aspecto mais salientado.



Os destaques (com saliência particular para os Benfiquistas) da nossa selecção. Fonte: DL-CasaComum.




Quadro final da participação Portuguesa no torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928.






WHERO

#702
Por contingências várias, à Terça-feira sobra-me sempre parte desta precoce hora de almoço. E à Terça-feira, religiosamente, cá venho eu a este tópico reler mais uma história, ou duas, ou três, em páginas aleatórias. E mesmo quando já parece impossível fico sempre, sempre, um pouco mais benfiquista.

Obrigado RedVC. Este tópico é ouro e se nunca for transformado em livro será uma gigante perda para o universo benfiquista e para o país no geral, pois tantas vezes a história desta instituição representa também momentos marcantes do último século em Portugal. Obrigado por nos proporcionares estes momentos.

:bandeira1: :bandeira2: :bandeira1: :bandeira2: :bandeira1:

RedVC

Citação de: WHERO em 21 de Novembro de 2017, 12:10
Por contingências várias, à Terça-feira sobra-me sempre parte desta precoce hora de almoço. E à Terça-feira, religiosamente, cá venho eu a este tópico reler mais uma história, ou duas, ou três, em páginas aleatórias. E mesmo quando já parece impossível fico sempre, sempre, um pouco mais benfiquista.

Obrigado RedVC. Este tópico é ouro e se nunca for transformado em livro será uma gigante perda para o universo benfiquista e para o país no geral, pois tantas vezes a história desta instituição representa também momentos marcantes do último século em portugal. Obrigado por nos proporcionares estes momentos.

:bandeira1: :bandeira2: :bandeira1: :bandeira2: :bandeira1:


Obrigado Whero  O0
O Decifrando traz-me três grandes recompensas que se complementam de forma maravilhosa: o conhecimento, a partilha e o Benfiquismo.

O reconhecimento dos outros Benfiquistas tem um valor inestimável para mim e é uma larga recompensa para as horas que invisto na investigação.

RedVC

#704
-187-
Amesterdão 1928 (parte VI) – emoções à Holandesa

Dia 10 de Junho de 1928. Estação do Rossio, Lisboa. Foi o dia do regresso dos heróis de Amesterdão.








Fechamos esta série, voltando ao ponto de partida. A chegada da comitiva Portuguesa a Lisboa foi apoteótica. Foram banhos de multidões em festa, que espalhadas pelo percurso entre o Rossio e os Paços do Concelho, aclamando e forma entusiástica os futebolistas e restante comitiva.



O regresso apoteótico dos heróis de Amesterdão. Multidões vitoriaram os heróis de Amesterdão.


A participação do futebol Português em Amesterdão foi um enorme sucesso desportivos, social e teve aproveitamento político. À sua chegada os jogadores foram submersos pelo carinho popular. Portugal vivia um tempo marcado pelo isolamento, pelo provincianismo e em que qualquer feito internacional tinha um profundo impacto sobre a vida nacional. Esses raros feitos era também aproveitados por um regime interessado em construir uma ideia musculada de nação e de nacionalismo.



Antes como agora, o inevitável aproveitamento político. Interessa pouco identificar os militares e políticos. Honra ao s jogadores. Fonte: TT-digitarq.



Nesse dia as ruas de Lisboa encheram-se de gente e transbordaram de entusiasmo popular. Imagens apenas comparáveis às das celebrações dos feitos de pioneiros da nossa aviação: Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Sarmento de Beires, Brito Pais, entre outros.




Ecos de imprensa sobre a chegada dos futebolistas que competiram em nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Mas entre essa enorme massa humana que quase submergiu os heróis de Amesterdão, ainda assim ali no meio da festa foi possível ver alguns episódios de carinho familiar. Um deles foi particularmente bonito, senão atentem:



A emoção do regresso. O beijo mais esperado. Fonte: TT.



Para ver há que olhar com cuidado para a fotografia. Ali, bem no meio da multidão, viu-se um dos jogadores a receber o beijo mais terno, o beijo de sua Mãe. E, ao contrário do que as legendas de alguns periódicos da época referiam, esse filho não foi César de Matos do Belenenses mas antes Carlos Alves, o primeiro luvas-pretas e jogador do Carcavelinhos FC. Dito de outra forma, aquela Senhora a beijar o seu filho era a bisavó paterna de João Alves, o nosso imortal luvas-pretas.



Tuguices...



Meninas "órfãs" no Estádio... Fonte: delcampe



E há que terminar com boa disposição. Afinal foi uma aventura em terras estrangeiras. Não é de agora. Onde há rapaziada Portuguesa ligada ao futebol não faltam histórias pitorescas, muitas delas com saias à mistura. Apesar de um pouco baralhados pela inexistência de vida nocturna e pelos horários das Holandesas que se deitavam cedinho, os nossos rapazes lá foram encontrando fontes de diversão.

Na Holanda, muito do que se passou em Amesterdão terá ficado em Amesterdão. Muito... mas não tudo. Alguma coisa lá se foi sabendo pelos relatos de um repórter do DL que ouviu muitas bazófias as risotas e viu algumas das escapadelas da rapaziada. Alguns deles lá se foram confessando ou se acusando mutuamente de algumas aventuras Holandesas... Leiam, sorriam e já agora perguntem o que fariam se também lá tivessem estado...














Moral da história: aquilo foi mesmo uma balbúrdia de saias a esvoaçar e nada do que foi dito depois fez atenuar a cara feia de António Ribeiro dos Reis que lá foi dizendo:




Mas depois nada mais se soube, nada aconteceu...

Há que dizer que no fundo os próprios dirigentes terão compreendido a excepcionalidade desses dias Holandeses uma vez que também eles apreciaram alguns aspectos lúdicos e turísticos da bela região de Volendam.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Durante essas visitas, Ribeiro dos Reis e Salazar Carreira exibiram sorridentes os barretes tradicionais dos velhos pescadores de Volendam, comprados e usados para entrar no espírito da bela terra Holandesa.

Mas nem tudo foi diversão pois, como ficou provado em fotografia, os dois dirigentes também mostraram trabalho ao participarem no congresso da FIFA que decorreu na capital Holandesa aproveitando a presença de representantes das diversas federações.



Dois aspectos da reunião e convívio dos delegados das diversas Federações de futebol representadas num Congresso organizado pela FIFA em Amesterdão, 1928. Do lado Português participaram Ribeiro dos Reis e Salazar Carreira. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Caso para dizer que houve tempo para tudo. Bom futebol, longas viagens, belas guitarradas, versos espirituosos e fados sentidos. Depois, mais futebol, muitas alegrias, algumas tristezas, diversas zangas e alegrias, muitos namoricos e escapadelas à Portuguesa. Foi uma comitiva à Portuguesa, com certeza!