Decifrando imagens do passado

RedVC

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Dia 19 de Fevereiro de 1944. Estádio de Wembley, Londres.



Estádio de Wembley, dia 19 de Fevereiro de 1944. O Rei Jorge VI de Inglaterra cumprimenta os jogadores da Selecção Inglesa de futebol. Fonte: raggyspelk.co.uk


Em pleno tempo de guerra o futebol mostrava a sua importância. Nesse dia o Rei Jorge V de Inglaterra cumprimentava os jogadores das selecções de Inglaterra e Escócia, que se aprestavam para iniciar uma partida de futebol. Essa partida, embora hoje não seja reconhecida oficialmente pela FIFA, é parte da História da Selecção Nacional daqueles dois países.

Entre os seleccionados Ingleses estava um jogador com 26 anos de idade que pertencia aos quadros do Sheffield United. Chamava-se James Hagan mas era conhecido no meio futebolístico por Jimmy Hagan. Era um homem reservado e duro que mais tarde se tornaria célebre como treinador de futebol. No seu tempo, Hagan foi também um conceituado jogador internacional de futebol.

A fotografia com que iniciamos este texto capta o exacto momento em que o Rei Jorge V cumprimenta Jimmy Hagan.



James Hagan jogou por 17 vezes na Selecção Nacional de futebol da Inglaterra. Fonte: sheffieldhistory.co.uk



Cumpriram-se no passado Domingo, 100 anos sobre o nascimento de Jimmy Hagan, um treinador Inglês que deixou marcas profundas na História do Sport Lisboa e Benfica. Foi um homem de futebol singular, muito reservado mas nem por isso menos controverso.

Como treinador e como manager, Hagan conheceu um sucesso extraordinário quando treinou o Sport Lisboa e Benfica, o maior Clube de Portugal e um dos maiores da Europa. Mas Hagan tinha também uma severa abordagem disciplinar nas suas equipas e por isso teve vários episódios conflituosos nos diversos clubes por onde passou. Nesse aspecto, o SL Benfica seria apenas mais um. Em tudo o resto a sua carreira no Glorioso foi quase sempre um trajecto ganhador verdadeiramente extraordinário.


Vamos hoje à boleia dessa fotografia inicial, que representa um dos picos da carreira de Hagan enquanto jogador profissional de futebol, os anos que viveu antes de se tornar um dos mais vitoriosos e marcantes treinadores do futebol do Sport Lisboa e Benfica.

Em homenagem a Hagan, publica-se aqui uma fusão de textos biográficos, coligidos a partir de algumas fontes da net. A fonte principal é o sítio do seu irmão Colin Hagan, ao qual aliás aconselho vivamente uma visita:

http://www.raggyspelk.co.uk/washington_pages/selections3/jimmy_hagan.html

outras fontes usadas:

http://www.independent.co.uk/news/obituaries/obituary-jimmy-hagan-1148385.html

http://www.derbytelegraph.co.uk/sport/football/football-news/the-player-derby-county-slip-377993



Os primórdios


Hagan nasceu em Washington, County Durham, no dia 21 de Janeiro de 1918. Nasceu no Nordeste de Inglaterra no seio de uma família Católica. Era também oriundo de uma família de futebol pois o seu pai Alf Hagan jogou num período pós Primeira Guerra Mundial no Newcastle United FC ("Magpies", fundado em 1892), no Cardiff City Football Club ("Bluebirds", fundado em 1899) e no Tranmere Rovers Football Club ("Rovers", fundado em 1884).



Washington, County Durham, a terra natal de James Hagan, ali nascido a 21 de Janeiro de 1918. Fonte: wikipedia.



Pelos relatos de seu irmão Colin, o pai de Jimmy era também um homem de convicções fortes, tendo aliás retirado o seu filho da St. Joseph's School, uma escola Católica depois de um desentendimento com um Padre. Esse conflito terá aliás sido selado quando Alfie Chapman mimoseou o referido padre com um murro...




Nesses anos iniciais, o jovem Jimmy estudaria e jogaria futebol em mais três escolas: a Usworth Colliery School, a Durham County Boys e a England Schoolboys. O jovem Jimmy mostrou desde logo uma forte personalidade e nomeadamente dois dos traços mais transversais aos seus 80 anos de vida: um grande amor pelo jogo de futebol e um carácter ferozmente independente. Ao que parece terá até desistido de uma das suas escola secundárias, "apenas" porque o futebol não era praticado por lá.



O jovem Jimmy Hagan segurando a bola numa equipa da Durham County Schools. Fonte: durhamcountyschoolsfa.org.uk



Outro aspecto sintomático é que apesar de viver numa região onde se tornaria mais lógico a ingresso nas escolas de futebol do Newcastle FC ou do Sunderland AFC ("Black Cats", fundado em 1879), os dois colossos locais, Jimmy optou por ingressar aos 14 anos de idade nas camadas amadoras do Liverpool FC ("Reds", fundado em 1892).

Na cidade do Mersey, Jimmy jogaria apenas 3 ou 4 meses nos "Reds", regressando depois a casa. Justificou-se dizendo ao seu pai de uma forma simples mas afirmativa: "fui para Liverpool para jogar futebol e não para trabalhar num depósito de madeira"... A questão é que nesses dias aos aprendizes de futebol era atribuído um emprego durante o dia e pelo que se viu, o trabalho reservado ao jovem Hagan foi do seu inteiro desagrado.

Mas Jimmy não era de desistir e assim pouco depois, em Maio de 1933, assinou pelo Derby County FC ("Rams", fundado em 1884). Fez a sua estreia pelos "Rams" com apenas 16 anos de idade e por lá se tornou, em 1935, um jogador profissional. Ao que parece num dos seus 31 jogos pelo Derby County terá jogado no Roker Park perante uma assistência estimada em 76.000 pessoas.



O muito jovem Jimmy Hagan envergando a camisola do Derby County FC. Fonte: derbytelegraph



Nos 31 jogos que fez pelo Derby County, Jimmy Hagan terá marcado uns 7 golos, revelando um grande virtuosismo técnico, segundo algumas fontes mostrando por vezes uma habilidade quase mágica. Esse facto demonstra que apesar de ser um produto da escola Inglesa, Jimmy era um homem de futebol sensível ao virtuosismo técnico, uma característica mais latina e algo com que viria a trabalhar com fartura nos seus Gloriosos anos do Estádio da Luz.

Não obstante o bom percurso nos Rams, Jimmy viria depois a incompatibilizar-se com George Jobey, o manager do Clube e por via disso, em Novembro de 1938 seria transferido para o Sheffield United FC ("Blades", fundado em 1889). Teddy Davidson, na altura o manager do Sheffield, mostrou grande interesse nessa contratação mas, não obstante o conflito que tinha com o jogador, Jobey jogou duro nas negociações. O acordo seria fechado apenas por 2.925 libras, valor apreciável para a época.

Em Bramall Lane, jogando pelos "Blades", a carreira de Hagan conheceu um grande crescimento, mostrando-se na sua posição de interior como um jogador com distribuição de jogo fluente, excelente controlo de bola e posicionamento táctico astuto. Em Sheffield permaneceria 20 anos, de 1938 a 1958, ano em que se retirou como jogador de futebol.



Jimmy Hagan fez grande parte da sua carreira no Sheffield United, chegando a capitão de equipa.




Fonte: Premier Football Cards




Hagan teve honras de primeira página no número de Fevereiro de 1954 do Charles Buchan's Football Monthly.



Jimmy Hagan era o craque da equipa, assumindo uma tal preponderância que causou algum desconforto nos seus companheiros. Ficou aliás célebre uma brincadeira de um fotógrafo que fez uma montagem dessa equipa do Sheffield United com 11 jogadores com cabeças de Jimmy Hagan. Infelizmente não encontrei uma cópia.





No total, Jimmy Hagan terá feito 361 jogos e 117 golos pelo Sheffield United. Colectivamente a maior conquista foi um campeonato da 2ª divisão Inglesa na época de 1952-1953. Fez uma longa carreira de 20 anos como jogador do United embora apenas 14 épocas tenham sido efectivas uma vez que perdeu 6 épocas por via da Segunda Guerra Mundial.



A equipa campeã de 1952-1953. Hagan é segundo jogador sentado, a partir da direita.



Os anos da guerra


A Segunda Guerra Mundial ceifou a vida de muitos futebolistas e devastou muitas carreiras de futebol, e naturalmente afectou também a de Hagan. Integrou o exército Britânico e combateu os nazis em França. Sobreviveu.

Ainda assim, seria neste período que Hagan se tornou internacional pelo seu país, isto apesar de os 16 jogos para o qual foi seleccionado não serem hoje reconhecidos pela FIFA, uma vez que se trataram de jogos disputados em tempo de guerra.

Ainda assim, o historial da FIFA regista que Hagan foi internacional por uma vez por Inglaterra, num jogo disputado em Janeiro de 1948, pouco depois do fim da guerra, quando a sua selecção defrontou a Dinamarca em Copenhaga (empate 0-0).

No entanto, apesar do que o que a FIFA nos diz, a verdade histórica é outra. Nesses 16 jogos internacionais não-oficiais, Hagan apresentou-se com a camisola de Inglaterra de forma brilhante ao lado de estrelas como Stanley Matthews, Tommy Lawton e Raich Carter. É desse tempo a fotografia do início deste texto tal como as que abaixo se apresentam.



Hagan cumprimentando figuras célebres com a camisola da Selecção. Fonte: derbytelegraph.co.uk e Getty Images




A equipa nacional Inglesa que defrontou o País de Gales em utubro de 1941. De pé, esquerda para a direita: Harry Goslin, Joe Bacuzzi, George Marks, Denis Compton, Stan Cullis. Sentados: Stanley Matthews, Jimmy Hagen, Eddie Hapgood, Don Welsh and Joe Mercer. Fonte: spartacus-educational.com


No período pós-guerra, Hagan permaneceu fiel ao Sheffield United mesmo quando o seu clube aceitou uma proposta de transferência para os rivais do Sheffield Wednesday ("Owls", fundado em 1867). Falou-se de 32.500 libras, o que na altura seria um recorde Britânico. Contra a vontade do seu Clube, Hagan recusou, continuando a jogar pelo United sendo que, curiosamente, o Wednesday desceria à segunda divisão logo na época seguinte.

Logo após abandonar o Sheffield United, Jimmy Hagan juntou-se brevemente a 15 jogadores do Blackpool ("Seasiders, fundado em 1887) para fazer uma digressão pela Austrália. Por lá marcou 21 golos em 15 partidas. E assim terminou a carreira de futebolista.


Um treinador implacável


Terminados os seus dias de jogador, Hagan iniciou a sua carreira no Peterborough United FC ("Posh", fundado em 1934) onde treinou de 1958 até 1962. Foi uma passagem bem-sucedida, culminada com a conquista do 4th Division Championship logo na primeira época em que aquele modesto clube jogou numa liga nacional Inglesa. A sua equipa registou o incrível número de 134 golos só nessa temporada, um recorde que permanece. Apesar de na época seguinte ter consolidado os "Posh" na terceira Liga, ainda assim um amargo conflito com os jogadores faria com que Hagan fosse demitido em Outubro de 1962. Não seria caso único na sua carreira...





De 1963 a 1967, Hagan treinou o West Bromwich Albion ("Baggies", fundado em 1878), clube que militava na primeira Liga inglesa. O maior feito deste período foi conseguido em 1966 quando Hagan levou os Baggies à conquista da Football League Cup. Foi uma final a duas mãos vencida (resultado agregado de 5-3) contra o West Ham United FC ("Hammers", fundado em 1895) que contava nas suas fileiras com três craques da selecção Inglesa: Moore, Peters e Hurst.

Mas o futebol são altos e baixos... Na época seguinte disputaria também a final, desta vez num jogo único em Wembley contra o Queens Park Rangers ("Hoops", fundado em 1882), clube na altura numa divisão inferior. Apesar de ao intervalo estarem a ganhar por 2-0, os Baggies seriam derrotados por 2-3. Acabaria ali o percurso de Hagan nos Baggies.

Foi também nos Baggies que Hagan teve mais um episódio revelador da sua fibra enquanto treinador. No dia 1 de Janeiro de 1964, Jimmy Hagan enfrentou uma greve de 21 jogadores da categoria principal. Estes protestavam para com a exigência do treinador de terem de se treinar com calções num dia particularmente frio. Hagan foi inflexível, e enfrentando a greve, foi ele mesmo com os seus 46 anos de calções treinar para o meio do campo. Ali mesmo perante os sócios a dar o exemplo.



O incrível dia em que Hagan treinou sozinho em calções. Os jogadores em greve ficaram a ver o treinador. Fonte (https://www.birminghammail.co.uk/sport/football/football-news/nostalgic-pictures-day-west-bromwich-343386)



Esse conflito terá no entanto sido apenas mais um pois os jogadores queixavam-se de que os métodos de treino de Hagan eram aborrecidos e a postura do treinador era áspera e inacessível. A perda da final de 1967 acabaria por ser uma justificação conveniente que a Direcção dos Baggies usou para demitir um treinador em conflito com o seu plantel.


No Glorioso


Não sendo o foco do texto de hoje, não poderia fechar sem mencionar brevemente a importância da passagem de Hagan pelo Glorioso.

Deposi dos Baggies, Hagan só voltaria a treinar em Março de 1970, desta vez em Portugal, quando aceitou um convite do Glorioso Sport Lisboa e Benfica feito pelo grande Presidente Duarte Borges Coutinho. Falou-se na altura que a primeira escolha do Dr. Borges Coutinho terá sido Alf Ramsey o treinador campeão do mundo pela Inglaterra em 1966.

A escolha de Hagan parecia assim uma escolha secundária, quiçá uma medida desesperada de um presidente depois de uma recusa no mesmo mercado. Hagan no entanto revelar-se-ia uma escolha certeira, um golpe de inspiração. De facto, o duro Inglês conseguiria finalmente disciplinar e renovar uma equipa que ainda tinha grandes jogadores mas à qual eram reconhecidos sérios problemas de disciplina e alguma veterania. Essa fibra disciplinadora terá sido um dos factores decisivo que levaram o Dr. Borges Coutinho a contratar este duro Inglês.

A equipa foi disciplinada, renovada, e significativamente melhorada na sua capacidade física e atlética. Os títulos vieram depois. Três campeonatos conquistados de forma espantosa. Uma extraordinária digressão pelo Japão e muitos outros jogos célebres fariam ainda parte da lenda.

Nesse percurso, Hagan aplicou uma vez mais os seus duríssimos métodos de treino e disciplina. Apesar das vitórias o desgaste foi-se acumulando explicando que uma vez mais fosse um pequeno episódio disciplinar a levar à saída de Hagan. Um episódio triste que talvez tenha evitado que o primeiro tetra da nossa história tivesse ocorrido na década de 70.



Uma sessão de treinos de Jimy Hagan no Estádio da Luz. Alguns jogadores são identificáveis.




Um dos mais célebres planteis. Os invencíveis de 1972. Fonte: Museu Cosme Damião.



Depois do SL Benfica viria um período de 2 anos a treinar no Kuwait e depois o regresso a Portugal onde treinaria Sporting CP (1976-77), Boavista FC (1978-79), Vitória Setúbal (1979–80), CF Belenenses (1980–81) e GD Estoril Praia (1981–82). Teve sucesso no Boavista onde venceu a Taça de Portugal de 1978-79 e no GD Estoril Praia onde subiu à 1ª divisão.

Findo a experiência no Estoril, Jimmy Hagan decidiu retirar-se com a idade de 64 anos.

Apesar da abrupta rotura, ficou sempre no nosso Clube um enorme respeito pela figura deste Inglês, duro, autoritário exigente mas também e acima de tudo campeão. Não admira que o nosso Rei Eusébio tenha generosamente participado em alguns eventos evocativos do grande treinador Inglês.



Eusébio num evento de homenagem a Jimmy Hagan.


James Hagan morreria em Sheffield no dia 26 de Fevereiro de 1998, com a idade de 80 anos.



Até sempre Mister!
Paz à sua Alma. Honra à sua memória!




RedVC

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Félix e os Leões da Estrela


Dia 6 de Março de 1934, Rua de São Julião, Lisboa



A multidão que assistiu ao descerramento de uma lápide evocativa de Chaby Pinheiro. Rua de São Julião, 6 de Março 1934. Fonte: AML



Cerimónia de descerramento de uma lápide evocativa do actor Chaby Pinheiro no nº 53, em cujo terceiro andar o actor nasceu 60 anos antes. Tinham passado apenas 4 meses da sua morte e funeral.



O elogio feito pelo presidente da CML Tenente-Coronel Linhares de Lima durante a cerimónia de descerramento de uma lápide evocativa de Chaby Pinheiro. Fonte: TT


Os mais atentos, em particular os Benfiquistas, notarão que entre a multidão estava presente Félix Bermudes, o prestigiado autor teatral e antigo (e futuro) presidente do Sport Lisboa e Benfica.



A presença notada de Félix Bermudes entre a multidão presente na Rua de São Julião no dia 6 de Março 1934. Fonte: AML



Pesaroso, Félix Bermudes prestava homenagem a um dos actores que melhor honrou algumas das suas peças de teatro.



Félix Bermudes foi um dos oradores na cerimónia de homenagem a Chaby. Fonte: DL


A morte do actor Chaby Pinheiro comoveu o meio artístico nacional e os milhares de populares que reconheciam o seu talento. Chaby terá falecido vítima de uma congestão cerebral ocorrida num quadro de complicações da diabetes, doença de que padecia havia longos anos. Sofrendo cada vez mais de uma obesidade mórbida e perto de chegar aos 60 anos, o actor viu agudizar os seus problemas de saúde. Perto do fim ainda terá procurado os bons ares campestres do Algueirão mas infelizmente terá também mantido hábitos alimentares despropositados, o que terá abreviado o desfecho.



Chaby fotografado no seu leito de morte. Fonte: TT




Notícias do falecimento de Chaby Pinheiro. O seu corpo foi carregado por colegas e autores teatrais. Fonte; DL



Chaby, "Sic Transit Gloria Mundi"




António Augusto de Chaby Pinheiro nasceu em Lisboa no dia 12 de Janeiro de 1873 e faleceu no Algueirão em 6 de Dezembro de 1933. Filho do artista dramático Fortunato Pinheiro, tinha ao que parece ascendência Franco-Suíça. Frequentou sem terminar um curso superior de Letras, passando depois a exercer as funções de Aspirante dos Correios e Telégrafos.

Iniciou profissionalmente a sua carreira artística em 1896 numa peça chamada "O Tio Milhões" e logo no Teatro Nacional D. Maria II, integrando a prestigiada companhia teatral Rosas & Brasão, por onde permaneceu durante 12 anos. Integrou depois a companhia da actriz Lucinda Simões e mais tarde fundou a sua companhia juntamente com a actriz Aura Abranches.

Foi também empresário teatral, tendo levado a sua companhia a digressões não apenas pelo país (ilhas incluídas) mas também em longas digressões em diversas cidades do Brasil e Argentina. Na sua carreira veio a participar em mais de 60 espectáculos como actor, celebrando muitos triunfos e aplausos.



Em 1913, Chaby e a sua companhia teatral no cais do porto de Lisboa, prestes a embarcar para uma digressão pela América Latina. Fonte: TT


Chaby trabalhava em geral apenas seis meses durante cada ano, reservando depois tempo para viagens pela Europa onde aumentava a sua cultura literária e artística. Falava diversas línguas e gostava de manter conversas vivas em tertúlias que não raras vezes passavam por bons repastos e petiscos. Foi portanto um homem de grande inteligência e cultura, tendo privado com algumas das grandes figuras da Cultura e das Artes em Portugal tais como Fialho de Almeida, Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro, Júlio Dantas, Pinheiro Chagas, entre outros.



Chaby entre alguns dos gigantes da Cultura do seu tempo. Fonte: Hemeroteca de Lisboa



Apesar do homem e do actor estarem hoje quase esquecidos, o nome Chaby Pinheiro faz parte da Toponímia de Almada, Amadora; Barreiro (Lavradio), Cascais (São Domingos de Rana), Lisboa (Avenidas Novas); Matosinhos (Senhora da Hora); Montijo (Alhos Vedros); Odivelas (Ramada); Oeiras (Linda-a-Velha); Seixal (Corroios); Sintra (Algueirão-Mem Martins). Fonte: "O Grande Livro dos Portugueses", (Círculo de Leitores).

Ao longo da sua carreira, Chaby fez bom uso do seu porte físico para desempenhar papéis cómicos marcantes. A sua enorme figura e popularidade lembram o grande actor Vasco Santana mas ou porque não foi tão dotado e/ou porque não teve a imortalidade dada pelo Cinema, Chaby não ficou tão popularmente recordado como o genial Vasquinho. De facto, apesar das dezenas e dezenas de peças teatrais onde exibiu a sua arte, Chaby apenas deixou a sua contribuição num pequeno número de filmes mudos. Curioso porque o último filme que Chaby terá visto foi justamente "A Canção de Lisboa" onde Vasco Santana atingiu a imortalidade. O Museu do Fado tem no seu acervo registos com a voz de Chaby Pinheiro: poemas, monólogos e até canções. Hoje pouco mais são de que uma curiosidade histórica. Sic Transit Gloria Mundi.



"Sic Transit Gloria Mundi". "Toda Glória Do Mundo É Transitória".
Hoje esquecido, Chaby Pinheiro foi no seu tempo um actor muito estimado. Fonte: DL e Museu do fado (http://arquivosonoro.museudofado.pt/)



Entre as suas peças teatrais salientaram-se algumas escritas pela "Parceria", o trio de escritores teatrais onde se integrou Félix Bermudes. Uma das peças mais notáveis da Parceria foi a famosa "O Leão da Estrela" (1925) que mais tarde (1947) veio a ser transposto para o cinema. E foi justamente Chaby Pinheiro o primeiro actor a representar a hilariante figura do Sr. Anastácio Silva, fanático do Sporting Clube de Portugal.



Chaby na peça teatral "O Leão da Estrela" (1925) escrita por Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos



Mas Chaby já não viveria o suficiente para ser escolhido para o elenco do filme "O Leão da Estrela". O filme foi estreado em 1947 ou seja 14 anos depois da sua morte. O papel de Anastácio Silva, papel principal do filme, viria a ser atribuído ao genial (e ao que sei sportinguista...) António Silva. Ficou também muito bem entregue.



António Silva numa hilariante cena do filme "O Leão da Estrela" (1947), com argumento de Ernesto Rodrigues, Félix Bermudes e João Bastos





Um facto que nunca entendi muito bem foi como é que o "nosso" Félix Bermudes, um dos autores do argumento do "Leão da Estrela", não quis antes escrever a "Águia da Estrela"? Seria aliás bem mais ao gosto popular (o SLB sempre foi o Clube mais popular) e hoje teríamos algumas belas imagens de um jogo do Glorioso no final da década de 40. Mas não, no filme acabamos a ver duas equipas às riscas...



Uma imagem do "Leão da Estrela" captada no início do jogo FCP-SCP.






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A este propósito uma nota de rodapé oportuna. Estarão lembrados de uma infeliz participaçao do Sr. Dr. Rui Moreira, actual presidente da CM Porto, como comentador desportivo. Estou certo que ele teria curiosidade em ver a imagem acima apresentada, retirada do filme "O Leão da Estrela"


Fonte: Em Defesa do Benfica


Aparentemente o Sr. Dr. não terá visto muitos filmes Portugueses e este em particular. É que ali se vê uma equipa do "seu FCP" a praticar com o braço bem estendido, aquilo que porfiou em mostrar que os "outros" faziam... Aquilo com que colou o SL Benfica a algo que o Clube nunca foi e que tem a maior autoridade moral comparativamente aos seus rivais. Digamos apenas que lhe faltou um pouco de cultura cinéfila.


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A Parceria


Mas voltando ao foco deste texto, podemos sempre especular que a escolha do "Leão da Estrela" e não da "Águia da Estrela" terá estado na natureza da Parceria. Terá sido muito provavelmente por influência de Ernesto Rodrigues, o amigo de infância de Félix Bermudes e membro da parceria da famosa Parceria a três (os dois juntamente com João Bastos).



A famosa Parceria, os três autores teatrais responsáveis pela escrita de algumas da mais notáveis e diversas peças de teatro na primeira metade do século XX.



Sucede que Ernesto Rodrigues era Sportinguista e que para além de seu colega profissional era também seu amigo de infância e companheiro de carteira de escola. Sabemos deste último facto quer pela boca de Félix Bermudes quer também por uma prova que revelo aqui, pela primeira vez



Ernesto Rodrigues e Félix Bermudes, amigos durante toda a vida foram também colegas na Escola Primária (Porto) e como aqui se vê mais tarde na prestigiada Escola Académica (Lisboa) no ano lectivo de 1886-1887. Fonte: Hemeroteca de Lisboa e MNT



O Teatro Nacional da primeira metade do século XX teve grandes e ilustres nomes da cultura Portuguesa. Entre eles esteve Félix Bermudes, um dos mais insignes Benfiquistas, pioneiro praticante dos mais diversos desportos no nosso País, presidente do SLB e um dos mais distintos praticantes e mentores do Ideal Benfiquista.



Félix Bermudes, um Benfiquista inaudito! Fonte: Delcampe e Em Defesa do Benfica




Bakero

Que figurinha realmente a do Rui Moreira... :bah2:


RedVC

Citação de: Bakero em 06 de Fevereiro de 2018, 15:52
Que figurinha realmente a do Rui Moreira... :bah2:


O homem só se teria lembrado se o filme fosse "O Andrade da Afurada", "O Pinto da Madalena" ou "O Teles da noite".

RedVC

#724
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Aquela traidora de franja

Dia 5 de Agosto de 1938, Cova da Piedade.
Partida 1ª etapa da VII Volta a Portugal em bicicleta.

 

Beatriz Costa com JM Nicolau (SLB) e A. Trindade (SCP) no dia 5-08-1938 na partida para a VII Volta a Portugal em Bicicleta.


Nesse dia Beatriz Costa posou sorridente ao lado de José Maria Nicolau (SLB) e Alfredo Trindade (SCP), os dois ciclistas com maior popularidade no Portugal dos anos 30 e 40. Os dois integravam um pelotão com 48 ciclistas, sendo que 29 estavam divididos por 6 equipas (SLB, SCP, CFB, CACO e CUF) e 19 eram "não-agrupados". A numeração dos concorrentes foi do nº 1 ao nº 49 pois ninguém quis ser o corredor nº 13...

A prova teve um total de 15 etapas, começando na Cova da Piedade e terminando em Lisboa. A Volta regressava ao fim de dois anos de interrupção causados por uma conjuntura de guerra (Espanha) e por desavenças entre Clubes, Jornais e a Federação (UVP).

Para lá dos sorrisos do dia, Nicolau, Trindade e Beatriz Costa iriam em breve ter grandes mudanças nas suas vidas. Beatriz Costa partiria no ano seguinte para uma longa e triunfante estadia de 10 anos no Brasil.



O sinal de partida para a 1ª Etapa da VII Volta a Portugal foi dado por Beatriz Costa. Fonte: DL e T


Já no caso dos ciclistas, nesse mesmo dia ambos anunciaram publicamente e com alguma tristeza, o abandono próximo das competições ciclistas. Rivais na estrada, amigos na vida, com esse anúncio simultâneo Nicolau e Trindade decretaram o fim de uma era empolgante do ciclismo nacional.



O abandono dos campeões. Fonte: DL


À partida da prova, ambos os ciclistas apresentavam-se com dois triunfos cada (José Mª Nicolau em 1931 e 1934 e Alfredo Trindade em 1932 e 1933). Essas vitórias foram obtidas em quatro provas verdadeiramente empolgantes e com eco a nível nacional. Esta prova poderia ser o desempate mas afinal a prestação dos dois seria modesta e pouco afortunada. A vitória final pertenceu a José Albuquerque (CA Campo Ourique). Nem os sportinguistas nem os Benfiquistas se ficaram a rir.

Mas, à boleia destas fotografias iniciais, vamos hoje falar não de ciclismo mas antes da grande Beatriz Costa.





Nasceu Beatriz da Conceição no dia 14-12-1907 no lugar da Charneca do Milharado, Mafra e morreu em Lisboa a 15-04-1996. Para sua felicidade e nosso deleite, Beatriz viria a preencher esses 88 anos de vida com muito Teatro e algum Cinema. A sua vida foi repleta de talento, garra, irreverência e alegria. Em troca mereceu o carinho e admiração do público, sentimentos que persistem apesar de já ter partido há mais de duas décadas.


Nos palcos



Uma galeria de personagens marcantes interpretados por Beatriz Costa na Revista à Portuguesa. Desenho de Amarelhe. Fonte: MNT



Beatriz iniciou-se em 1923 - tinha apenas 16 anos - como corista numa reposição da revista "Chá e Torradas", em exibição no Éden-Teatro. O seu talento e alegria foram logo notados e no ano seguinte conseguiu por via disso um pequeno papel na revista "Résvés". Um pouco depois seria incluída numa digressão ao Brasil com a companhia do Teatro Avenida. Por lá ganhou prestígio como actriz e nos anos seguintes foi trabalhando em Portugal e no Brasil, essencialmente no Teatro de Revista.

Em 1927 adoptou o seu inconfundível visual "à la Louise Brooks" (actriz Americana), tornando-se para sempre a menina da franja, ou naquela tirada imortal do Vasquinho, "aquela traidora de franja". A lista de revistas é longa e brilhante sendo que para quem queira saber mais aconselha-se este sítio: http://www.historiasdecinema.com/2015/07/beatriz-costa/



No palco com Eugénio Salvador, Humberto Madeira e um burro (!) na famosa revista "Arre Burro" (1936): Fonte: MNT e Museu do Fado.


De 1939 a 1949 fixou-se no Brasil, tendo esse período sido - segundo Beatriz Costa - os melhores anos da sua vida. Os Brasileiros dispensaram-lhe sempre um grande carinho e os seus triunfos artísticos foram imensos. Por lá representou, cantou e encantou em Casinos, Teatros, Night-Clubs e na Rádio. Chegou mesmo a formar uma companhia com o actor cómico Hispano-Brasileiro Oscarito que mais tarde se dissolveria.



Ecos do enorme sucesso de Beatriz Costa no Brasil. Fonte: Hemeroteca Lx


A 18 de Fevereiro de 1947 casou no México com o Edmundo Gregorian, um poeta, escritor e escultor Arménio. O casal viajou pelo mundo depois de Beatriz decidir fazer uma pausa na sua carreira. Nessas viagens Beatriz conheceu algumas das grandes estrelas da época no Cinema, Música e Artes plásticas tais como Salvador Dali, Pablo Picasso, Sophia Loren, Greta Garbo ou Edith Piaf.

Mas infelizmente a felicidade cobra o seu preço e dois anos depois veio o divórcio. Era chegado o tempo do regresso a Portugal.



No Rio de Janeiro com o marido o Arménio Edmundo Gregorian. Fonte: BND


Quando regressou a Portugal voltou ainda com algum êxito às revistas mas 10 anos depois fecharia a sua carreira em 1960 na revista "Está Bonita a Brincadeira". Daí em diante e apesar de repetidos convites de Vasco Morgado, recusou sempre voltar aos palcos. Terá achado que se fechou um ciclo e que a Revista desses novos tempos era diferente.

Apesar de afastada dos palcos, Beatriz Costa nunca foi esquecida. Continuou a participar em eventos, publicou dois irreverentes livros de memórias e participou em alguns programas de televisão para os quais foi convidada. durante os seus últimos 30 anos de vida tornou-se uma figura inconfundível do Hotel Tivoli, ocupando o quarto 600, onde viria a falecer em 15-04-1996.



O mesmo sorriso e franja separados por várias décadas.





Nas telas


Beatriz Costa estreou-se no Cinema em 1926, representando um pequeno papel num filme mudo de Rino Lupo chamado "O Diabo em Lisboa". Desse filme restam apenas algumas fotografias. No total terá participado em apenas 7 filmes, sendo que destes apenas 3 foram sonoros mas de um destes – o Trevo de 4 Folhas – apenas subsiste um fragmento (http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143690207/Beatriz+Costa).

O grande sucesso viria em 1933 com o filme "A Canção de Lisboa" de Cotinelli Telmo, o primeiro filme sonoro em Portugal.


Em 1939, pouco antes de partir para o Brasil, estrearia o filme "A Aldeia da Roupa Branca" de Chianca de Garcia, também um grande sucesso de bilheteira.


Estes dois filmes dão-nos uma ideia da excelência da sua Arte de representação.



Quatro dos filmes onde Beatriz Costa contracenou. Fonte: cine.ubi.pt


Nos discos


Fruto do seu talento teatral e cinematográfico, o arquivo sonoro do Museu do Fado tem no seu acervo algumas peças sonoras gravadas de Beatriz Costa.



Marchas, revista e filmes, a voz de Beatriz Costa preservada em disco. Fonte: http://arquivosonoro.museudofado.pt/#


Para lá das notáveis canções das Revistas à Portuguesa, ficaram famosas as marchas, em particular a de Benfica de 1935, da qual Beatriz Costa e Vasco Santana foram padrinhos. Como seria de esperar Benfica ganhou o concurso das marchas populares desse ano. A voz de Beatriz deixou-nos algumas das mais belas marchas de sempre.




https://www.youtube.com/watch?v=oLMRsbQRj0A
Beatriz Costa 78 RPM Record - Marcha de Bemfica #1 e Grande Marcha De Lisboa


MARCHA DE BENFICA (1935)
(Letra de Norberto de Araújo; Música de Raúl Ferrão)


"Eh raparigas / Isto agora é andarmos p'ra frente / Saltam cantigas aos molhos / Um riso nos olhos / E coração quente.

Cá vai Benfica / E quem fica não vai com certeza / Ser alegre é que é preciso / Pois quem tem o riso /Tem sempre beleza.

(Refrão)

Olha a marcha de Benfica / Qual saloia cantadeira / Que entra na festa contente /

Ai, ninguém fica sem cantar / a vida inteira / A linda marcha da nossa gente.

Hája alegria / Alegria é um bem que se abraça / Um desejo uma quimera / Por isso se espera / A marcha que passa.

Cá vai Benfica / Toda alegre e contente p'ra dançar / Há sempre um sorriso suspenso / Um tesouro imenso / Que nos vem da herança.




A Marcha de Benfica em 1935. Fonte: TT



O carinho Benfiquista!


E terminamos em beleza com a demonstração que Beatriz Costa tinha uma predilecção Benfiquista. A fonte é algo inesperada mas por isso mesmo insuspeita: um folheto da AFP, Associação de Futebol do Porto!




"Que diabo fará a Beatriz aqui no "meio da bola"? Nestas imagens ela surge-nos toda garrida e alegre, no filme "A Aldeia da Roupa Branca". Pois a gravura tem cabimento: é para lhe recordar que vem aí o "Benfica" o seu grupo querido, aquele "onze" que actua com uma "vida" gémea da sua.



Para sempre fresca, irreverente, talentosa, genial e... Benfiquista!
Paz à sua Alma, honra à sua memória!


No próximo texto falaremos do imortal e Glorioso Vasco Santana.
Chamar-se-á: Vasco, Vasquinho, Vascão!




Montez

Este tópico é ouro puro.

Fico largos minutos a olhar para tudo o que é pormenor nas fotos e imagens, tento me imaginar num passado que nunca conheci, nem pouco mais ou menos. É fascinante toda a classe e pureza desse tempo.

O Benfica é tão bonito que tenho pena de ter nascido 90 anos mais tarde.

Obrigado, RedVC.

RedVC

#726
Citação de: Montez em 10 de Fevereiro de 2018, 16:53
Este tópico é ouro puro.

Fico largos minutos a olhar para tudo o que é pormenor nas fotos e imagens, tento me imaginar num passado que nunca conheci, nem pouco mais ou menos. É fascinante toda a classe e pureza desse tempo.

O Benfica é tão bonito que tenho pena de ter nascido 90 anos mais tarde.

Obrigado, RedVC.


Muito obrigado Montez!  O0

A satisfação da investigação, da montagem e da partilha destes textos e imagens é uma motivação constante.

O SL Benfica reinventa-se, renova-se, engrandece-se mas nunca esquece a grandeza e valores do seu passado Glorioso. Conhecer esse passado faz-nos perceber quem somos e o que devemos querer para o futuro do nosso Clube. Pelo Benfica, sempre!



RedVC

#727
-199-
Vasco, Vasquinho, Vascão (parte I)

Vasco Sant' anna,
sócio nº 417 do Sport Lisboa e Bemfica no dia 1 de Janeiro de 1926!



Cartão de sócio do SLB de Vasco Sant' anna. Cartão de 1-01-1926, assinado por Bento Mântua (presidente) e José Colmeiro (secretário). Fonte: Trindade e Vieira. Fotobiografia de Vasco Santana



Esta imagem fala por si quanto ao carinho que Vasco Santana tinha pelo nosso Clube.

Mas o que significaria ser o sócio nº 417 do SL e Benfica em 1926? Muito!

Senão vejamos: em 1923, ou seja três anos antes, numa entrevista concedida ao Diário de Notícias por ocasião da construção das Amoreiras, Bento Mântua, presidente do SLB, revelava que o nosso Clube tinha cerca de 4.303 sócios.

Ser o sócio nº 417 em 1926 era sinónimo de muita antiguidade. É possível que Vasco Santana tenha entrado para associado ainda na década anterior.



Entrevista de Bento Mântua, presidente do SLB ao DN, em 1923. Entrevista transcrita num jornal Brasileiro. Fonte: BND


Para lá de ser Benfiquense (nascido em Benfica), Vasco Santana era Benfiquista embora sem clubismos fanáticos. Vasco era um homem de bem com a vida, um artista e com certeza um homem consciente e sensível à sua imagem pública. Esses factos ajudam a perceber que pela década de 30 também fosse associado de diversas outras colectividades desportivas e culturais Lisboetas, entre as quais o Sporting CP e o Atlético CP, pelo menos.

Vasco Santana, apesar de um físico que não o ajudava, era um homem interessado no desporto e no futebol, tendo estado envolvido em alguns eventos lúdico-desportivos juntando actores e autores teatrais. Nesses eventos era também figura frequente o Glorioso Félix Bermudes.



Dia 9 de Abril de 1924, Estádio do Lumiar. Uma festa desportiva organizada pelas Associações de Trabalhadores de Teatro e dos Toureiros Portugueses. Constou de futebol e outras actividades. Estiveram presentes entre outros: Vasco Sant'Anna (26 anos de idade) e Félix Bermudes (50 anos). Fonte: DL



Assim, vamos hoje falar de aspectos da vida e obra do imortal Vasco Santana, alguns dos quais se cruzaram com o SL e Benfica. Ele foi um ilustre Benfiquense e Benfiquista que ficou no coração dos Portugueses.




Vasco Santana foi um talento nato, um homem que se entregou à sua Arte, ao público e aos amigos. Era um "monumento de espírito e de bonomia" como referia um artigo publicado na década de 40. Um actor amado pelo público.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa



A família


Vasco António Rodrigues Sant' Anna nasceu em Benfica, na Rua Direita nº 185, às 6 horas da tarde do dia 28 de Janeiro de 1898.



Registo paroquial de baptismo de Vasco Sant'Anna. Baptismo datado de 14-03-1898. Fonte: TT



Vasco nasceu no seio de uma família ligada ao Teatro. O seu pai, Henrique Augusto Sant'Ana (1873-1950) foi um escritor, ensaiador e cenógrafo, enquanto Luís Galhardo (1874-1929), seu tio materno, foi um importante empresário teatral e fundador do Parque Mayer na década de 20. A sua mãe, Maria Filomena Rodrigues Sant'Ana (1875-1957) era brasileira, natural de Pernambuco.



Alguns das familiares mais importantes na infância de Vasco Santana. Fonte: CEP e TT e O Observador (http://observador.pt/especiais/vasco-santana-bem-amado-mulherengo-intemporal/)



Benfica era nesse tempo um espaço rural embora habitado e frequentado por uma classe burguesa emergente.



Cercanias de Benfica, princípio do século XX. Fonte: AML



Por várias vezes o Brasil se cruzaria com a vida profissional e privada de Vasco. Arminda Martins, a sua primeira mulher era Brasileira. Vasco fez diversas digressões bem-sucedidas no Brasil, um País que lhe devia ser bastante querido e familiar.

Mais do que o actor que todos conhecemos e que muitas vezes deu corpo ao Português médio, esperto, vivaço generoso e bem-disposto, Vasco António Rodrigues Santana - o homem por trás da tela e dos palcos - foi também um homem inteligente, culto e de fina educação. Viria a casar por três vezes e teria três filhos, o último de uma relação com Ivone Fernandes.


As mulheres da vida de Vasco Santana.
1 - Arminda Martins (1921-1925; esposa e mãe de Henrique Santana) Fonte: O Observador.
2 - Aldina de Sousa (1925-1930; esposa e mãe de José Manuel. Fonte: lisboanoguiness.blogs.sapo.pt.
3 - Mirita Casimiro (1941-1946; esposa). Fonte: https://www.spautores.pt/assets_live/12601/vasco_santana_paineis_.pdf
4 - Ivone Fernandes (1946-1958; mãe de João). Fonte: Hemeroteca de Lx





Vasco e os seus três filhos. respectivamente, João, José Manuel e Henrique. Fonte: O Observador



Na sua juventude, Vasco foi um bon-vivant, apreciador da noite, da boémia, das mulheres bonitas e dos prazeres da mesa. Extraordinariamente afável e encantador, Vasco era conhecido por cumular de gentilezas as actrizes com quem trabalhava. Apesar do seu físico, era também conhecido por estar sempre pronto para galantear o belo sexo. E como dizia Mª Helena Matos, "atirava-se de cabeça!"

É certo que tinha alguns momentos de irascibilidade mas quase sempre mostrou o seu bom coração. Usava todas as suas virtudes de conhecimento e carácter para, com um humor brilhante, tornar-se o centro das atenções.



Vasco e as mulheres. Fonte: O Observador.



(continua)

RedVC

#728
-200-
Vasco, Vasquinho, Vascão (parte II)




Nos palcos


O jovem Vasco mostrou inclinação para as artes, em particular para Arquitectura. Em 1915, concluídos os estudos secundários no Liceu Passos Manuel, entrou para a Escola Superior de Belas Artes para estudar Pintura. Gostava de Teatro mas nesse tempo não pensaria fazer carreira por lá.

Só que o mundo dos palcos era parte do seu ambiente familiar, podendo assistir a numerosas representações de grandes actores e peças teatrais ligadas ao seu tio Luís Galhardo. Isso e a boa capacidade de memorizar alguns papéis levaram-no quase acidentalmente ao Teatro.

A história que se conta é que um dos actores da revista "O Beijo" (1917), em cena no teatro Avenida, ficou doente e teve de ser apressadamente substituído. Ainda que relutante, Vasco acabou por aceitar um pedido do seu tio Luís Galhardo e na noite do dia 25 de Agosto de 1917 subiu ao palco. O seu desempenho agradou, mudando-lhe definitivamente o centro da vida para os palcos do Teatro e para as telas de Cinema.

Assim se entende que em Outubro de 1917, com 19 anos de idade o jovem Vasco tivesse passado a frequentar o Conservatório de Lisboa para aprender "Artes de Representar".



Duas etapas da carreira de Vasco Santana no teatro. 1917, estudante no Conservatório e 1925 já profissional. Fonte: CEP



No final desse ano, Vasco assumiu o pleno profissionalismo, actuando na revista "Áz d'Ouros" que estava em cena no Éden-Teatro. Ainda em tempo de guerra, Portugal via despontar um actor que se tornaria um génio na representação da Revista à Portuguesa, opereta e comédia.



Referências em jornais à Revista "O Beijo" onde Vasco Santana se estreou ainda como amador e "Az D'Ouros" a primeira em que actuou como profissional. Fonte: Hemeroteca Lx.



Mas o talento nato não chega para fazer um grande actor. Vasco teve de suar muito, trilhar anos e anos de palco, refinar a sua Arte. Fez digressões dentro e fora de Portugal, tornou-se conhecido e admirado. A primeira etapa passou em 1918 por integrar a companhia Satanela-Amarante, com a qual faria, em 1920, a primeira de várias digressões ao Brasil. Em 1921 casa com Arminda Martins, nascendo o filho Henrique no ano seguinte.

Depois e durante 14 anos, Vasco integrou a companhia de operetas de Armando de Vasconcelos, que então ocupava o Teatro S. Luiz. Em 1924 divorcia-se da sua primeira mulher, iniciando uma relação com a sua colega Aldina de Sousa, com quem formaria uma famosa dupla no final da década de 20. Em 1925 e 1929 faz novas e bem-sucedidas digressões ao Brasil.



Em 1930. Vasco e a sua esposa Aldina de Sousa em dois tempos de um espectáculo em benefício da colónia balnear "O Século". Fonte: TT



Em 1926 estreou-se como autor de revista e opereta, lançando-se numa carreira de mais três décadas como (também) autor teatral (Fonte: Dicionário do Cinema Português 1895-1961 de J. Leitão Ramos). É também neste ano que nasce o filho José Manuel. Mas em 1930 começariam os tempos difíceis. Nesse ano Vasco sofre um duro golpe com a morte súbita de Aldina de Sousa, vítima de uma septicemia.

Em 1933 tem um ano de particular sucesso quer no palco quer nas telas. Com "A Canção de Lisboa", Vasco torna-se querido no País inteiro. Em 1935 sofre um novo golpe com a morte do seu pai, no momento que Vasco definiria como o maior desgosto da sua vida. Nesse ano nasce no entanto o seu filho João, fruto de uma ligação com a actriz Ivone Fernandes, que com ele tinha contracenado em "A Canção de Lisboa".

Voltaria a casar em 1941, desta vez com Mirita Casimiro, outra grande estrela dos palcos e com quem partilharia os palcos com bastante sucesso. Cinco anos depois, esse casamento terminaria com um divórcio pouco amigável e acusações mútuas.



Teatro Apolo, 1946, o ano em que terminou uma parceria na vida e no Teatro. Fonte: Restos de Colecção


A produção artística de Vasco não se restringiria aos palcos. Nas décadas de 30, 40 e 50 faria uma produtiva associação com Francisco Barbosa (1891-1960), José Galhardo (1905-1967) e Amadeu do Vale (1898-1963). Esta parceria sucederia em termos de sucesso à prestigiada Parceria de Ernesto Rodrigues, João Bastos e Félix Bermudes, activa na década de 20.



Um prestigiado actor, figura maior dos palcos na primeira metade do século XX. Fonte: BND



Aliás, por diversas vezes o caminho de Vasco se cruzaria com o de Félix Bermudes. Um desses memoráveis cruzamentos foi a hilariante peça "O Conde Barão", levada à cena em 1946 no Teatro Variedades e na qual Vasco partilharia o palco com, entre outros, o seu filho Henrique, Ribeirinho e o grande Benfiquista Artur Semedo.



Peça "O Conde Barão", original de Félix Bermudes e restante Parceria, levada a palco em 1946 pela Companhia de Vasco Santana. De notar também a presença do Benfiquista Artur Semedo. Fonte: MNT



E assim se compreende melhor a imagem que em baixo se apresenta:



Com a dedicatória, "Ao nosso muito ilustre camarada e querido amigo FÉLIX BERMUDES",



A amizade com o Glorioso Félix Bermudes teria diversos tempos e episódios, incluindo a derradeira etapa da vida de Vasco Santana. Vasco seria também Director da Sociedade de Autores e Compositores Teatrais Portugueses, presidida por Félix Bermudes.

Em 4 décadas de trabalho intenso foram dezenas as Revistas à Portuguesa onde Vasco Santana exibiu o seu talento e onde sublimou a relação com o público. Germana Tânger, uma actriz e mais tarde professora do Conservatório, que com ele contracenou, dizia muitos anos depois que era frequente Vasco Santana entrar em palco e, ainda antes de dizer coisa alguma, as audiências começarem a rir-se de forma descontrolada. Vasco era maior do que as suas personagens. Vasco personificava a alegria, a bonomia, a comédia contagiante.



Em cima: "Arre Burro", uma das mais famosas das dezenas de Revistas à Portuguesa onde Vasco Santana exibiu o seu talento. Em baixo: chegada da Companhia de Comédias Vasco Santana ao Funchal, Madeira em 1953. Ao centro vê-se Vasco e a sua Mãe. Fonte: MNT




Nas telas


Genialidade.

Vasco Santana teve o seu talento para sempre preservado nas telas, com absoluta genialidade quer em papéis marcantes como o "Vasquinho da Anatomia" quer em papéis secundários na trama do filme.

Vasco Santana fez a sua estreia no Cinema em 1919, fazendo um papel num pequeno filme mudo que era projectado no palco da revista/opereta "Mademoiselle Ecran". Nesse filme, protagonizado pelos consagrados Estevão Amarante e Luísa Satanela, Vasco Santana interpretava um bêbado que se metia em sarilhos na via pública. O filme, que fazia uma curiosa fusão entre os dois mundos da representação, está infelizmente dado como perdido http://www.cinept.ubi.pt/pt/filme/3821/Mademoiselle+%C3%89cran

Nas telas, Vasco Santana viria a ser argumentista, actor, locutor, adaptador, letrista e planificador. Actuou numa vintena de filmes (http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143688659/Vasco+Santana), alguns dos quais obras-primas só possíveis num tempo de feliz conjugação de grandes actores, realizadores, argumentistas, novidades técnicas (cinema sonoro) e uma entusiástica adesão do público. Era um tempo de poucos recursos mas muita criatividade, entusiasmo e trabalho, virtudes que resultaram em obras-primas cinematográficas que serão sempre frescas e admiradas pelas gerações que hão-de vir.

O Teatro foi a paixão de Vasco, o que lhe permitiu moldar e refinar a sua Arte de representação mas foi com o Cinema que ganhou a imortalidade.



Quatro dos filmes onde Vasco contracenou. Fonte: cine.ubi.pt






Nos discos


Fruto do seu talento teatral e cinematográfico, o arquivo sonoro do Museu do Fado tem no seu acervo algumas peças sonoras gravadas que preservaram o grande brilhantismo e versatilidade de Vasco Santana. Lá se podem encontrar canções, monólogos, poesia e até Fado.





Fado?!

Vasco nem tinha voz para isso mas mesmo assim como o disse um dia a grande Amália Rodrigues, foi ele que cantou o "Fado do Estudante" como nunca mais ninguém conseguiu cantar.

Popularidade!

Com certeza! E muita! Recorda-se em particular a sua participação no hilariante programa de Rádio "Lélé e Zequinha" que em 1947 e 1948 encantou o Portugal. Quando puderem, ouçam que vale a pena! Conta-se que até Salazar gostaria de ouvir aquelas rábulas conjugais pois um um dia, ao se encontrar Vasco Santana, ter-lhe-á chamado... Zéquinha!
O seu talento era aliás reconhecido de forma transversal na sociedade Portuguesa, tendo em 1946, sido condecorado com o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada.




No pequeno ecrã


Quando 4 de Setembro de 1956, a RTP iniciou as suas emissões regulares, era de esperar que Vasco Santana viesse também a brilhar nesse novo palco. Infelizmente o tempo de vida que lhe restava era curto mas ainda assim participou na peça "Três Rapazes e uma Rapariga", onde ao lado do filho Henrique, de João Perry e Raul Solnado, mostrou que também sabia actuar num registo dramático. Participou também nas séries humorísticas "Televizinhos", "A Loja da Esquina" e a "A Anedota da Semana".



Na RTP: À esquerda: Vasco e Henrique Santana na peça "Três Rapazes e uma Rapariga". À direita: na série "A anedota da semana". Fonte: Museu RTP




O Fim


Ou a perda das grilhetas postas por um corpo envelhecido e doente. Vasco faleceu na manhã do dia 13 de Junho de 1958.



Fonte: DL, 14-06-1958.



Faleceu dois dias depois de uma delicada operação ao fígado, gravemente afectado por uma cirrose hepática, consequência de uma vida de excessos. Dias antes tinham circulado rumores da sua morte, entretanto desmentida. Desta vez era infelizmente verdade.

Segundo o seu filho João, a degradação física foi também acelerada pela digressão que Vasco tinha feito em África no ano de 1954. No ano anterior tinha morrido a sua Mãe. Existem testemunhos que descrevem Vasco como um homem triste nos anos finais da sua vida. Com 60 anos, terminava uma vida rica e produtiva. O País perdia um dos seus filhos mais queridos. Ficou a memória, perdura o mito.


Segundo algumas fontes, Vasco morreu na sua Casa na Rua Barata Salgueiro em Lisboa, segundo outras Vasco estaria na sua casa da Serra da Amoreira, Ramada, no famoso Casal Saloio que felizmente ainda hoje existe. Vasco gostava muito de passar uma boa parte dos seus verões nessa casa, em plena região saloia, zona que era então essencialmente rural, longe ainda de ser desvirtuada por um crescente urbanismo.



O Casal Saloio, situado na Serra da Amoreira, freguesia da Ramada, Odivelas. A casa foi desenhada pelo próprio Vasco Santana.



Vasco Santana morreu com apenas 60 anos, num dia de Santo António. Como depois diria o seu filho Henrique, o pai Vasco teria achado esse o dia mais apropriado para partir deste mundo, devoto como era do mais popular dos Santos Portugueses.

Pouco depois de expirar, o seu corpo imóvel esteve rodeado pela sua família na casa da Casa na Rua Barata Salgueiro, Lisboa. Ao lado do seu leito de morte também estiveram Samwel Dinis, antigo actor e presidente do Sindicato dos Artistas Teatrais e o "nosso" Félix Bermudes, autor teatral e presidente da Sociedade de Autores e Compositores Teatrais. Dois anos depois, seria Félix a despedir-se desta vida terrena, para ocupar para sempre um lugar no ilustre 4º anel.



Félix Bermudes (e não Rodrigues como por lapso se indica) esteve perto do leito de morte de Vasco Santana. Fonte: DL



O funeral de Vasco Santana foi uma impressionante manifestação de carinho popular. Nesse dia, incrédulos com a perda, acorreram ao funeral não apenas familiares e amigos mas também milhares de populares. Desaparecia uma figura maior da Cultura em Portugal. Foi um período fatídico pois apenas 10 dias depois morreria também Cândido de Oliveira, outra figura de enorme prestígio no nosso País.

Apesar da dor, o funeral de Vasco foi uma manifestação ruidosa de carinho, feita por um mar de gente. As pessoas falavam, choravam, aplaudiam, não esquecendo a alegria que o talento inesgotável de Vasco Santana tinha trazido à sua vida. Vasco, Vasquinho, Vascão teria gostado.



O funeral de Vasco Santana. DL em 14-06-1958. Fonte: AML



A constante redescoberta pelas novas gerações da figura e obra de Vasco Santana assegura-lhe um merecido destaque na memória e no carinho do povo Português. Poucos como ele se libertaram da poeira do tempo, da injustiça do esquecimento. Intuitivo, comunicativo, hilariante, pelas personagens maravilhosas que representou e pelo brilhantismo da sua actuação, legou-nos a perfeita figura do Bom Português, bonacheirão, sensível, esperto e vivaço. Ele figura em todos nós. Ele viverá nos nossos corações.



Fontes para a composição: MNT, ML e BND



Paz à sua Alma, honra à sua memória. 




RedVC

#729
-201-
Um ano de goleadas


Campo Grande, Lisboa, dia 8 de Abril de 1945.



Os Campeões Nacionais de 1944-1945 alinhado no Estádio do Campo Grande. Fonte: Delcampe.



A equipa principal de futebol do Sport Lisboa e Benfica alinha num Estádio em festa para celebrar o sexto título de Campeão Nacional de futebol em Portugal. O nosso futebol era já virtual campeão nacional desde há uma semana quando a nossa equipa foi ao Porto vencer o SC Salgueiros por 6-0!

Mas antes da festa havia ainda que disputar o último jogo desse campeonato de 1944-1945. O adversário era o Victória Sport Clube de Guimarães, que como tantos outros, seria varrido com uma goleada, desta vez por 5-0. Foi mesmo dia de festa completa!



Francisco Ferreira a ser entrevistado para a Emissora Nacional (Rádio). Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Ali ao lado dos jogadores e treinadores estava toda uma colectividade em festa e muita alegria nas bancadas. Uma parada de honra do pessoal das bicicletas, vestidos a rigor com as camisolas berrantes que tanto encantaram milhões pelas estradas do nosso País.



A parada de honra dos ciclistas. Um dia de grande festa Benfiquista. Fonte: Delcampe



E foi um título merecido depois de na temporada anterior o SCP ter impedido o nosso tri-campeonato. A nossa equipa apresentou-se com apenas uma aquisição de monta, o médio Francisco Moreira, que como veremos teria grande importância para dar mais músculo e categoria à nossa equipa. De resto a mesma ambição e beneficiando da orientação sabedora do Húngaro János Biri.


Ao todo, 24 jogadores sagraram-se campeões nacionais



Os 24 campeões nacionais de 1944-1945, orientados pelo treinador Húngaro János Biri.


O plantel tinha ainda mais 3 jogadores que foram utilizados por János Biri mas apenas no Campeonato Regional de Lisboa, prova em que nos classificamos em 2º lugar após um jogo decisivo perdido pela diferença mínima para o Sporting CP.



Os três jogadores apenas utilizados no Campeonato Regional de Lisboa de 1944-1945.



Mas no campeonato nacional tudo foi diferente pois assumimos a liderança isolada logo na terceira jornada para nunca mais a largar ou partilhar. Foram goleadas atrás de goleadas e em 18 jogos sofremos dois desaires e concedemos três empates. Inicialmente o nosso maior oponente foi o CF "os Belenenses", depois na recta final o Sporting CP conseguiria chegar o 2º lugar.



Fonte: DL



De resto, fomos somando grandes exibições e assistindo às mudanças dos nossos rivais nos lugares secundários. Mesmo nos jogos em que perdemos (derrota no Estádio do Lima perante o FCP por 3-4 e no Campo Grande perante o CFB por 1-2), a crítica reportou a injustiça desses desfechos. Nada que nos incomodasse grandemente tal foi a produção ofensiva e tal era a superioridade que se ia manifestando.



Os números dos dois campeonatos disputados na época de 1944-1945


Tínhamos uma equipa de grande talento e recheada de jogadores com qualidades técnicas e humanas fora do vulgar.



Algumas das capas com que a revista Stadium distinguiu, ao longo da sua carreira, alguns dos melhores jogadores da equipa de 1944-1945.



Quinteto de diabos


Aqueles eram mesmo tempos diferentes para o futebol. Tempos em que se dava o privilégio ao futebol ofensivo e se revelavam grandes avançados. Dos 79 golos marcados pela nossa equipa (média de 4.4 golos/jogo!) apenas 4 (incluindo 2 autogolos) não foram marcados por avançados!

Essa produção não espanta quando se percebe quem foram os avançados mais vezes titulares: Guilherme Espírito Santo (14 épocas, 285 jogos), Arsénio (12 épocas, 446 jogos), Julinho (11 épocas, 269 jogos), Joaquim Teixeira (7 épocas, 208 jogos) e Rogério (12 épocas, 422 jogos). Uma elite. Um quinteto de diabos! Em produção ofensiva - golos - este quinteto não ficaria a dever nada aos violinos sportinguistas.



Os cinco diabos vermelhos.



O grande destaque do sector ofensivo no Campeonato Regional de 1944-1945 foi para o Açoreano Joaquim Teixeira (alcunhado "Semilhas" e "Gasogéneo"). Já no Campeonato Nacional, Rogério Pipi foi o mais goleador, havendo no entanto a salientar que quer Julinho quer Arsénio tiveram condicionantes físicas que os levaram a perder alguns jogos.

Igualmente notável foi a extraordinária época do regressado Guilherme Espírito Santo, finalmente em pleno após duas temporadas e meia (1941 a 1943) em que esteve impedido de jogar por uma grave doença. Era um atleta fenomenal, muito veloz, com uma impulsão invulgar e capacidade goleadora extraordinária. No futebol jogou quer descaído para a direita quer a avançado centro. E quando foi preciso, num Sporting – Benfica jogado no Lumiar no dia 19-01-1941, chegou a jogar a guarda-redes, depois de Martins se ter lesionado! Durante uma hora sofreu apenas um golo e o Benfica venceu por 2-1!

Quase sempre marcava, quase sempre dava a marcar e era uma arma poderosa para mudanças tácticas no nosso ataque tal era a sua versatilidade na frente de ataque. É dele um recorde quase insuperável no nosso Clube: 9 golos num só desafio de futebol (contra o Casa Pia AC no dia 5-12-1937)! Juntando a essas qualidades era também um Homem de um cavalheirismo e de uma correcção irrepreensível. Uma Glória e um Orgulho do nosso Clube.



Para sempre Benfiquista.




Guilherme Espírito Santo a marcar um golo ao Vitória de Guimarães no dia da grande festa do Campo Grande. Fonte: Delcampe


Resta ainda a referir dois avançados de excelente e decisiva produção como extremos-direitos em pequenos períodos da época. O primeiro foi Manuel da Costa (4 épocas, 86 jogos), um bom extremo direito muito influente no princípio da época. Acabaria no entanto por desaparecer da equipa ao que pude saber por desacordo de verbas. Saiu para o Atlético CP onde ainda brilhou mas já sem o destaque que teve nos tempos do Campo Grande.

O segundo foi Mário Rui (7 épocas, 85 jogos) que vindo das camadas jovens, deu uma grande contribuição para a equipa no final da época.  A sua entrada na equipa principal deveu-se à lesão de Julinho. Jogava a extremo direito tendo por isso obrigado a rearranjos tácticos com Espírito Santo a assumir o centro do ataque. Seria Mário Rui o homem que entraria no quinteto de diabos quando no final da época seguinte o Açoreano Joaquim Teixeira saiu do Clube num litígio insensato com o treinador, do qual ele mais tarde se penitenciaria.



Os três "Xicos"


No meio campo tivemos quase sempre os três Xicos! Três homens com uma história Benfiquista impressionante: Albino "o tempero" (13 épocas, 462 jogos), Moreira "o Pai Natal" (10 épocas, 371 jogos) e "Xico" Ferreira (14 épocas, 523 jogos).

Xico Albino à direita, Xico Moreira ao meio e Xico Ferreira à esquerda. Três portentos físicos, três enormes corações Benfiquistas. Arrasadores a defender eram muitas vezes os primeiros municiadores dos nossos poderosos atacantes. Um meio campo também muito experiente pois nessa temporada Albino apresentava-se com 32 anos, Moreira com 29 anos e Francisco Ferreira com 25 anos.



Os três Gloriosos Chicos.


Apesar dos seus 32 anos, Francisco Albino abandonaria o futebol pouco mais de 1 mês depois do final dessa mesma temporada. Nesse tempo, com terrenos pesados, medicina desportiva incipiente e regimes de alimentação e preparo físico primitivos, chegar aos 30 era uma condicionante séria para um futebolista. Poucos prolongavam muito mais a sua carreira ao mais alto nível. Aliás, foram limitações físicas que explicaram que Albino tivesse falhado alguns jogos desse campeonato. Quando jogou esteve quase sempre ao seu nível, arrebentando com os seus adversários! No impedimento de Albino jogou quase sempre João Silva.

Já Francisco Moreira foi um caso especial pois como atrás se disse chegou ao nosso Clube justamente nessa temporada de 1944-1945. Veio do FC Barreirense para o SL Benfica com... 29 anos. Contra todas as probabilidades, jogaria ao mais alto nível até aos 39 anos, cumprindo 10 magníficas temporadas de Águia ao peito. Seria aliás Campeão Latino em 1950 e faria a digressão a África logo de seguida!

Por fim Francisco Ferreira, que recrutado ao FC Porto 6 anos antes, estava a meio da sua carreira Benfiquista. Com uma fibra e uma personalidade lendárias, foi um ídolo querido por todos Benfiquistas e um dos capitães míticos do SLB!



Lá atrás


A defesa foi talvez o sector que mais terá preocupado János Biri durante essa temporada. Havia carências de qualidade uma vez que apenas Gaspar Pinto (12 épocas, 394 jogos) com a sua raça e qualidade dava inteiras garantias. Gaspar já estava a entrar na recta final da sua carreira Benfiquista mas garantiu a liderança e a raça necessária para um sector vital para qualquer equipa campeã. Felizmente Gaspar foi um dos totalistas no Campeonato Nacional, isto depois de ter falhado quase todo o Campeonato Regional.



A defesa titular no campeonato nacional de 1944-1945.



Naquele tempo jogava-se na táctica de pirâmide (2:3:5) ou seja com apenas dois defesas de raiz. Assim, restava saber quem seria o companheiro de Gaspar Pinto. A escolha de Biri foi quase sempre César Ferreira no Regional e Cerqueira no Nacional. Ambos tinham algumas irregularidades mas eram bons jogadores e garantiram solidez, isto mesmo aceitando que em quase todos os jogos as equipas sofriam golos...

Para maior eficácia, faltou talvez um defesa com a qualidade de Félix Antunes. Curiosamente Félix até já fazia parte dos nossos quadros, vindo da CUF, mas era ainda muito jovem e inexperiente. Biri até o utilizaria por uma vez... a avançado!



Equipa mais vezes titular no Campeonato Nacional de 1944-1945. A amarelo os jogadores que não foram titulares no Regional desse ano.




Equipa mais vezes titular no Campeonato Regional de Lisboa de 1944-1945. A amarelo os jogadores que não foram titulares no Nacional desse ano.



Nota-se também que János Biri teve de gerir a posição de guarda-redes. Martins era um histórico, um guarda-redes de categoria mas cuja idade já pesava no rendimento. Ao invés, Mário Rosa era um jovem vindo dos juniores mas apesar das qualidades, nem sempre revelava o traquejo necessário para garantir estabilidade e eficácia. No final dos campeonatos, verifica-se que jogaram sensivelmente o mesmo número de jogos e sofreram sensivelmente o mesmo número de golos. Martins jogou mais no Regional, Rosa mais no Nacional.


As goleadas!


Mas como atrás se disse, essa foi uma época de grandes goleadas. Para finalizar, fica aqui o registo de vitórias importantes desta temporada, incluindo algumas derrotas que infligimos aos nossos rivais, com destaque para os 7-2 ao FCP e os 4-1 ao SCP. Vitórias à Benfica!

 






















Alexandre1976


RedVC


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Os primeiros da Luz

Dia 16 de Janeiro de 1955, Estádio da Luz. GOLO DO BENFICA!



Fonte: Jornal "O Benfica"


Seis semanas depois da sua inauguração, o Estádio da Luz recebia enfim o seu primeiro jogo oficial. Começava a lenda do mais belo Estádio que já existiu.
E, logo aos dois minutos de jogo: GOLO do Benfica!

É deste e de mais outros dois golos especiais que vamos falar hoje. Os três primeiros golos celebrados na nossa antiga Catedral. Os primeiros de todos os que vieram depois.



O primeiro "oficial"



Curiosamente o avançado Benfiquista não aparece na fotografia... A fotografia publicada no jornal "O Benfica" na década de 80 evocando o primeiro golo oficial no Estádio da Luz.



Nesse dia 16 de Janeiro de 1955, o SL Benfica disputava pela primeira vez no seu novo Estádio um jogo a contar para o Campeonato Nacional da 1ª Divisão. Para trás tinha ficado o parque de jogos do Campo Grande (embora o campo continuasse a ser usado em jogos das camadas juniores e reservas até o princípio da década de 70).

O Benfica apresentou-se na Luz vindo de uma derrota em Setúbal por 0-1 mas até então a carreira da nossa equipa tinha sido boa, iniciando um aceso despique com o SCP e o CFB que duraria até à última jornada. Para este jogo, a nossa equipa apresentava-se sem algumas das suas maiores figuras tais como Arsénio, Palmeiro e Salvador.



Disposição táctica da nossa equipa no SL Benfica 4 – VSC 0 de 16-01-1955.



Nesse dia, o nosso opositor era o Vitória SC, de Guimarães, que se apresentava com uma equipa competitiva onde estavam incluídos dois nossos antigos e valorosos atletas: Cerqueira e José da Costa (este Campeão Latino em 1950).



Vitória Sport Clube de Guimarães, 1954-1955. José da Costa e Cerqueira estão de pé, 2º e 3º, respectivamente a contar da direita.



No final do jogo vencemos por conclusivos 4-0. O primeiro golo surgiu logo aos 2 minutos de jogo marcado de cabeça por Azevedo depois de uma bela combinação com o extremo esquerdo Fialho.

Manuel Viera Nunes Azevedo era nesse tempo um poderoso avançado-centro de 21 anos. Nascido na cidade de Aveiro em 30 de Maio de 1933, tinha vindo do Beira-Mar para o Benfica na temporada anterior. Jogaria de Águia ao peito até à temporada de 1957-1958, cumprindo um total de 5 épocas e 35 jogos. Prosseguiria depois a sua carreira justamente no Vitória SC, de Guimarães (ver: https://gloriasdopassado.blogspot.pt/2009/10/azevedo.html).






Manuel Azevedo, aquando da sua recente visita ao Museu Cosme Damião. Nota-se que falaram desse célebre golo.


Para além do golo de Azevedo, nesse jogo marcariam depois José Águas por duas vezes, a primeira aos 22 minutos de jogo num passe vindo da meia direita de Francisco Calado e a segunda aos 58 minutos de jogo depois de um passe de Mário Coluna. Por fim, aos 63 minutos de jogo, Francisco Calado encerrava o marcador na sequência de um livre directo superiormente executado. Com este resultado o Benfica ganhou novamente a liderança do campeonato.



Fonte: DL



A revolução de 1954-1955


Liderado por Otto Glória, o futebol principal do SL Benfica avançaria em bom estilo no campeonato de 1954-1955. A chegada de Otto trouxe profissionalismo, inovações tácticas, um regulamento duro dentro e fora de campo e toda uma nova organização de treino e concentração competitiva.

Vindo de um futebol que nesse tempo estava muito à frente na metodologia do treino, Otto Glória revolucionou o futebol Benfiquista e nacional.



Otto Glória no Campo Grande impondo os seus métodos de treino e a sua visão do futebol profissional. Uma revolução no futebol Benfiquista.



E de facto, o futebol Brasileiro da década de 50 apresentava uma profusão de profissionais, jogadores, operacionais competentes e treinadores de grande qualidade. Otto fazia parte desse notável fermento, que elevou o nível do futebol Brasileiro em quantidade e qualidade e que esteve na base das conquistas das duas décadas seguintes.

No Brasil percebia-se que não bastava ter grandes atletas mas que também era fundamental dotar as equipas de uma orientação técnica competente, de um conjunto de infra-estruturas e de impor regras duras nos comportamentos dentro e fora de campo.

O Brasil, que sempre foi um exportador de jogadores e treinadores, deu também contributos ao futebol Português, quando diversos treinadores e jogadores vieram para Portugal. Otto foi aquele que mais sucesso teve, mudando para sempre o futebol Benfiquista e Nacional. Esteve bem Ferreira Bogalho quando decidiu contrata-lo. Seria pela acção de Otto que o Sport Lisboa e Benfica implementou o profissionalismo no seu futebol e que se deu o impulso decisivo para a mítica década de 60.



Otto Glória acariciando a relva do que seria a casa dos Benfiquistas durante quase 50 anos. Ali teria algumas das maiores alegrias da sua carreira. Fonte: BND



Nessa época de 1954-1955, na estreia de Otto Glória, seríamos campeões com alguma sorte mas com inteiro mérito. Foi um tempo de sementeira em que se começou a construir um plantel excelente, crescentemente recheado com craques vindos das colónias ultramarinas. Houve também dores de crescimento, com a perda precoce de alguns dos nomes maiores da nossa equipa na década anterior, tais como Rogério Pipi e Félix Antunes.



Sport Lisboa e Benfica, campeão nacional 1954-1955.




O primeiro "particular"


Ironicamente o primeiro golo marcado por um Benfiquista no recém-inaugurado Estádio da Luz, foi apontado por Jacinto Marques... mas na própria baliza. Logo depois seria o seu colega de equipa Francisco Palmeiro que marcaria o primeiro golo Benfiquista mas – como convém - na baliza do adversário.



O golo de Palmeiro. Fonte: DL



Jacinto e Palmeiro marcaram nesse dia em que perdemos frente ao FCP (1-3). Foi uma derrota chata mas que apenas atenuou um pouco a grande cabazada de 8-2 que demos aos portistas dois anos antes aquando da inauguração das Antas (ver texto: -88- "O Benfica saúda o Porto" (p. 25)) .



A equipa do SLB que alinhou no jogo inaugural do Estádio da Luz, no dia 1-12-1954. Fonte: DL




Jogo inaugural do Estádio da Luz. SLB 1 – FCP 3. Fonte: DL



Dois aspectos do jogo inaugural do Estádio da Luz no dia 1-12-1954. Fonte: DL


Francisco Luís Palmeiro Rodrigues nasceu em Arronches em 16 de Outubro de 1932 tendo falecido recentemente em 22 de Janeiro de 2017. Iniciou-se no Atlético Clube de Arronches, filial do Atlético CP. Ingressou no nosso Clube em 1953-1954 tendo-se estreado pelas reservas em 25 de Dezembro de 1953.





Palmeiro cumpriu depois 8 épocas e 178 jogos pelo Glorioso. Jogador irrequieto e habilidoso atingiu grande destaque. Teve depois alguma infelicidade aquando da chegada de Béla Guttmann pois pelo que se conta terá sido por uma lesão sua que o Húngaro, em apuros, "inventou" a colocação de José Augusto a extremo direito (que tinha vindo do FC Barreirense como avançado-centro). Poderia perfeitamente ter feito parte do plantel que se consagrou bicampeão Europeu mas talvez porque Guttmann gostava de trabalhar com planteis pequenos, o talentoso extremo acabou por ser dispensado, tendo ido jogar para o Atlético CP.




O primeiro "celebrado"


Por fim, um golo que pouca gente recorda... Um golo Benfiquista que parece ter sido o primeiro a ser celebrado no Estádio da Luz. Um golo marcado ainda o Estádio ainda não estava inaugurado ainda o Estádio estava em construção!


Como nos conta Helena Águas, no seu belo livro "José Águas, o meu Pai herói" (leitura recomendada, ver amostra: http://pdf.leya.com/2012/Jan/jose_aguas_o_meu_pai_heroi_avjb.pdf), durante a construção do novo parque de jogos, o entusiasmo dos sócios era tão grande que em todos os fins-de-semana havia romarias e convívios para essa zona. Era finalmente um parque compatível com a grandeza do Clube! A construção do Estádio foi um processo colaborativo com múltiplas demonstrações de generosidade e voluntarismo dos sócios. Apesar de ser uma zona rural, limítrofe à cidade e com acessos muito complicados, presença de Benfiquistas era uma constante.



Fonte: Helena Águas, "José Águas, o meu Pai herói". Editora LeYa.



E assim, no dia 10 de Outubro de 1953, aquando de um CUF vs Sport Lisboa e Benfica, disputado no Campo Alfredo da Silva, no Barreiro (https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19541955/campeonato-nacional/1954-10-10/cuf-0-x-1-sl-benfica), os sócios e simpatizantes presentes na zona das obras, celebraram ruidosamente um golo marcado por José Águas. Faltavam ainda uns 14 meses para a grande inauguração!



A equipa que venceu o jogo no Barreiro contra a CUF no dia 10-10-1954.



O golo chegou-lhes através do relato da Rádio tendo sido muito celebrado pois deu-nos a vitória e a liderança no campeonato. O golo foi também muito festejado no Barreiro, por adeptos locais e pelos cerca de 400 adeptos que o Benfica terá levado nesse dia ao Campo de Santa Bárbara.

Foi uma vitória bastante difícil pois a CUF, que fazia a primeira temporada na 1ª divisão, contava com uma valorosa equipa com muita força física. Costa Pereira defendeu uma grande penalidade e Artur Santos foram com José Águas talvez os mais importantes para o desfecho final.



Ecos da vitória Benfiquista. Fonte: DL



Otto Glória diria no final que foi uma partida bem disputada com muita energia apesar de alguns jogadores da nossa equipa terem jogado com condicionantes físicas. Um deles foi justamente José Águas que ainda assim fez o golo. Do lado da CUF alegou-se que o golo teria sido irregular.

Anos mais tarde Águas descreveria o golo: "Na sequência de um canto marcado na esquerda por Salvador, cabeceei no vértice da área, no lado oposto e a bola entrou no mesmo cantinho da baliza! Parecia um remate com o pé... Alguns jogadores da CUF, muito pela socapa disseram-me: "Bom golo!".



Uma composição gráfica evocativa do golo de Águas no Campo de Santa Bárbara no Barreiro em 10-10-1954.



José Pinto de Carvalho Santos Águas, nasceu em Luanda no dia 9 de Novembro de 1930 e faleceu em Lisboa no dia 10 de Dezembro de 2000. José Águas foi contratado durante a digressão do nossos Clube a África depois de num célebre jogo em que defrontamos o Lusitano do Lobito, ter marcador dois golos ao Glorioso pelas cores do Lobito. Não houve dúvidas para o treinador Ted Smith e para os dirigentes do Benfica: aquele era um elemento a contratar para desde logo integrar a nossa equipa.

José Águas viria depois a cumprir 14 épocas e 514 jogos, sempre de forma brilhante, deixando um rasto de classe e cavalheirismo. José Águas, fina-flor Benfiquista, foi o mais elegante e letal dos avançados Benfiquistas de sempre. Um orgulho eterno para o nosso Clube. Para sempre nosso! Para sempre Glorioso!





Festejados com a emoção e alegria de todos os outros golos Benfiquistas que vieram depois na antiga Catedral, estes três primeiros golos foram precursores da grandeza que tanto distinguiu o mais lindo Estádio que alguma vez existiu. Os primeiros de muitos! Dos GOLOS À BENFICA!



A Catedral em construção. Fonte: Restos de Colecção





RedVC

#733
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Pesadelos de Berna

Dia 31 de maio de 1961, Estádio de Wankdorf, Berna.

Final do jogo que consagrou o Sport Lisboa e Benfica como Campeão Europeu de Clubes. A mais brilhante e mais longa de todas as noites Benfiquistas.



Czibor (com a camisola 10 de Mário Coluna) e Kubala, ambos vestidos com o manto sagrado, acercaram-se de José Águas para tocar a Taça que não conseguiram arrebatar. As marcas são da fonte original (site de leilão online).


José Águas tinha acabado de posar para a mais bela fotografia da História do Sport Lisboa e Benfica. Logo depois, com uma postura desportiva superior, digna de verdadeiros campeões, diversos jogadores do FC Barcelona acercaram-se para felicitar novos Campeões Europeus de Clubes. Entre eles, vestindo a camisola do Glorioso, estava Lázsló (ou Ladislav) Kubala, um génio do futebol.



As duas camisolas que Kubala envergou em Berna.



O menino de ouro do FC Barcelona


Habilidoso, driblador e goleador, Kubala foi um jogador de excepcionais recursos. Foi também um homem com uma vida aventurosa num tempo conturbado, pleno de glórias mas também de desilusões. Com ascendências Checa e Polaca, Kubala nasceu em Budapeste a 10-06-1927. Iniciou a sua carreira no Ganz e depois chegou ao mítico Ferencváros, onde se destacou. Depois de vários episódios conturbados, em 1949 exilou-se definitivamente da Hungria tendo procurado jogar na Liga Italiana, isto apesar da FIFA ter-lhe interditado a participação em jogos oficiais.

Assinou depois contrato com o Barça em 1950 e para lá se mudou juntamente com o seu sogro, o treinador checoslovaco Ferdinand Daučík. Ficaria no FCB desde 1950 até 1961, saindo aos 34 anos de idade e deixando para trás uma carreira ímpar no clube blaugrana. Amante dos prazeres da vida, parte da lenda que rodeou a vida de Kubala fez-se também com muitas histórias fora dos campos. Excessos de uma criança grande, tolerados por ter sido um futebolista extraordinário.



Daučík e Kubala


Na Catalunha, Kubala é um mito, considerado como um dos melhores jogadores da História do FCB, a par de Johan Crujiff, Ronaldinho Gaúcho e Leonel Messi. Com 131 golos, Kubala é ainda hoje o 3º maior goleador da história do FCB. No total conquistou 4 Ligas Espanholas, 5 Taças de Espanha e 2 Taças das Cidades com Feira (1955-58 e 1958-60). Tem por isso lugar especial na longa e ilustre galeria das estrelas que vestiram de azulgrana.



Uma galeria ilustre.



E se hoje Messi é - com justiça - considerado o maior de sempre dos blaugrana, nem por isso Kubala está esquecido pois à sua figura ficou associada o arranque da emancipação e glória do futebol blaugrana, caracterizada por um futebol de posse de bola e um jogo ofensivo e criativo. Como nos refere o jornal Mundodeportivo:


Cruyff y Ronaldinho fueron grandes, cada uno a su manera. Los dos cambiaron una dinámica del club: Johan, primero como jugador con la fugaz Liga del 74 y después como entrenador iniciando la mejor etapa de la historia del club. Ronnie, sacando al equipo de la miseria deportiva y devolviendo la sonrisa al fútbol blaugrana. Pero Kubala siempre fue, y sigue siendo, la leyenda, el mito. Una leyenda en blanco en negro agigantada porque casi todo lo que sabemos de él es lo que nos han contado quienes le vieron sentar cátedra. Fue el futbolista que dio dimensión internacional al equipo que sería Barça de les Cinc Copes. Es, en la memoria colectiva barcelonista, el mito de los mitos. (Fonte: http://www.mundodeportivo.com/futbol/fc-barcelona/20170611/423309489907/kubala-barca.html)


E se, sem surpresas, Leo Messi também um dia assim será homenageado, de toda essa ilustre galeria de jogadores, apenas Kubala tem estátua erigida no Camp Nou, presidindo à esplanada do Estádio.



Lázsló Kubala, glória do FC Barcelona cuja memória é evocada numa estátua em Camp Nou. Fonte: FCB


Os grandes atraem os grandes. Inevitavelmente, como se falará neste e no próximo texto, a vida de Kubala cruzou-se em diversos momentos com a História do SLB. Neste texto falaremos da final de Berna de 1961; a mais importante da vida de Kubala mas também aquela que nos deu a segunda glória europeia da nossa História.


Os mágicos magiares


A acentuada evolução do futebol Mundial ocorrida nas décadas de 40 e 50, foi em grande medida determinada pelo futebol Húngaro. Um dos episódios mais dramáticos dessa evolução deu-se quando em 1953, a Selecção de Inglaterra foi vergada em Wembley (3-6) ao talento técnico e à superioridade e sagacidade táctica da fabulosa selecção Húngara de 1953 e 1954.


https://www.youtube.com/watch?v=JS_-7AfUdcA
Londres, 1953, Inglaterra 3 – Hungria 6


O jogo de desforra, disputado em Budapeste apenas confirmaria ainda de forma mais crua esse tremendo atraso dos Ingleses.




Essa selecção muitas vezes apelidada de "os mágicos magiares" foi o produto de excelência dos tempos de sementeira do grande futebol Austro-Húngaro, feito por treinadores ímpares como Hugo Meisl (Austríaco) e Jimmy Hogan (Escocês). Foram esses os mestres de, entre outros, Guttmann, Sébes, Orth, Hertzka, Biri, Czeiler, Baroti e... Kubala.

Sim, terminados os seus dias como jogador, também Kubala assumiu o banco tendo treinado diversas equipas com destaque para a Selecção de Espanha (1969-1980) e o seu FCB (1980-1982).



Uma galeria de alguns dos maiores treinadores do futebol Austro-Húngaro.



Ironicamente, a revolução Húngara, a invasão soviética e a diáspora de jogadores e técnicos que depois sobreveio, contribuíram decisivamente para o desenvolvimento do futebol Mundial. Em Espanha não se pode falar da identidade do FC Barcelona e do Real Madrid FC sem se falar da influência dos seus grandes jogadores Húngaros. O Brasil sofreu igualmente a influência dos novos métodos de treino e das inovações tácticas trazidas pelos Húngaros, aquando da digressão Sul-Americana dos ex-jogadores do Honvéd em 1956-57 e depois com o impacto do trabalho de Béla Guttmann no São Paulo, onde foi campeão em 1957.

Em Portugal, os ensinamentos dos treinadores Húngaros foram decisivos para definir a identidade do nosso futebol. Os Portugueses adoraram o estilo técnico e o futebol ofensivo e bonito que foi sempre a imagem de marca dos Húngaros. Desde a década de 20, os clubes Portugueses apostaram em excelentes treinadores Húngaros e claro, neles se incluiu o Sport Lisboa e Benfica, campeão nacional múltiplas vezes beneficiando do saber de homens como Lipót Hertzka, János Biri, Béla Guttmann, Lajos Czeiler e Lajos Baroti. Até Pal Csernai por cá venceu uma Taça de Portugal...


Os Húngaros do FC Barcelona


Na equipa que connosco disputou a empolgante final de Berna em 1961, o FCB contava com três Húngaros geniais: Sándor Kocsis (1929-1979), Zóltan Czíbor (1929-1997) e Lázsló Kubala (1927-2002). Embora em tempos distintos, todos tinham chegado ao FCB na sequência das trágicas convulsões políticas na Hungria pós-guerra. Foram eventos trágicos para milhões de cidadãos Húngaros e para a História do Futebol.



Os três Húngaros no plantel do FC Barcelona de 1960-1961. Fonte: adtradebt.hu



Em 1949, temendo o regime comunista, Kubala foi um dos primeiros jogadores Húngaros a fugir definitivamente para o ocidente, tentando jogar na Liga Italiana. Mas Kubala tinha já um episódio anterior de fuga do seu País quando ainda era uma jovem esperança do futebol magiar (jogou primeiro no Ganz e depois no grande Ferencvários TC).

De facto, em 1946, quando contava 19 anos, Kubala viveu dois acontecimentos marcantes na sua vida: a morte do pai e a convocação para o serviço militar. Decidiu exilar-se na vizinha Checoslováquia, em Bratislava, a cidade-natal de sua mãe. Por lá, assinou e destacou-se como jogador do Slovan Bratislava. Foi seleccionado e disputou 6 partidas (e 4 golos) pela Selecção Checoslovaca. Foi também lá que conheceu a sua futura esposa, filha de Ferdinand Daučík, o treinador do Slovan. Mas curiosamente,

Em 1949, temendo o regime comunista, Kubala seria um dos primeiros jogadores Húngaros a fugir definitivamente para o ocidente. Apesar de impedido pela FIFA de jogar jogos oficiais, Kubala organizou, com outros jogadores de Leste, uma equipa chamada Hungaria que fez uma digressão sensacional por Espanha, onde derrotaram o Barça o Real Madrid e a selecção Espanhola. Esse desempenho – em particular o de Kubala - levou a uma disputa entre o FCB e o RMCF pelos seus serviços. Kubala optou pelos Catalães.

Com essas escolhas de vida, Kubala faria apenas 3 jogos pela Selecção Húngara (0 golos), perdendo a hipótese de jogar com craques como Puskas, Kocsis, Czibor, Hidegkuti, entre outros. É mais do que lícito pensar que, num ambiente político favorável, Kubala teria encaixado como uma luva nessa selecção. Mais tarde Kubala conseguiria a nacionalidade Espanhola e jogou 19 vezes pela Roja (11 golos), tornando-se um dos poucos jogadores a vestir a camisola de 3 selecções distintas ou até 4 pois também jogou pela selecção da Catalunha...

A História lembrará para sempre os nomes desses craques Húngaros mas essa maravilhosa selecção perderia em condições dramáticas a final do Campeonato do Mundo de 1954 para a Alemanha. Essa final, disputada no dia 4 de Julho de 1954, no Estádio Wankdorf em Berna, começou com dois golos de rajada dos Húngaros. Depois inexplicavelmente, a Alemanha virou o resultado e arrebatou o título. Essa derrota passou a ser a maior tragédia de sempre do futebol magiar.


https://www.youtube.com/watch?v=fFNC0wwMbKo
A grande final do Campeonato do Mundo de 1954 disputada em Berna, 1954



Essa maravilhosa selecção Húngara não mais teria outra oportunidade pois em Novembro de 1956 deu-se a invasão soviética. A maioria desses jogadores que estava em Bilbao, a disputar uma eliminatória da Taça dos Campeões Europeus, decidiu não regressar, dispersando-se por diversos clubes e países Europeus. Foi assim que Kocsis e Czibor chegaram a Barcelona.


De volta a Wankdorf


Nessa última noite de Maio de 1961, Kócsis e Czíbor envergavam a camisola blaugrana, mas reviveram o pesadelo de Wankdorf de 1954. Uma vez mais integravam uma equipa ultra-favorita, formada por grandes jogadores, mas que perdeu contra uma equipa modesta mas muito mais coesa, mais solidária, mais praticante de um jogo colectivo e eficaz. O Benfica mostrou tudo isso, espantando a Europa. O Benfica procurou a sorte que teve nesse dia, revelou a classe que um ano mais tarde o levaria à revalidação do título em Amesterdão.



Wankdorf, o Estádio santuário da Glória Benfiquista e local dos pesadelos Catalães e Húngaros.


Concluída a final de 1961, todos os jogadores do FCB estavam estupefactos, incrédulos, mostrando desalento e vergonha. Foram os postes quadrados, as decisões do árbitro, o guarda-redes Ramallets, a má sorte, tudo isso foi usado para justificar aquela que doravante passou a ser conhecida como a "Desgraça de Berna".



O desalento azul-grená não impediu o desportivismo. Kubala (à direita) mostrando no rosto todo o dramatismo da derrota.



Ao que se diz, já nos balneários blaugrana, Kocsis terá rompido em choro convulsivo, maldizendo os postes enquanto Czíbor se terá encerrado num mutismo profundo e doloroso. Para eles e para Kubala, restava apenas a resignação para com a derrota e o reavivar do pesadelo de Wankdorf, nessa noite vestido com camisolas vermelhas berrantes.

Mais tarde e mais serenos, os três Húngaros mostraram a grandeza de carácter própria de grandes desportistas e campeões. Entrevistados pelo grande jornalista Carlos Pinhão, um dos ilustres do tempo em que o jornal A Bola era uma referência de qualidade e de grande Jornalismo, falaram do seu estado de espírito. Carlos Pinhão abordou-os no preciso momento em que trocavam impressões com o seu antigo treinador nacional Húngaro Gusztáv Sébes que se deslocou de propósito a Berna para ver a final. Todos, à sua maneira, revelaram grande desportivismo, lamentando a derrota e o paralelismo com 1954, mas também salientando a justeza da vitória Benfiquista.



Ecos de Berna, 1961. Fonte: A Bola



Ecos de Berna, 1961. Fonte: A Bola



Depois dessa última noite de Maio de 1961, poucos Húngaros deixaram de associar os seus pesadelos aquele Estádio de Wankdorf. Um deles chamou-se Béla Guttmann, o feiticeiro Húngaro que soube compreender a Alma Benfiquista, que nos trouxe a sua sabedoria futebolística, a atitude certa, e que com isso nos levou à Glória Europeia. Mas essa é outra História. Gloriosa!




NoneOfUsWillSeeHeaven

Citação de: RedVC em 22 de Janeiro de 2018, 22:01
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Dia 19 de Fevereiro de 1944. Estádio de Wembley, Londres.



Estádio de Wembley, dia 19 de Fevereiro de 1944. O Rei Jorge V de Inglaterra cumprimenta os jogadores da Selecção Inglesa de futebol. Fonte: raggyspelk.co.uk


Em pleno tempo de guerra o futebol mostrava a sua importância. Nesse dia o Rei Jorge V de Inglaterra cumprimentava os jogadores das selecções de Inglaterra e Escócia, que se aprestavam para iniciar uma partida de futebol. Essa partida, embora hoje não seja reconhecida oficialmente pela FIFA, é parte da História da Selecção Nacional daqueles dois países.

Entre os seleccionados Ingleses estava um jogador com 26 anos de idade que pertencia aos quadros do Sheffield United. Chamava-se James Hagan mas era conhecido no meio futebolístico por Jimmy Hagan. Era um homem reservado e duro que mais tarde se tornaria célebre como treinador de futebol. No seu tempo, Hagan foi também um conceituado jogador internacional de futebol.

A fotografia com que iniciamos este texto capta o exacto momento em que o Rei Jorge V cumprimenta Jimmy Hagan.



James Hagan jogou por 17 vezes na Selecção Nacional de futebol da Inglaterra. Fonte: sheffieldhistory.co.uk



Cumpriram-se no passado Domingo, 100 anos sobre o nascimento de Jimmy Hagan, um treinador Inglês que deixou marcas profundas na História do Sport Lisboa e Benfica. Foi um homem de futebol singular, muito reservado mas nem por isso menos controverso.

Como treinador e como manager, Hagan conheceu um sucesso extraordinário quando treinou o Sport Lisboa e Benfica, o maior Clube de Portugal e um dos maiores da Europa. Mas Hagan tinha também uma severa abordagem disciplinar nas suas equipas e por isso teve vários episódios conflituosos nos diversos clubes por onde passou. Nesse aspecto, o SL Benfica seria apenas mais um. Em tudo o resto a sua carreira no Glorioso foi quase sempre um trajecto ganhador verdadeiramente extraordinário.


Vamos hoje à boleia dessa fotografia inicial, que representa um dos picos da carreira de Hagan enquanto jogador profissional de futebol, os anos que viveu antes de se tornar um dos mais vitoriosos e marcantes treinadores do futebol do Sport Lisboa e Benfica.

Em homenagem a Hagan, publica-se aqui uma fusão de textos biográficos, coligidos a partir de algumas fontes da net. A fonte principal é o sítio do seu irmão Colin Hagan, ao qual aliás aconselho vivamente uma visita:

http://www.raggyspelk.co.uk/washington_pages/selections3/jimmy_hagan.html

outras fontes usadas:

http://www.independent.co.uk/news/obituaries/obituary-jimmy-hagan-1148385.html

http://www.derbytelegraph.co.uk/sport/football/football-news/the-player-derby-county-slip-377993



Os primórdios


Hagan nasceu em Washington, County Durham, no dia 21 de Janeiro de 1918. Nasceu no Nordeste de Inglaterra no seio de uma família Católica. Era também oriundo de uma família de futebol pois o seu pai Alf Hagan jogou num período pós Primeira Guerra Mundial no Newcastle United FC ("Magpies", fundado em 1892), no Cardiff City Football Club ("Bluebirds", fundado em 1899) e no Tranmere Rovers Football Club ("Rovers", fundado em 1884).



Washington, County Durham, a terra natal de James Hagan, ali nascido a 21 de Janeiro de 1918. Fonte: wikipedia.



Pelos relatos de seu irmão Colin, o pai de Jimmy era também um homem de convicções fortes, tendo aliás retirado o seu filho da St. Joseph's School, uma escola Católica depois de um desentendimento com um Padre. Esse conflito terá aliás sido selado quando Alfie Chapman mimoseou o referido padre com um murro...




Nesses anos iniciais, o jovem Jimmy estudaria e jogaria futebol em mais três escolas: a Usworth Colliery School, a Durham County Boys e a England Schoolboys. O jovem Jimmy mostrou desde logo uma forte personalidade e nomeadamente dois dos traços mais transversais aos seus 80 anos de vida: um grande amor pelo jogo de futebol e um carácter ferozmente independente. Ao que parece terá até desistido de uma das suas escola secundárias, "apenas" porque o futebol não era praticado por lá.



O jovem Jimmy Hagan segurando a bola numa equipa da Durham County Schools. Fonte: durhamcountyschoolsfa.org.uk



Outro aspecto sintomático é que apesar de viver numa região onde se tornaria mais lógico a ingresso nas escolas de futebol do Newcastle FC ou do Sunderland AFC ("Black Cats", fundado em 1879), os dois colossos locais, Jimmy optou por ingressar aos 14 anos de idade nas camadas amadoras do Liverpool FC ("Reds", fundado em 1892).

Na cidade do Mersey, Jimmy jogaria apenas 3 ou 4 meses nos "Reds", regressando depois a casa. Justificou-se dizendo ao seu pai de uma forma simples mas afirmativa: "fui para Liverpool para jogar futebol e não para trabalhar num depósito de madeira"... A questão é que nesses dias aos aprendizes de futebol era atribuído um emprego durante o dia e pelo que se viu, o trabalho reservado ao jovem Hagan foi do seu inteiro desagrado.

Mas Jimmy não era de desistir e assim pouco depois, em Maio de 1933, assinou pelo Derby County FC ("Rams", fundado em 1884). Fez a sua estreia pelos "Rams" com apenas 16 anos de idade e por lá se tornou, em 1935, um jogador profissional. Ao que parece num dos seus 31 jogos pelo Derby County terá jogado no Roker Park perante uma assistência estimada em 76.000 pessoas.



O muito jovem Jimmy Hagan envergando a camisola do Derby County FC. Fonte: derbytelegraph



Nos 31 jogos que fez pelo Derby County, Jimmy Hagan terá marcado uns 7 golos, revelando um grande virtuosismo técnico, segundo algumas fontes mostrando por vezes uma habilidade quase mágica. Esse facto demonstra que apesar de ser um produto da escola Inglesa, Jimmy era um homem de futebol sensível ao virtuosismo técnico, uma característica mais latina e algo com que viria a trabalhar com fartura nos seus Gloriosos anos do Estádio da Luz.

Não obstante o bom percurso nos Rams, Jimmy viria depois a incompatibilizar-se com George Jobey, o manager do Clube e por via disso, em Novembro de 1938 seria transferido para o Sheffield United FC ("Blades", fundado em 1889). Teddy Davidson, na altura o manager do Sheffield, mostrou grande interesse nessa contratação mas, não obstante o conflito que tinha com o jogador, Jobey jogou duro nas negociações. O acordo seria fechado apenas por 2.925 libras, valor apreciável para a época.

Em Bramall Lane, jogando pelos "Blades", a carreira de Hagan conheceu um grande crescimento, mostrando-se na sua posição de interior como um jogador com distribuição de jogo fluente, excelente controlo de bola e posicionamento táctico astuto. Em Sheffield permaneceria 20 anos, de 1938 a 1958, ano em que se retirou como jogador de futebol.



Jimmy Hagan fez grande parte da sua carreira no Sheffield United, chegando a capitão de equipa.




Fonte: Premier Football Cards




Hagan teve honras de primeira página no número de Fevereiro de 1954 do Charles Buchan's Football Monthly.



Jimmy Hagan era o craque da equipa, assumindo uma tal preponderância que causou algum desconforto nos seus companheiros. Ficou aliás célebre uma brincadeira de um fotógrafo que fez uma montagem dessa equipa do Sheffield United com 11 jogadores com cabeças de Jimmy Hagan. Infelizmente não encontrei uma cópia.





No total, Jimmy Hagan terá feito 361 jogos e 117 golos pelo Sheffield United. Colectivamente a maior conquista foi um campeonato da 2ª divisão Inglesa na época de 1952-1953. Fez uma longa carreira de 20 anos como jogador do United embora apenas 14 épocas tenham sido efectivas uma vez que perdeu 6 épocas por via da Segunda Guerra Mundial.



A equipa campeã de 1952-1953. Hagan é segundo jogador sentado, a partir da direita.



Os anos da guerra


A Segunda Guerra Mundial ceifou a vida de muitos futebolistas e devastou muitas carreiras de futebol, e naturalmente afectou também a de Hagan. Integrou o exército Britânico e combateu os nazis em França. Sobreviveu.

Ainda assim, seria neste período que Hagan se tornou internacional pelo seu país, isto apesar de os 16 jogos para o qual foi seleccionado não serem hoje reconhecidos pela FIFA, uma vez que se trataram de jogos disputados em tempo de guerra.

Ainda assim, o historial da FIFA regista que Hagan foi internacional por uma vez por Inglaterra, num jogo disputado em Janeiro de 1948, pouco depois do fim da guerra, quando a sua selecção defrontou a Dinamarca em Copenhaga (empate 0-0).

No entanto, apesar do que o que a FIFA nos diz, a verdade histórica é outra. Nesses 16 jogos internacionais não-oficiais, Hagan apresentou-se com a camisola de Inglaterra de forma brilhante ao lado de estrelas como Stanley Matthews, Tommy Lawton e Raich Carter. É desse tempo a fotografia do início deste texto tal como as que abaixo se apresentam.



Hagan cumprimentando figuras célebres com a camisola da Selecção. Fonte: derbytelegraph.co.uk e Getty Images




A equipa nacional Inglesa que defrontou o País de Gales em utubro de 1941. De pé, esquerda para a direita: Harry Goslin, Joe Bacuzzi, George Marks, Denis Compton, Stan Cullis. Sentados: Stanley Matthews, Jimmy Hagen, Eddie Hapgood, Don Welsh and Joe Mercer. Fonte: spartacus-educational.com


No período pós-guerra, Hagan permaneceu fiel ao Sheffield United mesmo quando o seu clube aceitou uma proposta de transferência para os rivais do Sheffield Wednesday ("Owls", fundado em 1867). Falou-se de 32.500 libras, o que na altura seria um recorde Britânico. Contra a vontade do seu Clube, Hagan recusou, continuando a jogar pelo United sendo que, curiosamente, o Wednesday desceria à segunda divisão logo na época seguinte.

Logo após abandonar o Sheffield United, Jimmy Hagan juntou-se brevemente a 15 jogadores do Blackpool ("Seasiders, fundado em 1887) para fazer uma digressão pela Austrália. Por lá marcou 21 golos em 15 partidas. E assim terminou a carreira de futebolista.


Um treinador implacável


Terminados os seus dias de jogador, Hagan iniciou a sua carreira no Peterborough United FC ("Posh", fundado em 1934) onde treinou de 1958 até 1962. Foi uma passagem bem-sucedida, culminada com a conquista do 4th Division Championship logo na primeira época em que aquele modesto clube jogou numa liga nacional Inglesa. A sua equipa registou o incrível número de 134 golos só nessa temporada, um recorde que permanece. Apesar de na época seguinte ter consolidado os "Posh" na terceira Liga, ainda assim um amargo conflito com os jogadores faria com que Hagan fosse demitido em Outubro de 1962. Não seria caso único na sua carreira...





De 1963 a 1967, Hagan treinou o West Bromwich Albion ("Baggies", fundado em 1878), clube que militava na primeira Liga inglesa. O maior feito deste período foi conseguido em 1966 quando Hagan levou os Baggies à conquista da Football League Cup. Foi uma final a duas mãos vencida (resultado agregado de 5-3) contra o West Ham United FC ("Hammers", fundado em 1895) que contava nas suas fileiras com três craques da selecção Inglesa: Moore, Peters e Hurst.

Mas o futebol são altos e baixos... Na época seguinte disputaria também a final, desta vez num jogo único em Wembley contra o Queens Park Rangers ("Hoops", fundado em 1882), clube na altura numa divisão inferior. Apesar de ao intervalo estarem a ganhar por 2-0, os Baggies seriam derrotados por 2-3. Acabaria ali o percurso de Hagan nos Baggies.

Foi também nos Baggies que Hagan teve mais um episódio revelador da sua fibra enquanto treinador. No dia 1 de Janeiro de 1964, Jimmy Hagan enfrentou uma greve de 21 jogadores da categoria principal. Estes protestavam para com a exigência do treinador de terem de se treinar com calções num dia particularmente frio. Hagan foi inflexível, e enfrentando a greve, foi ele mesmo com os seus 46 anos de calções treinar para o meio do campo. Ali mesmo perante os sócios a dar o exemplo.



O incrível dia em que Hagan treinou sozinho em calções. Os jogadores em greve ficaram a ver o treinador. Fonte (https://www.birminghammail.co.uk/sport/football/football-news/nostalgic-pictures-day-west-bromwich-343386)



Esse conflito terá no entanto sido apenas mais um pois os jogadores queixavam-se de que os métodos de treino de Hagan eram aborrecidos e a postura do treinador era áspera e inacessível. A perda da final de 1967 acabaria por ser uma justificação conveniente que a Direcção dos Baggies usou para demitir um treinador em conflito com o seu plantel.


No Glorioso


Não sendo o foco do texto de hoje, não poderia fechar sem mencionar brevemente a importância da passagem de Hagan pelo Glorioso.

Deposi dos Baggies, Hagan só voltaria a treinar em Março de 1970, desta vez em Portugal, quando aceitou um convite do Glorioso Sport Lisboa e Benfica feito pelo grande Presidente Duarte Borges Coutinho. Falou-se na altura que a primeira escolha do Dr. Borges Coutinho terá sido Alf Ramsey o treinador campeão do mundo pela Inglaterra em 1966.

A escolha de Hagan parecia assim uma escolha secundária, quiçá uma medida desesperada de um presidente depois de uma recusa no mesmo mercado. Hagan no entanto revelar-se-ia uma escolha certeira, um golpe de inspiração. De facto, o duro Inglês conseguiria finalmente disciplinar e renovar uma equipa que ainda tinha grandes jogadores mas à qual eram reconhecidos sérios problemas de disciplina e alguma veterania. Essa fibra disciplinadora terá sido um dos factores decisivo que levaram o Dr. Borges Coutinho a contratar este duro Inglês.

A equipa foi disciplinada, renovada, e significativamente melhorada na sua capacidade física e atlética. Os títulos vieram depois. Três campeonatos conquistados de forma espantosa. Uma extraordinária digressão pelo Japão e muitos outros jogos célebres fariam ainda parte da lenda.

Nesse percurso, Hagan aplicou uma vez mais os seus duríssimos métodos de treino e disciplina. Apesar das vitórias o desgaste foi-se acumulando explicando que uma vez mais fosse um pequeno episódio disciplinar a levar à saída de Hagan. Um episódio triste que talvez tenha evitado que o primeiro tetra da nossa história tivesse ocorrido na década de 70.



Uma sessão de treinos de Jimy Hagan no Estádio da Luz. Alguns jogadores são identificáveis.




Um dos mais célebres planteis. Os invencíveis de 1972. Fonte: Museu Cosme Damião.



Depois do SL Benfica viria um período de 2 anos a treinar no Kuwait e depois o regresso a Portugal onde treinaria Sporting CP (1976-77), Boavista FC (1978-79), Vitória Setúbal (1979–80), CF Belenenses (1980–81) e GD Estoril Praia (1981–82). Teve sucesso no Boavista onde venceu a Taça de Portugal de 1978-79 e no GD Estoril Praia onde subiu à 1ª divisão.

Findo a experiência no Estoril, Jimmy Hagan decidiu retirar-se com a idade de 64 anos.

Apesar da abrupta rotura, ficou sempre no nosso Clube um enorme respeito pela figura deste Inglês, duro, autoritário exigente mas também e acima de tudo campeão. Não admira que o nosso Rei Eusébio tenha generosamente participado em alguns eventos evocativos do grande treinador Inglês.



Eusébio num evento de homenagem a Jimmy Hagan.


James Hagan morreria em Sheffield no dia 26 de Fevereiro de 1998, com a idade de 80 anos.



Até sempre Mister!
Paz à sua Alma. Honra à sua memória!

Na primeira imagem é o Rei Jorge VI :)