Decifrando imagens do passado

RedVC

#300
-68-
Desforra Inglesa em tempo de Monarquia.

13 de Março de 1910. Jogo entre o Sport Lisboa e Benfica e o Carcavelos Football Club.
A equipa do Sport Lisboa e Benfica alinha orgulhosamente no Campo da Feiteira, Benfica. Assistência calculada em cerca de 5000 pessoas. Um espanto para a época.
Este foi o jogo da desforra dos Ingleses.


Fonte: AML. Equipa do Sport Lisboa e Benfica. 13 de Março de 1910, Quinta da Feiteira em Benfica. Em pé: António Costa, Henrique Costa, Jorge Rosa Rodrigues, Cosme Damião, Carlos Homem de Figueiredo e Artur José Pereira. Em baixo: Florindo Serras, Luís Vieira, Germano Vasconcellos, António Meireles e Virgílio Paula.

Esta fabulosa fotografia que faz parte do acervo do AML é da autoria do grande fotógrafo  Joshua Benoliel.

Nela estão para além dos onze grandes jogadores Benfiquistas alguns detalhes interessantes.

Dentro do campo

Vamos começar pelas equipas. A nossa equipa foi capitaneada por Cosme Damião que nos surge sorridente com o seu cachecol branco e com a bola de jogo. Muito provavelmente alinhou na seguinte disposição táctica.


Relativamente ao jogo de Janeiro notavam-se três alterações com a mudança de guarda-redes (Alfredo Machado por Jorge Rosa Rodrigues, o mais novo dos Catataus) e de dois jogadores de campo (Leopoldo Mocho por Carlos Homem de Figueiredo e Josué Correia por Florindo Serras).

O Carcavellos FC terá convocado a sua máxima força, alinhando com Durrant; Mellis e Peils; Harvey, Large e Lees; Law, Dodje, Harris, Strang e Perkins.

O jogo foi arbitrado pelo Inglês Charles Ettur, que nessa altura estava ligado ao Gilman Sports Club mas que esteve também ligado aos primeiros anos do SCP. E Charles Ettur estaria ligado ao conturbado final de jogo. Uma das primeiras invasões de campo do futebol Português.

Como se disse, este foi também o dia da desforra Inglesa porque dois meses antes, no dia 23 de Janeiro, e no mesmo palco tinha-se jogado o jogo do título de 1909/10! Nesse dia o Benfica ganhou por 1-0 (golo de Artur José Pereira). Essa vitória de Janeiro simbolizou a entrada do futebol Português numa nova era. O Sport Lisboa e Benfica deixava para trás o tempo do domínio (quase) total dos Ingleses no futebol Português e conquistava o título. O único clube Português a quebrar a hegemonia do Carcavellos FC. O único no tempo da Monarquia.

Mas os Ingleses ainda teriam tempo para uma última grande vitória, para a desforra de Março. Em pleno Campo da Feiteira e nesse ambiente efervescente, os Ingleses venceram por 3-1. Estava feita a desforra. Mas não foi fácil. Nem pacífico.

Ao intervalo o resultado marcava uma igualdade a um golo tendo o nosso tento sido apontado por Germano de Vasconcellos. Na segunda parte os Ingleses impuseram o seu jogo e apesar de não exercerem domínio apreciável foram mais eficazes. A vitória ficou selada pela polémica validação do terceiro golo Inglês, validado pelo Sr. Charles Ettur. Essa decisão não foi bem aceite, facto que motivou uma invasão de campo. Já nesses dias a paixão era vivida ao extremo. E o ambiente de hostilidade aos Ingleses anda não estava desvanecido. Contas antigas vindas de um mapa cor-de-rosa.

Fora do campo

Mas para além do lado desportivo, esta fotografia traz-nos outros detalhes que interessa fazer notar.

E assim vamos olhar para fora do campo, para três aspectos: bandeiras, edifícios e pessoas.



As bandeiras.


Ali, desfraldadas ao vento, distinguem-se a Gloriosa bandeira vermelha do Sport Lisboa e Benfica, a Bandeira Nacional Monárquica (faltavam ainda 7 meses para a instauração da Republica) e a bandeira Red Ensign or "Red Duster" usada desde o início do século 17 pela Royal Navy:


As Vilas.


Nesta fotografia de Janeiro de 1910 está apenas visível a Vila Ana. A Vila Ventura seria construída nesse mesmo ano. Essas duas casas são representativas do que se chamava as casas do Brasileiro, erigidas no final do século XIX e princípio do século XX em Benfica. A Vila Ana data de 1890 e a Vila Ventura por volta de 1910. Ou seja a fotografia Vila Ventura ainda não estava construída. Alguma informação aqui do excelente blogue retalhosdebemfica:

http://4.bp.blogspot.com/_vyPcxm-fW6Y/S63UJJPUZGI/AAAAAAAAIyU/e8UM6otuE68/s1600/DN.JPG

E para ressaltar esse aspecto, atente-se nesta fotografia (mais uma da autoria de Joshua Benoliel) tirada cerca de um ano depois, no mesmo local, a propósito do jogo em que se defrontaram uma selecção da AFL e a equipa francesa do Stade Bordelais:


Equipa da AFL, Campo da Feiteira, 21 de Maio de 1911. Cosme Damião (SLB), Merick Barley (CIF), Eduardo Luís Pinto Basto (CIF), Henrique Costa (SLB), Artur José Pereira (SLB), William Sissener (CIF), António Stromp (SCP), Francisco Stromp (SCP), António Rosa Rodrigues (SCP e fundador do SL), Carlos Sobral (CIF), e João Bentes (SCP). Note-se como a Vila Ventura, com fachada branca já estava de pé, bem ao lado da Vila Ana. No lado esquerda vê-se também a casa alemã da família Lobo Antunes.


Sobre este garboso Campo da Feiteira, Alberto Miguéns dá-nos como sempre excelente informação, aqui no seu texto "Onze anos a brilhar":
http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/10/onze-anos-brilhar.html

Este campo tem para mim um fascínio muito grande. Era um local muito bonito e o facto de lá se disputarem jogos internacionais demonstra que era o melhor do seu tempo. Pena é que tenha durado tão pouco tempo. Sacrificado à voraz expansão urbanística dessa zona.

Neste ângulo que Benoliel nos deixou, não se identifica a casa Alemã da família Lobo Antunes mas a mesma pode ser vista na última fotografia deste texto. PAra mim essa casa foi o primeiro "camarote" da História do Benfica. Só podia mesmo ajudar a produzir gente de qualidade e Benfiquistas.  :cool2:


Dois ilustres filhos de Belém


O último detalhe de fora do campo tem a ver com duas identificações. Duas pessoas da numerosa assistência – estimada em cerca de 5000 pessoas. E note-se como existe grande heterogeneidade de roupas e estilos na assistência. Era já um dos aspectos mais fascinantes que o futebol conserva: a atracção de todas as classes sociais que em comunhão partilham o sentimento de apoio ao seu Clube.

Quem agora se identifica são dois ilustres filhos de Belém. Dois ilustres Benfiquistas que compareceram demonstrando bem a ligação que mantiveram ao clube mesmo após a fusão e não obstante a necessidade de deslocação para Benfica. É certo que não posso dar essas identificações como seguras mas que acho-as bastante prováveis. É a minha opinião.

Assim, de chapéu de coco podemos identificar Inácio José Franco, Conde do Restelo, um dos proprietários da Farmácia Franco e sócio protector do nosso clube. Ao seu lado direito está outra figura ilustre: Manuel Gourlade, o funcionário da Farmácia Franco. A primeira águia, que nesse tempo ainda mantinha ligação ao Clube ao contrário, tanto quanto sei, do seu colega Daniel Santos Brito.

No campo estava também presente (pelo menos) outro fotógrafo: Sena Cardoso, do jornal Tiro e Sport que nos deixou mais registos desse dia, entre as quais esta fotografia:


Fonte: Sena Cardoso, publicada pág. 123 da História do SLB 1904-1954, de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva.

Considerando o detalhe anterior, morfologia e proximidade com o Conde do Restelo (cuja identificação é mais segura) penso que o homem com a boina posicionado ao lado da baliza do nosso guarda-redes é Manuel Gourlade. A primeira águia, sempre atenta e a dar instruções a um dos seus estimados Catataus. Longe iam os dias do pátio da Farmácia Franco.

E por isso foi com certeza um dia empolgante para ambos. Seis-sete anos separavam esse dia dos dias em que ainda se "futebolava" no pátio da Farmácia Franco. De um pequeno e íntimo espaço para esse garboso campo da Quinta da Feiteira. Um jogo com milhares de pessoas a assistir.

Foi também um dia com final turbulento pois as crónicas registam uma invasão de campo por discordância acerca de polémica validação do golo da vitória Inglesa. Foi um dia de grandes emoções. Vividos também por estes dois grandes pioneiros, duas grandes Saudades do Sport Lisboa e Benfica.

Que grande fotografia, mais uma, nos deixou Joshua Benoliel!
O reconhecimento a um homem que nos deixou um legado fabuloso que nos encanta e ensina do que foi a sociedade Portuguesa nos mais diversos aspectos. Os anos fascinantes que mediaram entre o final da Monarquia e os primeiros anos vertiginosos da Republica.


(Lisboa 13 de Janeiro de 1873
Lisboa 3 de Fevereiro de 1932)


Aqui se pode ver um video fascinante que ilustra a paixão que este fotógrafo teve de Lisboa e das suas gentes.



Theroux

#301
Adoro esse tipo de fotos, por momentos parece que viajámos no tempo.

É um caso em que a tecnologia ao longo de um século não acrescentou praticamente nada, em termos de qualidade.

_________________________________

Pegando nesse texto sobre uma fotografia deixo aqui esta, de 8/9/34, que tinha guardada...

Spoiler
As equipas infantis de atletismo do Belenenses, Benfica e Internacional. [Identificadas no álbum:] Maria Alice Correia Santos; Alda Correia Lopes; Arminda do Rosário Mota; Maria Vicenta Remus; Babete Miranda; Maria Palmira Riba Tâmega; Kika Riba Tâmega; May Norton; Margarida Abreu; Maria Alice Gonçalves; Doris Meunier; Dida Perkins; June Meunier; Maria Luísa Gabriela de Oliveira; Maria José do Rosário Mota; Maria de Lurdes Rio Simões; Clotilde Cartaxo; Alice Nunes da Silva; Judite Pereira; Florinda da Conceição Oliveira; Maria de Lurdes Sousa Barnabé; Ida Bonaparte Figueira; Deolinda Luísa Chupelo.
[fechar]

...e desafio a partilhar fotos ainda mais antigas de equipas femininas do Benfica.

RedVC

Citação de: Theroux em 18 de Outubro de 2015, 10:44
Adoro esse tipo de fotos, por momentos parece que viajámos no tempo.

É um caso em que a tecnologia ao longo de um século não acrescentou praticamente nada, em termos de qualidade.

_________________________________

Pegando nesse texto sobre uma fotografia deixo aqui esta, de 8/9/34, que tinha guardada...

Spoiler
As equipas infantis de atletismo do Belenenses, Benfica e Internacional. [Identificadas no álbum:] Maria Alice Correia Santos; Alda Correia Lopes; Arminda do Rosário Mota; Maria Vicenta Remus; Babete Miranda; Maria Palmira Riba Tâmega; Kika Riba Tâmega; May Norton; Margarida Abreu; Maria Alice Gonçalves; Doris Meunier; Dida Perkins; June Meunier; Maria Luísa Gabriela de Oliveira; Maria José do Rosário Mota; Maria de Lurdes Rio Simões; Clotilde Cartaxo; Alice Nunes da Silva; Judite Pereira; Florinda da Conceição Oliveira; Maria de Lurdes Sousa Barnabé; Ida Bonaparte Figueira; Deolinda Luísa Chupelo.
[fechar]

...e desafio a partilhar fotos ainda mais antigas de equipas femininas do Benfica.

Será difícil pois essa foi a primeira equipa feminina de basquetebol do Benfica. Aqui está outra penso de dois anos depois mas basicamente com as mesmas atletas.



Alberto Miguéns fala aqui de três períodos, num total de 16 épocas, entre 1934/1937 (3), 1960/1968 (8) e 1970/1975 (5).

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2011/10/bolas-frias-bolas-quentes.html

O reinício da modalidade deu-se em 2011/2012.

Theroux

#303
Era para colocar essa foto mas como é posterior acabei por não incluir. Também existe lá esta, que penso já ter colocado em outro tópico:

37/38

Mas a foto que coloquei é da equipa de atletismo (de formação), só que uns anos mais tarde as atletas acabaram por praticar ambos os desportos. É explicado pelo Alberto Miguéns aqui: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/08/atletismo-110-sem-macula.html

Em 10 de Junho de 1937 o Benfica estreou-se em competição com uma equipa de senhoras que treinavam Atletismo desde o ano anterior. Essa equipa era o plantel de Basquetebol que prolongava a sua capacidade desportiva para lá dessa modalidade, aproveitando o Atletismo para treino físico do Basquetebol.

Só uma nota, a equipa sénior foi recuperada em 10/11, embora a actividade oficial na formação já se tivesse iniciado uns anos antes.

Estou totalmente fora desse período da história do clube mas acredito que tenha existido algum tipo de actividade feminina anterior a 1934, portanto se alguém tropeçar em fotos mais antigas ou referências a atletas femininas, está à vontade para partilhar.

RedVC

#304
-69-
As manas Bermudes, Gloriosas a pedalar.

1924, uma fotografia histórica: as duas filhas de Félix Bermudes, Cesina e Clara Bermudes, respectivamente. Equipadas à SLB!


(Créditos: Çula, que a colocou aqui no fórum)

Ambas participaram em provas de ciclismo. Cesina ganhou essa I Volta a Lisboa de 1924:


Segundo a Federação Portuguesa de Ciclismo (documento oficial):

As mulheres aderiram ao ciclismo praticamente desde o aparecimento da
bicicleta, mas só na segunda década do século XX surgiram em Portugal as
primeiras praticantes que passaram dos tradicionais passeios à competição.
As corridas femininas surgiram a partir das irmãs Cesina e Clara Bermudes,
filhas do escritor e dirigente do SL Benfica, Félix Bermudes. Na primeira Volta a
Lisboa, em 1924, o triunfo coube a Cesina que suplantou as duas únicas
adversárias, a irmã Clara e Estela de Oliveira.

No ano seguinte, Cesina Bermudes venceu novamente a Volta a Lisboa, mas
dessa vez teve pela frente uma adversária de vulto, a jovem setubalense
Oceana Zarco, que, com a camisola do Vitória de Setúbal, ofereceu forte
oposição e veio a dominar a modalidade nos três anos seguintes, vencendo a
3ª edição da Volta a Lisboa, a I Volta ao Porto e a I Volta a Setúbal, para
abandonar a competição aos 18 anos.


Fonte: http://www.uvp-fpc.pt/ficheirossite/17112011074730.pdf

Theroux

Desconhecia totalmente que tínhamos história no ciclismo feminino, obrigado!

RedVC

#306
Tentarei reunir mais informação.

Sim e no ciclismo masculino o nosso primeiro atleta, ainda no tempo do Sport Lisboa, foi Fortunato Monteiro Levy, por volta de 1906.



Pensei em tempos ter uma fotografia dele em cima de uma bicicleta mas não encontro. Posso estar enganado.

Mas se alguém tiver seria excelente ver aquele Glorioso Cabo-Verdino a representar o nosso clube em ciclismo. Terá sido a nossa segunda modalidade. E aliás era uma das modalidades de eleição do Grupo Sport Benfica de 1906 até 1908, data da fusão.

E quanto ao ecletismo no SLB, Félix Bermudes, o pai de Cesina e Clara, terá participado em provas de atletismo pelo Sport Lisboa também por volta de 1906.

Depois de Fortunato tivemos Germano de Vasconcellos, o flecha vermelha, que no Grupo Sport Benfica nos prestigiou desde 1907, em ciclismo e também em atletismo.

Mais informação, aqui: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/02/eclectismo-sem-macula.html.


RedVC

Mais uma imagem espectacular do Campo Grande e arredores.



Publicada por Alberto Miguéns, aqui:

http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/10/derbi-de-lisboa-422.html



Citação de: RedVC em 25 de Junho de 2015, 20:52
-56-
Revisitando o Campo Grande.

Lembram-se?
 



Hoje vamos olhar para uma nova fotografia pertencente ao acervo do AML. E é notável, apesar dos danos infligidos pelo tempo e pelo bolor. Dá-nos detalhes que nos revelam um pouco mais do que era o nosso complexo desportivo no Campo Grande. Ora vejam:


Fonte: AML


Bonita, não é?

Mais de seis décadas depois e com material gráfico escasso, a esmagadora maioria dos Benfiquistas não tem um conhecimento mínimo sobre o que era o nosso complexo desportivo no Campo Grande. E no entanto, apesar da modéstia que exibia era também um monumento à obra, persistência e paixão Benfiquista!

Em 23 de Junho de 1940 o Sport Lisboa e Benfica fazia o seu último jogo no Estádio das Amoreiras. Fomos escorraçados. Era um rude golpe no mais popular clube Português. As Amoreiras representavam a casa própria, a primeira que o Benfica tinha tido capacidade de erigir. Começou devido ao sonho e diligência de Cosme Damião. E foi sua última obra. Foi a concretização do seu sonho e do sonho de tantos e tantos dos primeiros Benfiquistas. Mais informação aqui:
http://www.slbenfica.pt/pt-pt/estadio/estadiosanteriores/estadiodasamoreiras.aspx

Inaugurado em 1925, o campo das Amoreiras foi usado apenas durante 15 anos aquele que era um Estádio feito para durar décadas e décadas. Fomos escorraçados de lá por um Estado intransigente e déspota, que não nos pagou sequer o que lá investimos. O Benfica teve que encontrar uma nova casa à pressa e a única solução viável foi ocuparmos um campo que o SCP tinha abandonado pouco tempo antes. Por falta de condições... Imagine-se ficar com um campo que durante mais de duas décadas foi a casa do SCP... Pior ainda, era ficarmos porta com porta com o rival.

E aquilo que poderia ter sido desalento e uma regressão perigosa foi afinal tornado em orgulho e um renascer do nosso clube. Obra feita, com contribuição e fundos colectivos como só os Benfiquistas conseguem. O Campo Grande foi remodelado, expandido e alindado em escasso tempo. E que espanto, quando foi inaugurado em 5 de Outubro de 1941 era ainda melhor do que o Estádio do Lumiar! E foi a nossa casa até 1954, data da inauguração do Estádio da Luz.

E assim, explicado o contexto, vamos olhar e tentar decifrar esta imagem. Para isso tive a decisiva ajuda de Alberto Miguéns  :bow2:. Então vamos lá:

___________________________________________________________________

1 – Estádio do Campo Grande, campo principal.
Ao contrário do que pensava, o Campo Grande já era conhecido por "estância de madeiras" desde o tempo em que era ocupado pelo SCP. O Campo Grande tinha um terreno pelado com bancadas de madeira e nota-se também que tinha uma rede no topo das bancadas.
De acordo com Alberto Miguéns, os sócios do Benfica ocupavam três bancadas (de madeira) com uma capacidade de cerca de 10 mil lugares. Existiam ainda mais 2 mil reservados para venda de bilhetes a não sócios. Havia ainda um peão (de pedra) para o público que formava um talude que permitia instalar bancadas para assistir às actividades que decorriam no campo anexo. Ao que parece para além do que em baixo se fala existiria ainda uma carreira de tiro.

2. Campo anexo ou Campo Grande-A
Usado para o Andebol de 11, Râguebi, Hóquei em Campo e Futebol/Formação.

3. Court ténis
Não se vê aqui mas pode ver-se na fotografia inicial; mas por trás da Churrasqueira existia ainda o nosso campo de basquetebol. Tinha uma qualidade inferior e não tinha bancadas, tendo por isso servido basicamente para treinos.

4. Portão principal
Não se vê na fotografia mas penso que era por aqui.

5. Portão secundário
Confrontava para o Estádio de Alvalade...

6., 7., 8. Edifícios de apoio
Parecem pelo menos três. Eventualmente quatro. Um deles servia como balneário, outro era para o guarda do campo. Nele se guardavam os apetrechos para cuidar do piso e engalanar o campo para poder jogar.

Aqui vê-se melhor:



9. Bancadas do campo anexo
Uma solução engenhosa. Dá ideia que existiam espaços interiores por baixo dessas bancadas.

10. Pista de cinza
Inaugurada no final de 1946. Tinha seis pistas.

11. Estádio de Alvalade
Inaugurado em 1956. A fotografia foi portanto tirada nessa data ou pouco depois.

12. Alameda das Linhas de Torres
Uma artéria que ganhou ainda maior importância a partir destes anos em que se edificaram os dois Estádios. Na década de 50 novo facto relevante com a instalação da RTP nas suas cercanias.

13. Sanatório Popular de Lisboa
também designado Sanatório de D. Carlos I. Em 1975 foi rebaptizado Hospital Pulido Valente.
___________________________________________________________________


Detalhe a detalhe, a descoberta gradual de fotografias do Campo Grande permite-nos ter outra compreensão e orgulho relativamente ao que os nossos antecessores foram capazes de fazer em tão difíceis circunstâncias. Gostaria que o mesmo acontecesse com as Amoreiras e com os campos ainda mais antigos. Quem sabe o que anda por aí...

E assim o que nos diz a aventura do Campo Grande? Diz-nos que o Benfica nunca se rendeu. E que apesar de andar de campo em campo, a gastar recursos em casa dos outros, sempre se reergueu para cumprir o seu destino: ser o maior de Portugal. Diz-nos que fomos solidários, inventivos, generosos e apaixonados. E soubemos sempre honrar a memória dos nossos fundadores e antecessores.

Ressoam sempre as palavras do maior de todos nós: Houve, desde logo, a certeza de que, pela união, nos podíamos tornar mais fortes.

M1904

Foi nesse campo os 12-2 ao fcp.  :flagglorioso: :slb2:

RedVC

#309
-70-
O dia da dúzia!

7 de Fevereiro de 1943, Estádio do Campo Grande.
Disputava-se a 5ª jornada do Campeonato Nacional.
Esse foi o dia em que o FCP levou uma dúzia:


1943 - Jogo entre o Benfica e o FC Porto no Campo Grande. Alfredo Valadas festeja o terceiro golo do Benfica, marcado por Julinho (legenda original). Fonte: Arquivo DN


Fonte: DL, 7 de Fevereiro de 1943

Servem ambas as fotografias para ilustrar um jogo especial. Um jogo louco, vertiginoso, inesquecível. A pobre equipa do FCP veio do Porto a Lisboa e no Glorioso Campo Grande acabou por sofrer uma das maiores humilhações da sua história. Nesse dia os portistas sofreram não 1, não 2, 3 ou 4, nem 7, muito menos 9, nem sequer 10, nem mesmo 11. Foram 12! 12 golos! Como o nosso amigo M1904 nos fez lembrar.

Eram tempos de Guerra na Europa, e de facto, nesse dia os nossos Gloriosos avançados foram verdadeiros caças Spitfires, autênticos bombardeiros Whirlwind a bombardear o couraçado azul. Com 12 tiros certeiros levaram o couraçado azul ao fundo. Sem honra nem glória, os azuis regressaram destroçados à cidade Invicta.

Mas para sabermos um pouco mais vamos aproveitar a crónica do Diário de Lisboa desse mesmo dia:


Como se lê, a nossa Gloriosa equipa alinhou com:


Para a história ficou o aspecto mais interessante:


Ah e foram ainda anulados dois golos a Manuel da Costa. Vá lá, foram só 12 e não 14.

Não se pense que o Futebol Clube do Porto tinha uma equipa fraca. Nas suas fileiras constavam e jogaram jogadores de grande categoria como Pinga e Araújo.
Da leitura da crónica ficou claro que a defesa dos portistas era o seu ponto fraco. Nesse dia foi o descalabro. Para agravar Nunes ainda foi expulso depois de uma carga violenta sobre Manuel da Costa. Mas nessa altura o placar já marcava 9-1. Ainda longe do resultado final.

Que grande cabazada!


Depois desse jogo a classificação ficou assim orientada:


Ou seja à quarta jornada o Benfica tinha 15 golos marcados, registo bastante interessante. Mas no quinto jogo  do campeonatoo Glorioso marcaria quase outros tantos elevando o score para 27. E note-se também que o FCP saiu do Campo Grande com 20 golos sofridos. Nesse dia 7 de Fevereiro sofreu 12 quando até aí tinha sofrido 8. Ou seja, de uma média de 2 golos sofridos por jogo passou para 4. Assim se mostra como a estatística nos prega partidas.

No final do campeonato o campeão seria o Sport Lisboa e Benfica:


Um ponto mais que o SCP e 2 que o CFB. Campeonato rijo, mesmo muito rijo.

O FCP ficaria com uma lamentável média de 3.1 golos sofridos e de apenas 2.2 marcados por jogo. Este desempenho lamentável fica ainda mais a nú quando se atenta numa espantosa diferença de -16 golos. Um desastre traduzido no 7º lugar final.

O Benfica veio a atingir uma média de 4.1 golos marcados e 2.1 sofridos. Uma diferença de +36 golos. Espantoso foi também o score de "os Belenenses". Marcou mais 4 golos que o Benfica e sofreu menos 18 atingindo uma espantosa diferença de +58 golos. Marcava-se muito golo nessa época mas as médias mostram que o resultado verificado naquele dia no Campo Grande foi de facto algo de especial.

Na segunda volta o Benfica acabaria o serviço ao ganhar novamente ao FCP por 4-2 em pleno Campo da Constituição. Disputava-se a 14ª jornada no dia 11 de Abril de 1943.

A esses Gloriosos jogadores e treinador é devida a homenagem e memória de todos os Benfiquistas. Para sempre:


Fonte: Em Defesa do Benfica. A gloriosa equipa campeã nacional em 1942/43, que obteve a primeira vitória, por 4-2, para o Campeonato Nacional, no Campo da Constituição, Estádio do FC Porto. Alinhados de pé: Francisco Ferreira, Joaquim Teixeira, Janos Biri (treinador),Albino (capitão), Valadas, César Ferreira, Manuel Costa (2-1 e 3-1, aos 60' e 63'; e 4-2, aos 85') e Martins; Agachados: Nelo, Julinho (1-0, aos 8'), Gaspar Pinto e Alcobia.

Para compor ainda mais a excelente época, o Benfica ainda viria a vencer a Taça de Portugal depois de derrotar na final o Vitória de Setúbal por 5-1. Uma época em cheio sobre a liderança de Janos Biri. Fica aqui uma homenagem a esse grande treinador e uma dedicação ao Benfica. Um nome por vezes esquecido da nossa Gloriosa História.


JÁNOS BIRI, Húngaro, (21/07/1901 - 29/03/1983)





E terminamos como termina o artigo do DL: 

assim acabou este encontro do qual está tudo dito.



RedVC

#310
-71-
O Cruzeiro Aéreo às Colónias (I).

Lisboa, 4 de Dezembro de 1935. Uma comitiva de militares da Força Aérea Portuguesa apresenta cumprimentos de despedida ao General Óscar de Fragoso Carmona, Chefe de Estado.


Apresentação de cumprimentos de despedida dos aviadores que participaram no Cruzeiro Aéreo às Colónias ao Chefe de Estado General Óscar de Fragoso Carmona. Da esquerda para a direita: Tenente Manuel Gouveia, Capitão Amado da Cunha, Capitão Fernando Tártaro, Major Pinho Correia, Brigadeiro Silveira e Castro, General Óscar de Fragoso Carmona, Coronel Cifka Duarte, Coronel Ribeiro da Fonseca, Major Pinheiro da Cunha, Capitão Oliveira Viegas, Capitão Baltasar, Tenente Humberto da Cruz, Capitão José Bentes Pimenta, Capitão Moreira Cardoso.
Fonte: digitarq.

Seis dias mais tarde alguns desses militares integraram uma outra comitiva que apresentou cumprimentos de despedida ao Coronel Abílio Passos e Sousa, Ministro da Guerra do 9.º governo da ditadura presidido por Oliveira Salazar.


10 Dezembro de 1935, uma comitiva de militares que se prepara para fazer o Cruzeiro Aéreo às colónias apresenta cumprimentos de despedida ao ao ministro da Guerra Coronel Abílio Passos e Sousa.
Fonte: Digitarq.

As duas recepções oficiais estavam ligadas à eminente partida de uma esquadrilha para uma importante missão: o "Cruzeiro Aéreo às Colónias". Planeava-se uma missão de voo muito longa (mais de 30.000 Km) que atravessaria pelo ar as colónias Portuguesas (exceptuando Macau e as possessões na Índia) e que teria o carácter inovador de também sobrevoar a África Equatorial Francesa [1].

Uma missão ambiciosa, desafiante quer em termos técnicos quer humanos. Uma missão também com um notório carácter político. As duas recepções, concedidas pelo mais alto dignitário do Estado Português e pelo ministro da tutela provam a importância que o Antigo Regime deu a esse projecto:


O plano do Cruzeiro Aérea às Colónias. Fonte: Gazeta dos Caminhos de Ferro.

A esquadrilha que concretizou esse "Cruzeiro Aéreo às Colónias" era composta por três patrulhas cada qual com três aviões [2]. Os nove aeroplanos todos mono-motores, compreendiam um Junker e oito Vickers Jupiters:

Junker

"Monteiro Torres" (502) Coronel Cifka Duarte, Tenente-Coronel Ribeiro da Fonseca, mecânico Abílio Santos;

Vickers Jupiters

"Falcão" (201) Capitão Oliveira Viegas, mecânico Deniz.
"Albatroz" (202) Tenente Humberto da Cruz, mecânico Ramos
"Ibis" (203) Capitão José Bentes Pimenta, mecânico Aníbal;
"Chaimite" (206) Major Pinheiro Correia, Capitão Fernando Tártaro;
"Milhafre" (207) Tenente Manuel Gouveia, mecânico Simões;
"Peneireiro" (208) Capitão Joaquim Almeida Baltazar, mecânico Gomes;
"Mongua" (209) Major Pinho da Cunha, Capitão Amado da Cunha;
"Água" (210) Capitão Moreira Cardoso, mecânico Monteiro.



O Ibis, avião pilotado pelo Capitão José Bentes Pimenta acompanhado do Sargento-mecânico Aníbal.
Fonte: digitarq.


O Benfiquista voador

Entre os pilotos aviadores que integravam essas patrulhas estava um certo Capitão José Bentes Pimenta.

José Pimenta? Hoje talvez esse nome não nos diga nada mas nesses tempos este homem era tão-somente um nome prestigiado do universo Benfiquista. Era um dos nossos! Um homem que sete anos antes tinha terminado uma longa e prestigiada carreira de futebolista no Sport Lisboa e Benfica.

José Pimenta era um dos Gloriosos homens de Cosme Damião. Alguém que o acompanhou na terceira das quatro fases (da forma como eu vejo) que Cosme Damião cumpriu no nosso clube.





José Bentes Pimenta (27/05/1901 - 18/05/1968)



A Gloriosa equipa de 1926-1927 alinhada antes de um jogo contra o SCP. De pé, da esquerda para a direita: Ralph Bailão, João Ferreira, José Simões, António Jacinto (gr), Jorge Tavares, José Bentes Pimenta, Vítor Hugo Tavares. Agachados: Raúl Figueiredo "Tamanqueiro", Luís Costa, Eugénio Salvador e Mário de Carvalho.
José Bentes Pimenta, já veterano, jogaria apenas mais uma época.

José Pimenta jogou de 1918/19 até 1927/28 na primeira categoria do Sport Lisboa e Benfica. Jogou 10 épocas a defesa e jogou muito bem pelo que sabemos. Em 1925 chegou mesmo a capitanear a nossa equipa. Ficaria apenas por mais duas épocas depois da saída de Cosme Damião, o homem que o lançou e que com ele contou durante épocas a fio.

Talvez a saída de Cosme também tenha motivado o abandono de José. Talvez a veterania se tenha imposto pois apesar de ter menos de 30 anos, a vida de desportista e o desgaste físico associado era diferente nesses tempos. É possível ainda que o fizesse por razões profissionais. E como veremos a sua vida profissional foi bem preenchida.

Mais tarde, no início da década de 40, quando já tinha a patente de Major, José Bentes Pimenta viria a ter um papel como dirigente do nosso Clube. Esteve integrado como suplente nas Direcções eleitas em Setembro de 1941, Agosto de 1942 e Setembro de 1943, todas presididas pelo Dr. Augusto da Fonseca Júnior. Numa delas e no seguimento de um conflito com entidades governativas, José Bentes Pimenta veio a assumir funções efectivas durante alguns meses mostrando uma vez mais o seu Benfiquismo. Era uma figura prestigiada e no contexto difícil em que ele e os seus colegas de Direcção foram confrontados, mostrou amplamente esse seu Benfiquismo. Era um dos nossos!

Com menos de 30 anos José Pimenta já levava alguns anos de vida militar. Tinha tirado o brevet em Julho de 1928, pouco depois de abandonar o futebol. Em Dezembro de 1934 participou na comissão de recepção ao Capitão Humberto da Cruz que aos comandos do seu avião "Dully" e com o mecânico Lobato fez nesse ano o raide Lisboa – Macau. Um grande feito para a altura. Nessa homenagem também lá esteve o "nosso" Capitão José Pimenta. Seriam depois companheiros no Cruzeiro Aéreo às Colónias.


1934-12-11, a comissão de recepção ao Capitão Humberto da Cruz. Da esquerda para a direita: Capitão Maia Loureiro, Capitão José Pimenta (1); Professor Cruz Filipe, Dr. José Pontes, Joaquim Roque da Fonseca, José Saldanha, Carlos Bleck e Mário Reis.
Fonte: Digitarq"


No ano seguinte aparece publicitada a sua participação e vitória no 2º Rali Aéreo Nacional. Já aí fazia parelha com o Sargento-mecânico Aníbal. Seria o seu companheiro de missão no Cruzeiro Aéreo às Colónias.


A - O Capitão José Pimenta (1) e o sargento-mecânico Aníbal (2) posando em frente ao avião com que venceram o 2º Rali Aéreo Nacional em 6 deJunho de 1935. B – Os aviadores que tomaram parte no Rali. C – A pista da Amadora onde se realizou o Rali.
Fonte: Digitarq"


Disputado em 1935 no Campo de Aviação da Amadora, criado pelo "Grupo de Esquadrilhas da Aviação da Republica (GEAR) em 1919 junto ao campo de futebol dos "Recreios Desportivos da Amadora" (por sua vez fundado em 1912). Esse campo funcionaria até cerca de 1938, altura em que as actividades aeronáuticas foram deslocalizadas para Tancos [3]. Mais detalhes sobre esse primeiro "aeroporto":






Campo de Aviação da Amadora. fonte: [url="//restosdecoleccao.blogspot.pt"]restosdecoleccao.blogspot.pt[/url].

As décadas de 20 e 30 foram a idade do ouro do pioneirismo aéreo nacional. Depois da Travessia do Atlântico Sul em 1922 por Gago Coutinho e Sacadura Cabral teve continuidade com diversos raides aéreos aproveitando a situação geográfica das nossas Colónias. Era também e essencialmente uma questão política, uma oportunidade para prestigiar o nosso regime perante as outras nações Europeias.

Nesses tempos muitos militares morreram aos comandos de aeronaves. Nomes ilustres como Sacadura Cabral. Plácido Abreu, Monteiro Torres, António Lobato, Emílio Carvalho, Jorge Gorgulho, entre outros. José Bentes Pimenta teve mais sorte. Sobreviveu.

Enquanto Coronel, José recebeu duas condecorações como Comendador (18/10/1945) e Grande Oficial (19/01/1955) da Ordem Militar de Avis. Uma longa e preenchida vida com actuação em diversos campos da sociedade. Terá falecido em 1968 embora a referência que encontrei não seja muito sólida.

Mas voltando ao Cruzeiro Aéreo às Colónias, curiosamente aquando dos preparativos para essa missão, um jornal espanhol avançou com a curiosa notícia que os clubes desportivos de Lisboa estariam na disposição de financiar o combustível e os lubrificantes.

Curioso, tendo em conta as crónicas dificuldades económicas por que passavam... Atente-se que o jornal nomeava especificamente o aviador José Pimenta, "antíguo jogador de futebol del Clube Benfica".


Fonte; Jornal "La Libertad"

Muito mais há a contar acerca desse aventuroso Cruzeiro Aéreo às Colónias. No próximo artigo faremos um sumário. Com um outro (e interessante) ponto de ligação ao Glorioso.

Fontes:
[1] - Fonte: http://voandoemmozambique.blogspot.pt/2006/09/16-incio-da-aviao-em-moambique.html
[2] - Fonte: Gazeta dos Caminhos de Ferro 1152
[3] - http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/11/seguir-implantacao-da-republica-5-de.html

(continua)

RedVC

#311
Adenda: encontrei uma referência suplementar a José Pimenta. Um episódio que poderia ter representado o fim da sua vida. Um episódio que é a referência mais antiga da sua vida militar ligada à força Aérea Portuguesa. Um acidente num avião de treino.

Uma fotografia do estado impressionante dos destroços desse avião:


Na manhã de 8 de Janeiro de 1929, o Tenente (ainda era) José Bentes Pimenta ia a acompanhar o seu colega Tenente Arantes Pedroso num biplano de treino "Avro 3". Momentos antes tinha comentado com esse seu colega como é que eles conseguiam voar nesse "estojo"...

Acabou por entrar e pilotar esse "estojo". Cerca da 10h40, pouco depois de descolar, o avião despenha-se de uma altura de 50 metros. A asa direita tocou primeiro em terra e ao quebrar-se levou o avião a dar um salto e bater com o motor no solo partindo-se também a hélice. O aparelho ficou empinado e o motor dobrado para trás.

Quem olha para os destroços não consegue perceber como foi possível os dois aviadores salvarem-se. Na verdade felizmente os pilotos foram cuspidos aquando do embate do motor. José Pimenta ficou a cerca de 5 metros dos destroços com uma grande ferida na cabeça. Arantes Pedroso ficou a 2 metros e com um ferimento ligeiro.

Transportado para Santa Marta o tenente José Pimenta mostrou ter uma ferida contusa no maxilar e no malar direito para além de uma comoção cerebral. Estavam livres de perigo.

As declarações dos pilotos foram conclusivas o motor teve uma avaria a 50 metros de altura e parou. Tentaram regressar mas o aparelho tombou sobre a direita. E ficaram consciente de que: A nossa sorte foi termos sido atirados para fora do avião. De outra forma estaríamos com os ossos num feixe...

A notícia do DL ainda nos avança que José Pimenta era um dos "azes do Sport Lisboa e Bemfica" e que tirou o brevet sete meses antes ou seja por volta de Julho de 1928. No final da sua última época de águia ao peito.

José teve sorte naquele dia. Sorte que lhe permitiu fazer o Cruzeiro Aéreo às Colónias, sorte de ter uma vida longa e oportunidade de ainda vir a servir o Benfica.






RedVC

#312
-72-
O Cruzeiro Aéreo às Colónias (II).

Os preparativos da missão

A rota escolhida para o Cruzeiro Aéreo às Colónias compreendia cerca de 15.000 Km: divididas em 3 etapas finalizando em Bolama, Luanda e Lourenço Marques. Passaria por Lisboa - Guiné - Lago Tchad - Leopoldeville - Luanda - Elizabethville - Tete - Beira e Lourenço Marques.


A - Alguns dos pilotos aviadores estudam o percurso que pretendiam cumprir. Identificam-se da esquerda para a direita: Capitão Henrique Cardoso, Capitão Fernando Tártaro, Capitão Baltazar, Capitão Oliveira Viegas, Capitão José Pimenta (1) e Tenente Humberto da Cruz.
B - José Pimenta, aqui num outro grupo de preparação da missão. Identificam-se da esquerda para a direita: Capitão Joaquim Baltazar, Tenente Félix da Costa, Coronel Cifka Duarte (chefe de missão), Tenente-Coronel Ribeiro da Fonseca, Capitão José Pimenta (1) e Tenente Humberto da Cruz. Fonte: Digitarq.



Os preparativos decorreram no Campo de Aviação da Amadora até ao dia 14 de Dezembro de 1935. Envolveu planificação das etapas de voo, coordenação entre autoridades políticas e militares assim como o cumprimento de verificações técnicas aos aviões.



Campo de Aviação da Amadora. Diversos aspectos dos preparativos para o Cruzeiro Aéreo às Colónias. Na fotografia da direita em baixo identifica-se o Almirante Gago Coutinho. Fonte: digitarq.

Marcada para o dia 12 de Dezembro, a partida da esquadrilha de nove aviões militares sob o comando do coronel Cifka Duarte, acabou por acontecer apenas no dia 14 de Dezembro. Na despedida, entre a assistência estava o almirante Gago Coutinho, figura cuja presença era incontornável nesses diversos episódios do nosso pioneirismo da aviação militar.

A primeira etapa ligou Lisboa até Bolama (Guiné Bissau) num total de cerca de 3875 Km. Fez-se sem incidentes de maior sendo cumprida no dia 19 de Dezembro. Em Bolama a esquadrilha foi recebida em festa.

No dia 23 de Dezembro reiniciou-se a missão mas nesse mesmo dia a comitiva perde o seu primeiro avião. Numa aterragem de emergência em Tambacunda (Senegal Francês), o Junker 502 tripulado pelo Tenente-Coronel Ribeiro da Fonseca acabou por ficar incapacitado. Os seus três tripulantes distribuíram-se por outros aviões, tendo o Coronel Cifka Duarte, chefe da missão, passado para o avião do nosso Capitão José Bentes Pimenta [4]. Este foi um claro sinal da confiança técnica e pessoal que José Pimenta tinha do seu superior hierárquico.



O Junker perdido. Com a perda do "Monteiro Torres", a esquadrilha ficava reduzida a oito aeroplanos. Fonte: digitarq.

O Natal foi passado em Bamako (Mali) e o ano Novo (1936) em Fort Lamy, actual N'Djamena (capital do Chade). Nevoeiros, chuvas, vento e turbulência tornaram complicada a concretização dessa segunda etapa.

A chegada a Luanda, destino final da 2ª etapa, deu-se no dia 9 de Janeiro de 1936 tendo os aviadores sido recebidos por milhares de pessoas. A teceira etapa iniciou-se com a partida para Benguela e depois Nova Lisboa. Seguir-se-ia Elizabethville (actual Lubumbashi, República Democrática do Congo) onde chegaram no dia 21 de Janeiro.

Aí, o muito azarado Tenente-Coronel Ribeiro da Fonseca foi atacado pelas febres sendo obrigado a regressar por comboio ao Lobito e mais tarde por paquete a Lisboa [6]. Depois de uma passagem por Broken Hill na Rodésia (actual Kabwe, Zimbabwe) chegariam a Tete (Angola) no dia 24 de Janeiro e por fim a a cidade da Beira (Moçambique) no dia 25.

E foi na cidade da Beira, capital da província de Sofala, que se deu um evento que uma vez mais liga esta viagem ao Sport Lisboa e Benfica, mais propriamente ao Sport Lisboa e Beira. De facto, apesar de ter ideia de que dede 1928 existia já o aeródromo Pais Ramos na cidade da Beira, os oito aviões aterraram no Campo de Futebol do Sport Lisboa e Beira [7].


Manhã de Sábado 25 de Janeiro de 1936. Cerca das 10:45 horas o primeiro de oito aviões do "Cruzeiro Aéreo às Colónias" aterra no campo de futebol do Sport Lisboa e Beira vindos da cidade de Tete. Em terra, com os seus capacetes coloniais, os beirenses de então acenavam. Fonte: delagoabayworld.wordpress.com

Aí estacionaram, fizeram as verificações técnicas e interagiram com uma população que lhes prestou uma recepção entusiástica.


1936-01-25, Cidade da Beira, Os aviões em terra no campo do Sport Lisboa e Beira. Fonte delagoabayworld.wordpress.com.


No coração do Sport Lisboa e Beira.

O Sport Lisboa e Beira era uma filial do Benfica, a primeira fundada fora da metrópole. Fundado em 8 de Dezembro de 1916 na cidade da Beira (capital da província de Sofala), o Sport Lisboa e Beira foi a primeira filial do nosso clube em Moçambique. Ao que julgo saber, o Sport Lisboa e Beira foi a oitava filial do Sport Lisboa e Benfica, a primeira fundada fora da metrópole. Em 1936 esta colectividade dispunha de um parque desportivo amplo e de grande qualidade. O local adequado para uma aterragem em segurança



Parque desportivo do Sport Lisboa e Beira em 1932. Quatro campos de ténis, um campo de futebol e uma sede impressionante. Fonte: Digitarq.



Outros aspectos do parque desportivo do Sport Lisboa e Beira em 1932. A - Portão de entrada e bilheteira no Parque Desportivo do Sport Lisboa e Beira. B – Campos de ténis. C – Cinema e auditório. D – Bar. Fonte: Digitarq.


É referido na legenda original da fotografia que o Sport Lisboa e Beira foi a primeira agremiação desportiva em Moçambique, fundada em 1912 para a prática do futebol. Presumo que existe imprecisão na data de fundação mas fica a ideia de ter sido uma instituição fundada ainda na década de 10. O clube viria a ser condecorado com o grau de cavaleiro da Ordem de Cristo por serviços prestados à causa da educação física.

De entre as diversas infraestruturas o clube tinha uma excelente e funcional sede que servia quer para eventos seus quer para utilização das autoridades.



Três etapas de evolução da sede do Sport Lisboa e Beira; datas entre décadas de 20 e 30. Fonte: Digitarq


O clube teve algumas figuras prestigiadas pelo dinamismo que dedicaram ao clube e pela obra feita. O seu expoente foi Carlos Alberto Faria a quem foi concedida a medalha de 1ª classe. Foi concedida durante a Assembleia Geral do Sport Lisboa e Benfica em 4 de Fevereiro de 1923, com a justificação de ter desenvolvido acção de propaganda no Sport Lisboa e Beira. Este Benfiquista Moçambicano foi o primeiro Águia de Ouro!

Não conheço nenhuma fotografia deste homem mas talvez esteja nesta fotografia notável:



Evento público na sede do Sport Lisboa e Beira. Data incerta. Algures entre 1935 e 1942. Fonte: digitarq

Reparem no emblema do clube. Remete-nos claramente para o Sport Lisboa. Sem a roda da bicicleta. Glorioso!

Ou então nesta em que o Governador da Província assina o livro de Honra para visitantes.


Governador da Província assina o livro de Honra para visitantes do Sport Lisboa e Beira. Carlos Alberto Faria será talvez o Benfiquista por trás da cadeira. Fonte: digitarq.

Percebe-se que o futebol tinha um lugar de destaque nas actividades deste clube.



A equipa da primeira categoria de futebol do Sport Lisboa e Beira em 1924. Penso que Carlos Alberto Faria é o primeiro em pé à esquerda. Fonte: Gazeta das Colónias.

No próximo artigo fechar-se-à o círculo quanto ao relato deste feito da aviação militar Portuguesa. Um feito que também teve traços marcantes do universo Benfiquista.


(continua)



Godescalco

Trabalho fantástico, RedVC.

Obrigado por partilhar-lo connosco.

RedVC

Obrigado Gottschalk  O0

Há uma grande dose de prazer pessoal em fazer esta investigação.
No final o prazer é maior por resgatar pessoas e histórias (quase) esquecidas do universo Benfiquista.
E mais ainda por ver que existe um núcleo pequeno de eleição de Benfiquistas que aprecia saber mais da nossa Gloriosa História.