Decifrando imagens do passado

RedVC

Sim, alfredo. Mesmo sem filme disponível percebe-se pelos relatos que foi uma grande vitória.

A taça é impressionante. Obviamente feita para estar na sala de taças do FCP.
A fotografia que coloquei foi tirada por mim no nosso Museu.
A base é de granito e deve pesar algumas dezenas de Kg. Se reparares Moreira e Arsénio estão com muita dificuldade em levanta-la. E eles não eram meninos de copo de leite.  :coolsmiley:

Moreira então - nas palavra de Pipi - era um tipo duro e com uma personalidade bem vincada. Deve ter adorado levantar a taça.  :cool2:

É certo que dois anos depois os fecepes levaram uma taça que também deveria esta no nosso museu.



ainda assim os 8-2 devem doer um pouco mais. Até fizeram desaparecer as imagens do jogo. Ai como dói.

RedVC

#376
-91-
Pantera Negra em noite madrilena.


14 Dezembro de 1972, Madrid, Estádio Santiago Bernabéu.


Bene, Santillana, Eusébio, Dobrin e Gento.

Foi o dia do jogo de celebração das bodas de prata do Estádio Santiago Bernabéu e simultaneamente jogo de homenagem a Francisco Gento. O Real Madrid apresenta uma linha avançada de respeito. Ao centro está uma velha aspiração dos Madrilenos: Eusébio!

Eusébio, o Pantera Negra que 10 anos antes foi decisivo para retirar a sexta Taça dos Clube Campeões Europeus aos merengues. Neste jogo o Pantera Negra alinhou com a mítica camisola merengue.



Eusébio em noite madrilena.


Vestido de branco, na noite madrilena, Eusébio participou com a grandeza e classe de sempre num jogo de homenagem a um antigo e valoroso adversário: Francisco Gento.

Isto porque para além do seu génio futebolístico Eusébio teve sempre uma característica inigualável no mundo do futebol, soube cultivar o respeito e a amizade dos adversários. Semeou classe, talento e amizade. Foi um homem simples, de sentimentos simples e generosos. Temido pelos adversários no campo mas estimado pelos mesmos fora de campo. Grandeza. Génio. Classe. Um imortal.

Eusébio não foi diferente no caso da homenagem a Gento. Estava já numa fase avançada da sua carreira. Era já o tempo de Jimmy Hagan mas Eusébio continuava a ter uma importância decisiva e prestígio imenso por essa Europa do futebol. Estou certo que Eusébio terá tido particular honra e orgulho em jogar por uma vez com aquela camisola branca. Curiosamente partilha ainda hoje com Gento uma interessante distinção: são os máximos goleadores do prestigiado torneio Ramon Carranza. Ambos com 8 golos.



Remón (guarda-redes madrileno), Eusébio e Francisco Gento. Um Benfiquista entre madrilenos.


Nesse dia o Real Madrid realizou uma segunda homenagem a Gento, uma vez que sete anos antes já tinha feito uma outra uma, num jogo contra os Argentinos do River Plate, a antiga equipa do seu companheiro Alfredo Di Stefano.


O cartaz promocional da homenagem a Francisco Gento.



Francisco Gento, o homenageado.



Bilhete da primeira festa de despedida de Francisco Gento em 1965


Francisco Gento foi um dos maiores jogadores da história do Real Madrid. Um símbolo do Madrilismo. Pequeno, buliçoso e genial extremo esquerdo. À imagem do nosso António Simões. Talento sónico, talento puro. Elemento decisivo do período mais dourado da história do colosso Espanhol. Foi também o capitão Madrileno que cumprimentou o nosso grande José Águas naquela noite inesquecível de 2 de Maio de 1962.


José Águas e Francisco Gento. Uma imagem para a eternidade dos dois Clubes. Amsterdão, 2 de Maio de 1962. Cumprimento entre dois grandes capitães. Seguir-se-ia um dos jogos mais Gloriosos da nossa história
.

Mas, como se disse, nessa noite madrilena de 1972, o Real Madrid não apenas fazia a festa de despedida de Gento. Nesse dia os madrilenos celebravam também as bodas de prata do seu Estádio Santiago Bernabéu. E para celebrar convidaram um velho e ilustre conhecido, o Clube de Futebol "Os Belenenses".

Real Madrid 2 – Clube de Futebol "Os Belenenses 1

Arbitro: António Camacho
Golos: 1-0 Gento 15´; 2-0 Pirri 19´; 2-1 Quaresma 79'

Real Madrid: García Remón (Junquera 45´); José Luis (Touriño 45´), Benito (Andrés 45´), Verdugo; Pirri (Grosso 45´), Zoco; Bene, Eusébio, Santillana (Velázquez 46´, depois Aguilar 61´), Dobrin, Gento (Dzajic 27´).

"Os Belenenses": Mourinho, Murça, Jorge Calado, Freitas, João Cardoso, Godinho, Quinito, Quaresma, Laurindo, Luís Carlos, González (Ernesto 69´).


A equipa do Real Madrid que disputou o jogo de 14 Dezembro 1972. Em pé, esquerda para direita: García Remón, José Luís, Benito, Verdugo, Pirri, Zoco. Em baixo: Bene, Santillana, Eusébio, Dobrin e Gento.



A equipa do Belenenses que disputou o jogo de 14 Dezembro 1972. Em pé, esquerda para direita: Murça, Freitas, Mourinho Félix, João Cardoso, Jorge Calado e Quaresma. Em baixo: Laurindo, Quinito, Luís Carlos, Godinho e Gonzalez.



Luís Carlos conduz a bola. Lá ao fundo Eusébio observa.



Ecos na imprensa. Diário de Lisboa e Jornal "A Bola".


O Belenenses era um velho conhecido dos Madrilenos. Foi o adversário escolhido para nesse mesmo dia, mas 25 anos antes, ser o convidado de honra para o jogo de inauguração do Estádio Santiago Bernabéu. Nesse tempo o grande clube de Belém tinha sido dois anos antes campeão nacional. E com certeza mereceu uma honra que ainda hoje os azuis do Restelo muito merecidamente evocam.


Cartaz de promoção e ecos do jogo de inauguração do Santiago Bernabeu em 14 de Dezembro de 1947



Dia da inauguração do Estádio Bernabéu, 14 de Dezembro de 1947. As duas equipas alinhadas antes do jogo.


Curiosidades dessa partida de 1972:

Na equipa do CFB alinhou o guarda-redes Mourinho Félix, pai do "Special One". Era um guarda-redes já com uma carreira longa, com grande prestígio e que por via disso teve um merecido reconhecimento com a sua convocação para a brilhante selecção Portuguesa. Foi nessa selecção que teve a sua primeira e única internacionalização. Uma selecção que nas palavras de Carlos Pinhão, o genial jornalista de "A Bola", deu banhos de bola no Mundialito de 1972 no Brasil.



Mourinho Félix, guarda-redes do CFB.



Selecção nacional Portuguesa 1972. Plantel que participou no Mundialito no Brasil, 1972. Félix Mourinho, está na terceira fila, segundo a contar da direita com camisola amarela. Está entre Peres Bandeira e Humberto Coelho.


No defesa do CFB alinhou também Jorge Calado, nosso antigo jogador. No Benfica foi médio e defesa desde a época de 1962 até 1971. Ou seja no ano anterior era ainda nosso jogador e companheiro de Eusébio.



Jorge Calado com o manto sagrado.


Na equipa do Real Madrid alinharam para além do nosso Eusébio outros três jogadores que não integravam aos quadros do Real Madrid (elementos biográficos resumidos, Fontes: Wikipedia):


Dobrin, Bene e Džajic. Companheiros de eusébio por um dia.


Nicolae Dobrin, Roménia (1947 - 2007). Conhecido como o Ganso pelo seu estilo elegante sobre o terreno. Rivaliza ainda hoje com Hagi pelo estatuto de melhor jogador Romeno de todos os tempos. Centrocampista com capacidade de resolução de jogos pelo seu talento. Jogou no modesto FC Arges, conseguindo-o levar a dois títulos nacionais. O Real Madrid ofereceu por ele 2 milhões de Euros, à época uma fortuna. O regime comunista recusou. E pela Roménia ficou "desperdiçando" o seu talento num campeonato menor. Morreu em 2007 após longa batalha contra o cancro.

Férenc Bene, Hungria (1944 - 2006). Avançado com grande intensidade de jogo. Jogador do Ujpest Dozsa. Integrou uma ótima selecção Húngara que disputou o mundial de Inglaterra no grupo de Portugal e Brasil. Fazia um excelente trio de ataque com Flórián Albert e János Farkas. O convite a Bene terá também sido não apenas o reconhecimento ao seu talento mas também a uma escola de futebol da qual o Real beneficiou muito, ou não tivesse sido Púskas, antigo companheiro de Gento, um dos maiores, se não mesmo o maior jogador Húngaro de sempre.

Dragan Džajic, Juguslávia/Sérvia, (1946 - ). Um dos melhores jogadores da antiga Jugoslávia/Sérvia. Ponta-esquerda. Ou seja jogava na posição de Gento. Durante quase toda a sua carreira no Estrela Vermelha de Belgrado. Foi cinco vezes campeão Jugoslavo e marcou 287 golos em 590 jogos. De 1975 à 1977, viria ainda a jogar nos Franceses do Bastia. Tal como a Dobrin e Eusébio, o Real Madrid bem teria gostado de ter Džajic nas suas fileiras. Mas nesse tempo era bem mais difícil do que hoje é contratar um Galáctico. Pelé, sobre ele, disse que se tratava de um "milagre dos Bálcãs", um verdadeiro mago, lamentando que não fosse brasileiro. Pela Selecção Jugoslava, Džajic marcou 23 golos em 85 aparições e esteve presente na Mundial de 1974, e nos campeonatos da Europa 1968 e 1976.


Foi pois uma grande noite de futebol em que o Real Madrid celebrou o seu Estádio e homenageou o seu capitão, mas viu também cumprido o sonho de ver aquele jogador excepcional vestido de branco no Santiago Bernabéu. Pena foi que ao seu lado não tenha estado o grande ídolo de Eusébio: Alfredo Di Stefano!


O troféu mais desejado e merecido para Eusébio. Com aquela camisola ficou simbolizada a passagem do testemunho entre os dois monstros Gloriosos da história do Futebol.
Eusébio guardou religiosamente aquela sua preciosidade.


Lorne Malvo

É muito estranho ver Eusébio equipar sem o vermelho do Benfica ou de Portugal.

RedVC

Citação de: Lorne Malvo em 22 de Fevereiro de 2016, 15:15
É muito estranho ver Eusébio equipar sem o vermelho do Benfica ou de Portugal.

É verdade mas Eusébio troca-nos sempre as voltas.


Lorne Malvo

Citação de: RedVC em 22 de Fevereiro de 2016, 19:33
Citação de: Lorne Malvo em 22 de Fevereiro de 2016, 15:15
É muito estranho ver Eusébio equipar sem o vermelho do Benfica ou de Portugal.

É verdade mas Eusébio troca-nos sempre as voltas.



A 3ª da linha de cima é esta:



Final da Taça de 69, com um histórico da Académica, Vítor Campos. Toda a gente gostava de Eusébio, não conheço nenhum jogador tão unânime em termos de simpatia e humildade.

RedVC

Teria sido interessante ver Vítor Campos de águia ao peito.

Outros - dos poucos - avançados que faltou ver de águia ao peito:

Demétrio Patalino (tinha simpatia pelo Benfica)



Fernando Cabrita (tinha simpatia pelo Benfica)



Matateu (foi Glorioso durante uma horas num dia 1 de Abril...)



Jacinto João (JJ)





RedVC

#381
-92-
Da Catumbela a Freamunde.

Hoje começamos com uma fotografia onde estão três Gloriosos mas vamos falar essencialmente de um deles. Vamos falar de um jogador franzino mas com uma dimensão futebolística gigante. Um dos Bicampeões Europeus. O grande Santana!



Freamunde, 11 de Junho de 1972. A equipa do Sport Clube de Freamunde posa para a posteridade. Salientam-se três Gloriosos. Entre eles o seu jogador treinador, Santana! Fonte: http://freamundense.blogspot.pt

Freamunde 11 de Junho de 1972. Um dia que serviu de homenagem a Santana, um grandes jogadores da história do Sport Lisboa e Benfica. No final falaremos também de um outro episódio importante que ocorreu nesse mesmo dia. Um lamentável incidente que marcou a carreira de um quarto jogador Glorioso. Mas lá iremos.

Para este artigo aproveitei conteúdos de um belo artigo do Sr. Rogério Silva no blogue sobre uma passagem discreta mas prestigiosa do Glorioso em Freamunde. Fica aqui o reconhecimento e os devidos créditos: http://freamundense.blogspot.pt/2012/10/freamunde-benfica-de-1972.html . Baseia-se num artigo original de Joaquim Pinto - Gazeta de Paços de Ferreira

Esta terá sido a primeira vez que o Glorioso jogou em Freamunde. A Direcção do Sport Clube de Freamunde tinha convidado o Sport Lisboa e Benfica para participar numa homenagem ao seu jogador-treinador, Joaquim Santana Silva Guimarães. Santana, ele mesmo, o nosso Glorioso Bicampeão Europeu. E é nele que para já vamos centrar atenções.

Santana

Joaquim Santana Silva Guimarães
(22 Março 1936 – 24 Abril 1989
)

Natural da cidade do Lobito, Moçambique, Santana fez no entanto a sua formação no Sport Clube da Catumbela.

O Sport Clube da Catumbela foi fundado em 1931. Foi campeão provincial de Angola por 2 vezes, 1945 e 1958.

A Catumbela e o Lobito são ambas cidades do Distrito de Benguela.


As cidades do Lobito e da Catumbela


O emblema do Sport Clube da Catumbela.
Fonte: http://futeboldeangola.blogspot.pt/

O jovem Santana chegou com 18 anos ao nosso Clube. Corria o ano de 1954/1955, ou seja chegou na primeira época de Otto Glória no Benfica. Nas duas primeiras épocas jogou na equipa júnior do Benfica, categoria onde foi campeão nacional. A partir de 1956/57 viria a integrar o plantel principal. E logo numa época de grande êxito Benfiquista. O Benfica sagrou-se Campeão Nacional, foi vencedor da Taça de Portugal e finalista da Taça Latina, perdida para o Real Madrid em pleno Estádio Santiago Bernabéu. Nessa época de estreia, o jovem Santana jogaria apenas por uma vez.


Otto Glória foi um treinador importante na história do Benfica e na carreira de Santana.

Treinado por Otto Glória, Santana estreou-se na 6ª jornada, dia 21 de Outubro de 1956. Estreou-se no Estádio da Luz num jogo frente ao Caldas Sport Clube. Vitória difícil por 1-0 com golo de Francisco Palmeiro aos 38'. Na segunda parte o Benfica jogaria com 10 por lesão do mesmo Palmeiro. Santana teve algum destaque e quase marcou.



Ecos do jogo Benfica 1 – Caldas 0. Estádio da Luz, 21 Outubro 1956. Fonte: DL.
Seria esse o jogo de estreia de Santana. Mas também seria o único nessa época. A concorrência era grande e ainda teria que ganhar o seu espaço.

Jogador de físico franzino (1,72 m, e cerca de 68 kg) foi talvez por isso que teve dificuldades em se impor. Santana era um jogador hábil, virtuoso, elegante no seu fino recorte técnico e subtil inteligência. Um craque. Apesar disso a sua postura em campo valeu-lhe a jocosa alcunha de "molengão de Catumbela"

Na revolução que operou, Otto Glória implantou no Benfica um jogo técnico mas que não dispensava uma forte componente física. A combinação dessas virtudes distinguia a nossa equipa em Portugal que já de si era recheada de grandes talentos. Sem surpresa vieram os títulos.

Na época seguinte Santana jogaria mais, jogaria por 13 vezes, cerca de metade dos jogos do campeonato nacional da altura. Marcou três golos, curiosamente todos contra o Oriental numa vitória por 7-0 no dia 22 de Setembro de 1957 no Estádio da Luz. Globalmente 1957/58 foi uma época fraca para Santana e para o Benfica. Terceiro lugar atrás de SCP que foi 1º e o FCP que foi 2º com os mesmos pontos do SCP. Estreia breve e pouco destacada nas competições europeias contra o Sevilha (Santana não jogou).



Ecos do jogo Benfica 7 – Oriental 0. Estádio da Luz, 22 Setembro 1957. Fonte: DL.

Na época seguinte Santana faria apenas quatro jogos na Taça de Portugal e zero no campeonato. Um eclipse quase total. O Benfica perdia o campeonato na linha de chegada. Foi também a época do episódio Calabote em que ainda hoje o FCP mistifica descaradamente, com a sua habitual má-fé e gosto pela adulteração da verdade histórica.

Para Santana a época cingiu-se à Taça de Portugal. Mas ainda assim marcaria por uma vez em cada um dos jogos da meia-final contra o SCP em Alvalade e na Luz. Na Luz, o seu golo valeu a classificação para a final onde o Benfica ganharia a Taça. Ganhou ao FCP com um golo de Cavém aos 15 segundos de jogo.

https://www.youtube.com/watch?v=6cMnMGbPAB8
19 de Junho 1959, Estádio Nacional, Jamor. Final da Taça de Portugal. Sport Lisboa e Benfica 1-0 FC Porto. Santana na primeira linha.

Campeão

Se calhar nos dias de hoje Santana seria dispensado mas felizmente os tempos eram diferentes. Ficou e ainda bem que ficou. Nada parecia indicar que viria a assumir algum tipo de preponderância na primeira equipa. Mas assim foi. Santana explodiu para a Glória em 1959/60 e por lá se manteve até 1962/63. Cerca de 81 jogos, 36 golos (fonte: Vedeta ou Marreta).

Santana esteve no melhor na época mais Gloriosa da nossa história. A sua qualidade de jogo e influência na equipa foi decisiva para a nossa Glória Europeia. Santana esteve presente em muitas tardes e noites de Glória mas com certeza naquela noite de 31 de Maio de 1961, no Estádio Wankdorf na mítica final de Berna, Santana terá tido a noite da sua vida.


Berna, Guttman prepara a grande final. Santana na linha da frente.


Berna, 31 de Maio de 1961. O onze da vida de Santana.



Berna, noite de 31 de Maio de 1961. Noite de Campeões. Santana saboreia o topo da sua carreira.

A partir de 1964/65 a influência caiu. Nessa época jogou apenas uma vez no campeonato nacional e logo para marcar 5 golos no dia 2 de Maio de 1965 quando ganhamos na Luz ao Seixal por 11-3!


Ecos dos jogos Benfica 11 – Seixal 3. Santana marcou cinco golos! Fonte: DL.

Santana ficou no plantel até 1967/68 jogando pouco, muito pouco. O seu último jogo foi em 24 de Março de 1968, na Luz contra a Sanjoanense. Sobre orientação de Otto Glória, o Benfica venceu por 2-1. O seu último golo foi marcado dois anos antes a 30 de Outubro de 1966, em Ovar numa vitória robusta de 6 – 0. Santana marcou o 1-0 aos 41'.


Ecos dos jogos em que Santana foi pela última vez titular e em que marcou pela última vez com a águia ao peito. Fonte: DL.

A Festa

Mas voltemos à festa de homenagem a Santana. E nada melhor do que citar parte do belo artigo do Sr. Rogério Silva:

A ilustre comitiva foi recebida às portas de Seroa, dirigiu-se para Frazão onde o simpatizante encarnado, Manuel Coelho de Sousa, lhe prestou uma calorosa recepção, com foguetes e tudo. Até uma rosca de pão-de-ló foi distribuída a cada um dos atletas.

Chegados ao "Carvalhal", a abarrotar, Simões, de braço ao peito, com blocos de ingresso nas mãos, ajudava o seu ex-companheiro de tantas tardes e noites de glória.
O Benfica apresentou-se com o melhor que possuía no plantel, à excepção dos internacionais que haviam sido convocados para o Mundialito, no Brasil. Mesmo assim, no "onze", muitos craques. Foram estes os protagonistas do encontro.


O jogo decorreu sob arbitragem de Américo Borges. As  equipas alinharam da seguinte forma:

S. C. Freamunde: Miguel (Agostinho "Rita"), Ribeiro, Fernando Viana, Rolando (jogador do F. C. Porto), Albino (Faria); Jacinto (Leixões 1957/58-1961/62; Benfica 1962/63-1970/71; F. C. Porto 1971/72) e Justino (Martinho); Couto, Santana. Iaúca (Benfica 1962/63 – 1967/68; depois Lourosa) e Ernesto.

S. L. Benfica: Fonseca, Malta da Silva, Rui Rodrigues, Zeca e Franque; Barros (Fausto), João Alves e Vítor Martins; Eurico Caires, Carlos Pereira e Diamantino.
Venceu o Benfica por 1-0, com golo de Carlos Pereira (ou segundo outra fonte de Eurico Caires).


A equipa do S.C. Freamunde em Junho 1972. Em cima, esquerda para a direita: Miguel, Ribeiro, Fernando Viana, Jacinto (ex-Benfica), Albino, Fernando Ribeiro (director), Abílio Gomes (director), António Alves (director), Rui Magalhães (director) e Abílio Freire (director).
Em baixo, esquerda para a direita: Rolando (jogador do FC Porto 1964/65 - 1974/75), Justino, Santana (Benfica 1956/57 – 1966/67), Couto, Ernesto, Jaime Gomes (director), Fernando Moreira (director) e Iaúca (Belenenses 1957/58 - 1962/63; Benfica 1963/64 - 1967/68; Salgueiros e Lourosa)



A equipa do S.L. Benfica em Junho 1972. Penso ser a equipa deste jogo. Em cima, esquerda para a direita: ?, Malta da Silva, Barros, ?, Rui Rodrigues, Vítor Martins, Zeca. Em baixo: Eurico Caires, Franque, Diamantino, Carlos Pereira, João Alves e Fonseca.



Momento da entrega da Taça "António Silva Alves". Reconhecem-se o capitão Malta da Silva, Rui Rodrigues e Franque. Mais longe Diamantino, Fonseca e Vítor Martins. Fonte: http://freamundense.blogspot.pt


No final da contenda, depois de Malta da Silva ter recebido das mãos do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Paços de Ferreira, a Taça "António Silva Alves", todos os intervenientes, amigos e convidados, reuniram-se na "Quinta do Monte" onde, num ambiente acalorado, lhes foi servido um esmerado copo d'água.

Uma festa bonita, e amplamente merecida, Santana terá apenas tido a mágoa de o Benfica não ter comparecido com a sua melhor equipa uma vez que os melhores daquele tempo já estavam concentrados na selecção o Mundialito no Brasil.

Santana manter-se-ia no Benfica até 1967/68. Depois seguir-se-ia o Salgueiros e o Freamunde. Ao serviço do Benfica, Santana conquistou sete campeonatos e duas Taças de Portugal, registando 225 jogos e 93 golos. Um registo impressionante tanto mais valoroso quanto obtido essencialmente na época mais valorosa da nossa história em que a nossa equipa de futebol era uma máquina de talento e golos.

Santana teve depois do Benfica passagens pelo Salgueiros, Freamunde e finalizou a carreira de treinador na Régua. Com apenas 53 anos de idade foi o primeiro dos jogadores Campeões Europeus a partir do nosso convívio. Paz e Honra à sua saudosa memória. Honra ao homem e ao jogador que tanto deu de si ao nosso Clube.


Obituário de Joaquim Santana Silva Guimarães. Fonte: DL, 24 de Abril 1989.


Alves e Simões.

Como atrás se viu, naquele dia 11 de Junho de 1972, nota-se ainda que o Benfica actuou com um miolo de meio campo de luxo. Um miolo que estava em formação. Ao habilidoso e já em via de consagração Vítor Martins juntava-se o jovem e promissor João Alves. E é sobre Alves que se reporta o segundo episódio.

Tratou-se de um triste incidente entre dois homens de temperamento forte: o jovem João Alves e o consagrado António Simões. Aconteceu nesse mesmo jogo de homenagem a Santana.

Depois de uma época em que jogou emprestado no Varzim, o jovem João Alves regressava ao Benfica sob indicação de Jimmy Hagan. A sua qualidade tinha ficado patente numa época passada na equipa poveira depois de ter brilhado nas nossas camadas juniores ao lado de homens como Shéu e António Fidalgo, entre outros. Nesse jogo de Freamunde, sem que se saiba a razão, talvez fortuita, João Alves terá tido uma discussão azeda com António Simões que também estava presente para homenagear o antigo companheiro. Ao que parece a conversa azeda resvalou para as luvas que como sabemos uma homenagem que João Alves fez ao longo da sua carreira em memória do seu avô, o grande jogador Carlos Alves.

A influência de Simões no Clube ditou que o Benfica tivesse sido forçado a vender João Alves. Assim a troco de 600 contos o "luvas pretas" abandonava o Benfica. Ao que parece a mesma verba que o Benfica tinha despendido para que Alves não fosse incorporado e mobilizado para o Ultramar. Apenas o seu Benfiquismo e muito dinheiro fariam que mais tarde voltasse. Perdeu-se talvez uma evolução mais consistente e uma permanência maior do "luvas pretas" nos nossos plantéis.


João Alves e António Simões

Um episódio infeliz num dia de festa.

RedVC

- 93 -
112 anos de Paixão


24 fundadores, 20 rostos, 1 Clube.

Tantos segredos estes 20 rostos encerram. Os outros 4 são em si um segredo.

Mas o Clube que eles criaram é real.

Sport Lisboa e Benfica, a nossa paixão.

Obrigado a estes 24 homens e a todos os que antes e depois consolidaram o Ideal.

O Clube vive e viverá!



Semper Fidelis


RedVC

#384
-94-
O sósia. (parte I)

26 de Fevereiro 1911. Campo do Lumiar, terreno do SCP. Um conjunto de jogadores posa para a câmara de Arnaldo Garcês Pereira, ficando registado para sempre um momento de grande confraternização desportiva.



__________________________________________________________________

Arnaldo Garcês Pereira foi um grande fotógrafo, um autodidacta que tal como Joshua Benoliel, esteve alguns anos mais tarde na frente de batalha acompanhando o Corpo Expedicionário Português na I Guerra Mundial. PAra mais e interessante informação ver:
___________________________________________________________________


Nesta fotografia estão 22 homens e uma criança. Na fotografia tem sido identificada a presença de Cosme Damião a confraternizar com os seus companheiros Casapianos após um jogo de futebol. Segundo essa interpretação Cosme seria o homem de maior destaque na fotografia, apresentando o seu característico bigode e envergando uma estranha camisola listada, talvez parte do equipamento de uma equipa Casapiana da época.

Em boa verdade, nunca me senti confortável com esta identificação mas não tinha dados para questionar. Agora, depois de alguma investigação e análises comparativas com fotografias de época posso dizer que a verdade histórica é outra e bastante diferente.

E podemos começar a percebê-la quando atentamos ao que foi publicado no nº 38 do jornal Os Sports Ilustrados, publicado no dia 4 de Março de 1911.


Os Sports Ilustrados nº 38 de 4 Março 1911.Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


As duas equipas que disputaram uma partida no Campo do Lumiar em 26 de Fevereiro 1911. Fonte: Os Sports Ilustrados.


O jornal dava honras de primeira página à realização de um jogo entre um "grupo mixto contra um "team" d'um clube de foot=ball", jogo disputado no dia 26 de Fevereiro de 1911. Cumpriram-se agora pouco mais de 105 anos desde esse dia. O Grupo "mixto" é inequivocamente a mesma equipa da fotografia com que começamos este texto. O outro grupo é o SCP com o seu equipamento de calção branco e camisola bipartida em verde e branco. O equipamento "Stromp".

As identificações

Comecemos pela fotografia mais fácil, ou seja aquela que é relativa ao SCP. A fotografia captou a poderosa linha avançada dos sportinguistas. Cinco grandes pioneiros do futebol Português. Entre eles dois fundadores do... Sport Lisboa. Dois dos quatro irmãos Rosa Rodrigues, os célebres Catataus.


A linha avançada do Sporting Clube de Portugal em 1911. De pé, da esquerda para a direita: António Rosa Rodrigues, Francisco Stromp, Cândido Rosa Rodrigues. Sentados: António Stromp e João Bentes.


Nesse jogo o SCP jogou contra o tal grupo "mixto" constituído por uma selecção de jogadores do Sport Clube Império e do Clube Internacional de Futebol.

Na fotografia relativa ao grupo "mixto" está o árbitro de jogo, o escultor e antigo Casapiano Francisco Santos. Antigo jogador do Sport Lisboa, da Lazio de Roma e do SCP. Da figura de Francisco Santos já por aqui falamos no "nº 51 - Escultor de excepção, futebolista sem fronteiras" (p.13).

Estão também dois outros elementos ligados ao SCP, Daniel Queiroz dos Santos e Augusto Santiago Barjona de Freitas. O primeiro foi um dos desertores do Sport Lisboa que saiu para o SCP em 1907. Daniel chegaria a capitão-geral e depois em Novembro de 1914 a presidente do SCP. O segundo começou no Campo de Ourique, integrou depois o Cruz Negra para finalmente ingressar no SCP. Em 1911 tinha acabado de sair do SCP para passar a jogar no Clube Sport Império. Saiu do SCP depois de num jogo contra o Benfica ter agredido jogadores adversários porque lhe tinham marcado golos. Em sites afectos ao SCP diz-se que abandonou por se ter lesionado nesse jogo contra o Benfica. Siga o charme...

Estão igualmente presentes dois jogadores ligados ao CIF. Augusto Sabbo e Carlos Sobral, o "herói derradeiro".


Augusto Sabbo (esquerda) e Carlos Sobral (direita). Dois jogadores do CIF.
Sabbo seria mais tarde treinador do SCP e Sobral seria jogador do SLB.

Sabbo era um homem culto, um engenheiro formado na Alemanha. Foi jogador de futebol do CIF, o clube dos irmãos Pinto Basto e de Carlos Villar. Penso que actuava em posições mais recuadas tendo defrontado com frequência o nosso Clube. Ficaram célebres algumas dores de cabeça que o nosso Álvaro Gaspar lhe pregou. Com o fim da sua carreira de jogador Sabbo tornou-se treinador tendo chegado a treinar o SCP no início da década de 20 e com bons resultados. Terá aparentemente sido o primeiro treinador remunerado em Portugal. No SCP conquistaria o 1º Campeonato de Portugal (prova equivalente ao que é hoje a Taça de Portugal), sendo que na altura o SCP disputava por época esse campeonato e o campeonato regional de Lisboa.

Por sua vez Carlos Sobral estava prestes a iniciar uma única época no SCP como jogador de futebol. Não se terá adaptado pois no ano seguinte regressaria e por três épocas ao CIF. Finalmente em 1915-1916 viria a juntar-se ao Sport Lisboa e Benfica na época em que Cosme se retirava dos campos de futebol. No Benfica permaneceu por quatro épocas, período em que foi campeão e no qual chegou a capitão de equipa apesar de existirem outros jogadores mais antigos. Cosme confiava nele. Era um atleta completo, nadador campeão e futebolista talentoso. Era também um homem respeitado e de carácter forte. Acabaria por sair do nosso clube em 1918 para ajudar a fundar o CFB onde chegou a capitão geral por indicação de uma outra nossa antiga Glória, o dedicado Henrique Costa. Da figura trágica de Carlos Sobral já por aqui se falou no nº 45 "Glória e tragédia. A vida do campeão Carlos Sobral." (pág. 12).



Grupo misto que disputou um jogo de futebol contra o SCP em 26 de Fevereiro de 1911. Identificam-se diversos célebres pioneiros do futebol Português. Salientam-se o árbitro Francisco Santos (à civil), e o putativo Cosme Damião (salientado a vermelho).

A missão de identificar os homens da fotografia inicial é difícil mas felizmente o jornal ajuda-nos ao dar-nos a constituição das duas equipas, embora para o "mixto" só apareçam 10 nomes.


A constituição das duas equipas. O nome de Cosme Damião não consta do misto. Onde estaria Cosme?
Fonte: Sports Ilustrados nº 38, de 4 de Março 1911.

A composição do grupo "mixto" confirma a presença de Sabbo e de Sobral. Ao invés Cosme Damião não consta da linha apresentada no jornal. E realmente o que faria Cosme num jogo daqueles? Estaria completamente deslocalizado sem que nenhum dos seus companheiros do Sport Lisboa e Benfica estivesse presente. Apenas os seus antigos companheiros Couto, Santos e os dois Catataus. Por isso seria ele?

Por outro lado a análise da composição do "mixto" indica-nos que a maioria dos seus jogadores era oriunda do Sport Clube Império. Este jogo parecia pois mais um convívio entre SCP, SCI e CIF. Não faz sentido algum pensar que Cosme Damião esteve naquele jogo.

Mas ainda assim poderia ele ser o 11º homem cujo nome não consta no jornal? Será possível identificar todos os homens da fotografia? Quem seria o homem parecido com Cosme que tem um grande destaque na fotografia? Seria mesmo Cosme Damião ou outro homem?


Cosme ou um sósia? Quem seria?.

Este putativo Cosme Damião apresenta um detalhe desconcertante: a sua altura. Percebe-se que a sua altura não é compatível com a de Cosme. Este homem é bem mais baixo do que o 1,77 m que consta do bilhete de identidade de Cosme Damião. Mais um elemento que indica que estamos em presença não de Cosme Damião mas sim de um sósia.


Equipa do Sport Lisboa de 1908. Esta foi a equipa que venceu pela primeira vez o SCP. A fotografia é apresentada na orientação correcta ao contrário da forma recorrente (e erradamente) em que é apresentada (repare-se no detalhe do lado do bolso). De pé, esquerda para a direita: Henrique Costa, Luís Vieira, João Persónio, Cosme Damião (do alto dos seu 1,77 m), Leopoldo Mocho, Artur José Pereira e o árbitro Gastão Pinto Basto (CIF, depois SCP). Sentados, esquerda para a direita: António Costa, Eduardo Corga, David da Fonseca, António Meireles e Carlos França.


Bilhete de Identidade de Cosme Damião. A sua altura é claramente indicada = 1.77 m.

RedVC

#385
-95-
O sósia (parte II).


O desfazer do equívoco

Para procurar respostas teremos de olhar para mais fotografias de equipas da época. Em particular olhar para fotografias de época desse e de outros clubes dessa época para progredirmos nas identificações. E comecemos por uma particularmente esclarecedora. Uma fotografia tirada depois de um jogo no ano anterior entre o SCP e o SCI.


As primeiras categorias do Sport Club Imperio e Sport Club Portugal". Fonte Os Sports Illustrados #23, 19 de Novembro de 1910.

E assim se percebe que o putativo Cosme também esteve presente. Percebe-se também que esse homem se chamava Travassos Lopes, e que era o capitão do Sport Clube Império.

Joaquim Quintino Travassos Lopes, nascido em 1885 em Castro Verde. Estudou no  Real Instituto de Lisboa e foi um entusiasmado jogador do Foot-ball Cruz Negra, clube de existência efémera, cerca de 1905 até 1907. Por lá passaram pelo menos dois jogadores que vieram a destacar-se mais tarde no Benfica, Henrique Costa e Artur José Pereira. Mas as suas figuras centrais eram outras. Entre elas estava Travassos Lopes.


Duas imagens, duas equipas do Foot-ball Cruz Negra. Data desconhecidas, algures entre 1905 e 1907. Para além de Travassos Lopes e Augusto de Freitas está presente David da Fonseca, um imortal Benfiquista que esteve no Cruz Negra de forma passageira depois das convulsões de 190/1908. Voltaria ao SLB para ser um dos marcadores da primeira vitória do nosso clube sobre o SCP. Fonte: AML.

A extinção do Cruz Negra acabou por beneficiar mais o SCP e o Clube Sport Império uma vez que as suas figuras maior para lá foram. E seria no SCI que Travassos Lopes chegaria a ser uma das figuras preponderantes do futebol Português daquela época.

E assim podemos voltar à primeira fotografia para mais identificações. Apesar de não estar completa já é possível fazer uma identificação conclusiva para a maior parte desses homens.


Proposta de identificação para o grupo de jogadores que participaram no SCP vs "Mixto" de em 26 de Fevereiro 1911 no Campo do Lumiar.

Do lado do SCP estão presentes alguns dos seus jogadores nucleares tais como António Rosa Rodrigues (Neco), os dois irmãos Stromp, Joaquim Bentes, Alberto de Oliveira, António Neves Vital e Daniel Queiroz dos Santos (já retirado). Está por fim Gastão Pinto Basto que nesse jogo foi o guarda-redes do SCP. Membro de uma família prestigiada a quem o futebol Português muito deve. Foi jogador de campo do CIF e depois seria por algum tempo guarda-redes do SCP. Existem alguns outros que permanecem não identificados entro os quais teremos os jogadores menos conhecidos da equipa do SCP: Joaquim Alves Júnior e Costa.

Do lado do Sport Clube Império podem também identificar-se algumas figuras chave tal como Borja Santos e Daniel Freitas. Está também Charles Ettur, um Inglês que integrou os quadros dos Campo de Ourique, do Gilman, do SCP e do Império.

Mas o facto mais relevante é que a análise das fotografias dessa época do Clube Sport Império mostra a presença recorrente de um sósia de Cosme Damião. O seu nome era Joaquim Quirino Travassos Lopes. E é dele que interessa falar.

E assim se vê que o jogador nº 1 não se tratava de Cosme Damião mas sim de Travassos Lopes.


Travassos Lopes (FCN, CSI, ILC, CSM); Cosme Damião (SLB)
Sósias com percurso bem diferente.



Uma curiosa fotografia em que aparecem Travassos Lopes e Cosme Damião enquanto opositores. Infelizmente a qualidade é fraca. Jogo disputado em 25 de Dezembro de 1913, frente ao SC Império, no seu campo de Palhavã, para uma competição criada pelo inexistente SC Império, emblema fundador da AFL, o troféu "Taça Portugal". Fonte e legenda (parcial): Em Defesa do Benfica.



Travassos Lopes, um Alentejano na ilha da Madeira

Alguns anos depois Travassos Lopes foi viver para a ilha da Madeira (fonte: http://geneall.net/pt/forum/12160/travassos-lopes-da-madeira/).

Também aí revelou a sua faceta de activo promotor dos valores e virtudes do desporto. A provar isso tornou-se de 1922 a 1927 o 6º presidente do Clube Sport Marítimo, clube fundado em 1910. Seria depois reeleito para um novo mandato de 1928 a 1929 


Duas imagens de Travassos Lopes como presidente do CS Marítimo. Fotografia da esquerda: Dirigentes do Club Sport Marítimo., Funchal, 1922. Sentados: Abel Romão Gonçalves, Joaquim Quintino Travassos Lopes e Álvaro dos Reis Gomes; de pé: Manuel de Sousa, António Gomes e Amaro Magno Ferreira. Fonte: Colecção Club Sport Marítimo (http://www.arquipelagos.pt/). Funchal, ilha da Madeira. Fotografia da direita: Travassos Lopes com uma selecção de nadadores de Lisboa 1924. Fonte: Wikimedia.

Essa presidência foi muito bem-sucedida pois o Club Sport Marítimo cresceu em organização e número de sócios e viria a vencer o Campeonato de Portugal de 1925/1926. Venceu na final o CFB por 2-0 num jogo disputado no dia 6 de Junho de 1926 no Campo do Ameal, Porto. Isto depois de ter esmagado o FCP por 7-1 na meia-final de 23 de Maio de 1926 num jogo disputado na casa do Sporting, no Campo Grande, em Lisboa.


Evocação do único título nacional conquistado pelo Clube Sport Marítimo.

Já na década de 30, Travassos Lopes viria a receber uma condecoração para o grau de Cavaleiro da Ordem de Benemerência, por proposta do Ministro do Interior, Albino dos Reis, em 9 de Junho de 1933. Publicado no DG n.º 233, de 5 de Outubro de 1936. (fonte: http://arquivo.presidencia.pt/details?id=125041). Joaquim Quintino Travassos Lopes viria a falecer no Funchal no dia 13-02-1960.



E assim podemos quase completar as identificações na fotografia do "mixto"


A equipa do "mito" que disputou o jogo de 26 de Fevereiro 1911 contra o SCP. Falta identificar alguns jogadores do CSI: Álvaro Cruz, Pestana e Miranda.

E ficam algumas imagens do jogo:


Algumas imagens do jogo publicadas em "Os Sports Ilustrados" nº 38 de 4 de Março de 1911.

Nesse tempo a estrutura organizativa das associações e dos campeonatos era muito rudimentar. Poucos clubes, poucos jogos oficiais e pouca organização. Combinavam-se muitos jogos particulares e era frequente ver jogadores alinharem na mesma época desportiva (se assim lhe chamarmos) por mais de uma equipa.
Para além da grande mobilidade de alguns atletas entre várias equipas numa só época, tanto quanto julgo saber estes jogos mistos serviam de base à selecção de jogadores para representar a recém-fundada Associação de Futebol de Lisboa. Essas equipas jogavam ocasionalmente contra outras equipas da "província" ou contra equipas estrangeiras convidadas. Serviam assim para definir jogadores e para dar alguma consistência de conjunto.


Os equipamentos

Por fim algumas curiosidades relativamente aos três equipamentos apresentados na fotografia. Três? Sim, mas vamos por partes.

O SCP envergava o seu equipamento Stromp importado de Inglaterra. Esse equipamento estreado em 1907 foi tanto quanto sei o segundo da história dos sportinguistas pois o primeiro equipamento era completamente branco. O equipamento listado seria apenas adoptado pelo futebol apenas em 1928 na digressão que fez ao Brasil. Ou seja apareceu quando o SCP já tinha 22 anos de idade.

Por sua vez o "mixto" envergava um equipamento listado. Um não... dois!

De facto, o equipamento usado pela maioria era – tudo me leva a crer - o equipamento do Sport Clube Império. Fundado em 11 de Novembro de 1908 (fonte: Em defesa do Benfica), o Sport Grupo Império recebeu jogadores do Futebol Grupo de Campo de Ourique e do Football Cruz Negra (que se extinguiu). Apesar de pequeno foi sempre um clube dinâmico e que teve diversas iniciativas desportivas entre as quais se incluiram algumas competições. Por dificuldades diversas o SCI seria mais tarde rebaptizado de Império Lisboa Clube quando por volta de 1917 se fundiu com o Lisboa Football Club (que equipava com camisola bipartida branca e azul). Uma fusão que, ao que julgo saber, foi uma tentativa de sobrevivência tal como a que foi decidida em 1908 pelo Sport Lisboa e pelo Grupo Sport Benfica para formar o Sport Lisboa e Benfica.


Evolução do Sport Clube Império, depois Império Lisboa Clube (fusão do CSI com o Lisboa Futebol Clube) até Clube Desportivo Palhavã. Apenas o emblema do ILC está confirmado. Retirado do site zerozero.


O SC Império apesar de ter tido curta vida apresentou diversos equipamentos mas o mais paradigmático foi justamente o equipamento de que estamos a falar. Camisola listada de amarelo e preto e calção branco. Um equipamento com uma camisola similar à que é envergada actualmente pelo Fenerbahce. Um equipamento invulgar ainda nos dias de hoje.


Evolução do equipamento do Sport Clube Império para o Império Lisboa Clube. Emblema deste último clube.

E um detalhe surpreendente. O velho equipamento amarelo e preto do Sport Clube Império acabaria por ser o primeiro equipamento alternativo do... Sport Lisboa e Benfica.

De facto como nos conta Alberto Miguéns: "É bom recordar que o SC Império inaugurou depois, em 29 de Outubro de 1911, um bom campo em Palhavã. Foi neste campo que o Benfica, em 12 de Janeiro de 1924 se deparou com o insólito. O adversário dessa tarde, AC Sparta de Praga equipava "À Benfica"! Sem equipamentos alternativos houve que puxar os que estavam "mais à mão". Os do clube da casa. E assim os "vermelhos" jogaram às riscas verticais, pretas e amarelas. Ao que consta, houve "lágrimas no canto do olho" em quem presenciava de fora esse jogo "esquisito"!". Fonte: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/04/o-triunfo-de-alvaro-gaspar.html.  Um jogo infeliz para as nossas cores mas de factos os Checos eram uma equipa demasiado poderosa para as nossas capacidades de então.


Ecos do SL Benfica 0 - AC Sparta 6. Repare-se no detalhe sobre os equipamentos das duas equipas. Fonte: Diário de Lisboa, 12 Janeiro 1924, página 1.


Única fotografia que conheço do jogo do SLB com o AC Sparta em 12 de Janeiro de 1924. O guarda-redes Chiquinho atira-se aos pés de um Checoslovaco. Não se percebe mas o Benfica alinhou vestido à Império. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Uma imagem de 1911 mas que nos dá uma ideia das combinações de cores daquele jogo de 1924.
Em 2 de Novembro de 1913, no campo de Palhavã, Robert Matos (SC Império) e Alberto Rio (Benfica).



Voltando ao jogo de Fevereiro de 1911 foi ainda usado um segundo equipamento listado e por isso difícil de distinguir numa fotografia a preto e branco. Mas se atentarmos em Augusto Szabo (lenço na cabeça) e Carlos Sobral, justamente os dois jogadores do CIF envergaram a camisola do seu clube (listas brancas e pretas) e não a do Império (amarelas e pretas). Para além disso atente-se na cor e forma da gola. Bem sei que por vezes as equipa usavam diferentes versões das camisolas mas não me parece que seja o caso. Isso percebe-se quando atentamos a que são apenas os jogadores do CIF a exibir a camisola diferente.


Detalhe da tonalidade das listas e da gola que diferenciam a camisola do CIF para a do SCI.


Assim para além do putativo Cosme Damião que ficou desmentido outros detalhes permitiram diversas identificações. Quem diria que uma fotografia teria tanto para dizer...

E estou certo que muito mais ficou por contar.


Lorne Malvo

"Mistério" engraçado, não conhecia essa história.

RedVC

#387
Citação de: Lorne Malvo em 16 de Março de 2016, 14:14
"Mistério" engraçado, não conhecia essa história.

Obrigado Lorne  O0

Na verdade essa fotografia aparece em diversos livros com a legenda errada.

O mesmo se passa com esta



Dizem que o terceiro de pé a contar da direita é Cosme. Acho que não é. É Travassos Lopes outra vez. O seu colega de equipa Daniel Freitas é um dos que está sentado em baixo. É o Sport Clube Império e não é uma equipa da Casa Pia.

Neste caso até o livro dos 100 anos da AFL vai atrás do erro (página 61).



Alguém semeou e os outros andam a replicar. Isto claro apenas por confusão. É muito fácil fazer trocas e sei que também as faço mas neste caso estou convencido do que digo.

A Cosme só o que é de Cosme.

ps: já agora o árbitro dessa fotografia é António Rosa Rodrigues, um dos 24 fundadores do Sport Lisboa.


Lorne Malvo

No fundo és uma espécie de CSI Benfica.  :)

RedVC

Citação de: Lorne Malvo em 16 de Março de 2016, 18:37
No fundo és uma espécie de CSI Benfica.  :)

Credo... Mas é engraçado já houve um outro Benfiquista que me disse que devia arranjar emprego no FBI ou na CIA.  :coolsmiley: