Decifrando imagens do passado

RedVC

#660
-162-
De Guilherme para Guilherme

5 de Junho de 1938, sede da Associação de Futebol de Lisboa.


Fonte: CPF


A Taça de Honra para o concurso do melhor espírito desportivo é exposta antes de se iniciar uma cerimónia de entrega de prémios.

Esta taça, ofertada por Guilherme Pinto Basto, destinava-se a premiar o futebolista que em 1938 revelasse o melhor espírito desportivo.

Guilherme Pinto Basto foi um dos introdutores do futebol em Portugal no final do século XIX. Foi um homem notável que cultivou a sã prática desportiva ao longo da sua vida, mantendo uma discreta mas prestigiada, digna e pedagógica presença no mundo do desporto. Dele já por aqui falamos no texto "109 - Em homenagem a Guilherme Pinto Basto", página 30.



Guilherme Ferreira Pinto Basto (1/02/1864 - 26/07/1957),
um nome fundamental na História do futebol em Portugal.


O troféu acabou por ser atribuído a um outro Guilherme: Guilherme Espírito Santo. Foi pois de Guilherme para Guilherme.

A atribuição desse prémio foi um reconhecimento justo a um jovem (18-19 anos) excelente atleta Benfiquista logo após dois anos de se ter estrado de Águia ao peito. E Guilherme Espírito Santo viria a provar ser merecedor dessa e de outras distinções ao longo da sua carreira. Foi um dos mais talentosos e correctos desportistas Portugueses de sempre.



Guilherme Santana Graça do Espírito Santo (30/10/1919 - 25/11/2012),
um nome Glorioso na História do Sport Lisboa e Benfica.


Assim, nesse dia 5 de Junho de 1938, nas instalações da Associação de Futebol de Lisboa (AFL) e com a presença de algumas figuras notáveis do nosso futebol, decorreu a cerimónia formal de entrega dos prémios.



Acto celebrado em 1938-06-05: mesa que presidiu à sessão para entrega de prémios do concurso do "Melhor Espírito desportivo". Presentes: João Varela Gomes, Carlos Queiroga Tavares (dirigente do SCP), Adolfo Mourão (atleta do SCP), Melo e Castro, Augusto Domingues (Peseta) (jogador do Boavista e depois da Académica de Coimbra), Manuel da Conceição Afonso (presidente do SLB com a Taça de Honra nas mãos), Guilherme Espírito Santo. Em cima presidindo à mesa estavam o Dr. Virgílio Lopes Paula, (antigo atleta do SLB e antigo presidente da AFL), Gustavo de Matos Sequeira (jornalista, político e escritor Olissipógrafo português) e Guilherme Pinto Basto. Fonte: TT-digitarq.


Guilherme Espírito Santo foi uma figura muito querida no nosso Clube desde o primeiro dia. Foi também estimado por adversários, conciliando sempre as suas maravilhosas aptidões físicas para o desporto com um desportivismo, educação e respeito para com todos os participantes no espectáculo desportivo. Foi um notável atleta de futebol, o salto em altura entre outros desportos. A sua personalidade tranquila, positiva e gentil deixaram marca indelével no nosso desporto.

Demonstrando todo o carinho que os Benfiquistas tinham por ele, temos aqui justamente um curioso folheto que um grupo de Benfiquistas produziu nesse ano de 1938 ao concurso, apelando à votação no nosso atleta.





Guilherme Santana Graça do Espírito Santo
(30/10/1919 - 25/11/2012)



Descendente de São-tomenses, nascido em Lisboa em Outubro de 1919, seria levado por sua mãe aos 8 anos para se radicar em Lourenço Marques. E foi na capital angolana, que GES fez a sua formação, entrando para as escolas de futebol do Sport Luanda e Benfica. As suas aptidões foram reconhecidas pois foi contratado para o SLB para substituir o seu grande ídolo, Vitor Silva que se retirou por incapacidade física para a competição desportiva.

E tudo começou apenas dois anos antes quando Guilherme se estreou de Águia ao peito com apenas 16 anos. Foi num jogo particular disputado no campo dos Arcos em Setúbal, onde a 20 de Setembro de 1936, o SLB defrontou o Vitória de Setúbal. A nossa equipa venceu por 5-2 e Guilherme estreou-se, entrando na segunda parte, também a marcar ao apontar o nosso último golo quando estavam decorridos 85 minutos de jogo. Marcou na sequência de um golpe de cabeça depois de um centro de Valadas. Era treinado o Glorioso Victor Gonçalves, uma antiga Glória que como treinador conquistou o primeiro Campeonato Nacional para o SLB.



Excertos da crónica do jogo Vitória de Setúbal contra o SL Benfica em 20-09-1936. O jogo foi marcado pela estreia de Guilherme Espírito Santo. Fonte: DL 20-09-1936.


Não farei aqui alusão à brilhante carreira de Águia ao peito, à sua contribuição para a Selecção Nacional ou outros aspectos da sua carreira desportiva. Essas informações podem ser lidas em diversos textos produzidos por Alberto Miguéns; começando por aqui: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2016/10/guilherme-espirito-santo-97.html


Um dia inesquecível

Mas, voltando a esse fantástico dia 5 de Junho de 1938, para lá de receber a prestigiosa Taça e prémio, Guilherme Espírito Santo tinha mais um motivo de enorme satisfação. Nesse mesmo dia, tinha feito um hat-trick ao FC Porto, contribuindo para uma vitória que vergou os portistas no Estádio das Amoreiras por uns esclarecedores 7-0. Sim, isso mesmo, SETE-A-ZERO!



Fonte: DL 5-06-1938


A crónica do DL é rica em detalhes, dando-nos um colorido relato dessa estrondosa vitória. Foram 3 golos de Guilherme Espírito Santo, 2 de Luís Xavier, 1 de Valadas e 1 de Domingos Lopes. Arrasador. Nota-se também que no lado do FCP alinhou um jovem interior esquerdo chamado Francisco Ferreira. Um jovem que faria carreira notável de Águia ao peito, tornando-se num dos maiores capitães da História do SLB.



Fonte: DL 5-06-1938



Campo das Amoreiras, 5 de Junho de 1938. Um dos três golos de Guilherme Espírito Santo na cabazada de 7-0 ao FCP. Fonte: Em Defesa do Benfica


Nesse dia, Soares dos Reis, o guarda-redes dos azuis e brancos (visível na foto que se apresenta em cima), encaixou sete golos. Mas, infelizmente para ele, esse arrombamento vermelho esteve longe de ser o único. De facto, pouco mais de um ano depois, no dia 18-06-1939, Soares dos Reis encaixou mais seis golos! Nesse dia o SLB "remontou" de 1-6 para 6-0 e dessa forma eliminou o FCP da Taça de Portugal. Foi demais para os portistas que abandonaram o campo antes dos 90 minutos. Sabe-se lá quantos mais seriam... E factor comum a ambos os jogos era a presença de Guilherme Espírito Santo no centro do nosso ataque!


Fonte: DL 18-06-1939



Fonte: DL 18-06-1939


Curioso pois numa época em que os jogadores faziam uma carreira inteira num único Clube, o que é certo é que relativamente ao ano anterior só três jogadores permaneciam na equipa Benfiquistas: Gustavo, Valadas e... Guilherme Espírito Santo! Nesse dia Guilherme Espírito Santo marcou mais dois golos aos portistas!

 

Campo das Amoreiras, 18 de Junho de 1939. Duas imagens de entre as impiedosas investidas do SLB sobre a baliza do FCP. Foram seis a zero apesar do FCP ter abandonado o campo aos Na imagem da esquerda identificam-se Guilherme Espírito Santo e Feliciano Barbosa a saltarem com os defesas portistas.


Outro facto interessante é que nesse jogo dos 7-0, Nunes (FCP) foi expulso (assim como o nosso Alcobia). É curioso notar que Nunes tinha mesmo pontaria para se salientar nos desastres azuis pois foi igualmente expulso no dia 7 de Fevereiro de 1943, quando no Estádio do Campo Grande, o SLB aplicou 12-2 ao FCP. DOZE-A-DOIS!

Nesse dia o infeliz guarda-redes portista foi Luís de Mota, um antigo Salgueirista. Desse jogo já se fez um texto (-70- O dia da dúzia!; pág. 21). No centro do ataque Benfiquista estava Julinho, o inesquecível goleador portuense Benfiquista. Nesse ano de 1943, Guilherme Espírito Santo enfrentava uma doença que o afastou por 3-4 anos do desporto. Foi mais uma batalha que ele conseguiu vencer mas a partir daí nada seria como dantes.

E para fechar deixo aqui umas linhas que o Glorioso Augusto Amaro escreveu sobre Guilherme Espírito Santo. Augusto Amaro um grande guarda-redes, campeão pelo SLB e que ainda jogou ao lado de Guilherme Espírito Santo.

Fonte: Benfica Ilustrado


Alinhando nas Amoreiras, Amaro a defender as balizas, Guilherme Espírito Santo no centro do nosso ataque. Imortais!


O respeito e a admiração pelo Benfiquista ficam bem patentes neste artigo publicado num Benfica Ilustrado. Augusto Amaro destacou a personalidade serena, tímida e afável de GES. Amaro destacou o carinho que rapidamente GES mereceu de companheiros, adeptos e adversários. Destacou igualmente que a entrada de Guilherme Espírito Santo na equipa Benfiquista significou também uma alteração substancial do tipo de jogo, passando a desenvolver-se um jogo mais rápido mais rectilíneo, mais agradável. Enquanto a presença de Vítor Silva motivava um futebol de passes curtos, a presença de Espírito Santo levou a mais velocidade, mais fluidez, mais dinamismo. Apenas a doença pararia este predestinado para o futebol e para o atletismo. Mas o desporto foi uma presença constante na vida de Guilherme que com 85 anos ainda praticava ténis! Campeão até ao fim!

Anos mais tarde, vi e ouvi eu, num jantar em que estavam sentados lado a lado Guilherme Espírito Santo, Eusébio e Mário Coluna, quando um jornalista se acercou do pantera-negra este respondeu: não falo, primeiro falam os mais velhos.



Fonte: A Minha Chama

Com isto queria dizer Eusébio, "Velhos" no sentido carinhoso e respeitoso. "Velho" no sentido de perceber e defender as hierarquias. "Velho" no sentido do pleno carinho de lembrar o respeito devido a um homem bom, a um atleta excepcional, a um Benfiquista de excepção. Tudo isso era Eusébio, tudo isso era Mário Coluna, tudo isso era Guilherme Espírito Santo. Mas este, como mais velho merecia a precedência. E o Senhor Eusébio e o Senhor Mário Coluna sabiam isso. Respeitavam isso. Acarinhavam isso. Benfiquismo, pois então!




Para sempre de Águia ao peito!


 
Paz à sua alma. Honra à sua memória.



marcopicos

Tópico soberbo!
Que prazer poder apreciar este trabalho do RedVC.

Muito obrigado!

RedVC

Citação de: marcopicos em 31 de Julho de 2017, 08:16
Tópico soberbo!
Que prazer poder apreciar este trabalho do RedVC.

Muito obrigado!

Obrigado Marco e obrigado a todos os outros que têm comentado!  O0
Pelo Benfica, sempre!

Ned Kelly

Estava com saudades de ler estes pedaços de investigação sobre os Ases que nos honraram o passado!

RedVC

Citação de: Ned Kelly em 09 de Agosto de 2017, 16:19
Estava com saudades de ler estes pedaços de investigação sobre os Ases que nos honraram o passado!


Obrigado Ned  O0
E eu com saudades de colocar mais umas coisas. Daqui a umas horas há mais.  :cool2:

RedVC

#665
-163-
Um princípio com regras (parte I)




Em 1911, no primeiro ano depois da implantação da Republica em Portugal, o prestigiado Gymnasio Club Português (ver texto "- 86 - Um inesperado Glorioso") tinha uma nova Direcção. O Clube tinha já comemorado 35 anos de idade repletos de dificuldades e atribulações mas também de glórias desportivas e de uma obra única no panorama do nosso desporto. Inicialmente dedicado à ginástica artística e de aparelhos, o RGCP promovia saraus desportivos que ficaram celebres tendo até Ramalho Ortigão imortalizado esses eventos nas suas "Farpas".

Vieram depois desportos ao ar livre, como o Atletismo, o Remo, entre outros e depois inevitavelmente o Futebol que apesar de existir nunca teve uma expressão prevalecente sobre as outras modalidades; antes pelo contrário. Mas apesar da multiplicidade de actividades e modalidades, ao fim desses 35 anos notava-se um certo declínio, algum sectarismo e mesmo um certo isolamento deste Clube relativamente aos restantes.

Percebia-se então que era preciso inovar para que o Clube sobrevivesse. A nova Direcção que apesar de tudo contava com uma situação financeira menos complicada do que no passado, propunha-se sanar conflitos internos assim como promover uma nova dinâmica associativa.

Com apenas 29 anos de idade, Duarte José Duarte fazia parte dessa Direcção presidida por Gomes de Abreu, tendo sido nomeado secretário da secção de Sports Athléticos (ou seja do Atletismo). Mas para nós Benfiquistas o interesse em Duarte José Duarte reside no que ele fez alguns anos antes em prol do nosso Clube. Duarte foi também um dos nossos Gloriosos pioneiros e, como veremos, a sua acção nos primeiros anos do nosso Clube foi discreta mas importante.


O tempo de Belém

Duarte José Duarte nasceu em Belém no dia 8-02-1882. Nasce no seio de uma família numerosa cujo ramo paterno estava há muito radicado em Belém. Era um dos (pelo menos) cinco filhos do casal Anselmo José Duarte e Maria José da Conceição. Era o filho do meio, tendo por irmãos: Germano (como o avô paterno, 1878), Susana (1879), Pedro (1886) e Lúcia (1889). A família morava na Rua Domingos Tendeiro, ali bem perto do Convento dos Jerónimos e da Rua Direita de Belém onde moravam os irmãos Catatau. Era quase inevitável que fosse contaminado pelo fascínio do futebol.




Rua Domingos Tendeiro, já nos anos 60. Fonte: AML





Em 1904, aquando da fundação do Sport Lisboa, Duarte tinha apenas 22 anos sendo ligeiramente mais velho que os irmãos Catatau. Apesar de, por algum capricho do destino, acabasse por não constar da lista dos 24 fundadores do nosso Clube, Duarte fazia parte do grupo de miúdos que integraram o Foot-Ball Club, também conhecido como Belém Foot-Ball Club ou ainda por grupo dos Catataus. Esse grupo de miúdos moradores em Belém constituiu a componente maioritária e liderante do Sport Lisboa.


Duarte José Duarte no Belém Foot-Ball Club. Destes 11 jogadores apenas ele, José da Cruz Viegas e Armando Macedo não foram fundadores do Sport Lisboa.


Olhando para aquela mítica fotografia, aliás a única que se conhece do (Belém) Foot Ball Club, lá podemos ver Duarte José Duarte posando na posição de extremo direito. Ao seu lado estão Neco e Candinho, dois dos quatro irmãos Catataus. Depois, fechando a linha avançada, temos Raúl Empis e Armando Macedo. Lá atrás, compondo o meio campo, temos Afra, Carlos França e Daniel Santos Brito. Ainda mais recuados estão José da Cruz Viegas, José Rosa Rodrigues (o mais velho dos Catataus e que no ano seguinte seria o nosso primeiro presidente) e por fim Manuel Gourlade. Com semelhante companhia Duarte ganhou a imortalidade naquela fotografia, naquele instante precioso.

Depois da fundação do Sport Lisboa e durante a primeira metade de 1904, Duarte participou num total de 12 dos 24 treinos. A esses treinos compareciam apenas os mais novos de forma a apurar as suas capacidades individuais e o seu conhecimento colectivo. Os mais velhos não se treinavam pois o estatuto garantia o lugar na equipa. Essas situações hoje incompreensíveis explicavam-se por serem esses outros tempos, em que não existiam componentes tácticas e em que existia um desconhecimento generalizado sobre a importância da preparação física específica. Muitas vezes esse preparo físico dependia de cada atleta e das suas próprias convicções e rotinas.

Na segunda metade do ano de 1904 Duarte compareceu em 4 dos 5 treinos realizados. Apesar de muito provavelmente já trabalhar, era um dos que tinha presença regular nos treinos apesar dos horários madrugadores e da insuficiente rede de transportes da época (Belém ficava ainda mais na periferia de Lisboa do que hoje).



Registo manuscrito descrevendo o segundo treino do Grupo Sport Lisboa. Realizado apenas cerca de 15 dias depois da fundação do nosso Clube, compareceram 12 jogadores. Duarte era o único que não foi um fundador formal do Sport Lisboa. Fonte: História do SLB 1904-1954.


O ano de 1905 foi marcado pela disputa dos primeiros jogos do nosso Clube. Duarte continuou a ser uma presença regular e entusiasta nos treinos e sabemos que participou em diversos jogos da nossa primeira categoria. Um desses jogos, que foi já aqui mencionado (ver texto "– 135 – O Café do Gelo"), disputou-se em 1905 no campo da Charneca tendo oposto o Gilman FC, proprietário do terreno e o nosso Sport Lisboa. Relativamente à constituição da equipa da primeira fotografia conhecida do nosso Clube, percebe-se que Duarte substituiu José Rosa Rodrigues, o mais velho dos Catataus e o nosso primeiro presidente.


Breve crónica do jogo Gilman Sport Club 0 – Sport Lisboa 2. O jogo foi disputado em 10-03-1905 com a vitória do Sport Lisboa por 2-0, com golos de António Rosa Rodrigues e António Couto (grande penalidade). Fonte: Diário Ilustrado 11-03-1905. Na equipa do Sport Lisboa, Duarte terá jogado como interior esquerdo.


Tal como o seu pai, Duarte era telegrafista. E, ao que parece, nesse tempo exercia essa função junto dos Ingleses do Cabo Submarino, provavelmente na Quinta Nova ou Quinta dos Ingleses, situada em Carcavelos. Ora, nesses anos estar em Belém e em Carcavelos era como estar no tempo e nos espaços onde se desenrolaram episódios fundamentais e onde estiveram os homens chave para a implantação e popularização do futebol em Portugal.



Duarte telegrafista, recordado por Daniel dos Santos Brito entre tantos outros nomes. O irmão de Duarte era com grande probabilidade Germano José Duarte, o seu mano mais velho. Fonte: Em Defesa do Benfica.



As regras do futebol

Duarte esteve no local e junto das pessoas que lhe permitiram cumprir uma missão de grande importância para os Gloriosos pioneiros do nosso Clube. No decurso de mais uma iniciativa de Manuel Gourlade, Duarte recebeu a incumbência de mediar a contratação de um serviço tradução de Inglês para Português das regras oficiais de futebol propositadamente mandadas vir de Inglaterra.



Recordando a importância de Manuel Gourlade, seu antigo colega na Farmácia Franco, o nosso fundador Daniel Santos Brito (na fotografia) lembrava o episódio da tradução das regras oficiais do futebol por um funcionário do Cabo Submarino. Foi Duarte José Duarte que mediou essa iniciativa. Fonte: História do SLB 1904-1954.


À distância percebe-se que essa iniciativa de Gourlade foi acertada pois nessa época embora o futebol constituísse um crescente um fascínio para as massas populares, as suas regras ainda não estavam solidamente divulgadas mesmo entre os seus praticantes. Era preciso formar e para isso era preciso estar informado. Manuel Gourlade sabia disso e por essa razão, mesmo falando e escrevendo em Inglês, preferiu contratar o serviço a um homem cuja língua nativa era o Inglês. A escolha recaiu num Inglês chamado Cotter. Rigor e método por trás de um Clube Campeão. Antes como agora.




(continua)



RedVC

#666
-164-
Um princípio com regras (parte II)


Sobre a evolução do futebol


Iconografia da época relativa ao primeiro jogo internacional entre a Inglaterra (branco) e a Escócia (azul) disputado em 30-11-1872. Fonte: Scottish Sport History.



Existem teorias muito diversas acerca das origens do futebol., Algumas são bastante imaginativas, recuando muitos séculos e referindo geografias inesperadas. Entre os países candidatos temos a China, Egipto, Japão, Grécia, México, Itália, Inglaterra, França, entre muito outros (ver: http://www.timetoast.com/timelines/the-history-of-soccer-32006602-abc1-43ea-bf9e-08aefc464497). Mas o jogo, mais do que pontapear um esférico de forma mais ou menos ordenada, pressupõe a existência de regras com vertentes técnicas e disciplinares. Ao longo da sua história, o futebol evoluiu muito, sofrendo mutações para o tornar uma modalidade desportiva mais atraente, mais fluida e digamos até, mais civilizada.

Parece acertado referir que a Inglaterra é a pátria do futebol. Foi ali que o futebol nasceu, floresceu e evoluiu, ganhando contornos de jogo organizado, com crescente popularidade e profissionalismo. No final do século XIX quando em Portugal apenas se tinham desenrolado uma mão cheia de jogos / ensaios, já dezenas de milhares de Ingleses se comprimiam em estádios, celebrando o grande jogo. Os Ingleses legaram a este planeta não apenas o mais importante jogo como também a mais importante indústria ligada ao desporto.

Mas o caminho dos Ingleses foi também longo e nem sempre linear. Em meados do século XIX, os diversos colégios Ingleses que praticavam o jogo tinham as suas próprias regras. Alguns eram protagonistas na introdução de inovações mas faziam-no de forma descoordenada e descomprometida para com os outros Colégios. Jogos entre colégios diferentes obrigavam por isso a que muitas vezes os capitães de equipa tivessem que acordar antecipadamente quais as regras para o prélio. Em alguns casos as diferenças do Foot-Ball Association para o Râguebi eram difíceis de definir pois eram permitidos alguns primores como por exemplo que os jogadores pontapeassem ou placassem os adversários. E convenhamos, depois de tanta evolução, nos dias de hoje é sabido que certos clubes e certos jogadores ainda se sentem confortáveis nesse tipo de jogo...

Entre as classes populares o jogo era ainda mais desorganizado, mais violento, geralmente sem um número definido de jogadores e incentivando as tais práticas de jogo viril ou mesmo violento. O futebol era jogado em campos improvisados, com obstáculos diversos, em ruas, largos, terreiros. Por vezes o objectivo primordial era tão-somente ter a posse da bola, custasse o que custasse. Hordas de pessoas, irrompendo por ruas em desordens, forçavam por vezes a intervenção das autoridades. E aliás, o tamanho e a natureza das bolas eram diversificados. Em resumo, a indisciplina era a regra e isso tornava muito difícil garantir ou até mesmo prever a evolução do jogo.



Freemason's Tavern, 1863. Gravura do século XIX do mítico lugar onde os Ingleses consideram ter sido instituídas as primeiras regras do futebol moderno. Fonte: The Saleroom



"Meeting 24th November. 1863 Freemasons Tavern...". Fonte: https://freemasonsmatches.wordpress.com/about/



Assim, procurando a evolução e uniformização do jogo, mesmo que a custo de algumas dissidências, em 26-10-1863 deu-se uma célebre reunião na Freemason's Tavern, na qual representantes de 11 clubes da zona de Londres acordaram entre si as primeiras regras do que iria a ser o futebol moderno. Ali também se estandardizaram o tamanho e o peso das bolas de futebol. Na prática, essas regras, ainda que tendo o aspecto curioso de não fazer menção a árbitros (surgiriam apenas na década seguinte), constituíram o ponto de partida para o futebol moderno e permitiram estabelecer de forma definitiva caminhos diferentes para o Futebol e para o Râguebi.

Depois dessa reunião deram-se mais - pelo que percebi - mais quatro reuniões, dadas a falta de unanimidade em alguns aspectos tais como permitir pontapear os adversários. foram 11 os Clubes e Colégios representado nas 5 reuniões: Green (Barnes), WO-War Office Club, The Crusaders, Forest of Leytonstone, No Names Chut of Lilburd, Crystal Palace, Blackheat, Nensigton Scholl, Persival House, Surbiton, Blackheat Proprietory Scholl e Charterhouse (fonte: Homero Serpa, História do Desporto em Portugal).




Um muito esclarecedor quadro que resume as principais datas e distinções entre regras do Futebol e do Râguebi. Fonte: Wikipedia.



Ainda assim, o primeiro livro conhecido contendo regras para a prática de Foot-Ball Association data de 1859 e pertenceu ao clube de futebol mais antigo do mundo, o Sheffield Foot-Ball Club. Entre outras curiosidades, esse primeiro livro falava de jogos com a duração de duas horas e envolvendo 40 jogadores! Aos jogadores era permitido até agarrar a bola com as mãos desde que esta quando reposta em jogo ainda não tivesse tocado no solo ou tivesse sido lançada da linha lateral. Mas fiquemos por aqui para não ser fastidiosos com os detalhes. Existem muitos e bons sítios na internet com essa informação para os interessados.


https://youtu.be/dyb_s2tRNsE

O livro mais antigo das regras do futebol, datado de 1859. Fonte: http://www.sheffieldfc.com/history

Anos mais tarde a Football Association publicou as regras num pequeno livro colocado à venda por 1 Shilling (xelim). As reuniões da Freemason's Tavern frutificaram e permitiram a evolução e difusão do jogo em Inglaterra e para o Mundo.


Em Portugal


Em Portugal, tanto quanto é do meu conhecimento e como nos refere Homero Serpa na sua excepcional História do Desporto em Portugal, a primeira tradução das regras oficiais de futebol foi feita por Carlos Xafredo e Ricardo Oakley, dois sócios do Real Gymnasio Club Português (RGCP) por volta de 1889-1892. Celebrando em 2017, a bonita idade de 142 anos, o Ginásio Clube Português, para além de ser a mais antiga agremiação desportiva do País, pode ainda orgulhar-se de ter sido muito provavelmente o primeiro Clube a praticar o futebol em Portugal.

Existem de facto referências a actividades futebolísticas do Real Gymnásio Clube Português em 1892 no mítico campo das Salésias em Belém. Mais de uma década antes da fundação do nosso Clube, e quatro anos depois das primeiras actividades futebolísticas promovidas pelos irmãos Pinto Basto, o RGCP praticava já o jogo.



Artigo de jornal referindo as actividades futebolísticas do RGCP nas Salésias durante o ano de 1892, Fonte: Tiro Civil, nº 120, 15-08-1897



Equipa de futebol do Gymnasio Clube Português. Foto pulicada nos Sports Ilustrados m 1910.



Existem outras opiniões que associam esse feito ao Club Lisbonense (o primeiro Clube formado especificamente para a prática do futebol e ligado à primeira geração dos irmãos Pinto Basto e a Carlos Vilar, entre outros) mas a questão para além de não estar resolvida, no fundo tem pouco interesse pois ambos os Clubes, um extinto outro ainda hoje cheio de vitalidade, são credores do respeito e admiração dos desportistas Portugueses.



Excertos de um artigo referindo o papel fundamental do Real Gymnasio Club Português e do Club Lisbonense nos primeiros anos do Futebol em Português. Fonte: DL 19-06-1944



Algures em 1892, o Club Lisbonenses dos irmãos Pinto Basto e Villar (camisola escura)e os Ingleses Carcavellos (camisola branca com lista) Club posam em conjunto na mítica escadaria da Quinta Nova em Carcavelos,. Fonte: TT-digitarq


Mas, voltando ao RGCP, os sócios que tomaram essa iniciativa, forneceram esses livros com as regras do futebol de forma gratuita a todos os grupos que nesse tempo disputavam um campeonato (sim, para quem não sabe existiram campeonatos organizados de Foot Ball Association antes de 1900!).


Desconheço quantas outras traduções das regras oficiais foram feitas depois dessa primeira iniciativa, mas tanto o Real Gymnasio Club Português e o Club Lisbonense terão tido com certeza outras acções, assumindo um papel fundamental na divulgação das regras de futebol entre os praticantes. O Foot-Ball Association era um desporto das elites e isso facilitava a divulgação entre os interessados.

Em 1897 o jornal Tiro Civil iniciou a divulgação do que era o futebol, com uma série de artigos semanais com explicações básicas e por vezes muito gráficas feitas por Valentim Machado, um dos maiores divulgadores da nova modalidade desportiva.



Excertos de um artigo de divulgação do Foot-Ball Association escrito por Valentim Machado. Fonte: Tiro Civil nº 117, de 1-07-1897.


Mas durante o período de 1897 até 1903 o futebol estagnou e assim no florescimento que se fez a partir de 1903 permaneciam muitas dúvidas sobre a natureza do jogo e das suas regras, como se constata pelos nºs 272 e 273 (de Dezembro de 1903) do jornal Tiro Civil que supostamente apresentavam as regras de Foot-Ball. Após a sua leitura atenta constata-se que afinal eram regras do... Râguebi... Ou seja 40 anos após os Ingleses terem feito a distinção entre as duas modalidades, em Portugal ainda existiam confusões.


Excertos de um artigo sobre as regras de Foot-Ball Association que afinal era do Râguebi. Fonte: O Tiro Civil nº 273 de 15 Dezembro de 1903.

Em 1906 ou seja 2 anos depois da fundação do nosso Clube, o jornal Tiro e Sport, sucessor daquele Tiro Civil, publicava regras do Foot-Ball traduzidas por Carlos Augusto Villar. Este era o homem certo para o fazer por se tratar de um dos mais ilustres pioneiros do futebol em Portugal, ligado ao Club Lisbonense, ao FC Swifts e ao CIF.


Regras de Foot-Ball Association traduzidas por Carlos Villar. Fonte: Tiro e Sport nº 337, 338 e 339 de 1 a 30 de Setembro de 1906. Jornal Tiro e Sport. Hemeroteca de Lisboa.



A divulgação cuidava também de apresentar grafismos para tornar a transmissão da mensagem mais eficaz. O fora-de-jogo já era uma lei especialmente problemática. Nesse tempo requeria pelo três adversários atrás da linha da bola. Fonte: Jornal Tiro e Sport. Hemeroteca de Lisboa.


Aproveitando essa tradução, a prestigiada Casa Senna passou a editar essas regras em livro e a coloca-las à venda pelo preço de 100 Reis. Divulgação era ainda e sempre a palavra-chave e através do Tiro e Sport, a referida casa comercial cumpriu denodadamente esse objectivo. O desporto Português deve muito à Casa Senna.




Dois dos exemplos de publicações da Casa Senna para divukgar as leis do futebol. Fonte: Jornal Tiro e Sport. Hemeroteca de Lisboa.


Esta cronologia embora seguramente incompleta mostra como foi acertada a decisão que Manuel Gourlade tomou em 1904 de mandar traduzir as leis de futebol. No nosso Clube os detalhes e a seriedade perante o jogo, os adversários e a competição foram sempre elementos que mereceram a devida atenção. O Sport Lisboa e Benfica nasceu para vencer, conhecendo e respeitando o jogo e os adversários, sobre um Ideal que pretende levar o Clube aos mais altos desígnios. Apesar de pequena, a participação de Duarte José Duarte neste processo foi importante num tempo em que todos os detalhes eram muito importantes pois semearam a colheita de vitórias que veio depois.

Da vida de Duarte José Duarte daí em diante pouco sei mas não custa a crer que tenha sempre continuado interessado no fenómeno desportivo e associativo e que tenha tido outras intervenções de mérito.

Duarte José Duarte faleceu em Rio de Mouro, Sintra no dia 5 de Março de 1961. Contava 79 anos de idade. Faleceu alguns dias antes de defrontarmos o Aarhus na Dinamarca durante a caminhada para a conquista da nossa primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus pelo Sport Lisboa e Benfica. Estou certo que essa conquista teria sido algo que ele teria gostado de ver como pioneiro do nosso Clube. Ao longo da sua vida Duarte teve no entanto oportunidade de ver a solidificação crescente do Sport Lisboa e Benfica como a força desportiva dominante do futebol Português.

Duarte José Duarte foi um dos muitos casos de homens discretos cuja contribuição, mesmo que isolada num tempo e espaço particular, muito contribuiu para que desde o início o Sport Lisboa e Benfica fosse o Clube mais popular, o mais querido Clube Português.

Paz à sua alma, honra à sua memória.




alfredo

vitor... onde vais descobrir isso tudo? mas que grande obra. espero que um dia haverá todos os teus trabalhos como livro ou num lugar que dá respeito a teu trabalho. obrigado!

RedVC

Citação de: alfredo em 15 de Agosto de 2017, 08:06
vitor... onde vais descobrir isso tudo? mas que grande obra. espero que um dia haverá todos os teus trabalhos como livro ou num lugar que dá respeito a teu trabalho. obrigado!

Alfredo, a resposta está em ti. O que te leva a ter a colecção fantástica que tens? A dedicar horas e horas na busca desse material? É o mesmo que se passa comigo. É a paixão ilimitada por este Clube. Está em nós, milhões de homens, mulheres e crianças. A resposta estava ontem na bancada de Chaves. A resposta fez-se explosão de alegria e alívio quando ganhamos o jogo nos instantes finais. É o Benfica. Somos nós. Os Benfiquistas.

Muito obrigado pelas tuas palavras. E um abraço!  O0

alfredo

Citação de: RedVC em 15 de Agosto de 2017, 13:30
Citação de: alfredo em 15 de Agosto de 2017, 08:06
vitor... onde vais descobrir isso tudo? mas que grande obra. espero que um dia haverá todos os teus trabalhos como livro ou num lugar que dá respeito a teu trabalho. obrigado!

Alfredo, a resposta está em ti. O que te leva a ter a colecção fantástica que tens? A dedicar horas e horas na busca desse material? É o mesmo que se passa comigo. É a paixão ilimitada por este Clube. Está em nós, milhões de homens, mulheres e crianças. A resposta estava ontem na bancada de Chaves. A resposta fez-se explosão de alegria e alívio quando ganhamos o jogo nos instantes finais. É o Benfica. Somos nós. Os Benfiquistas.

Muito obrigado pelas tuas palavras. E um abraço!  O0

touché...  ::)

RedVC

#670
-165-
A lenda de Nicolau I

Lisboa, Praça dos Restauradores, Domingo, dia 9-10-1932



Fonte: TT-digitarq


Partida dos ciclistas para o 3º Lisboa – Coimbra. Entre eles estava o grande José Maria Nicolau, que alinhava para conquistar mais uma das suas numerosas vitórias.



Fonte: TT-digitarq


Mais do que fazer balanço de carreira, no texto de hoje ilustraremos uma das muitas Gloriosas vitórias de José Maria Nicolau, figura maior em popularidade do ciclismo do Sport Lisboa e Benfica. A lenda fez-se com vitórias épicas como esta.


Felizmente existe a possibilidade de ilustrar uma boa parte dessa prova pelo magnífico repositório da Torre do Tombo.


A partida

Numa iniciativa do jornal Coimbrão "Voz Desportiva", a partida foi dada na Praça dos Restauradores pelas 8h10. Compareceram oito corredores, sendo três do Sport Lisboa e Benfica: José Maria Nicolau, Carlos Domingos Leal e Dias Maia. Os restantes eram 2 do SCP: Prudêncio Carneiro e João Gomes II, 2 de Montemor: Marques Bom e Joaquim Darwin, e um do Anadia: Rosmaninho.



Fonte: TT-digitarq




Fonte: DL 9-10-1932


A corrida inicia-se com João Gomes II, ciclista do SCP, em correria louca ganhando a dianteira mas como quase sempre no SCP o que começa bem acaba por acabar mal pois à passagem pelo Campo Grande já Nicolau fazia impor a sua classe e autoridade de campeão.

Na Venda do Pinheiro, Dias Maia chega-se a Nicolau fazendo uma dupla Benfiquista no comando da prova. O sportinguista Prudêncio e o Montemorense Darwin tentam acompanhar o ritmo dos Benfiquistas enquanto Carlos Domingos Leal vem um pouco mais atrás. Mas passando a Malveira e depois no Carrascal, Nicolau arranca irresistível. Ninguém mais o conseguirá acompanhar. A lenda uma vez mais se impunha.




Nicolau já disparado na frente da corrida. Fonte: TT-digitarq.




Outra imagem de Nicolau disparado na frente da corrida, percorrendo os campos ao seu ritmo poderoso. Fonte: TT-digitarq.




Dias Maia na perseguição a Nicolau. Fonte: TT-digitarq.




Carro guia da corrida do 3º Lisboa Coimbra. Fonte: TT-digitarq.



À passagem de Torres Vedras, Carlos Domingos Leal, bem posicionado atrás de Nicolau. Ao fundo vê-se a Igreja e o Convento da Graça. Fonte: TT-digitarq.




À chegada

Nicolau fez a sua entrada triunfal em Coimbra cerca das 15h50. Chegou à grande cidade estudantil para ser aclamado por numerosos populares que se acotovelavam junto da linha de chegada. A camisola vermelha no torso do poderoso ciclista impunha o seu fascínio. Foram sete horas quarenta e dois minutos e quatro segundos. Com esse tempo Nicolau batia o recorde pessoal em mais de uma hora e dois minutos, tempo que tinha efectuado dois anos antes.




Fonte: DL 9-10-1932


O nosso Carlos Domingos Leal fez segundo lugar chegando cerca de 13 minutos depois!

Em terceiro chegaria Rosmaninho, o homem do Anadia, que gastou mais 30 minutos que Nicolau.

Em quarto chegaria o nosso Dias Maia que tinha sofrido uma quebra de ritmo, pagando a tentativa de acompanhar Nicolau. Dias Maia chegou com um atraso de 45 minutos para Nicolau.

Dos outros não reza a história, á excepção do Sportinguista Prudêncio que à saída de Pombal sofreu uma queda e teve de desistir.




Chegada de José Maria Nicolau a Coimbra. Mais uma vitória para o campeão Benfiquista!. Fonte: TT-digitarq.





Cerimónia de atribuição dos prémios. Fonte: TT-digitarq




A Taça de "O Século" disputada no 3º Lisboa Coimbra. Fonte: TT-digitarq




Glória e Honra ao grande, ao Imortal
José Maria Nicolau



Fonte: Museu Cosme Damião





RedVC

-166-
Para lá de Nicolau

José Maria Nicolau é o nome mais popular da História do ciclismo do Sport Lisboa e Benfica. Apesar de uma carreira curta, as suas vitórias, o seu carisma e popularidade fazem dele um campeão que deixou um impacto impressivo na difusão e solidificação do Benfiquismo no nosso País. O texto anterior foi apenas um dos numerosos exemplos em que a sua classe, carisma e competitividade levaram os populares a tanto amar a modalidade, o ciclista e o Clube.

Mas no nosso Glorioso ciclismo existem muitos outros nomes para lá de Nicolau. Vamos hoje falar, ainda que brevemente, de dois deles. Vamos falar de Alfredo Luís Piedade e de Abílio Gil Moreira.


Alfredo Luís Piedade

Fonte: Museu do SLB


Nome imortal do Ciclismo nacional e do nosso Clube. Atleta, técnico, dirigente, foi uma figura que recebeu em vida o reconhecimento sentimental e institucional por parte dos nossos adeptos e do nosso Clube.

Alfredo Luís Piedade ingressou no SLB em 1911, liderando a nossa secção velocipédica durante três décadas. Era um especialista em distâncias curtas tendo-se distinguido em provas como a subida da Calçada da Glória, uma rampa que liga a Baixa de Lisboa (Praça dos Restauradores) ao Bairro Alto (Jardim de São Pedro de Alcântara). O percurso tem cerca de 265 metros de comprimento e apresenta um declive médio superior a 17%. Em 1926, Alfredo Luís Piedade cumpriu esse percurso em apenas 55s. Uma marca verdadeiramente extraordinária. Alfredo venceria a prova por três vezes.




Os ciclistas concorrentes da Subida da Calçada da Glória em 1926. Alfredo Luís Piedade (destaque) é o primeiro à direita. Fonte: http://cyclingmemories.blogspot.pt/ e Cinemateca Portuguesa (ver: http://www.cinemateca.pt/Cinemateca-Digital/Ficha.aspx?obraid=2527&type=Video)


Alfredo Luís Piedade venceria muitas corridas durante a sua carreira, deixando uma marca de campeão associada à camisola vermelha do nosso Clube:

•   1913 - 1º Subida da Calçada da Glória, Lisboa (1min 10seg)
•   1920 - 1º Taça de Lisboa, Lisboa
•   1923 - 1º Volta a Lisboa, GP de Lisboa, Lisboa
•   1924 - 1º Subida da Calçada da Glória, Lisboa (1min 05seg)
•   1926 - 1º Subida da Calçada da Glória, Lisboa (55seg)





Fonte: wikipedia



Em Maio de 1926, participou no famoso raide ciclista entre Paris e Lisboa, iniciativa que encheu de orgulho o Ciclismo Benfiquista e que seria exemplo para outros eventos similares ulteriores. O percurso foi iniciado com outros dois outros companheiros Benfiquistas, Francisco dos Santos Almeida e João dos Santos Borges. Apenas este último por doença não conseguiu completar uma ligação que ficou célebre na época e que foi festejada de forma épica pelos Benfiquistas.

•   1ª etapa - Paris - Tours (227 km)
•   2ª etapa - Tours -  Bordeaux (360 km)
•   3ª etapa - Bordeaux - Mont-Marsan (114 km) - João Borges começou a sentir-se doente
•   4ª etapa - Mont-Marsan - S. Sebastian (157 km)
•   5ª etapa - S. Sebastien - Pancorvo (173 km) - etapa dura de passagem pelos Pirinéus.
•   6ª etapa - Pancorvo - Ciudad Rodrigo (168 km) - João Borges doente é forçado a não partir.
•   7ª etapa - Fornos de Algodres - Leiria
•   8ª etapa - Leiria - Lisboa

Perto de Lisboa e à passagem por Loures, João Borges já restabelecido voltou a reunir-se aos seus colegas. A entrada em Lisboa foi feita de forma triunfal tendo os ciclistas sido conduzidos até aos Restauradores e depois foram levados até à sede da UVP - União Velocipédica Portuguesa. No total os ciclistas percorreram cerca de 1800 km.





À esquerda Francisco Almeida e Alfredo L. Piedade recebidos em triunfo em Lisboa no dia 11-05-1926. À direita já na varanda da UVP, os ciclistas já acompanhados de João Borges recebem mais homenagens do público. Da esquerda para a direita: Francisco Almeida, Alfredo L. Piedade e João Borges. Fonte: Museu Cosme Damião.


O Sport Lisboa e Benfica tinha uma excelente equipa de ciclismo que continuava a tradição dos pioneiros que logo nos primeiros anos começaram a colorir com as suas camisolas as estradas de Lisboa primeiro e de Portugal depois.



Fonte: Museu do Sport Lisboa e Benfica


Nos anos 30 distinguia-se como dirigente e treinador, desenvolvendo essas actividades com o seu inexcedível Benfiquismo mas de forma completamente amadora. A circunstância de ser desenhador de profissão permitiu-lhe desenvolver quadros de bicicleta desenhados e construídos à medida dos ciclistas (tomando em conta o comprimento dos braços, altura das pernas e largura de ombros, por exemplo), facto que em muito beneficiou a modalidade. Como treinador do Benfica, com actividade entre 1928 e 1948, conduzindo à conquista de três vitórias individuais e cinco colectivas na Volta a Portugal. Um palmarés verdadeiramente Glorioso.




Gil Moreira



Podemos olhar para Gil Moreira como um intelectual., um historiador, um sábio do ciclismo Benfiquista e Nacional. Para este segmento do texto vou socorrer-me de muitos elementos de um excelente artigo do Jornal de Alcobaça datado de 30-06-2007, assim como de material disponibilizado em rede pelo seu filho.

Abílio Gil Moreira, de seu nome completo, nasceu em 13-07-1907 em Rebolaria, Concelho da Batalha, Distrito de Leiria. Viveu depois em Caxias onde se terá iniciado no ciclismo. Foi um excelente e destacado ciclista ligado ao Sport Lisboa e Benfica de 1929 a 1936. Ao longo da sua vida foi quase tudo no ciclismo: atleta, técnico, jornalista, dirigente, historiador, divulgador. O contributo de Gil Moreira para o ciclismo Benfiquista e Português sente-se ainda hoje e será sempre incontornável para os que vierem algum dia debruçar-se sobre o ciclismo em Portugal.

Gil Moreira foi o autor do livro "ABC do ciclismo".





Gil Moreira não tendo atingido o brilho desportivo do José Maria Nicolau, representou o SLB desde 1929 até 1936. Foi um excelente velocista e sprinter. Entre as suas vitórias contam-se:

•   Segundo Circuito de Lisboa em 1932
•   Volta a Lisboa em 1932
•   Volta a Portugal em Miniatura em 1932
•   Circuito dos Campeões em 1933 e 1934
•   Taça Inválidos do Comércio em 1933
•   Prova de Pista Estádio Lumiar em 1933
•   Grande Prémio Vila Moreira
•   Prova Alcanena-Alcobaça




1931, raide ciclista ao Norte de Portugal de 3 ciclistas do SL Benfica entre os quais Gil Moreira. Entre as massas populares, a festa do povo, os ciclistas Benfiquistas tiveram recepção entusiástica na chegada à Praça dos Restauradores. Assim também se fez a difusão do Benfiquismo e da magia das camisolas vermelhas. Fonte: TT-digitarq.





Fonte: Em Defesa do Benfica


Em 1932 teve também oportunidade de fazer uma digressão pelo Brasil, viagem do qual temos um registo fotográfico:




Fonte: Digitarq-TT


Recebeu prémios e distinções várias durante a sua carreira. A popularidade do ciclismo estava então no auge, carreando também aumento considerável de popularidade para o Benfica e para o Sporting.




Nos salões, na festa da União Velocipédica Portuguesa (UVP) em 17-12-1937. Três ciclistas do SL estão entre os premiados 2 – Gil Moreira; 3 – Carlos Domingos Leal; 4 – Antunes Perna. Fonte: digitarq-TT.



Segundo o que se diz, Gil Moreira seria o pupilo dilecto de Alfredo Luís Piedade e curiosamente do ponto de vista associativo o momento que o imortalizou foi de forma similar a Alfredo Luís Piedade, o extraordinário raide Lisboa - Paris - Lisboa concluído em 7-04-1931, no qual Gil Moreira, César Luís e Carlos Domingos Leal, percorreram o trajecto chegando em Glória aos seus destinos. 




Partida das Amoreiras, no dia 29-03-1934, os três ciclistas partiram para o raide Lisboa – Paris – Lisboa. Fonte: Colecção Abílio Gil Moreira.





A equipa do Sport Lisboa e Benfica ao chegar a Paris durante o raide Lisboa Paris – Lisboa em Abril de 1934-. Note-se a presença de Alfredo Luís Piedade na motorizada e de Alfredo Trindade, o valoroso ciclista que correu no SCP e que nessa altura estava a estagiar num Clube Francês fazendo questão de receber os valorosos compatriotas. Fonte: Colecção Abílio Gil Moreira.




Esta grande aventura foi admiravelmente descrita por Alberto Miguéns no seu blogue: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2014/11/onde-e-que-esta-placa.html
O evento serviu também para homenagear os antigos combatentes e em particular os mortos Portugueses na Grande Guerra.

Concluída a carreira de ciclista, Gil Moreira foi depois um jornalista e um dedicado e sabedor divulgador da modalidade tendo colaborado com diversos jornais como "Os Sports",. "Mundo Desportivo", "Diário de Notícias", "Stadium", "Diário de Lisboa", "Diário Popular", "O Debate". Cobriu provas em Portugal, Espanha e França (tour de France).




Fonte:  Jornal de Alcobaça datado de 30-06-2007.


Em 1939 adoece gravemente, realizando-se um Festival em sua Homenagem no Estádio do Lumiar, a 4 de Agosto de 1940.

Foi depois Director da Iluminante, que ficou para a história do ciclismo como a primeira equipa profissional em Portugal. Treinou depois várias equipas de ciclismo, com destaque para o Águias de Alpiarça (fonte: http://cyclingmemories.blogspot.pt/2014/12/abilio-gil-moreira.html).

Criada em 1942, por iniciativa de Amadeu Seabra, Administrador da firma de artigos eléctricos com o mesmo nome (A Iluminante), sediada na Avenida Almirante Reis, 4 a 6, pertença da família Viúva Lamego, contrata os melhores ciclistas da época, bem como o melhor treinador, Alfredo Luiz Piedade, rodeando-se de um staff técnico superior, de que fazia igualmente parte Abílio Gil Moreira, com carros de apoio e assistência mecânica e fabricando uma bicicleta de marca "Flecha", aproveitando-se do fecho da secção de ciclismo do Sport Lisboa e Benfica nos finais de 1941.


Foi também seleccionador nacional de ciclismo estando envolvido na selecção e orientação técnica de ciclistas que participaram nos Campeonatos de Mundo. Radicou-se em Alcobaça onde juntamente com Mário Bandeira fundou a empresa SIBAL que se dedicou à importação e comércio de bicicletas e acessórios.

Gil Moreira faleceu em Alcobaça no dia 21-04-1988. Gil Moreira merece ser lembrado pela sua contribuição ao SLB e ao Ciclismo Português. É com certeza merecedor de um agradecimento sentido de todos os Benfiquistas.

Fechando o texto de hoje, expresso o desejo que nunca se esqueça o contributo fenomenal, essencial que esta modalidade e estes dois grandes Homens deram para o Benfiquismo. Para lá do grande José Maria Nicolau.




Paz à sua alma, honra à sua memória.




RedVC

#672
-167-
Pelas estradas de Sintra



Fonte: Tiro e Sport nº 355


Publicado no jornal Tiro e Sport nº 355 de 31 de Maio de 1907, este desenho original de Cândido Silva foi criado a propósito de um bilhete comemorativo do 1º Passeio Velocipédico Inter-Clubes realizado em Sintra no dia 12-05-1907.

O passeio teve a sua partida em Lisboa, na Praça do Marquês de Pombal, local que nessa altura ainda não tinha o grande monumento que agora visitamos todos os anos para celebrar os nossos títulos.

Nesse Domingo, pelas 6h30, a comitiva velocipédica passou pela pacata localidade de Bemfica, onde se integraram mais alguns participantes. À chegada a Sintra, 152 ciclistas integravam o pelotão, número impressionante para a época e que demonstra a popularidade da modalidade e a vitalidade dos Clubes participantes. Nesse tempo, apesar das bicicletas serem um objecto muito caro, o ciclismo era já um dos desportos mais populares de Portugal, atraindo em particular uma certa burguesia endinheirada e ansiosa de convívio e da pratica desportiva ao ar livre. Não raro, os passeios acabavam em grandes jantaradas, facto que não devia assustar muita gente.

Para além desse desenho, o mesmo jornal Tiro e Sport já tinha publicado no seu número anterior algumas fotografias desse passeio. Infelizmente as fotografias não estão legendadas de forma a identificarem os convivas.


Alguns dos 152 ciclistas que participaram no convívio inter-Clubes em 12-05-1907 com partida em Lisboa, no Marquês de Pombal e chegada a Sintra. Tiro e Sport nº 354.



Alguns aspectos do convívio velocipédico inter-Clubes disputado em 12-05-1907, com partida no Marquês de Pombal e chegada a Sintra. Fonte: Tiro e Sport nº 355.




Fonte: Tiro e Sport nº 355.



Os emblemas

Mas existem outros e mais importantes detalhes no bilhete, nomeadamente os emblemas de cinco entidades desportivas que na época estavam associados à velocipedia. Vamos olhar para eles.

No final do século XIX, depois dos pioneiros Clube Velocipédico de Portugal e (uma vez mais) do Ginásio Clube Português, surgiram uma multiplicidade de clubes dedicados a actividades velocipédicas quer de competição quer de lazer. Entre eles estava o famoso Velo Clube de Lisboa fundado em 1894.



O Velo Clube de Lisboa, emblema e imagem de um dos numerosos passeios velocipédicos que esta colectividade promoveu, tendo igualmente contribuído para as competições velocipédicas nos primeiros anos da modalidade no nosso País.


O Velo Clube de Lisboa distinguiu-se essencialmente no ciclismo mas teve também uma valorosa equipa de corrida na qual se destacou Francisco Lázaro. Lázaro por lá correu até 1910, transferindo-se depois para o Sport Lisboa e Bemfica e mais tarde para o Lisboa Sporting Clube. Quando faleceu em Estocolmo, Lázaro pertencia a este último Clube.

Mas outro ponto interessante é que na tal equipa do Velo Clube de Lisboa, para lá do malogrado Lázaro, encontramos também um atleta chamado José de Brito, que ao que tudo indica seria o mesmo homem que foi uma das principais figuras do... Grupo Sport de Bemfica antes da junção de 1908!



Equipa de corrida do Velo Clube de Lisboa onde estavam Francisco Lázaro e José de Brito.

 

Uma imagem da Marathona Real, competição de 1908 que partiu da vila de Cascais. Alinharam 4 clubes entre os quais o nosso Grupo Sport de Bemfica e o Velo Clube de Lisboa onde estavam Lázaro e José de Brito. Fonte: Tiro e Sport nº 383 de Maio de 1908. Ver também Das actividades de atletismo e em particular de corrida já por aqui falamos (ver texto " – 19 - "Um Stromp à Benfica" Pág 4.").



Depois temos emblemas de dois outros Clubes. Olhemos brevemente para eles.




Ateneu Comercial de Lisboa

O Ateneu Comercial de Lisboa foi fundado por um grupo de empregados do comércio em 10 de Junho de 1880, ano em que se celebrava o tricentenário da morte do poeta Luís de Camões. A primeira sede situava-se na Rua do Arco do Bandeira, e contava desde o início com 600 sócios, que pagavam 200 réis por mês, tendo à sua disposição uma pequena biblioteca e acesso a aulas das mais diversificadas disciplinas do conhecimento e de desporto.

A instituição foi sempre fragilizada por muitas quezílias políticas e pessoais, tendo por via disso sofrido grande redução do número de sócios. Era ainda assim uma instituição com muita actividade formativa e que por isso precisava de um espaço com muitas salas de aula, razões que motivaram que em 1895 se tenha instalado no palácio do conde de Burnay na Rua de Santo Antão. Desenvolvia intensas actividades formativas no campo dos cursos profissionais e desportivos (dança, canto, esgrima, entre outras).

O Ateneu Comercial procurava garantir aos seus sócios, actividades festivas, acesso à cultura nomeadamente a literatura (editando as suas próprias publicações). Exerceu também actividade de influência política para a defesa dos interesses dos seus associados (descanso semanal, protecção no desemprego e na doença, criação da Bolsa de Trabalho, entre outros). A qualidade dos seus cursos levou a que, em 1933, os diplomas passados por esta instituição tivessem o mesmo valor que os das escolas oficiais. Pelos serviços que prestava à comunidade tinha já sido considerada instituição de utilidade pública em 1926. (fonte: Infopédia).



Aspecto de um animado baile no ACL. Biblioteca e Palácio de Burnay à Rua das Portas de Santo Antão. Desfile de atletas do Ateneu Comercial de Lisboa por altura da campanha para a construção do Estádio Nacional. Fonte: TT-digitarq.



Entre as principais figuras da história do Ateneu Comercial de Lisboa encontramos dois homens que também estiveram ligados ao Sport Lisboa e Benfica: Vasco Rosa Ribeiro e Francisco da Silva Gama. O primeiro foi o15º Presidente da nossa História e ao que sei o segundo foi membro da sua Direcção. Uma ligação que veio dos tempos do Ateneu Comercial de Lisboa.



Acto de posse dos corpos gerentes do Ateneu Comercial de Lisboa em 1937. Estão salientados dois homens que também pertenceram aos órgãos sociais do SLB, Francisco da Silva Gama e Vasco Rosa Ribeiro. Este último foi presidente da Direcção do nosso Clube, eleito para o cargo em 20 de Agosto de 1933 e em 4 de Setembro de 1934, exercendo as funções até 1936. Fonte: TT-digitarq.



Dia 18 de Outubro de 1935, acto de posse da Direcção do Sport Lisboa e Benfica presidida pelo Dr. Augusto da Fonseca. A Direcção cessante era a do Dr. Vasco Rosa Ribeiro. Fonte: digitarq-TT.




Fonte: Sítio oficial do Sport Lisboa e Benfica.




Do Racing Club de Portugal com excepção de menção a alguns passeios velocipédicos, pouco ou nada encontrei. Terá de ficar para outra oportunidade.



União Velocipédica de Portugal (U.V.P.)

Fundada em 14-12-1899, a União Velocipédica de Portugal é hoje conhecida por... Federação Portuguesa de Ciclismo! Aliás ainda hoje se apresenta como U.V.P./F.P.C.

A U.V.P foi fundada depois de um desafio ou sugestão que o Rei D. Carlos fez a uma série de ciclistas. O Rei percebeu a crescente popularidade das actividades velocipédicas na sociedade Portuguesa, em que a bicicleta era encarada com um objecto de prestígio e distinção social.


Notícia da criação e dos estatutos e emblema da U.V.P. Fonte: Tiro e Sport, nº 176 e nº 228.



Detalhe de um cartão de identidade da UVP. Fonte: Rodas de Viriato.


Diz-se também que a U.V.P. foi fundada na sequência de um conflito entre José Bento Pessoa e a Federação de Ciclismo Espanhola, ao que parece por este ter sido injustamente multado ao realizar uma prova sem inscrição prévia na dita Federação. Na altura ainda não existia uma Federação Portuguesa e assim as actividades de competição velocipédica em território Português estavam vinculadas à entidade Espanhola. José Bento Pessoa era um dos heróis fundadores do ciclismo Português e seguramente a maior figura da modalidade antes de José Maria Nicolau e assim esse castigo gerou enorme revolta nos meios velocipédicos Portugueses.

A U.V.P. manteve a sua designação passando depois a partir de 1944, num processo com alguns contornos políticos (extradesportivos), a designar-se por Federação Portuguesa de Ciclismo. Ainda assim ainda hoje é frequente aparecer a sigla U.V.P./F.P.C.



Passado e presente nos símbolos da U.V.P./F.P.C.


E por fim o mais interessante dos emblemas, o do Grupo Sport de Bemfica!




Até agora o mais antigo emblema do Grupo Sport de Bemfica que eu conhecia provinha de um cartão de sócio datado de Outubro de 1907:



Recibo de pagamento de quota de sócio do Grupo Sport de Bemfica datado de Outubro de 1907. Note-se que José Brito era o tesoureiro. Fonte: Alberto Miguéns in Benfica Ilustrado.



Assim sendo, este cartão de Maio de 1907 passa a ser a mais antiga representação do emblema do Grupo Sport de Benfica.

Lá está a bola que aparentemente se parece com uma bola de râguebi. Seria?

Lá estão as siglas do Clube, GSB = Grupo Sport de Bemfica.

Lá está a roda de bicicleta, idêntica às dos outros 3 clubes que participaram no evento.

Lá está o escudo.

E por fim o que não está? O que afinal continua a ser o maior mistério deste emblema?

Pois não estão as cores! Que cores teriam o emblema? Mistério!

De que cor seriam as listas das camisolas do GSB? Mistério!



Lançamento do peso em 1907 na Quinta da Feiteira. De que cor seriam as lista das camisolas dos atletas do GSB?. Fonte: Tiro e Sport.



E Cosme com a camisola listada. Listas brancas e?


Cosme Damião às riscas. Fonte: Tiro e Sport



Também está para lá das minhas capacidades identificar os sócios do Grupo Sport de Bemfica que participaram no evento velocipédico com que iniciamos este texto. Gostaria de poder fazê-lo pois ainda sabemos muito pouco sobre o Grupo Sport Bemfica.



Breves notas desportivas sobre o Grupo Sport de Bemfica

Como já algumas vezes por aqui se mencionou, os desportos atléticos (em particular corrida) e de ciclismo eram as modalidades desportivas mais fortes no GSB. O Clube utilizava em regime de arrendamento o belo terreno da Quinta da Feiteira onde podia praticar essas modalidades em muito boas condições e conforto. Das actividades de atletismo e em particular de corrida já por aqui falamos (ver texto " – 115 - "A Corrida da Marathona".").



Henrique Costa e Germano Vasconcellos numa prova de corrida com barreiras na Quinta da Feiteira em 1907. A junção dos Clubes ainda estava para acontecer. Fonte: TT-digitarq.




O futebol antes da junção com o Sport Lisboa em Setembro de 1908 foi sempre perfeitamente residual e até marginalizado pelas populações à volta da Quinta da Feiteira, Ainda assim teve alguma actividade acrescida aquando da crise de 1907 do Sport Lisboa. Nesse tempo de indefinição alguns membros do Grupo Sport Lisboa, entre os quais se incluíram Cosme Damião, Luís Vieira, João Carvalho Persónio e Marcolino Bragança vestiram a camisola de listas do GSB.



Um dos poucos vestígios da componente futebolista do Grupo Sport Bemfica. Uma rara fotografia de uma equipa de futebol. Cosme ao meio, acompanhado de 10 outros jogadores entre os quais Marcolino Bragança, Luís Vieira e João Persónio. Fonte História do SLB 1904-1954 de Mário de Oliveira e Rebelo da Silva. Edição de autor.



O ciclismo e actividades de cicloturismo eram juntamente com o atletismo, as modalidades mais privilegiadas no Grupo Sport de Bemfica. Infelizmente existe ainda um grande desconhecimento, fruto da escassez de informação acerca desses anos, das suas figuras e actividades. Ao que sei existe material para esse estudo mas infelizmente o mesmo não está ainda disponível.

Mais tarde, depois da junção de 1908, o Sport Lisboa e Benfica manteria interesse na modalidade de ciclismo, iniciando-se aí uma galeria de grandes conquistas e de grandes figuras, entre os quais estarão para sempre: Alberto de Albuquerque, Alfredo Luís Piedade, José Maria Nicolau, Gil Moreira, Dias Maia, César Luís, Francisco Valada, Fernando Mendes, Américo Silva, entre tantos outros.



Depois de Levy e Bermudes, e já depois da junção entre Sport Lisboa e Grupo Sport de Bemfica, Alberto Albuquerque destacou-se como uma das primeiras grandes figuras do nosso Ciclismo. Fonte: Sports Ilustrados. Hemeroteca de Lisboa.




Já depois da junção, corridas de bicicletas em Bemfica em 24-07-1910. Lá atrás a "casa alemã" da família Lobo Antunes. Fonte: Tiro e Sport.



Tudo isto a partir de um bilhete que apesar a sua beleza não resolveu mas antes adensou alguns mistérios. Conseguiremos algum dia desvendar o mistério das cores das listas do GSB? Esperemos que sim.


E assim termina o texto de hoje. Depois disto sinto-me como um verdadeiro José Maria Nicolau: cansado mas feliz por ter concluído uma longa corrida pelo Glorioso! O Benfica é um mundo de descobertas e de Gloriosas histórias!




Schuldiner

Este tópico devia estar pinned, e as Memórias devia estar pinned dentro do Geral.

RedVC

#674
-168-
Braga à Benfica (parte I) -  o princípio é um tempo delicado

10 de Outubro de 1915, campo das Golladas, Braga.



O primeiro team do Sport Lisboa – Braga, Outubro de 1915, campo das Golladas em Braga. Fonte: Ilustração Católica.


A primeira equipa do Sport Lisboa – Braga posa para a objectiva de um fotógrafo. Este Sport Lisboa – Braga também conhecido por Sport Lisboa e Braga era uma filial do Sport Lisboa e Benfica, fundada na cidade dos Arcebispos nesse mesmo ano de 1915. Foi fundado pelo nosso Glorioso pioneiro Germano Vasconcelos Júnior em circunstâncias que mais à frente serão descritas.

Mas nesse dia de Outubro, o novo Clube apresentava a sua equipa principal de futebol numa festa promovida pelo Foot Ball Club de Braga, o mais antigo Clube da cidade de Braga. O FBCB equipava-se com camisola com listas verticais brancas e azuis e calção branco, ou seja com as cores da cidade de Braga.

Já o SL-B, como se poderia esperar, equipava com camisola vermelha e calção branco. Essas camisolas tinham aliás um formato idêntico às usadas nesse tempo pela Casa Mãe.



As duas equipas de futebol, uma vestida de azul e branco (FBCB) e outra de vermelho e branco (SL-B) e o jury das provas que no mês de Outubro de 1915 participaram nas festas desportivas promovidas pelo Foot Ball Club de Braga. Fonte: Ilustração Católica.


Como em tempos nos disse Alberto Miguéns, o Sport Lisboa – Braga foi fundado depois de Germano de Vasconcelos Júnior ter ido trabalhar para uma dependência dos CTT (antigos Correios, Telégrafos e Telefones de Portugal) na cidade de Braga. E foi fundado não obstante já por lá existir uma filial do SLB que se chamava Estrela Football Club. Esse Estrela FC terá sido fundado no ano anterior, em 1-11-1914, por empregados gráficos, grupo que naquela época em Braga era numeroso e constituído por gente nova (fonte: http://futebolsaudade-victor.blogspot.pt/).

Mas, chegado a Braga, Germano Vasconcelos cedo reconheceu que esse Estrela FC tinha pouco a ver com o SLB. No seu entender, as actividades, equipamentos e valores desse clube eram pouco Benfiquistas. Desconheço quais as cores das listas verticais do equipamento do Estrela FC mas presumo que seriam vermelhas em fundo branco pois o Braga FBC usava listas verticais azuis em fundo branco.



Uma equipa de futebol do Estrela Foot Ball Club, a primeira filial do Sport Lisboa e Benfica em Braga. Fonte: IC.


Assim não admira que Germano Vasconcelos tenha tomado a iniciativa de fundar um outro clube que fosse uma verdadeira filial do SLB. Logo ele que foi um companheiro próximo de Cosme Damião e de quem gozava de muita confiança, recebendo-o de braços abertos aquando dos seus regressos a Lisboa, permitindo-lhe que voltasse a integrar a nossa equipa em jogos e posições decisivas na equipa.

Germano era um dos depositários da Mística, alguém que tinha bem presente o vibrante Ideal do Sport Lisboa e Benfica. À semelhança de outros antigos companheiros de equipa, Germano transmitiu esse Ideal a outros locais, a outras pessoas e a outras equipas do nosso País. A esse respeito disse-nos Alberto Miguéns sobre o SL-B:

Com os mesmos princípios do SLB: vermelho e branco, coexistência e igualdade entre todos os associados/futebolistas para escolher os melhores e eleições democráticas, universais e livres dos dirigentes. Esta "pedrada no charco" na sociedade local e entre as colectividades bracarenses possibilitou atrair futebolistas de todos os níveis sociais permitindo fazer do SL Braga o clube de futebol melhor sucedido na cidade.


Germano de Vasconcelos



Germano de Vasconcellos Júnior, de seu nome completo, nasceu no Lumiar em 28-01-1891. Dá-se assim a curiosidade de, durante os seus quatro primeiros anos de vida, ter sido vizinho do jovem Cosme Damião, também ele natural (1885) da paróquia de São João Baptista do Lumiar.

O jovem Germano viria depois a ser um emérito praticante de futebol, ciclismo e atletismo primeiro do Grupo Sport de Bemfica e, depois da junção, do Sport Lisboa e Benfica (ver texto "-62- 13, ou a Glória Benfiquista de Lázaro" e ver também o artigo de Alberto Miguéns: http://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2015/02/eclectismo-sem-macula.html?m=0). Germano obteve grande notoriedade em todas essas modalidades sendo aliás conhecido nos meios do ciclismo como o "Flecha Vermelha".



Atletismo, Ciclismo e Futebol. As muitas faces de um desportista nato. Germano Vasconcelos, o "Flecha Vermelha", deu muito do seu talento e espírito de campeão ao SLB.


Germano foi aliás um raro caso de um dos poucos atletas provenientes do Grupo Sport Benfica a entrar na equipa da 1ª categoria de futebol do SLB. No futebol pontificavam essencialmente atletas vindos de Belém, vindos do Sport Lisboa. Nesse tempo, a ascensão à primeira categoria implicava um duro caminho pelas camadas inferiores e só possível mostrando mérito e justeza para chegar à categoria de honra. Assim, só em 1910, Germano convenceu Cosme Damião a integra-lo na nossa equipa da 1ª categoria de futebol. Germano vestiu de forma regular o manto sagrado de 1910/11 a 1912/13, em diversas posições embora mais como avançado e como... guarda-redes! Em todas elas ajudando o Clube a dominar totalmente as competições que disputou nesse período!



Um dos companheiros de Cosme Damião. Depositário da Mística. Germano esteve na Feiteira nos tempos em que se forjou o Sport Lisboa e Benfica.



Com a sua mudança de Lisboa pra Braga poderia ter arrefecido aí o interesse pela prática desportiva. Ao invés, Germano levou os ideais e as cores do seu querido SLB para a cidade dos Arcebispos, mudando para sempre a paisagem desportiva daquela cidade. Quando em 1915 fundou o SL-B, Germano de Vasconcelos contava com apenas 24 anos de idade. Deu muito ao SLB e deu muito à cidade de Braga.



O Sport Lisboa - Braga




Apesar de muito provavelmente ter sido fundado na primeira metade do ano de 1915, o SL-B desde logo atraiu numerosos sócios e simpatizantes. Assente em ideias e numa organização interna por via da acção de Germano de Vasconcelos, através da organização de festas populares e desportivas, o novo clube ganhou desde cedo uma grande relevância na actividade desportiva e social. Da cidade de Braga



Princípios de Setembro de 1915, uma das primeiras festas desportivas do Sport Lisboa – Braga. Note-se o detalhe magnífico do emblema alusivo ao Sport Lisboa – Braga, em tudo idêntico ao que nessa época era usado pelo Sport Lisboa e Benfica! Fonte: http://cochinilha.blogspot.pt/search/label/sport



Memórias do SL-B, clube fundado por Germano de Vasconcelos durante as festas desportivas, a prática de salto à vara. O eclectismo da casa Mãe em Lisboa contagiava o novo Clube Bracarense. Percebe-se ainda a presença de atletas de outros Clubes. Fonte: Ilustração Católica.


Memórias do SL-B durante as festas desportivas de 1915, uma demonstração da vitalidade do novo Clube. Desconheço quem é o homem equipado à SLB mas não parece ser Germano Vasconcelos. Destaque ainda para as letras SLB bordadas no bolso. Fonte: Ilustração Católica.


No entanto nesse tempo pré-Grande Guerra, Braga era uma cidade cheia de entusiasmo pela prática desportiva e do futebol em particular. A cidade tinha já visto nascer muitos clubes tais como Foot-Ball Club de Braga, Estrela Foot-Ball Club, Foot Ball União do Minho, Equipa de Sargentos de Infantaria, Minho Sport Club, Sport Lisboa e Braga, Comércio Sport Club, Braga Sport Club, Club da Juventude Católica, Vencedor Sport Club, Liberdade Foot Ball Club (Liberdade da Rua da Cónega?), entre outros. Também perto, em Barcelos e Guimarães existia muita, muita actividade mas fiquemos por aqui.

A convivência entre os Clube era outro detalhe pois ao que parece que funcionava em certa medida uma vez que o Campo das Goladas, o primeiro feito de raiz para a prática do futebol, foi inaugurado em 1-05-1915 e servia a três Clubes: Foot-Ball Club Braga, Minho Sport Clube e o Sport Lisboa – Braga.



Fonte: Alfarrábio de Braga.



Fotografia do Arquivo da Casa Aliança de Braga. Presumo que seria o Campo das Golladas. Desconheço também quem eram as equipas oponentes do jogo retratado. Fonte: http://cochinilha.blogspot.pt/


Assim, bem antes do Sporting Clube de Braga, muita história desportiva se desenrolou na cidade de Braga. Haveria por isso muito que descobrir e que contar

No próximo texto falarei do que percebi da história do Sporting Clube de Braga. Nesse texto se perceberá a decisiva influência que Gloriosos pioneiros Benfiquistas tiveram nos primórdios da história do grande clube Bracarense.



(continua)