Decifrando imagens do passado

RedVC

#675
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Braga à Benfica (parte II) – De fusões e omissões


Azul e Vermelho: a fusão falada


Em 1917, apenas dois anos depois da fundação do Sport Lisboa – Braga, deram-se conversações para um processo de fusão com o Foot Ball Club Braga. O mais antigo pretendia fundir-se com o mais bem-sucedido clube de Braga.



Fonte: Alfarrábios de Braga


Os planos do Clube que resultaria da fusão eram grandiosos, prevendo a prática de numerosas modalidades



Fonte: Alfarrábios de Braga


As conversas ter-se-ão iniciado em 1917 mas ao que parece terão ficado por aí. Será que se concretizou alguma coisa? Aparentemente não pois o SL-B continuou a existir com esse nome até 1919. Agradeço a quem saiba que nos possa dar mais e melhor informação.


Verde e Vermelho: a fusão concretizada

Mas no que concerne a fusões de Clubes em Braga, algo muito diferente viria a acontecer em 1921. Algo que tornaria um Clube verde num Clube vermelho. Um "amadurecimento" do SCB... Uma vez mais seria Germano Vasconcelos a ter protagonismo fazer prevalecer o brilhantismo das suas vontades. Mas vamos por partes.

Um pouco à semelhança com o que se passa com o FCP, existe uma teoria de que a verdadeira data de fundação do SCB terá sido 1914 e não o ano de 1921 (actualmente assumido oficialmente) ou numa perspectiva que me parece mais correcta o ano de 1919.

Essa teoria baseia-se num recorte de jornal referindo a constituição de uma Direcção de um Clube com esse nome. Ora, como nos disse Alberto Miguéns, esse primeiro SCB teve vida efémera por volta de Setembro de 1914, sem registo de jogos ou outras actividades. E, facto relevante, entre os fundadores desse primeiro SCB (1914), nenhum aparece na lista dos fundadores do segundo SCB (1919). E repare-se que ao que percebi esses homens viveram durante muito tempo depois da fundação do segundo SCB sem nunca se terem associado a essa nova colectividade. Não há nenhum po(n)(r)to de ligação para lá da coincidência de nomes. Soa familiar? Pois é...
Como diz o outro papagaio: "investigue-se"...

Em 1919, foi sim fundado o actual Sporting Club de Braga. Nesse tempo inicial, o SCB vestia-se, à semelhança do Sporting CP de Lisboa, com um equipamento bipartido verde e branco (hoje conhecido por "Stromp"). Ao que parece o primeiro emblema do SCB contaria também com um Leão, mas em boa verdade nunca vi semelhante emblema. Então o que explica o vermelho e branco que actualmente o SCB usa? A resposta é Germano Vasconcelos e o que foi acordado no processo de fusão entre o SCB e o SL-B. Isso mesmo. Braga à Benfica!



Fonte: Superbraga a partir de uma fonte original do jornal Echos do Minho. O site Bibóbraga.sugere 23-11-1919.


Fazendo a história curta, o processo de fusão deverá ter sido negociado durante algum tempo mas aparentemente só concretizado em 1921. Pelo menos é essa a data que consta do acto de escritura pública dos estatutos do clube no Governo Civil da cidade de Braga. Considerar 1921 como a fundação é a mesma coisa que considerar que uma pessoa nasceu no dia em que foi registada. Acontece que foi dois anos antes...

Ora, em 1921 o SCB já levaria dois anos de actividade, mas continuava a não ter quer a adesão popular quer o sucesso desportivo e associativo que os seus fundadores pretendiam. E assim, se compreende que os dirigentes do SCB tivessem estabelecido negociações para uma fusão com o Clube mais bem-sucedido da cidade. As negociações estabeleceram-se tendo Germano de Vasconcelos como principal interlocutor do lado do SL-B, e visavam entre outros objectivos, integrar os futebolistas do SL-B para permitir a reorganização e o reforço competitivo do SCB.



O que hoje se publicita no sítio oficial do SCB.


Mesmo entre os adeptos do SCB a questão está longe de ser consensual. E se olharmos para a linha do tmepo encontramos esses tempos em que a questão era colocada noutros termos e com outros critérios. Como nos diz o site Bibóbraga:

Porém, ao longo das décadas os órgãos sociais do clube admitiram o nascimento do clube em anos anteriores: 1919 ou 1920. Tais factos estão comprovados em artigos produzidos pelo clube, como por exemplo as revistas comemorativas de 1934, 35 e 36; ou os objectos alusivos às comemorações do cinquentenário no ano de 1970.


E tudo isto apesar do que nos indica um documento oficial do Clube, assinado pelo 1º Secretário da Direcção do Clube, enviado em 1926 ao Comité Olímpico Português, que refere explicitamente a data de fundação como sendo de 1919.




Fonte: Arquivo COP


Tudo isto torna absolutamente ridícula a negação ou ignorância que a actual Direcção do Clube Bracarense tem em relação à sua história e aos seus antecessores.


Facto relevante: uma das exigências de Germano Vasconcelos durante as negociações terá sido a mudança das cores do clube. Germano impôs que se mudasse do verde e branco para o vermelho e branco.

Terá sido também acordada a alteração do emblema com a substituição do símbolo do Leão pelo escudo da cidade de Braga mas uma vez mais uma vez mais nunca vi esse emblema com o leão.

Assim se percebe que com a mudança das cores do Clube temos que desde 1921 até 1945, o Sporting Clube de Braga passou a jogar com camisolas vermelhas à Sport Lisboa e Benfica!



O primeiro emblema do Sporting Clube de Braga era verde e branco. Depois de 1921, após a fusão com o Sport Lisboa - Braga, o emblema passou a ter as cores vermelho e branco. Mais tarde em data que desconheço, foi adaptado o escudo da cidade de Braga alterando as cores de azul para vermelho e branco.



Fonte: Superbraga



Fonte: Superbraga.



A costela Benfiquista



Fonte: BibóBraga.


Reconhecendo a influência Benfiquista... Para lá de Germano Vasconcelos, também Alberto Augusto (outro dos nossos antigos jogadores de quem já por aqui falamos) jogou no SCB em dois períodos distintos. Provavelmente terá ido para Braga por influência de Germano de Vasconcelos que - presumo - nessa altura seria treinador (e jogador?) dos Bracarenses. Alberto Augusto terá sido o primeiro jogador profissional, com remuneração mensal regular do SCB. E lá o vemos com camisolas que certamente seria vermelha como a do seu Benfica.



Alberto Augusto com as cores do SCB. Fonte: Glórias do Passado.



Os seus nomes encabeçam a lista dos treinadores de futebol que serviram o SCB. Se não estou em erro, Germano e Alberto foram os primeiros treinadores de futebol da história do Sporting Clube de Braga.




É pois ridículo que hoje se ignore ou se tente omitir a determinante influência Benfiquista nos primórdios do Sporting Clube de Braga. Só a ignorância e a má-fé podem justificar isso.



Germano, o dirigente

Concluídas as negociações foi nesse ano de 1921 que entraram os estatutos do SCB no Governo Civil de Braga. Desconheço a composição da primeira Direcção do SCB mas sei que a segunda que tomou posse no ano seguinte tinha Germano de Vasconcelos como vogal da Direcção. No entanto, o seu nome não consta da Comissão Organizadora de 1921 que assina os estatutos do Clube.



Primeiros estatutos do SCB. Fonte: Superbraga.



Termo de posse da Direcção do Sporting Clube de Braga em 4-12-1922. Esta Direcção foi a segunda do SCB, ou seja a que se seguiu à da Fundação do SCB em 19 de Janeiro de 1921. Entre os Vogais da Direcção contava-se Germano de Vasconcellos. Fonte: Alfarrábios de Braga.



Ao que parece terá estado também acordada uma mudança do nome do Clube após essa fusão mas isso acabou por não acontecer e mesmo com as turbulências e cisões no caminho, Germano de Vasconcelos acabou por aparentemente transigir nesse aspecto. Se deixou cair o nome, o nosso Germano foi inflexível no emblema e nas cores do SCB.

No ano seguinte, para lá das funções que tinha assumido como vogal da Direcção do SCB, Germano de Vasconcelos tornou-se o primeiro presidente da Associação de Futebol de Braga, que tomou posse no dia 7-12-1922 (ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_de_Futebol_de_Braga). Este facto atesta plenamente a importância daa figura de Germano de Vasconcelos para o futebol Bracarense na década de 20.



Acta nº 1 manuscrita e assinatura dos membros da primeira Direcção da Associação e Futebol de Braga. No topo está a assinatura do primeiro presidente da AFB: Germano Vasconcelos, insigne Benfiquista. Fonte: Associação de Futebol de Braga.



Mensagem para levar para casa:

Quando olharem para as actuais camisolas do actual equipamento principal do Sporting Clube de Braga percebam que o formato à Arsenal de Londres foi adoptado em 1945. No início, por volta de 1919, o SCB terá equipado à SCP. Depois por volta de 1921 e até 1944, o SCB equipou à Benfica. Quando virem esse vermelho e branco lembrem-se de que essas cores se devem ao Glorioso Germano de Vasconcelos.

A influência dos valores e da cultura Benfiquista no início da história do SCB é um facto histórico indesmentível. Devia ser motivo de lembrança e orgulho para os adeptos do SCB. Os dirigentes passam mas a história não se apaga. Estou certo que um dia o clube bracarense terá dirigentes que farão a devida justiça à verdadeira história do SCB e ao papel determinante de Benfiquistas como Germano Vasconcelos.




Sporting Clube de Braga, 1943.




RedVC

#676
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Rebelde com causas


Dia 21 de Julho de 1913, Governo Civil de Lisboa. Um jovem revolucionário sai das instalações da Polícia depois de ser interrogado.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Esse jovem tinha sido um dos presos pela Guarda-Nacional Republicana na sequência de tumultos violentos verificados na noite anterior em Lisboa. Os incidentes envolveram tiros e bombas, tendo provocado mortes e feridos entre as forças da ordem e entre civis.

O jovem chamava-se Manuel da Conceição Afonso, de origem humilde era um operário linotipista, tipógrafo e um activo anarco-sindicalista. Não obstante essa juventude activamente revolucionária, Manuel da Conceição Afonso viria quase duas décadas mais tarde a ser um dos mais importantes Presidentes da História do Sport Lisboa e Benfica. Muito caminho haveria ainda trilhar. De uma juventude revolucionária até uma maturidade mais pacata com obra feita no Glorioso. Rebelde, sempre, mas com causas.

 

Governo Civil, exterior e pátio interior (calabouços). Fonte: AML.


Mas o que terá acontecido nesse episódio violento? Qual o contexto sócio-político que explica esses acontecimentos?

Em 1913, Portugal vivia um turbulento período político social e económico. Tinham passado apenas três anos depois do dia 5 de Outubro de 1910. O jovem regime Republicano tentava estabilizar as novas instituições e o quadro socioeconómico do País. Tarefa hercúlea porque partia de um processo revolucionário traumático que levou à queda da Monarquia com derramamento de sangue. Tarefa hercúlea também porque a conflitualidade entre múltiplas facções revolucionárias rivais era extrema e complexa. A situação política e a economia nacional degradavam-se de forma acelerada e com isso a contestação popular subia de tom.

A acrescer a isto, existia também um clima de grande intolerância religiosa, facto que, num País de profunda base Católica, provocava clivagens ainda mais profundas. Essas clivagens estariam na base das muitas e abruptas mudanças sociais e políticas da década seguinte.

Ódios, extremismos, acções violentas urbanas, anos turbulentos de constante intolerância e violência verbal e física. Todas essas convulsões explicam que uma década e meia mais tarde tenha acontecido uma contra-revolução que instaurou uma ditadura em Portugal. Foi uma período de muitos idealismos e poucos brandos costumes,

Nas ruas de Lisboa era frequentes os tumultos revolucionários, num constante fervilhar revolucionário entre grupos rivais. Não havia uma semana em os jornais não noticiassem pelo menos um rebentamento de um engenho explosivo, um tiroteio. Operários, estudantes, jovens idealistas eram muitas vezes os instrumentos desses movimentos revolucionários. Manuel da Conceição Afonso foi um desses jovens. Estavam longe os tempos dos mandatos na Presidência do Sport Lisboa e Benfica...


O local e os acontecimentos



Fonte: Ilustração Portuguesa.


Na madrugada de 20 de Julho de 1913, no Largo de Santa Marinha, perto do Castelo de São Jorge em Lisboa, dois guardas-republicanos aproximaram-se de um automóvel com as luzes apagadas, estacionado em frente a um tapume de um prédio em obras. Os guardas pediram a identificação aos três ocupantes mas no seguimento dessa acção depararam-se com um cesto com bombas de dinamite no interior do carro.

Os guardas deram imediatamente ordem de detenção aos ocupantes mas quando se dispunham a conduzir os detidos à esquadra, irromperam outros homens vindos de trás do tapume do prédio em obras, que logo começaram a disparar. Os guardas ripostaram gerando-se um tiroteio que terminou quando os revolucionários arremessaram duas bombas sobre os guardas. A explosão de uma dessas bombas decepou a cabeça de um dos guardas e feriu o outro. Este segundo guarda morreria mais tarde já no Hospital da Estrela para onde foi transportado. Estava dado o rastilho para mais tumultos.


O automóvel que transportava as bombas dos revolucionários.


Ao que parece a intenção dos revolucionários seria vigiar diversos quartéis da cidade de Lisboa no sentido de furtar armamento e explosivos para os seus planos futuros. Em resposta aos tumultos, a polícia apareceu em força, varrendo quem encontrou e fazendo cerca de duas centenas de detenções.

Os detidos foram levados primeiro para a esquadra do Rato e depois para o Governo Civil de Lisboa, para serem sujeitos a interrogatório. Segundo os jornais entre os detidos estavam "rapazes bem trajados e conhecidos pelas suas ideias avançadas". Entre lojistas, carvoeiros, serralheiros e tipógrafos, estava o nosso Manuel da Conceição Afonso, um jovem anarco-sindicalista que começava a destacar-se pela forte ideologia, pelas iniciativas revolucionárias e pela capacidade oratória e mobilizadora. Um líder.



Algumas das numerosas detenções no âmbito do movimento revolucionário de Julho de 1913. Fonte: Ilustração Católica.


Nis dias seguintes a GNR faria buscas por diversas casas encontrando dezenas de bombas que foram levadas para o Arsenal da Marinha. Alguns populares tomaram a iniciativa de entregar bombas que guardavam. Sucederam-se as denúncias indicando locais onde se encontrava material explosivo. Entre buscas e detenções, os cidadãos de Lisboa e arredores viveram horas de grande sobressalto.



Populares em frente à Serralharia do revolucionário Narciso dos Santos. Fonte: Ilustração Portuguesa.


No seguimento dos interrogatórios uma parte dos detidos foi transferida do Governo Civil de Lisboa para a casa de reclusão no Castelo de São Jorge. No decurso dos interrogatórios muitos presos foram identificados como agitadores e sindicalistas com doutrinas anarquistas, activamente envolvidos em comícios e em actividades políticas nos meses anteriores. Entre eles estava Manuel da Conceição Afonso.



Manuel da Conceição Afonso, identificado como um dos ocupantes do automóvel e sujeitado a interrogatórios. Fonte: A Capital, 20-06-1913.




Manuel da Conceição Afonso, identificado como um dos ocupantes do automóvel, transferido para o Castelo de São Jorge. Fonte: Jornal A Capital.



Os jornais sugeriram que os agitadores terão procurado iniciar um golpe de Estado através da agitação política, da subversão social e da luta armada. Mas também aqui a confusão estava instalada pois apesar de alguns jornais falarem acertadamente de actividades revolucionárias anarco-sindicalistas, outros falaram de revolucionários com convicções monárquicas que queriam reverter o processo de instauração da Republica em Portugal. Provavelmente acontecia tudo ao mesmo tempo, numa sucessão vertiginosa de acontecimentos e num fervor revolucionário que sujeitava a capital do Império a uma violência que hoje se torna difícil acreditar.


O que veio depois



Fonte: A Capital, 28-08-1913.


Sem para já ter encontrado detalhes sobre o que em concreto aconteceu a Manuel da Conceição Afonso, percebe-se pelos jornais que, para a maioria dos presos, o processo não terá dado em nada. Sem esses elementos de prova precisos e com limitações legais, a maior parte deles terá sido julgado como... vadios, dada a sua presença na via pública aquando dos acontecimentos. "Rigores da lei" comentava o jornal A Capital...

Que consequência terá tido este episódio na vida do jovem Manuel da Conceição Afonso?

Esteve preso mas não terá sido por muito tempo pois mesmo com a limitação da informação, há evidências de que em Março de 1914, prosseguia a sua actividade anarco-sindicalista. Nesse tempo, Manuel esteve na fundação e na liderança da União Operária Nacional, a primeira organização, de âmbito nacional, dos trabalhadores portugueses, criada num congresso em Tomar. Nessa data Manuel da Conceição Afonso tinha apenas 24 anos de idade. Sobre ele, Alberto Miguéns dá-nos interessantes factos biográficos; aqui:
https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2012/06/verdades-inconvenientes-3-em-5_22.html e também aqui:
https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2012/06/hoje-ontem-ja-ganhei-o-dia.html



Boletim da União Operária Nacional de 1917. Manuel da Conceição Afonso foi fundador, Administrador e Secretário geral interino dessa organização. Fonte: Portal Anarquista.


E depois o que terá acontecido para que se desse a transição do jovem revolucionário para o homem maduro, ponderado e dialogante que na década de 30? Um homem que durante os seus mandatos na Presidência do SLB, reuniu e negociou com altas figuras de Estado, representantes de um regime ditatorial?

Certo é que Manuel da Conceição Afonso nunca se transformou num simpatizante do antigo regime. Certo é que manteve sempre uma atitude combativa pelas suas ideias, algo que com certeza muito beneficiou a vida associativa do nosso Clube. Olhando para o antes e o depois, percebe-se que a sua evolução como pessoa e cidadão o levou a deixar a militância política activa da sua juventude.

Manuel da Conceição Afonso foi enquanto Benfiquista e dirigente do Clube, mais um (longe de ser o único) dos que contribuíram para que o nosso Clube fosse sempre uma Instituição isenta de tendências ou de activismos políticos ou religiosos. Uma vida interna associativa sem discriminações ou perseguições, um espaço de liberdade, onde os dirigentes foram sempre eleitos democraticamente em voto secreto. Tudo isto ao mesmo tempo que SCP e FCP escolhiam os seus dirigentes por nomeação, entre uma elite que frequentemente era feita de homens com ligações fortes e concretas ao Antigo Regime.

No SLB podemos orgulhar-nos de ter homens da cepa de Manuel da Conceição Afonso, João Tamagnini Barbosa, Júlio Ribeiro da Costa, Augusto da Fonseca Júnior, Duarte Borges Coutinho, todos homens que nunca gozaram da simpatia do Antigo Regime. Antes como hoje, o Sport Lisboa e Benfica esteve e estará sempre pelo desporto, pelo Clube e pelos seus sócios. De Todos, Um.

De tudo o que se disse se percebe que esses tempos pós instauração da Republica foram tempos perigosos, tempos de cólera nos quais Manuel da Conceição Afonso participou e aos conseguiu sobreviver. No seu processo de amadurecimento, talvez tenha progressivamente dado mais atenção ao espírito de um editorial de um jornal diário da altura dos acontecimentos relatados no início deste texto.



Jornal A Capital. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


É quase inevitável que seu trajecto de vida MCA se tenha desiludido com a hipocrisia dos homens e das suas convicções políticas. É inevitável que tenha sido intimidado pela brutalidade das autoridades da Polícia políticas. Será que em algum ponto sentiu que as suas ardentes doutrinas da juventude serviram mais os interesses e as conveniências de outros homens? Será que desistiu das suas lutas? Intimidado? Desiludido? Com a maturidade terá Manuel da Conceição Afonso atenuado as suas convicções. Ter-se-á resignado com o facto adquirido de viver num regime ditatorial? Tudo questões para as quais não tenho respostas.

Certo é que no início da década de 30, Manuel da Conceição Afonso assumiu pela primeira vez a presidência do SLB. Em 20 Agosto de 1933, tornou-se Águia de Ouro em reconhecimento dos seus consórcios, tornando-se progressivamente pela sua inteligência, dinamismo, combatividade e capacidade de fazer obra, uma das maiores figuras de sempre do nosso Clube.

Manuel da Conceição Afonso foi um homem fascinante, um Benfiquista indefectível, Águia de Ouro com apenas 43 anos de idade e ainda com ainda mais três décadas de vida pela frente. No nosso Clube, enfrentou e contribuiu para resolver situações delicadas mostrando sempre grandes dotes oratórios e um labor incansável. Foi um Presidente que recordamos e saudamos.



Perfil de presidente. Fonte: sítio oficial do SLB.


Manuel da Conceição Afonso faleceu a 23 de Maio de 1966, no Hospital de Santa Maria em Lisboa. O notícia do seu obito no DL resume a sua vida e a importância da sua contribuição para o SLB e para o desporto Português.


Fonte: DL 24-05-1966.


   





Paz à sua Alma; honra à sua memória.



RedVC

#677
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O Sonho, o Homem, a Obra



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Este poderia ter sido o parque de jogos e o Estádio do Sport Lisboa e Benfica construído no início da década de 50 do século XX. Mas não foi.

Este foi o primeiro esboço do plano idealizado para o parque de jogos que poderia ter sido construído na freguesia de Alvalade e não de Carnide/Benfica.

Em 1945, o Engenheiro Mário Pires Ventura, na altura sócio há 20 anos e antigo atleta do Clube, tinha delineado um esboço de projecto para aquilo que se pretendia ser o novo parque desportivo do Sport Lisboa e Benfica.



Era Presidente do nosso Clube o grande Félix Bermudes, homem-chave do processo de resistência à extinção do Sport Lisboa em 1907 e da junção com o Grupo Sport Bemfica em 1908.

Em 1945, os tempos eram bem diferentes mas o maior problema do Clube era o mesmo de sempre. O Sport Lisboa e Benfica crescia de forma vertiginosa mas não era proprietário de um parque desportivo condigno para as suas actividades e para a sua massa associativa.

Numa entrevista da época, o presidente admitia que semanalmente recebiam 100 novas inscrições de sócio. O campo de jogos no Campo Grande, a velhinha estância de madeiras, apresentava crescentes problemas de manutenção e dispunha de uma capacidade manifestamente insuficiente para o número de sócios que pretendiam assistir aos jogos.




A necessidade de um novo parque de jogos e de um estádio com maior capacidade impunha-se. A tesouraria dava algum conforto mas ainda assim era necessário ultrapassar o problema de sempre do nosso Clube nos seus primeiros 50 anos: era preciso um terreno.

Ora, nesse tempo o nosso Clube vivia um clima interno de grande emotividade e verbalização apaixonada acerca das opções da Direcção, em particular quanto à escolha do local e a definição do projecto para o novo parque desportivo.

Por outro lado, esse mandato coincidiu com a compra da Sede na Avenida Gomes Pereira e dos terrenos adjacentes, em Benfica. Vários outros Clubes encontravam-se em activa fase de construção de novos parques de jogo, passando a dispor de melhores condições para os seus atletas. No futebol, o número de campos relvados começava a aumentar enquanto que o Benfica ainda jogava no velho pelado do Campo Grande. Era demasiado insuportável para o orgulho dos associados do maior Clube Português.



Duas imagens similares da mesma época, à esquerda um SLB-SCP disputado no Campo Grande e à direita um CFB-SLB disputado nas Salésias. As maiores diferenças? O pelado do Campo Grande versus o relvado das Salésias e as bancadas sem cobertura do Campo Grande versus as bancadas cobertas das Salésias!



O primeiro projecto apresentado pela Direcção de Félix Bermudes previa que o novo parque desportivo se localizasse perto da então Avenida, hoje Rua Alferes Malheiro e do local onde foi erigido o LNEC, em terrenos contíguos ao Hospital Júlio de Matos.



O anteprojecto do novo parque desportivo do Sport Lisboa e Benfica entregue na CML em 1945. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Essa localização tinha sido sugerida pela Câmara Municipal de Lisboa aquando de uma reunião onde também foram definidas as localizações dos novos parques desportivos do SCP e do CIF (ambos na zona do Campo Grande). A Direcção de Félix Bermudes aceitou a sugestão da CML e levou-a à consideração dos sócios.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.




Félix Bermudes, presidente do SLB, expondo as suas razões numa Assembleia Geral do SLB em 1945. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Só que internamente, no nosso Clube, levantaram-se várias vozes contra as propostas do Presidente em particular contra a localização. O argumento mais forte era o de que o SLB ficaria seriamente condicionado caso no futuro pretendesse ampliar o parque desportivo. Era, no dizer dos mais corrosivos, "andar de cavalo para burro". Entre esses contestatários destacaram-se Manuel da Conceição Afonso e Joaquim Ferreira Bogalho, dois prestigiados sócios e Águias de Ouro. Todo esse contexto e esses acontecimentos foram maravilhosamente descritos por Alberto Miguéns, aqui: https://em-defesa-do-benfica.blogspot.pt/2016/07/acto-4-segunda-presidencia-de-felix.html


Mas, atentemos em alguns detalhes desse primeiro esboço:



O plano previa um Estádio com terreno relvado e capacidade até 45.000 lugares, incluindo um peão com lugares sentados. À volta do relvado (100 x 70 m) estaria uma pista de atletismo e circundando a pista um velódromo. Para além disto estava prevista uma vedação, numa configuração que fazia com que os sócios ficassem bastante afastados do terreno de jogo.

Depois, estava também prevista a construção de um pelado (100 x 64 m) para treinos de futebol e hóquei em campo, uma piscina, um ringue de patinagem, um campo de voleibol com lotação para 2.000 espectadores, um campo de basquetebol, campos de treino para aquelas modalidades, um court de ténis com lotação para 2.000 pessoas e vários outros campos de ténis para treino e aluguer, e nos extremos do parque desportivo uma carreira de tiro (modalidade popular no nosso Clube nessa altura), com alvos a 50, 100 e 300 metros.

Quando comparamos o anteprojecto de 1945 que foi entregue na CML e o que foi idealizado pelo Arquitecto João Simões e que viria a ser concretizado em 1954 (pelo menos em grande parte):



Fonte: Restos de Colecção.


Quão diferentes... É claro que devemos ressalvar que o primeiro projecto se tratava apenas de um esboço primário do Engenheiro Pires Ventura. Ainda assim ainda havia muito que evoluir para se chegar a um projecto nivelado com o que veio efectivamente a ser edificado na Quinta de Marrocos, ali na freguesia de Carnide e ao lado da freguesia de Benfica.

Estávamos a menos de 10 anos da conclusão dos trabalhos do novo Estádio e no entanto tanto ainda havia para discutir e para reformular...

Como sabemos, este primeiro projecto acabaria por nunca ser concretizado. A localização prevista foi rejeitada numa renhida mas leal discussão interna em que o papel de alguns sócios mais relevantes foi determinante. As opções e propostas de Félix Bermudes foram rejeitadas nas urnas. Foram rejeitadas democraticamente, como sempre foi apanágio do nosso Clube mesmo em tempos de Ditadura. Os sócios recusaram maioritariamente e pela primeira vez na História do Clube um presidente que se sujeitou a votos não foi reeleito. E ironia do destino, isso tinha de acontecer logo com Félix Bermudes...

No dia 19 de Janeiro de 1946, os sócios votantes optaram por eleger Manuel da Conceição Afonso para presidente da Direcção e João Tamagnini Barbosa para presidente da Mesa da Assembleia Geral. Os sócios são sempre soberanos.






A notícia da Assembleia Geral do SLB que se desenrolou no dia 19-01-1946. Nos detalhes apresentados estão discriminados elementos da lista oficial (vermelho) e da lista oposicionista (laranja). Fonte: DL.



Como em outras ocasiões de ruptura, a polémica instalou-se. Chegou a haver tentativas de impugnar a Assembleia Geral, aludindo os subscritores da moção, que tinha existido um clima de desordem e de coacções de diversa natureza. As coisa acabariam por acalmar.



Fonte: DL, 26-01-1946.




Fonte: DL, 28-01-1946.


O desfecho eleitoral e a rejeição da maioria dos sócios votantes desgostaram profundamente Félix Bermudes. O velho e ilustre Benfiquista chegou a pensar abandonar o Clube. Felizmente a sua reconhecida racionalidade, temperada com o seu enorme Amor ao Clube, fariam com que acabasse por não concretizar essa sua emotiva e radical reacção. Felizmente, a partir de Maio de 1953, Félix Bermudes passou a integrar a Comissão de Honra para a Construção do Estádio tendo depois desfilado na inauguração do Estádio naquele brilhante dia 1 de Dezembro de 1954.



Félix Bermudes e Ribeiro dos Reis na frente do pelotão de velhas glórias e gloriosos pioneiros que desfilaram felizes e orgulhosos no dia da grande inauguração do Estádio da Luz. Esquecidas as divergências, prevaleceu a alegria de que o Clube passava finalmente a ser proprietário de um parque de jogos condigno com a sua Gloriosa história. Identificam-se também Leopoldo Mocho e José Netto. Fonte: jornal A Bola.


Nesse dia também desfilou António Ribeiro dos Reis, outro dos derrotados dessa noite eleitoral. No entanto Ribeiro dos Reis em 1954 já era novamente presidente da Mesa da Assembleia Geral do SLB, ao lado do presidente Ferreira Bogalho. O Benfica unia-se, depois de tantas cisões, em torno de um projecto mais importante que qualquer homem. Foi sempre assim o SLB. O poder é dos sócios e a sua vontade maioritária é sempre soberana. O Clube é mais importante que qualquer homem.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Em face daquela eleição de Janeiro de 1946, seriam Manuel da Conceição Afonso e João Tamagnini Barbosa que iriam negociar com o Governo de Portugal a localização definitiva do novo parque desportivo. Descartada a primeira localização sugerida pela CML, a Direcção virou-se para o Governo de Portugal.

E foi nesse contexto que se deu a célebre reunião com o ministro Augusto Cancella de Abreu. Este último, igualmente um grande Benfiquista, era também um homem que via mais longe. Todos eles viram o SLB para lá daquele tempo. Viam o futuro e trabalharam para que ele fosse realidade. Essa reunião foi decisiva para que o SLB tivesse enfim os terrenos e o espaço adequados para construir o seu novo parque desportivo. Nas palavras do ministro, o Benfica era de Benfica e era para Benfica que devia regressar. E assim foi.



Gabinete de Augusto Cancella de Abreu, ministro das Obras Pública do Governo de Portugal. À direita, usando da palavra está Manuel da Conceição Afonso, presidente da Direcção do S.L. Benfica. Ao seu lado João Tamagnini Barbosa, presidente da Mesa da Assembleia Geral. Os dois homens, que ocupavam então os lugares mais importantes do SLB, intercediam pelo futuro do Clube. Fonte: Em Defesa do Benfica.



O Sonho, o Homem, a Obra

Seria o presidente Ferreira Bogalho o Homem que concretizaria o Sonho. Em Julho de 1953, a equipa do presidente Joaquim Ferreira Bogalho colocaria a nação Benfiquista em movimento para concretizar o projecto idealizado pelo arquitecto João Simões. 






Um Sonho feito realidade após 50 anos de casa às costas.

Uma Obra concretizada com o esforço e o trabalho de milhares de Benfiquistas.

A mais bela e participada de todas as aventuras Benfiquistas.

Joaquim Ferreira Bogalho e o Arquitecto João Simões lideraram a Obra, mobilizando os Benfiquistas para que a Obra fosse realidade.

A sua memória merece-nos o maior carinho, o maior agradecimento.

Lá, no quarto anel, com tantos outros Ases do Passado, os dois sorriem, confiantes, para o nosso presente e para o nosso futuro.







RedVC

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Até sempre Alfredo Valadas!

Dia 1 de Dezembro de 1944, estádio do Campo Grande em Lisboa.


O adeus do Campeão. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Em ambiente emotivo, os sócios do SLB e convidados especiais diziam adeus a uma das lendas do futebol Benfiquista. Foi uma festa bonita organizada para dizer adeus ao jogador Alfredo Valadas, um extremo esquerdo de enorme valor, um homem vertical que fez carreira durante dez épocas no futebol Benfiquista, ao ponto de se tornar numa das referências incontornáveis da Mística e do Amor à camisola.

Os jornais fizeram a divulgação do evento e deram destaque à despedida de um popular e prolífico avançado do futebol Português de então. Um desportista correcto e um homem que fez um trajecto interessante, começando no SCP e terminando como uma figura Benfiquista. Um dos nossos.



Notícia do Diário de Lisboa de 2-12-1944.





Emoções a rodos. O presidente interino do SLB, Costa e Sousa, abraça Alfredo Valadas. Era o tempo das emoções depois de um sentido discurso de despedida e agradecimento. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Nesse dia Valadas recebeu o apreço, o agradecimento e o carinho dos seus dirigentes, amigos, companheiros de equipa, sócios, simpatizantes do nosso Clube e até de antigos adversários.

Entre os dirigentes, discursaram para fazer o elogio de Alfredo Valadas, o Dr. Bento Rocha (presidente FPF), o Dr. Ayala Boto (inspector da Direcção Geral dos Desportos). Pelo nosso Clube discursou António Ribeiro dos Reis que deixou para sempre uma expressão marcante: o "tiro à esquerda" de Valadas.



Parte do elogio de Ribeiro dos Reis a Alfredo Valadas. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.




Joaquim Ferreira Bogalho, Victor Silva e Luís Xavier fizeram questão de estar presentes. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Mas para além de antigos e actuais companheiros, a sua festa de despedida teve também a ilustre participação de adversários que integraram uma equipa mista que enfrentou num jogo de futebol uma equipa com os melhores jogadores do nosso Clube. Foi esse o caso de Montez e Francisco Ferreira (V. Setúbal), José Lopes, Gregório, Armindo e Francisco Lopes (Atlético), Carlos Pereira e Palma Soeiro (CUF) e Azevedo, Soeiro e Peyroteo (Sporting).

E assim, de forma inesperada e impensável nos dias de hoje, esses adversários envergaram o equipamento branco, alternativo do SLB, sendo por isso possível ver entre outros, Peyroteo a envergar o manto sagrado!



Peyroteo, envergando uma camisola do Sport Lisboa e Benfica!
Uma imagem surpreendente que só a festa de despedida a Alfredo Valadas tornou possível. Nesse dia Alfredo Valadas aproveitou também para promover as pazes entre Peyroteo e Gaspar Pinto, adversários que andavam desavindos. Valadas era um atleta valoroso, pacificador, sempre respeitando colegas e adversários. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Na lógica de algum sportinguista de hoje, essa imagem poderia ser interpretada como uma prova de uma predilecção escondida do grande jogador sportinguista. No Benfica isso não se faz. Nesse dia, de forma nobre e em homenagem a um valoroso adversário, o grande avançado sportinguista envergou o manto sagrado durante 90 minutos. Tempos mais saudáveis em que os adversários não eram inimigos.

Findos 40 minutos da primeira parte, Alfredo Valadas foi substituído (presumo que por Rogério Pipi). Recebeu então uma estrondosa ovação que muito o comoveu. Ficava encerrada uma magnífica carreira, que honrou as cores do Glorioso e o futebol Português. Inesquecível.



Dois instantâneos da festa desportiva e das emoções do dia da despedida de Alfredo Valadas. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Uma carreira (quase) sempre a subir


Alentejano de nascimento, Alfredo Valadas nasceu em Minas de São Domingos, freguesia de Corte do Pinto, concelho de Mértola, distrito de Beja.

Valadas deu os seus primeiros passos no Luso Sporting Clube de Beja, clube fundado em 16-06-1916 depois de uma cisão do Águia Foot Ball Club. Em 8-09-1947, o Luso Sporting Clube de Beja juntar-se-ia ao União Sporting Clube e ao Pax-Júlia Atlético Clube para formar o Clube Desportivo de Beja. Ainda assim, os Estatutos do Clube Desportivo de Beja, consideram que a "data da fundação do Clube é 16-06-1916, por ser esta a data da fundação do Luso Sporting Clube, de que o C. D. Beja, como no Artº. 1º se diz é a continuação" (fonte: wikipedia).

   

Valadas com a camisola do Luso Sporting Clube de Beja. Fonte: Glórias do Passado.


Na sua meninice, Valadas era Sportinguista. Depois, por via do destaque que conseguiu dar ao seu futebol nas três épocas que esteve no Luso Sporting Clube Beja, Valadas conseguiu ingressar no SCP em 1931-1932. Nessa altura os Leões eram treinados por Arthur John e Valadas entrou muito bem na equipa, onde esteve apenas duas épocas. Inicialmente evoluiu como interior esquerdo tendo inclusivamente marcado ao Glorioso.

 

Valadas de verde e branco e a marcar ao SLB no dia 26-03-1933.


Valadas teve sempre um jogo feito de potência, de entusiasmo pela disputa dos lances e concretizado com o seu portentoso remate. Era um excelente finalizador. O destaque no SCP fez com que logo na sua temporada de estreia chegasse a internacional A por Portugal, num jogo frente à Jugoslávia, no Lumiar em 3-05-1932, onde aliás marcou (vitória de Portugal por 3-2).



Valadas, ajoelhado, segundo a contar da esquerda, entre os seleccionados para uma selecção de Portugal de 1937, dirigida por Mestre Cândido de Oliveira.


Manteria o rendimento na segunda época passando a ser utilizado como extremo esquerdo. Em duas épocas de verde e branco marcou 24 golos num total de 38 jogos, números de enorme destaque e que mereceram dos dirigentes de leonino a promessa de reconhecimento salarial condigno.

Infelizmente para o SCP, os dirigentes na altura não cumpriram as promessas de lhe assegurar estabilidade financeira e o reconhecimento devido pelo destaque e produção que conseguiu nessas duas épocas de SCP. Em litígio com os dirigentes, Valadas, homem vertical, preferiu passar uma época sem jogar do que continuar num Clube com dirigentes sem palavra. Como diria mais tarde:  "Desde o início, os dirigentes prometeram-me um emprego e não cumpriram; aborreci-me e voltei à terra, onde estive um ano sem jogar para ficar livre".

E assim ficou criada a oportunidade para Valadas mudar de Clube. Os dirigentes do Benfica não hesitaram, fazendo com que Valadas passasse a vestir de vermelho, mudando para o Clube da sua vida. E de facto, como anos mais tarde Carlos Manuel nos disse, é possível mudar de Clube quando se entra muito novo e se faz todo um trajecto de aprendizagem como jogador e como homem num Clube com uma Mística inigualável, uma massa associativa que faz a diferença e acarinha aqueles que honram o manto sagrado.

Valadas ao longo dos seus dez anos de Águia ao peito, fez-se Benfiquista por via da paixão, do carinho, das tardes de Glória que viveu nas Amoreiras e no Campo Grande. Valadas viveu 10 anos de Mística, de inigualável paixão pelo Clube. E inevitavelmente fez-se Benfiquista. Tornou-se um dos nossos, construindo progressivamente uma carreira de 10 anos de Águia ao peito, recheada de golos, de títulos e de carinho por parte dos adeptos Benfiquistas.

Foram muitos os momentos inesquecíveis de Alfredo Valadas mas de entre esses destacam-se os históricos 12-2 que em Fevereiro de 1944 foram servidos ao FCP. Nesse dia Valadas ajudou a dinamitar os Portistas marcando dois golos, um deles o golo inaugural!



O dia da dúzia. Na vitória estrondosa sobre o FCP por doze a dois, Valadas apontou dois golos e serviu muitos mais para os seus companheiros! Soares dos Reis teve o pior dia da sua carreira. Nunca o FCP sofreu uma derrota tão esmagadora. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Como capitão Valadas recebeu a Taça de Portugal de 1939-1940 depois de um jogo disputado no Campo do Lumiar contra o CFB. Valada marcaria um golo! Ficha de jogo, aqui: https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19391940/taca-de-portugal/1940-07-06/sl-benfica-3-x-1-belenenses



Alfredo Valadas recebendo a Taça de Portugal de 1939-1940 das mãos de Cruz Filipe, presidente da  FPF. Atrás dele está Brito. Ao lado deste estão César Ferreira, Francisco Rodrigues e Manuel Jordão. Estes três últimos têm aos pés aquilo que parece uma garrafinha de tinto para beber à noite. Para comemorar a vitória pois então!!!


Depois também a Taça de Portugal de 1943-1944, trajecto em que teve a oportunidade de enfrentar em dois jogos o seu Luso de Beja. Em ambos os jogos teve oportunidade de marcar e com que emoção o deve ter feito...

https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19431944/taca-de-portugal/1944-04-22/luso-beja-1-x-4-sl-benfica

https://serbenfiquista.com/jogo/futebol/seniores/19431944/taca-de-portugal/1944-04-15/sl-benfica-4-x-1-luso-beja


O trajecto seria concluído com mais um triunfo, seria a terceira Taça de Portugal para Valadas mas já não jogou o jogo da final contra o Estoril (vitória por 8-0). Aproximava-se o fim da sua carreira e o seu lugar estava bem entregue ao grande Rogério Pipi.



A vitória na Taça de Portugal de 1943-1944. Valadas está à paisana ao lado de János Biri. Aproximava-se o final da carreira e ia já assumindo funções de adjunto do treinador Húngaro.


Muitas conquistas, muita alegria, muita camaradagem fizeram parte de um percurso notável para o qual Valadas muito trabalhou e muito sentiu o que era o SLB. Ele próprio se tornou parte do SLB.



Alfredo Valadas (primeiro à esquerda), junto dos companheiros, nos balneários a celebrar mais um título de Campeão pelo Benfica! Fonte: O Poço dos nossos Adversários.



Uma imagem mais recuada. A conquista do campeonato de 1935-1936. Alfredo Valadas (primeiro à direita) no Estádio da Amoreiras integrado numa das mais brilhantes equipas da nossa História. Fonte: O Poço dos nossos Adversários.



Uma famosa linha avançada Benfiquista, algumas décadas mais tarde. Glórias do Benfica onde estava Alfredo Valadas. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Já na década de 60 e para sempre ligado ao SL Benfica, Alfredo Valadas (de pé, segundo à esquerda com fato azul) foi um ilustre membro do Sport Lisboa e Saudade.


Nesse dia da despedida, Alfredo Valadas deve ter revisto tudo e tido a recompensa por tanta dedicação. E em profunda emoção, com o carinho de família, amigos, todos os Benfiquistas, Valadas sentiu todas as emoções. A noite em sua casa terá sentido que entrava na lenda; nesta lenda de que se faz continuamente o Sport Lisboa e Benfica.



Entre amigos e família, até sempre Alfredo Valadas! Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Era chegado o tempo para iniciar uma carreira de treinador. Trabalhou inicialmente nas camadas jovens dos SLB e foi também treinador adjunto de János Biri. Mestre Valadas, como depois foi carinhosamente conhecido, fez uma carreira longa onde teve alguns momentos altos interessantes, tais como os vividos no Vitória Sport Club (Guimarães) e mais tarde no Sport Comércio e Salgueiros, entre outros.



Mestre Valadas no VSC. Chegou a conseguir um excelente 6º lugar no Campeonato de 1948-1949. Fonte: Glórias do Passado.




Alfredo Valadas faleceu em 1994, com 82 anos de idade.

Paz à sua alma. Honra à sua memória.

Obrigado Alfredo Valadas.




RedVC

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O Olímpico Bermudes (parte I) – Gloriosos tiros


Palácio de Belém, Lisboa, princípio de Junho de 1924:


A equipa Portuguesa de Tiro concorrente aos Jogos Olímpicos de Paris 1924.


Os nove membros da comitiva Portuguesa da modalidade Olímpica de Tiro visitam o presidente da Republica Portuguesa, Dr. António José de Almeida. Aproximava-se a data da sua partida para França, para participarem nos Jogos Olímpicos de Paris, 1924.

Entre esses nove atiradores olímpicos estava o Benfiquista Félix Redondo Adães Bermudes. Já com 50 anos de idade, Félix preparava-se para a mais marcante experiência desportiva da sua longa vida de desportista.



À falta da legenda original fica aqui uma proposta de identificação equipa de Tiro Desportivo concorrente aos Jogos Olímpicos de Paris 1924. As idades indicadas são as que constam dos registos Olímpicos.


Para lá do futebol, Félix Bermudes praticou muitas outras modalidades desportivas durante a sua longa carreira de desportista. Nas suas palavras foi "apenas campeão em Futebol, Atletismo, Esgrima e Tiro". Dividia a sua actividade desportista entre o Sport Lisboa e Benfica e o Lisboa Ginásio Clube onde também foi destacado sócio e dirigente.

Apesar desses destaques vitoriosos, terá sido em 1924 e na modalidade de Tiro que atingiu o zénite como desportista. Em 1924, foi seleccionado e participou nos Jogos Olímpicos de Paris. É desse evento e dessa participação que iremos falar em três textos algo longos mas acredito bastante informativos.


O atirador Félix Bermudes


Na carreira de Tiro de Pedrouços na modalidade de tiro com espingarda. Félix Bermudes foi um destacado praticante de Tiro. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Antes de mais, há que dizer que Félix Bermudes foi seleccionado pelo mérito desportivo que revelou nas provas de selecção de atiradores Olímpicos Portugueses, feitas especificamente para esse evento de Paris. Essas provas tiveram âmbito nacional e logo o seu desempenho colocou-o na elite dos atiradores nacionais. Convém no entanto referir que nessa data Félix Bermudes já anteriormente tinha dado excelente conta das suas capacidades, com participações e resultados de grande mérito em diversas provas nacionais de Tiro.



XVIII Concurso Nacional de Tiro, disputado em Cascais em Setembro de 1917. Entre os vencedores, Félix Bermudes segura orgulhoso a Taça de campeão desse importante torneio. Fonte: Ilustração Portuguesa, Hemeroteca de Lisboa.


É antigo o interesse e a prática da modalidade de Tiro no Sport Lisboa e Benfica. Esse facto explica-se pela prática iniciada por alguns pioneiros destacados do nosso Clube. Já por aqui falei de José Honorato Mendonça Júnior e do Grupo Pátria, atiradores destacados dos tempos mais recuados do nosso Clube (ver texto "-160- A semente da Farmácia Franco").

Nesses tempos pioneiros e durante as décadas seguintes, o local-chave para a prática de Tiro em Lisboa foi a carreira de 600 metros em Pedrouços. Um dos frequentadores habituais desse local foi o 2º Conde do Restelo, um homem cuja importância para o nascimento e sobrevivência do nosso Clube nunca é por demais relembrar.



A carreira de tiro de Pedrouços, local frequentado por ilustres pioneiros do SLB. Fonte: AML.


Mas, no nosso Clube, o interesse pela modalidade continuaria pelas décadas seguintes. Percebe-se que Félix Bermudes terá tido uma influência acentuadamente positiva na manutenção e popularidade da modalidade no nosso Clube.



Gloriosos tiros



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Durante várias décadas, o nosso parque desportivo na Avenida Gomes Pereira em Benfica, contou com uma carreira de Tiro. Foi nesse equipamento do nosso Clube que se realizaram sessões de treino e – presumo – de competição.



Dia 29-04-1938, o presidente Manuel da Conceição Afonso discursa na inauguração do Torneio Armando Murta disputado na carreira de Tiro da nossa Sede na Av. Gomes Pereira em Benfica. Fonte: TT-digitarq.


O primeiro plano para a construção do novo parque desportivo edificado na década de 50 do século XX também contemplava a construção de uma carreira de Tiro. Esse facto sugere que, no Sport Lisboa e Benfica, a modalidade se manteve popular e acarinhada durante décadas.



Prémios de prova de Tiro organizada pelo Sport Lisboa e Benfica em Março de 1938. Note-se o detalhe da salva de prata cinzelada oferecida pelo nosso Clube. Fonte: TT-digitarq.




Sessão inaugural da prova de Tiro Armando Murta, organizada pelo Sport Lisboa e Benfica em Março de 1938. Uma modalidade com grande popularidade no nosso Clube. Fonte: TT-digitarq.


Nos próximos dois textos falaremos da experiência olímpica de Félix Bermudes. A sua participação na grande aventura dos Jogos Olímpicos de Paris, 1924.





RedVC

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O Olímpico Bermudes (parte II) – Fora de Paris, dentro dos Jogos


Os Jogos Olímpicos de Paris, 1924



Os cartazes oficiais, o logótipo oficial para o evento do Comité Olímpico Francês e a medalha-tipo dos VII Jogos Olímpicos da era moderna, disputados em Paris em 1924.


A VIII edição dos Jogos Olímpicos de Verão realizou-se entre 4 de Maio e 27 de Julho de 1924. Paris foi a cidade que recebeu a atribuição dos Jogos, que tiveram a participação de 3.089 atletas em representação de 44 países, num total de 17 modalidades e 126 provas distintas.

Estes foram os segundos Jogos Olímpicos depois do final da I Guerra Mundial, abrindo-se com eles uma nova era, uma vez que pela primeira vez os bilhetes eram vendidos antecipadamente. Foi também em Paris que o lema Olímpico apareceu pela primeira vez: "Citius, Altius, Fortius", ou "mais rápido, mais alto, mais forte". As figuras mais mediáticas do evento seriam o Finlandês Paavo Nurmi com cinco medalhas de ouro e o Americano Johnny Weissmuller (natação) com três, e quee em breve se tornaria o mais famoso Tarzan do cinema.

Quase todo o material gráfico que se apresenta neste e no próximo texto provém do livro oficial dos Jogos.

A maioria das modalidades dos Jogos foi disputada na região de Paris mas as provas de Tiro que nos interessam foram disputadas nas instalações da Sociedade de Tiro de Reims dentro do Parc des Sports e num campo de experiências militar (Infantaria) localizado em Camp de Châlons, perto de Mourmelon.



Paris, Reims e Mourmelon, locais dos JO de Paris, 1924, Fonte: Google Maps.




O Comité Olímpico de Portugal (COP) enviou um total de 30 atletas aos Jogos de Paris, 1924. Os atletas disputaram provas em 8 modalidades, a saber, Atletismo, Boxe, Esgrima, Hipismo, Natação, Remo, Tiro e Vela.




O desfile da Comitiva Portuguesa na cerimónia de abertura dos Jogos de Paris, 1924. O porta-bandeira foi o atirador Olímpico António Martins. Fonte: http://www.aaop.pt/


O facto mais notável desta participação foi que se conquistou a primeira medalha olímpica de sempre para Portugal. Foi uma medalha de bronze conquistada na modalidade de equitação, prova de saltos por equipas.



A equipa Olímpica de Hipismo que conquistou a primeira medalha olímpica (bronze) para Portugal. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


A modalidade de Tiro levou uma comitiva relativamente grande (9 atiradores) tendo as provas decorrido de 21 a 29 de Junho, em Camp de Châlons. Antes e durante as competições, os Portugueses viveram uma experiência olímpica agitada. Nestes textos tentar-se-á fazer uma síntese lúdica e informativa dos mesmos, embora nos viremos sempre mais para a figura de Félix Bermudes.



As provas nacionais de selecção


A participação Olímpica na modalidade de Tiro foi iniciada pelo COP ao encarregar a Federação Nacional de Tiro Português (FNTP) de promover provas de selecção. Pretendeu-se seleccionar uma equipa com os melhores a nível nacional. Para o efeito foram estipulados mínimos olímpicos e foram enviadas circulares a todas as carreiras de Tiro do País. Estas deveriam definir delegações regionais que participassem nos treinos finais de selecção em Lisboa. No entanto, a adesão de concorrentes da então chamada Província não foi muito grande pois os treinos de selecção intermédios foram marcados para Lisboa, implicando isso que os concorrentes civis tivessem de custear do seu bolso a deslocação e a estadia na capital.

Isso talvez explique muita da polémica que envolveu o processo de selecção, com alegações de que existiram "desigualdades de circunstâncias". Os críticos insistiram que a selecção feita pela FNTP acabou por ser uma selecção dos melhores... de Lisboa! Ainda assim as listas de treinos de selecção incluíram pelo menos atiradores de Bragança, Coimbra, Figueira da Foz, Guarda, Leiria, Porto e Viseu.




Para as selecções finais, a FNTP definiu um elaborado regulamento de treinos, treinos e torneios que, desde Janeiro até Junho, data da partida para França, servissem de eficazes provas para a selecção dos melhores nas modalidades de espingarda e pistola. Nessa fase os seleccionados constavam de 15 atiradores para provas de espingarda e 12 para provas de pistola.

Os reportes desse tempo salientaram Félix Bermudes, cujos méritos competitivos foram reconhecidos apesar de nem sempre conseguir cumprir com regularidade os treinos estipulados.



Maio de 1924, reporte da Comissão Técnica da FPNT relativo às provas de selecção da equipa olímpica de Tiro para os Jogos de Paris, 1924. Fonte Arquivo COP.


A conclusão das provas finais permitiu definir a equipa nacional, que foi comunicada em ofício da FNTP ao COP em Maio de 1924:



Maio de 1924, proposta da FPNT ao COP para a lista de inscrições de atiradores nacionais aos Jogos de Paris 1924. Fonte Arquivo COP.


Como se constata, Félix Bermudes foi seleccionado para disputar provas de equipa de arma livre (no caso, carabina a 400, 600 e 800m) e provas individuais de carabina a 50 m. Como veremos adiante, acabou por não ser exactamente assim.

Alguns dos membros da equipa tais como António Martins, António Andrea Ferreira, Dário Cannas e Francisco Montez tinham já experiência Olímpica, pois competiram em Antuérpia, 1920. Pelo que li, apenas Félix Bermudes e Anísio Soares nunca tinham representado o país em provas internacionais. Novato aos 50 anos...

Outro facto interessante é que nessa equipa olímpica de Tiro estavam pelo menos cinco sócios do mais antigo Clube dedicado à prática dessa modalidade, o Grupo Pátria, fundado em 3-09-1893: António Martins, Francisco Mendonça, António Montez, Francisco Real e Félix Bermudes. O antigo Grupo Pátria chama-se actualmente Sociedade de Tiro nº 2 de Lisboa, com sede em... Benfica!





RedVC

#681
-176-
O Olímpico Bermudes (parte III) – Muitos tiros, poucos pontos

Reims e Châlons



Entrada principal do Parc des Sports em Reims



A partir dos relatórios do chefe da comitiva e do atirador civil Dário Cannas, dispomos de alguns detalhes acerca da viagem (Lisboa-Paris-Reims-Châlons), do alojamento e da competição em que participou a comitiva Portuguesa:

● Restrições económicas obrigaram os atiradores portugueses a viajar em tempos distintos. Chegaram primeiro os atiradores Mendonça (chefe da missão), Real e Martins, que resolveram diversos problemas burocráticos. Mais perto do início da competição chegariam os restantes, incluindo Félix Bermudes.

● Os alojamentos foram diferenciados. Em Reims o hotel (Grand Hòtel du Lion d'Or) foi considerado excelente embora a comida fosse uma "tragédia" pois era pouca mas cara... Nas palavras deles "O hotel levava os Francos "às cabazadas";



Grand Hòtel du Lion d'Or, o Hotel em que a comitiva Portuguesa se hospedou em Reims.


● Já em Châlons, o alojamento olímpico foi bem mais modesto, sendo as camaratas consideradas pouco adequadas para acolher atiradores olímpicos.

● A nossa comitiva ficou muito favoravelmente agradada quanto às infra-estruturas da competição, testemunhando também uma muito boa organização dos Jogos.



A – entrada do local das competições de Tiro dos Camp de Châlons; B – entrada do edifício da organização olímpica local; C – vestiários de competição; D – corredor de circulação exterior das carreiras de tiro.



● Os treinos de adaptação da comitiva Portuguesa foram muito afectados pela falta de armas e munições, retidas nas fronteiras de Espanha e França. Um extravio de uma mala reduziu muito o material disponível, faltando acessórios necessários para a participação nas provas de armas livres.



A – Comissários técnicos do Comité Olímpico Francês em Reims; B- quadro exterior de afixação dos resultados; C – quadro interior para afixação dos resultados; D – zona de circulação interna nas carreiras de Tiro.



● Inicialmente houve falta de pontualidade em algumas provas. Um dos argumentos da organização do Jogos foi (e sem comentários...): "que ainda não tinham chegado os pretos encarregados do difícil papel de marcadores e graffiers".

● A equipa Portuguesa acamaradou mais com as equipas Espanholas e Argentinas.

● O desequilíbrio de meios era enorme. Algumas das armas da equipa portuguesa estariam melhor em Museus. Face a essas limitações a motivação dos atiradores Portugueses era a de tentar apenas não fazer má figura.

● As provas de tiro de velocidade à pistola evidenciaram a falta de treino e preparação dos Portugueses.

● Nas provas da espingarda os Portugueses queixaram-se de que "não tinham uma única arma aceitável". As limitações impostas pelo material usado foram maiores do que as inerentes à qualidade individual dos nossos atiradores. Existiram também sérias limitações de munições.

● Nas provas de pistola não existiram limitações apenas porque a equipa Americana gentilmente ofertou à equipa Portuguesa alguns milhares de cartuchos.

● Como elemento muito positivo, durante a competição de Reims, os atiradores nacionais constataram a presença entusiástica de muitos seus compatriotas. Cerca de 5000 operários portugueses a trabalhar, contribuindo significativamente para a construção das instalações olímpicas para a modalidade de tiro. Para os nossos atiradores foi comovente ver a genuína alegria desses emigrantes Portugueses ao ver a bandeira com as quinas hasteada no local que ajudaram a construir. É de sempre o nobre sentimento Português de Saudade da Pátria.


Resultados


A equipa Portuguesa foi bem acolhida apesar de se perceber que existiam diversas condicionantes materiais e humanas para que pudesse ter resultados de monta quando começasse a competição olímpica. E, infelizmente, assim seria.

Na competição olímpica foram disputadas 4 provas distintas de Tiro, envolvendo 20 nações:

● Carabina a 50 m, Individual (55 atiradores, 19 países);

● Tiro arma livre a 600 m, Individual (73 atiradores, 19 países).

● Pistola automática ou revólver a 25 m, Individual, (55 atiradores, 17 países);

● Tiro arma livre a 400, 600 e 800 m, Equipas, (88 atiradores, 18 países);


Tabelando os resultados para mais fácil compreensão:




Verifica-se que a participação de Félix Bermudes não teve nenhum destaque especial. Participou apenas na prova por equipas de tiro com carabina a 400, 600 e 800 m. Estando inicialmente seleccionado para a prova individual de arma livre, a explicação para a sua ausência na lista de competidores poderá ter ficado a dever-se a uma limitação do número de atiradores por país e/ou por qualquer decisão interna da equipa.

Essa possibilidade deriva tanto mais quanto se percebe que antes das provas olímpicas realizou-se um torneio internacional onde Félix Bermudes chegou a receber uma menção honrosa pelo virtuosismo como atirador. Alguma coisa terá acontecido.



Telegrama de 21-06-1924 de Francisco Mendonça, comunicando ao COP em Portugal de prémios de "virtuosidate" em pistola a Félix Bermudes. Fonte: Arquivo COP.




Excertos dos relatório oficiais do COP, escrito por F. Mendonça (chefe de missão) relativo ao torneio pré-olímpico de Tiro em Paris 1924. Fonte: Arquivo COP.



Nessa competição pré-olímpica, Portugal até conseguiu um honroso 9º lugar entre 17 nações. Félix Bermudes contribuiu como o terceiro melhor entre os cinco atiradores Portugueses em competição. Prometia ser interessante a nossa participação olímpica.

Antes do balanço final dessa competição de Tiro e para tornar menos maçudo este texto acabo com uma série de imagens montadas a partir do que foi publicado no Livro Oficial dos Jogos Olímpicos de Paris, 1924.



Competição de carabina a 50 m. A – interior da carreira de tiro; B- vista superior; C – corte transversal; D – vista interior.




Competição de arma livre a grandes distâncias. A - alvos para as provas de carabina: à esquerda alvo para tiro de armas livres, à direita alvo para tiro a 50 m; B- grupo de marcadores e graffiers da prova por equipas; C – momento das provas de competição de tiro de arma livre; D - momento da prova de tiro a longa distância, de arma livre por equipas; E – conjunto de alvos usados na prova de tiro de arma livre a 800 m; F - Desenho da carreira de tiro para grandes distâncias (400, 600 e 800 m).




Competição de pistola. A – alvos-silhueta para a prova de tiro com pistola; B – carreira de tiro para as provas com pistola; C - detalhe do alvo-silhueta para as provas de pistola; D – zona interior dos alvos.




Diplomas Olímpicos, nem todos os podem ganhar... A - diploma Olímpico de Paris, 1924. Existe uma referência de que Félix Bermudes terá tido um diploma olímpico, mas na verdade não confirmei essa alegação. Talvez fosse um certificado de presença. B - local de exposição dos prémios do evento Olímpico de Tiro.



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António Augusto da Silva Martins

Entre os Portugueses, companheiros de armas de Félix Bermudes, merece-nos particular destaque o Dr. António Augusto da Silva Martins, médico-cirugião, antigo militar do CEP.

Foi o melhor de todos os atiradores Portugueses em Paris 1924. Pertencia também ao antigo Grupo Pátria, tendo competido nos Jogos de Antuérpia 1920 e Amesterdão 1928.
Foi um notável desportista, campeão de atletismo com a camisola do CIF.

Em 1928, ano em que se classificou em 1º lugar no Campeonato do Mundo com espingarda de guerra , foi o único ano em que o tiro não foi incluído nos Jogos Olímpicos ! ( por desacordo do COI com a  Federação Internacional. ?). Equivale isto a dizer que se essa especialidade tivesse sido incluída, Portugal teria sido representado por um Campeão do Mundo.

Morreria tragicamente em Outubro de 1930, vítima de um funesto acidente durante uma sessão de treinos na carreira de Tiro em Pedrouços. Tinha apenas 38 anos de idade.
Deixou mulher e três (3) filhos (2 rapazes, depois Médicos Cirurgiões e uma filha, depois Enfermeira e Psicóloga). Um desse filhos é o Professor Doutor António Gentil Martins, igualmente atirador olímpico em Roma, 1960. Ler mais em: http://www.dn.pt/desporto/interior/gentil-martins-escreve-sobre-o-pai-o-atleta-portugues-mais-completo-de-todos-os-tempos-5318841.html.




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Balanço da competição


● Os atiradores Portugueses consideraram que os resultados da competição olímpica foram melhores do que o esperado.

● Os atiradores Portugueses salientaram as enormes diferenças de qualidade entre as (excelentes) carreiras de tiro da competição Olímpica e as existentes em Portugal, que, sendo militares, impunham sérias limitações à prática de treinos diários.

● Os atiradores da comitiva Portuguesa manifestaram o desejo que no futuro pudessem ser dados meios que lhes dessem mais hipóteses competitivas.



Epílogo

Pelos factos agora descritos, presumo que para Félix Bermudes, esta experiência olímpica de Paris 1924 terá sido um momento decisivo na sua história de vida pessoal. De Félix Bermudes não temos, ou pelo menos não conheço, testemunhos detalhados em voz própria, sobre a sua vida ecléctica e campeão de desportista. É pena, pois tão brilhante personalidade do desporto e das Artes em Portugal, teria tido todo um mundo de recordações para nos contar.

Em jeito e balanço a estes três últimos textos, fico satisfeito com o resultado final, com aquilo que passei a saber sobre esta modalidade e sobre este evento. Mais uma homenagem que pretendi fazer a este grande homem, a este grande Benfiquista.


Para sempre





RedVC

#682
-177-
Tamancos de oiro (parte I) – por terras do Sul

Dia 7 de Janeiro de 1926. Campo Grande, Stadium de Lisboa.



Raúl Soares de Figueiredo
(Setúbal 21-01-1902 – Lisboa 2-12-1941)



Duas equipas de futebol alinhadas, perfazendo um total de 22 jogadores, posam para uma fotografia. Entre eles destaca-se um jogador que mostrava algumas das maiores virtudes da sua carreira: alegria, irreverência e companheirismo. Hoje desconhecido para a maior parte dos Benfiquistas, esse homem chamava-se Raúl Soares de Figueiredo, mas para sempre ficou conhecido como o "Tamanqueiro".

"Tamanqueiro", aquele que faz e/ou vende tamancos; alusão à profissão do seu Pai. Mas esse filho nunca jogou de tamancos.



Tamanqueiros, profissão antiga, hoje em extinção. Fonte: http://etnografiaefolclore.blogspot.pt/



O Tamanqueiro morreu cedo. Morreu no já longínquo ano de 1941, com apenas 39 anos de idade. Morreu vítima de uma doença cancerosa galopante, culminando de forma trágica uma vida intensa, irrequieta, buliçosa, lutadora, enfrentando quase sempre grandes dificuldades económicas. Mas para lá do drama que foi o seu final de vida, ficou a recordação de um jogador único que viveu períodos brilhantes, cheios de grande futebol, alguns dos quais passados de águia ao peito.

Quando parti para abordar esta figura curiosa da nossa História tinha pouco mais de um punhado de fotos e escasso conhecimento. Pretendia fazer um texto. Facto após facto, documento após documento, de fotografia em fotografia, a figura do Tamanqueiro e a riqueza da sua vida de desportista forçou a dilatação deste trabalho para cinco textos!

Neles tentarei descrever alguns dos principais momentos da vida curta mas intensa do Tamanqueiro. E que o leitor não se deixe enganar, pois apesar de na aparência serem textos longos, não lhe darão toda a riqueza da vida do Tamanqueiro. Antes, atestarão a dimensão da ignorância do autor que mesmo cometendo erros (dos quais se desculpa, por antecipação), pretende prestar uma homenagem sincera a um homem e um jogador que merece ser conhecido e lembrado pelos Benfiquistas.


Os cinco textos serão:

•   Tamancos de oiro (parte I) – por terras do Sul

•   Tamancos de oiro (parte II) – as quinas da glória

•   Tamancos de oiro (parte III) – o Glorioso Tamanqueiro

•   Tamancos de oiro (parte IV) – do Sado ao Rio.

•   Tamancos de oiro (parte V) – o Benfica não esquece os seus!




Um jogador diferente

Foi um dos mais reputados jogadores Portugueses da década de vinte. Em 1926, data em que foi captada a fotografia com que começamos o texto, o Tamanqueiro tinha já um nome prestigiado no futebol Português. No ano anterior tinha conquistado a titularidade na Selecção Nacional, apesar de ainda jogar num pequeno clube, longe, bem longe de Lisboa e do Porto. A ascensão do Tamanqueiro foi conquistada com o mérito do seu futebol, da força, da garra, do talento.

Voltando à fotografia com que começamos este primeiro texto, há que referir que foi captada antes de um jogo-treino de uma selecção de Lisboa contra uma equipa mista formada por jogadores de vários clubes. Alguns dias depois essa selecção iria disputar um jogo contra uma selecção do Porto. Grande parte deles eram titulares da Selecção Nacional Portuguesa.

As referências no jornal indicam que a base da equipa mista seria do Carcavelinhos FC, e de facto lá está Carlos Alves, o seu jogador mais famoso, o primeiro luvas-pretas, avô de João Alves. No entanto nota-se que os equipamentos que usaram pareciam mais semelhantes aos do Império Lisboa Clube ou até mesmo (preto e branco...) aos do Olhanense. Tinha também a curiosidade de apresentar pelo menos três Benfiquistas: Manuel Arsénio (guarda-redes), Vítor Hugo (médio) e Artur Travaços (médio).



Dia 7-01-1926, Campo Grande, Stadium de Lisboa. Treino da Selecção de Lisboa contra uma equipa formada por um misto de jogadores de diversos clubes. Fonte: TT-digitarq.



Uma carreira buliçosa



As cores e emblemas de alguns dos principais clubes nacionais onde o Tamanqueiro fez a sua carreira. O SC Olhanense foi o clube onde permaneceu mais tempo. Nota: foi adicionado um emblema ao cromo original do VFC (não tinha) e do adaptou-se um outro cromo para produzir o do SCO.



Durante quase duas décadas, o Tamanqueiro, espalhou classe e alegria nos campos de futebol. Foi um jogador virtuoso, um jogador de equipa, de carácter forte e generoso. Fora de campo foi um homem que teve sempre dificuldades em estruturar a sua vida. Um espírito irrequieto dado à boémia e a alguns prazeres da vida. Fumar... um desses prazeres; outros havia que também não o ajudaram a harmonizar a sua vida privada e muito menos a sua vida de desportista. Excessos.

Hoje teria tudo para ser mais uma das estrelas que vemos com a vida exposta e explorada pelos media. Esse "estrelato" efémero, hoje tão comum, que paga bem mas que castra a autenticidade, que rouba a privacidade e que por vezes destrói carreiras e vidas. No seu modo e no seu tempo, salvaguardadas as distâncias, também o Tamanqueiro viria a ser vítima de si próprio, nunca estabilizando, nunca tirando total partido do talento com que nasceu. Quem sabe o que nos teria dado se tivesse estabilizado mais anos no Benfica? Em grande parte, esses excessos ajudam a perceber essa carreira errante, nómada, cheia de altos e baixos. A estrada dos excessos nem sempre leva ao palácio da sabedoria... Mas lá chegaremos.



Um trajecto de constante nomadismo desportivo. No SL Benfica o Tamanqueiro esteve durante três temporadas.


Raúl Soares de Figueiredo nasceu no princípio de 1902, segundo alguns autores em Setúbal, segundo outros na freguesia de Campo de Ourique, Lisboa. À falta de comprovativo oficial, tomo como válidos documentos do Comité Olímpico Português que indicam que terá nascido em Setúbal no dia 21 de Janeiro de 1902.

O jovem Tamanqueiro cedo mostrou muita da paixão pelo futebol, quando, ao que se diz, com apenas 10 anos de idade formou um "clube" a que deu o nome de Tamanqueirense Foot-Ball Club...

Já um pouco mais a sério, o jovem Tamanqueiro terá começado nos escalões de formação do Vitória Futebol Clube, passando depois brevemente pelos do Sporting CP e do Carcavelinhos FC. A carreira sénior, essa parece tê-la começado no União Avenida Futebol, um outro clube de Setúbal, que presumo esteja extinto.



Olhão, a mais querida


A ascensão ao topo do futebol Português começaria quando em 1922 se transferiu para o Algarve, para o Sporting Clube Olhanense. O SCO, fundado em 27-04-1912, tinha como presidente Cândido Ventura, um homem que sonhou fazer do seu clube o campeão do Algarve. Sabedor das entusiasmantes capacidades do Tamanqueiro, não descansou enquanto não conseguiu a sua contratação. Mas talvez nem ele soubesse o quão acertada foi essa contratação.




A - Cândido Ventura, presidente do SCO na década de 20. B - Estádio Padinha (imagem de 2003), onde o Tamanqueiro teve muitas tardes de glória. Fonte: Olhanense.net.


E assim, no dia 16 de agosto de 1922, com pouco mais de 20 anos de idade, o Tamanqueiro fez a sua estreia pelo emblema de Olhão, num jogo frente ao Lusitano de Vila Real de Santo António, a contar para a Taça Nossa Senhora dos Mártires, de Castro Marim (fonte: http://museuvirtualdofutebol.blogspot.pt).



Raúl "Tamanqueiro" em duas equipas da sua primeira temporada no SC Olhanense (1922-1923). A fotografia de baixo foi tirada num jogo disputado em Sevilha, Espanha. Fonte: Olhanense.net (por sinal, uma excelente base de dados).



Nessa época de 1922-1923, o SCO foi finalista vencido da Taça Algarve, não participando depois no Campeonato do Algarve, por via de um protesto vindo dessa polémica final (contra o SC Farense). Mas na época seguinte tudo seria diferente. Em 1923-1924, o SC Olhanense jogando um futebol entusiasmante, arrasador para os adversários, conquistou a Taça do Algarve e o Campeonato do Algarve, ou seja venceu tudo o que havia para vencer no Algarve.

Mas mais se seguiria.De forma ainda mais surpreendente, o SC Olhanense sagrou-se depois vencedor do Campeonato de Portugal, a competição mais importante a nível nacional e a antecessora da actual Taça de Portugal. Na arrebatadora final desse ano, em pleno Stadium de Lisboa, o SC Olhanense derrotou o FCP por conclusivos 4-2. Marcaram pelos Algarvios, Delfim, Gralho, Belo e... Raúl Tamanqueiro. Um feito extraordinário para a época!



Notícia da conquista do Campeonato de Portugal de 1923-1924 pelo Sporting Clube Olhanense. Amplo destaque dado ao Tamanqueiro, na altura médio-centro dos rubro-negros. Fonte: DL 9-06-1924, DL, CasaComum.org.




As felicitações do jornal O Algarve (sediado em Faro...) pela conquista do Campeonato Nacional de 1923-1923 pelo SC Olhanense. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.


Vencedor do Campeonato de Portugal! Um ano de glória para Raúl "Tamanqueiro" e seus companheiros. Aí vemos o "Tamanqueiro" assinalado na equipa vencedora do campeonato de Portugal de 1923-1924. A Taça apresentada é a do Carcavelinhos FC (de 1927-1928) e logo similar à do SCO. Obrigado a AM e RD pela contribuição. Em cima, à esquerda, a receber a Taça de vencedor de Campeão Regional do Algarve. Fonte: Olhanense.net.



Este feito só não foi repetido na época seguinte porque chegando à final, o SCO foi derrotado pelo SCP na meia-final no Stadium do Lumiar, por 0-1. O jogo teve um final de particular dramatismo quando, aos 90 minutos de jogo, o árbitro madeirense Mário Simões assinalou uma grande penalidade muito polémica. Apesar dos veementes protestos dos algarvios, o SCP lá marcou o seu golo e lá passou à final. Zanga entre sportings. Não foi bonito de ver... De nada valaria aos verde-brancos pois perderiam a final para o FCP por 1-2 num jogo disputado em Viana do Castelo. Nem sempre compensa...

Mas voltando à grande vitória Olhanense de 1923-1924, no final desse célebre jogo, Manuel Teixeira Gomes, presidente da República de Portugal, fez questão de cumprimentar e entregar as medalhas de Campeão de Portugal aos vencedores. Ao que se diz teve palavras especiais para com o Tamanqueiro. Anos mais tarde, já no exílio, o mesmo Manuel Teixeira Gomes, um Algarvio, natural de Vila Nova de Portimão, deixaria impressivas memórias sobre o Tamanqueiro, quando foi citado por Norberto Lopes em O Exilado de Bougie (fonte: http://www.monarquicos.com/forum/viewtopic.php?t=1135&sid=6):





Tamanqueiro no campo e... na lota!


Nesse tempo o profissionalismo estava interdito aos jogadores de futebol. Ainda assim, vivia-se um clima de enganos uma vez que alguns clubes faziam pagamentos escondidos aos jogadores. Como alguns anos mais tarde disse o imortal Albino, os jogadores recebiam uns "temperos". Não eram no entanto suficientes para os jogadores sustentarem as suas famílias e assim, a maioria tinha de manter uma outra actividade remunerada.

Estando em Olhão, o sadino Tamanqueiro ganhava a vida como vendedor de peixe nas ruas de Vila. Uma actividade que provavelmente já lhe era familiar na sua terra natal. Há ainda alusões de que poderá ter trabalhado na indústria conserveira de Olhão. Dessa imagem dura mas poética de um Tamanqueiro a circular pelas ruas de Olhão na sua labuta diária de compra e venda de peixe, nos conta ainda um pouco mais o Doutor R. Kumar na sua tese de 2014 "A pureza perdida do desporto: futebol no Estado Novo":

Em Olhão, em tempos de um semi-profissionalismo encoberto, "criou amizades. Como conhecia o negócio do peixe, viu que esta praça era bastante comercial e lhe dava margem para ganhar mais dinheiro. Ficou, e no Cais de Olhão, descalço e de calças arregaçadas comprava e vendia cabazes de sardinhas"



Olhão antiga, imagens que foram familiares ao Tamanqueiro. Fonte: http://www.olhao.web.pt e http://obatestacas.blogspot.pt



Na sua primeira passagem por Olhão, o Tamanqueiro terá deixado muitos afectos no campo e na lota. Afectos onde jogou futebol e onde ganhou duramente a vida. Não tinha tido, nunca teve depois, uma vida particularmente organizada. Ganhava o pão a duras-penas mas com um sorriso nos lábios. O mesmo sorriso que exibia no campo, com a força e atitude que fizeram dele um jogador inigualável na sua época, reconhecido e querido por companheiros e adversários.

Na sua primeira passagem por Olhão, o Tamanqueiro jogou quatro temporadas, o suficiente para se tornar-se no maior jogador da história do SC Olhanense. Elevou-se a essa glória tremenda mas efémera pela sua indesmentível classe, pela quantidade e qualidade de jogo, pelo companheirismo e pela capacidade de motivar os colegas. Era uma estrela num tempo em que as estrelas tinham pouco proveito material. Que pena que hoje esteja tão esquecido!

Nessas quatro épocas, o SCO, jogando já no mítico pelado do Estádio Padinha, conquistou um Campeonato de Portugal (1923-1924), dois campeonatos regionais do Algarve (1923/24 e 1924/25) e duas Taças do Algarve (1923/24 e 1924/25).

Mais tarde, deixadas para trás tardes de glórias nacionais e internacionais, o Tamanqueiro regressaria a Olhão para por lá cumprir uma segunda passagem. Com algumas intermitências, diga-se, pois entre 1928 a 1932, a espaços, ainda jogou como jogador-treinador em Espanha, no Recreativo de Huelva. Ao que parece mostrou ainda muito do fulgor dos primeiros anos; e sempre a mesma personalidade.



Dia 29-03-1930, visita de uma comitiva do SC Olhanense ao jornal O Século. Fonte: TT-digitarq.



Em 1929, o Recreativo de Huelva apesar de ser um dos clubes mais antigo de Espanha (fundado em 1889) estava na terceira divisão Espanhola. Ainda assim terá sido uma boa oportunidade de carreira para o Tamanqueiro, mesmo que com diversas intermitências.



A inconfundível pose do Tamanqueiro também nos seus tempos de Huelva. Fonte: http://www.vivamirecre.com




RedVC

#683
-178-
Tamancos de oiro (parte II) – as quinas da glória

Dia 17 de Maio de 1925. Selecção nacional de futebol de Portugal alinhada antes do início de mais um jogo.



Dia 17 de Maio de 1925, dia de estreia do Tamanqueiro na Selecção Nacional de Portugal. Derrota contra a Espanha (0-2).



Em 1925, o "Tamanqueiro" foi convocado pela primeira vez para a Selecção Nacional Portuguesa de futebol. A convocatória foi assinada pelo António Ribeiro dos Reis, o seleccionador nacional dessa altura. Não obstante a novidade da chamada, a exigente crítica jornalística dessa época aplaudiu a escolha do Tamanqueiro, não poupando nos adjectivos elogiosos para com o jogador:



A avaliação de Raúl "Tamanqueiro" feita por um crítico do jornal "Os Sports". Uma colecção impressionante de adjectivos. Fonte: Ephemera.




Esse jogo foi disputado no Stadium do Lumiar contra a forte selecção de Espanha. Jogando ao lado de Delfim, um dos seus colegas do SCO, o Tamanqueiro estreou-se, brilhando entre os craques já com nome feito. Essa selecção, contava que com dois Benfiquistas Mário de Carvalho (AV) e o popular Chiquinho (GR), apesar dos bons valores não evitou a derrota perante os Espanhóis (0-2). Esse foi o terceiro embate da história da nossa selecção contra a Espanha e foi também a terceira derrota.



Recortes da reportagem do jogo Portugal 0 - Espanha 2 disputado em Lisboa no 17-05-1925. Foi o dia da estreia do Tamanqueiro. Fonte: DL, CasaComum.org.



Não obstante ter acontecido mais uma derrota da nossa selecção, a exibição do Tamanqueiro agradou muito. Com a excelência desse desempenho e com a constância das suas belas exibições ao serviço do SCO, o Tamanqueiro pegaria de estaca na selecção. Formou durante vários anos uma famosa linha de meio-campo com os dois Belenenses Augusto Silva e César Matos. Em 1928, seria justamente esse o meio campo que jogaria de forma brilhante nos Jogos Olímpicos de Amesterdão. Quando foi convocado para essa competição olímpica, a primeira grande competição internacional em que o futebol Português participou, o Tamanqueiro brilhava já com o manto sagrado.




O famoso meio-campo Português da Olimpíada de Amesterdão, 1928. Fonte: TT-digitarq


Ao serviço da Selecção Nacional, o Tamanqueiro faria vários jogos fora de Portugal, facto que deu consistência e experiência à equipa nacional e seria de grande importância para a brilhante participação nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928.



Uma imagem do França 1 – Portugal 1 de Abril de 1928 disputado em Paris. Destaque visual para o Tamanqueiro. Fonte: Gallica.



Nos Jogos Olímpicos de Amesterdão, 1928, o SL Benfica teve três atletas de futebol: Jorge Tavares, Vítor Silva e o Tamanqueiro. Finda a competição olímpica, um outro jogador dessa equipa, Aníbal José ingressaria no Benfica vindo do Vitória de Setúbal. Jorge Tavares e Aníbal José acabaram por não jogar, tapados que estavam por diversos outros excelentes jogadores.




Para o nosso futebol, os Jogos de Amesterdão, 1928, foi um daqueles momentos raros em que um grupo especial de excelentes jogadores pôde ser reunido numa única equipa consistente, coesa e bem orientada. Eram quase todos os melhores da sua geração, os quais, sentindo a responsabilidade de representar um País que vivia um momento de particular nacionalismo, souberam unir-se para jogar bom futebol e prestigiar o País. Foi bonito.

A selecção preparou-se bem, com vários jogos particulares contra opositores de grande qualidade: Espanha. França, Itália e Argentina. Houve planificação e matéria-prima de qualidade. Houve também um treinador de excepção, um homem superior chamado Cândido de Oliveira. Perto dele e com funções de orientação e coordenação mais geral estiveram ainda homens de grande gabarito como Ribeiro dos Reis e Ricardo Ornelas, seus colegas casapianos, e ainda Salazar Carreira, um homem do desporto mas muito bem relacionado com as esferas políticas da altura.



A célebre Selecção Nacional de futebol Olímpico que representou Portugal nos Jogos de Amesterdão, 1928. Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Em Amesterdão, Vítor Silva e o Tamanqueiro foram titulares nos três jogos que a nossa selecção disputou. Cotaram-se entre os mais destacados elementos da equipa. E que equipa era aquela... Por lá estiveram jogadores como o sportinguista Jorge Vieira, os belenenses Augusto Silva e Pepe, o alcantarense Carlos Alves, o casapiano Roquete, entre outros.

Ainda assim e mesmo entre tantos craques, o futebol entusiasmante e as habilidades do Tamanqueiro não passaram despercebidas aos críticos mais exigentes do Torneio.



Três décadas antes de descobrir José Augusto e a mística Benfiquista, já Gabriel Hanot, o célebre jornalista do L'Equipe tinha elogiado um outro valoroso Benfiquista: o Tamanqueiro, com certeza! Fonte: BND.



De 1925 até 1930, até ao último jogo internacional da sua carreira, o "Tamanqueiro" somou 17 internacionalizações. Este número, no contexto dessa década, até foi bastante apreciável atendendo à escassez de jogos internacionais. Ao todo, foram 6 vitórias 4 empates e 7 derrotas. Entre elas particular destaque para as vitórias dos Jogos olímpicos de Amesterdão e a vitória de 1925 contra a Itália, um jogo que marcou a primeira vitória de sempre da nossa Selecção.



As 17 internacionalizações do Tamanqueiro.


É ainda possível ver imagens em movimento do jogo em que Portugal defrontou a Espanha no dia 8 de Janeiro de 1928. Empate a 2-2. Filmagens do Tamanqueiro e colegas de equipa:




Imagens de algumas das 17 internacionalizações do Tamanqueiro entre 1925 e 1930.


A sua última internacionalização chegaria no dia 23 de Fevereiro de 1930. Vencemos a França (2-0) num jogo disputado no Porto. E, facto relevante, o Tamanqueiro cumpriu essa última internacionalização usando a braçadeira de capitão de equipa. Uma honra bem merecida.



Equipa Nacional que defrontou a França em 1930. Foi o último jogo internacional do Tamanqueiro. Ali o vemos co o galhardete que ofertou à Selecção Francesa.




Porto, 23 de Fevereiro de 1930, a última internacionalização do Tamanqueiro, que troca cumprimentos e galhardetes com o capitão Francês. Note-se o detalhe delicioso de dois jogadores Franceses enternecidos com um cabrito levado para o campo. Apesar do pequeno cabrito ser adoptado pelos Franceses como a sua mascote, de nada lhes valeu pois perderam e bem, com dois golos de Pepe! Fonte: Gallica.




Fonte: DL 24-01-1930. DL, CasaComum.org




As quinas da Glória para quem nunca jogou de tamancos!
Raúl Soares Figueiredo
(Setúbal 21-01-1902 – Lisboa 2-12-1941)




Bakero

RedVC, já que este teu maravilhoso tópico se chama "Decifrando imagens do passado", consegues-me contextualizar esta foto?



O que me faz confusão é o seguinte. Isto é o Estádio do Campo Grande, certo? O Benfica jogou nele até 1954, altura em que saiu para nossa querida antiga Catedral, certo?

Mas o Estádio de Alvalade não foi construído e inaugurado em 1956? Como é que há esta imagem dos 2 campos em simultâneo e o Benfica ainda a jogar no Campo Grande?

Ou esta foto será pré (ou inclusivé) 1954 e o que vemos lá atrás é Alvalade, mas ainda a ser construído?

Saudações Benfiquistas!

RedVC

Citação de: Bakero em 19 de Outubro de 2017, 21:12
RedVC, já que este teu maravilhoso tópico se chama "Decifrando imagens do passado", consegues-me contextualizar esta foto?



O que me faz confusão é o seguinte. Isto é o Estádio do Campo Grande, certo? O Benfica jogou nele até 1954, altura em que saiu para nossa querida antiga Catedral, certo?

Mas o Estádio de Alvalade não foi construído e inaugurado em 1956? Como é que há esta imagem dos 2 campos em simultâneo e o Benfica ainda a jogar no Campo Grande?

Ou esta foto será pré (ou inclusivé) 1954 e o que vemos lá atrás é Alvalade, mas ainda a ser construído?

Saudações Benfiquistas!


Bakero, a nossa equipa principal jogou de facto no Campo Grande até 1954. Mas a equipa de juniores e a de reservas jogaram por lá até 1971, data em que abandonamos definitivamente as instalações que ainda por lá estavam.

Chamo a atenção para a informação deste site:

http://bairrodaquintadacalcada.blogspot.pt/2012/11/a-bola-e-redonda-e-os-estadios-quase.html

e esta;

http://bairrodaquintadacalcada.blogspot.pt/2012/11/apanhando-bolas-no-cif-do-campo-grande.html


E para não dizeres que fui preguiçoso aqui fica um bónus. Acho que explica bem  :)




Ainda assim mais informação:

SCP
Sei que ocuparam o Campo Grande a partir de 1 de Abril de 1917 vindos do Sítio das Mouras, o seu primeiro campo de jogos. Esse estádio do Campo Grande era muito diferente do que o que nós tivemos, mas curiosamente já era conhecido como Estância de Madeiras. Foi ocupado durante cerca de 20 anos mas como estava muito degradado decidiram avançar para a construção do Stadium do Lumiar. Este foi inaugurado em 30 de Abril de 1937 e depois muito renovado em 1947, servindo até 1 de Janeiro de 1955. O Estádio de Alvalade foi inaugurado em 10 de Junho de 1956.


CIF
não sei muito bem mas terão ido para o Campo Grande na década de 40 e por lá ficaram até 1969. Nessa altura mudaram-se para Monsanto onde ainda desenvolvem actividades. Um dos Clubes com a História mais prestigiada de Portugal e que muita gente não conhece.


Saudações Benfiquistas!  :slb2:

Bakero

Muito obrigado! É fascinante como os 2 rivais ainda hoje têm os estádios tão pertos um do outro, mas durante algum tempo estiveram mesmo literalmente colados um ao outro.

Achas que essa foto será então de alguma equipa de juniores ou reservas do Benfica?

RedVC

#687
-179-
Tamancos de oiro (parte III) – o Glorioso Tamanqueiro



Raúl Soares Tamanqueiro, jogador do SLB em 1926-1927 e 1927-1928.


Foram apenas duas as temporadas em que o Tamanqueiro jogou pelo SLB. Foram apenas 3 anos, de 1926 a 1928, e que não coincidiram com a conquista de títulos. Ainda assim a contribuição do Tamanqueiro foi importante pois aconteceu num contexto crítico para o nosso Clube, ajudando a consolidar um novo modelo desportivo. Mas lá iremos.

Em 1926 o SL Benfica vivia um clima interno muito complicado, com clivagens internas e dívidas pesadas. Longe dos títulos, percebia-se que o Clube tinha entrado numa perda competitiva preocupante. A equipa de honra estava envelhecida e o Clube - por decisão própria - não competia com outros pela contratação de novos jogadores.

De facto, particularmente entre 1924 e 1926, vários jogadores nucleares retiraram-se por veterania reduzindo muito a categoria no nosso plantel principal de futebol. No final da época de 1924-25, saíram, entre outros: José Picoto e Caldas (GR), Fernando Jesus (M) e Ribeiro dos Reis (A). No final de 1925-26 saíram, entre outros: Chiquinho (GR), Artur Augusto (D) e Hugo Leitão (A). Para além disso, em 1926-1927, outros jogadores importantes da equipa aproximavam-se do final de carreira: Vítor Gonçalves (M), Mário Montalvão (M) e Pimenta (D). Ou seja todos os sectores estavam fragilizados, todos careciam de renovação e reforço.



Uma equipa de 1924-1925. Ribeiro dos Reis e Fernando de Jesus abandonaram em 24-25, Chiquinho, Artur Augusto e Hugo Leitão (25-26). Pimenta, Vitor Gonçalves pouco depois.


Antes como agora, manda o bom senso, que os que saem sejam compensados com os que entram. A solução estava em recrutar elementos que pudessem colmatar as saídas, se possível acrescentando qualidade à equipa. Havia que investir mas Cosme recusava gastar dinheiro em contratações. Para Cosme a essência do desporto estava no Amor à camisola, na dedicação ao Clube e isso não se pagava.



Cosme Damião na década de 20. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Mas infelizmente os tempos tinham mudado. Esse modelo que provou ser vencedor na década de 10, já não se adaptava à evolução da sociedade e do futebol no Portugal da década de 20. O dinheiro circulava no futebol e se o SLB virava costas ao presente e futuro, os outros Clubes adaptavam-se, ultrapassando-nos na capacidade de atrair os melhores valores do futebol Português.

Ainda no tempo de Cosme Damião, a saída dos três guarda-redes foi razoavelmente compensada com a vinda de Jacinto e Gato. Mais o primeiro diga-se, mas ainda assim nenhum fez carreira longa no SLB, nem chegou sequer perto da popularidade e da categoria do guarda-redes internacional Chiquinho.

Na defesa, a entrada de Bailão, ainda em 1925-1926 e de Mário Rodrigues em 1926-1927, trouxe mais qualidade e consistência a um sector que contava ainda com Pimenta e Luís Costa. No ataque as perdas foram compensadas com os recrutamentos de Germano Campos e Américo Antunes, entre outros. Apesar de serem bons atletas, nenhum tinha qualidade superior. Seria preciso esperar mais alguns anos até aparecer o jovem Victor Silva. O meio campo? Bem, digamos que este sector foi o menos compensado. Havia que investir. E muito.

Em Agosto de 1926 uma nova direcção, liderada por Alfredo Ávila de Melo, foi eleita e trouxe grandes mudanças ao Clube. As obras nas Amoreiras foram interrompidas, os pesados encargos da dívida aos Bancos foram sendo pagos, ao mesmo tempo que se começou a investir de forma diferente no futebol. Tarefa gigantesca, antes como hoje. Finalmente o SL Benfica reconhecia que para manter a competitividade havia que pagar pela contratação dos melhores jogadores. Amor e uma cabana? Sim, mas desde que as contas da cabana estejam pagas!

O cargo de de Capitão-Geral era fundamental na estrutura do SLB desse tempo. De 1909 até 1926 essa tarefa foi exclusiva de Cosme Damião Cosme mas este, em desacordo, afastou-se por vontade própria. Tinha chegado o tempo de António Ribeiro dos Reis.

Antigo casapiano, militar de formação e grande conhecedor do futebol, António Ribeiro dos Reis foi quase tudo no futebol Português. Foi um competente jogador de futebol (avançado do SL Benfica), treinador (Carcavelinhos, SL Benfica, Selecção Nacional), dirigente do SL Benfica e ainda jornalista. Foi um homem que mudou o nosso futebol, lançando as bases para os sucessos da década seguinte.



Ávila de Melo e Ribeiro dos Reis, numa recepção em 1927, na AFL, à selecção de futebol de França. Fonte: TT.



Ribeiro dos Reis, apreciador das qualidades futebolísticas do Tamanqueiro e estava consciente que este traria mais classe, mais capacidade física e melhor qualidade técnica ao jogo da nossa equipa. E assim em Outubro de 1926 o Tamanqueiro foi contratado ao SC Olhanense. A interessante história desta contratação permanece ainda por explicar.


1926-1927 - Uma época irregular



As notícias e as especulações acerca da abertura da época de 1926-1927. E lá estava a confirmação do ingresso do Tamanqueiro no SL Benfica. Fonte: DL, CasaComum.org


Nesse tempo, a época de futebol tinha apenas duas competições oficiais: os campeonatos regionais e depois o Campeonato de Portugal. Em Lisboa, o campeonato regional era disputado entre 8 equipas, a duas voltas num total de 14 jornadas. Já o Campeonato de Portugal era disputado em sistema de eliminatórias ou seja foi a prova que antecedeu a actual Taça de Portugal (veja-se como os troféus são iguais). Era a única prova nacional mas nos primeiros anos admitia apenas os campeões regionais de algumas regiões.

O Tamanqueiro estreou-se oficialmente pelo SL Benfica no dia 17 de Outubro de 1926. Nesse dia fomos derrotados por 1-3 pelo Belenenses, campeão regional do ano anterior. A nossa equipa revelou falta de entrosamento, nada de estranhar pois apresentamos três reforços, dois deles no meio campo. O Tamanqueiro actuou no centro do meio campo, João Silva (Fayta), outro reforço vindo do Portugal FC actuou à direita e Vítor Hugo actuou à esquerda. Estes foram os três centro-campistas que mais actuaram nessa época. No final da época, Artur Travaços assumiu a titularidade a médio direito, saindo Fayta e derivando o Tamanqueiro para o centro. Seria esse o meio-campo da época seguinte.



A equipa do SLB de 17 de Outubro de 1926. Estreia oficial do Tamanqueiro pelo SL Benfica. Os reforços que alinharam nesse jogo estão indicados.


Mas na jornada seguinte, jogando nas Amoreiras, vencemos o SCP (2-1), resultado lisonjeiro para os verde-brancos. Vitor Gonçalves fez um dos seus poucos jogos na época, passando o Tamanqueiro para médio à direita. E foi logo neste seu primeiro dérbi que o Tamanqueiro inaugurou o marcador da partida marcando o seu primeiro golo com o manto sagrado!

Mas infelizmente o resto do campeonato seria muito irregular, com algumas derrotas decepcionantes e jogos tumultuosos. Foram duros os primeiros tempos nas Amoreiras. Houve até um célebre jogo nas Amoreiras contra o Carcavelinhos em que o árbitro marcou uma grande penalidade a nosso favor perto do fim do jogo para logo de seguida apitar para o final do jogo! O árbitro apitou para o fim da partida sem deixar marcar a penalidade que ele próprio assinalou! Incrível mas foi o que aconteceu.



Imagens de dois jogos acidentados que resultaram em duas derrotas nas Amoreiras: contra o Carcavelinhos (1-2) e contra o Vitória de Setúbal (0-2). Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



No final conseguimos apenas um horrível 5º lugar no Campeonato Regional de Lisboa vencido pelo Vitória de Setúbal, um justo campeão. Ainda assim em alguma crítica passou a ideia de que o SLB merecia ter ficado numa posição mais acima da tabela.



Fonte: DL


Curiosamente no balanço das 4 categorias ficou claro que a 1ª categoria do SLB foi entre as quatro, aquela que teve pior desempenho.



Campeões de 1926-1927: Vitória de Setúbal (1ª categoria), Benfica (2ª), Belenenses (3ª) e Carcavelinhos (4ª). Fonte: DL.


No Campeonato de Portugal de 1926-1927 começamos bem mas depois fomos infelizes. Nos oitavos-de-final ganhamos fora ao SC Braga (4-3) e nos quartos-de-final vencemos de forma arrasadora o Carcavelinhos (5-0).



Fonte: DL e Hemeroteca de Lisboa


Seríamos eliminados nas meias-finais pelo CFB (0-2, após prolongamento). Foi um jogo intenso, de grande luta em que apesar de superiores nos 90 minutos regulamentares não conseguimos marcar. No prolongamento a maior capacidade física do Belenenses fez a diferença. O Belenenses viria a desforrar-se do Campeonato Regional ao bater o Vitória de Setúbal por 3-0.

De um ponto de vista individual pode dizer-se que nessa primeira época o Tamanqueiro chegou, viu e venceu. Foi titular absoluto, formando a base da nossa equipa, juntamente com Bailão, Vítor Hugo, José Simões e Jorge Tavares. Marcou dois golos e trouxe qualidade e intensidade à equipa. O sector do meio-campo deixou de ser uma preocupação para Ribeiro dos Reis. A base da equipa para o próximo ano estava formada e nesse xadrez o Tamanqueiro era peça chave.



À direita, a avaliação que Ribeiro dos Reis fez do Tamanqueiro em meados de 1927. Fonte: Boletim Oficial do SLB nº 2 de 1927.



1927-1928 - Uma época de "quases"

Para a nova época foram feitos mais investimentos. Entraram na primeira equipa excelentes jogadores como Eugénio Salvador, Emiliano Sampaio e Guedes Gonçalves. Já em plena época Victor Silva seria contratado ao Hóquei Clube de Portugal. Ou seja, o reforço do ataque foi a prioritário. Esses 4 avançados – em particular o último – revelaram-se excelentes reforços.



A linha ofensiva do SLB para 1927-1928.


A época foi dramática embora francamente melhor do que a anterior. Foi a temporada dos "quases" tanto no Regional de Lisboa como no Campeonato de Portugal. O anterior campeão de Lisboa, o Vitória de Setúbal, passou nesta temporada a competir no campeonato regional de Setúbal, dando lugar ao Bom Sucesso que se revelou a equipa mais fraca do campeonato.

A nova equipa tinha Eugénio Salvador e Mário de Carvalho como titulares. Ambos eram extremos rápidos e habilidosos que em muito auxiliavam o avançado centro Jorge Tavares. O Tamanqueiro fixou-se no centro do meio campo, Vítor Hugo à esquerda e João Domingos à direita.

Começamos bem esse regional, com uma robusta vitória sobre o União de Lisboa (4-0) mas na segunda jornada baqueamos na Tapadinha frente ao SCP por 0-3.



Equipa do SL Benfica que perdeu no dia 23 de Outubro de 1927 contra o SCP (0-3). Jogo disputado no Campo da Tapadinha.



Na parte final do campeonato íamos em segundo lugar mesmo atrás do SCP. Entre as muita vitórias que conseguimos teve particular destaque para o triunfo (1-0) nas Amoreiras sobre o líder SCP. Nesse dia mostramos ampla e constante superioridade, pecando o resultado por escasso. O nosso guarda-redes Jacinto foi o melhor juntamente com o Tamanqueiro. Ainda assim os leões continuaram primeiros. Mas a duas jornadas do fim assumimos a liderança depois de dois tropeções dos verde-e-brancos. Tudo parecia bem encaminhado, pois faltavam apenas dois jogos, com o Belenenses e Casa Pia. Faltavam duas vitórias.

Mas tudo se perdeu ao empatarmos com o Belenenses na penúltima jornada. Vitor Hugo não jogou por lesão, obrigando o Tamanqueiro a desgastar-se em múltiplas posições. E lá se foi a vantagem. Os dois rivais de Lisboa chegavam ao fim das 14 jornadas empatados a 34 pontos. Seria necessário disputar uma finalíssima.



Fonte: Hemeroteca de Lisboa.



Foi-se a vantagem mas diga-se que de forma polémica pois os leões deveriam ter um ponto menos na classificação. É que, na secretaria, os leões conseguiram transformar um seu empate com o Bom Sucesso registado aquando da segunda (!) jornada do campeonato numa vitória administrativa. Sem essa jogada da secretaria o Benfica teria sido campeão.

E assim no dia 8 de Abril de 1928, o SCP acabou por conquistar o título mercê de uma vitória concludente por 3-0. Quais as razões desse desnível? Simples, o nosso meio-campo jogou sem os seus dois homens-chave Vítor Hugo e o Tamanqueiro, ambos lesionados. Com essas duas ausências não tivemos hipóteses pois revelamos uma desorganização completa nesse sector.




No Campeonato de Portugal começamos com uma falta de comparência do Ginásio Figueirense para depois nos oitavos-de-final derrotarmos em Fafe a AD Fafe por 6-1. Nos quartos-de-final vencemos o União de Lisboa (4-3) num jogo duro em que estivemos muito tempo a perder e em que Mário de Carvalho fez um hat-trick. Nesse jogo a equipa já pode contar com o Tamanqueiro e com um muito jovem Vítor Silva. Mas na meia-final perderíamos (1-3) de forma surpreendente contra a outra equipa de Alcântara, o aguerrido Carcavelinhos.



Duas estrelas do futebol Português. Carlos Alves (Carcavelinhos FC) com as suas luvas pretas e o Glorioso Vitor Silva.


O campeão e a grande surpresa desta competição seria mesmo este popular clube de Alcântara, vencendo com inteiro mérito na final o SCP por concludentes 3-0.



O campo da Tapadinha, o emblema e a famosa equipa do Carcavelinhos FC, campeã de Portugal em 1927-1928. Fonte: http://www.atleticocp.pt/



Uma dupla que soube a pouco



Tamanqueiro e Vítor Silva em 1928. Dois grandes jogadores que coincidiram durante muito pouco tempo no SLB. Fonte: TT


No final da década de 20 o investimento sustentado no nosso futebol permitiu um gradual aumento da qualidade técnica da nossa equipa e assim uma inversão do declínio competitivo. A contratação de Vítor Silva foi muito importante. Contratado em finais de 1927 ao Hóquei Clube de Portugal por 15 contos, à altura uma fortuna. Revelou-se um excelente investimento, dada a classe e o rendimento que o jogador veio a ter com o manto sagrado.

Curiosamente, Vítor Silva seria convocado para a selecção nacional olímpica ainda antes de ser titular no SL Benfica. No SL Benfica as exigências sempre foram enormes e Victor Silva ainda necessitaria de algumas semanas para se firmar como titular absoluto. Depois, Victor Silva marcaria uma era, tornando-se o melhor marcador e um dos jogadores mais populares de sempre do nosso Clube.

Infelizmente para o SL Benfica, foram poucos os jogos em que o Tamanqueiro e Victor Silva jogaram juntos. Talvez o mais famoso desses jogos tenha sido o primeiro de Vítor Silva com o manto sagrado. Nesse dia 1 de Janeiro de 1928, nas Amoreiras, o SL Benfica derrotou o FC Porto por conclusivos 4 – 1. Os dois destacaram-se, tendo aliás Vítor Silva marcado o terceiro golo a passe do... Tamanqueiro. Foi pena para o Benfica que não tenha sido possível mantê-los na mesma equipa por mais algum tempo.



Excerto de uma reportagem de um dos poucos jogos em que o Tamanqueiro e Vítor Silva jogaram juntos no SL Benfica. Fonte: DL 2-01-1928.



Os Gloriosos Tamanqueiro e Vítor Silva com os seus casacos de lã Benfiquistas. No Benfica e na selecção jogaram algumas vezes juntos. Fonte: TT



Adeus, Glorioso.


No final da época de 1927-1928, já depois do regresso da grande Selecção Olímpica de Amesterdão 1928, o Tamanqueiro acordou a sua saída do SL Benfica. Como explicar que o Tamanqueiro tenha querido sair do Glorioso? Um caso de inadaptação e nostalgia?

É possível que a sua adaptação a Lisboa não tenha sido a melhor. Não lhe terá sido fácil adaptar-se a um meio crescentemente cosmopolita como era a Lisboa dos anos 20. Um meio que talvez lhe fosse menos carinhoso e familiar. É possível que sentisse nostalgia dos tempos da vida simples de Olhão. É possível também que determinadas tentações da grande cidade tenham cobrado o seu preço...

Em Lisboa o Tamanqueiro teve também actividade profissional como proprietário/condutor de um táxi. O Benfica ofereceu-lhe a possibilidade de explorar um alvará mas ao que parece não teria muito jeito para esse negócio. Aparentemente também continuou a comprar e vender peixe e há ainda notícia num jornal de que terá sido pintor – presumo de construção civil.

Não era, nunca foi uma pessoa muito organizada na sua vida pessoal e profissional. Para lá do seu reconhecido carácter irrequieto e compelido a mudar frequentemente de local, é possível que algo faltasse na sua vida. Talvez a sua importância na equipa Benfiquista estivesse a decrescer – embora os números pareçam indicar o contrário. Talvez tenha tido inadaptação ao Clube. Talvez tudo isso em conjunto explique que tenha querido regressar a locais onde tinha sido mais feliz.



O Tamanqueiro, aliás Raúl Figueiredo, a trabalhar como mecânico do seu Taxi.



No SL Benfica, Raúl Tamanqueiro esteve apenas duas temporadas, fazendo 52 jogos, de 1926 a 1928. Números ainda assim modestos relativamente o que poderia e deveria ter feito com o manto sagrado. Poderia ter sido um dos grandes do nosso Clube.

Ainda assim, o brilho desse seu tempo Benfiquista não se apagou. O Tamanqueiro chegou ao Benfica já como internacional Português. De Olhão veio e – por vontade própria – a Olhão regressou.





RedVC

#688
Citação de: Bakero em 19 de Outubro de 2017, 22:33
Muito obrigado! É fascinante como os 2 rivais ainda hoje têm os estádios tão pertos um do outro, mas durante algum tempo estiveram mesmo literalmente colados um ao outro.

Achas que essa foto será então de alguma equipa de juniores ou reservas do Benfica?

Penso que será um jogo de reservas. Jogo entre o SL Benfica e o Casa Pia AC. Não consigo identificar o jogador do SLB.

Os seniores também treinavam por lá:



O Glorioso Artur Santos a treinar no Campo Grande.

RedVC

Citação de: RedVC em 19 de Outubro de 2017, 22:42
Citação de: Bakero em 19 de Outubro de 2017, 22:33
Muito obrigado! É fascinante como os 2 rivais ainda hoje têm os estádios tão pertos um do outro, mas durante algum tempo estiveram mesmo literalmente colados um ao outro.

Achas que essa foto será então de alguma equipa de juniores ou reservas do Benfica?

Penso que será um jogo de reservas. Jogo entre o SL Benfica e o Casa Pia AC. Não consigo identificar o jogador do SLB.

Os seniores também treinavam por lá:



O Glorioso Artur Santos a treinar no Campo Grande.


É claro que hoje não seria possível semelhante vizinhança.