Decifrando imagens do passado

RedVC

Citação de: Theroux em 09 de Setembro de 2015, 14:28
RedVC, perdoa-me a pergunta extemporânea, mas já leste os primeiros estatutos do clube?

Queria saber se inicialmente eram admitidas mulheres como associadas, pois no Barcelona, por exemplo, a sua entrada foi proibida durante vários anos. Já no Sporting não foi esse o caso:

Spoiler
ARTIGO 1.º
Sporting Club de Portugal é o título d'uma associação composta d'individuos d'ambos os sexos de boa sociedade e conducta irreprehensivel.
[fechar]


Penso, não tenho a certeza, que no Sport Lisboa não deverão ter existido estatutos escritos. Era um clube de futebolistas, geralmente gente jovem. O que interessava era jogar. Provavelmente Gourlade era o único que registava factos e realizava as contas. Mas o que é certo é que na lista de sócios do Sport Lisboa usada para a fusão de 1908 não constava nenhum sócio feminino.

Os primeiros estatutos deverão ser pois os do Grupo Sport Benfica. O GSB era um clube muito organizado e com certeza que ainda deverão sobreviver esses estatutos. Existem livros de actas e existem listas de sócios. Agora, o GSB para além do atletismo tinha o ciclismo como actividade primordial. E nessa actividades estavam presentes Senhoras. Se eram sócias ou não ainda estará por esclarecer. Tentarei saber.


Agosto 1908.

RedVC

#286
-64-
O tribunal dos conspiradores.

Dezembro de 1911, sala de audiências do Tribunal do Convento das Trinas.
O Dr. Alberto Lima toma a palavra em pleno exercício da sua actividade profissional:


Fonte: AML


Nesse julgamento o Dr. Alberto Lima é advogado de defesa de um dos cerca de quarenta réus arrolados num célebre julgamento que decorreu entre Dezembro de 1911 e Maio de 1912. Foram julgados partidários da monarquia Portuguesa que segundo a acusação conspiravam para derrubar o sistema republicano recém-instaurado. A memória da revolução de 1910 estava ainda fresca e a possibilidade de uma contra-revolução liderada por Henrique Paiva Couceiro era bastante real.

O Dr. Alberto Carlos Lima foi um prestigiado advogado Lisboeta. Foi igualmente uma das maiores figuras das primeiras décadas de vida do nosso clube. Segundo o sítio oficial do nosso Clube, Alberto Lima foi o sétimo Presidente do Sport Lisboa e Benfica. Assumiu esse cargo em três mandatos compreendidos por dois períodos: de 09/07/1911 até 31/03/1912 de 05/12/1912 até 29/08/1915. Esses mandatos estiveram ligados à conquista do primeiro tri-campeonato regional de Lisboa, a mais importante competição da altura.


O Dr. Alberto Lima foi um presidente activo e prestigiado. Esse facto aliás explica a sua participação na comitiva da AFL que em Julho de 1913 levou uma equipa de futebol ao Brasil, liderada desportivamente pelo Capitão Cosme Damião, para efectuar jogos contra equipas Cariocas e Paulistas (e que tratamos nos nº. 46 e 47). Nada de estranho pois para além das qualidades humanas e profissionais do Dr. Alberto Lima, o SLB contribuía com o maior número de jogadores. Tinha uma cuidada educação e uma grande cultura. A sua presença contribuiu para dar consistência social e cultural à comitiva que tinha outras figuras destacadas da sociedade Portuguesa mais ligada ao desporto tais como Eduardo Luiz Pinto Basto, Mário Duarte, Duarte Rodrigues, entre outros.


Programa social da delegação da AFL no Rio de Janeiro. visita ao clube Gymnastico.

Foi também durante os seus mandatos que o Benfica lançou o primeiro jornal de clube no país "O Sport Lisboa" de que foi o primeiro director.



Alberto Lima entre um conjunto de figuras Benfiquistas notáveis que constituíram a primeira equipa do jornal "O Sport Lisboa". Fonte: Arquivo Norberto Araújo

As suas palavras foram sempre prestigiadas e as suas contribuições foram sempre influentes e estimadas no clube.

Três figuras notáveis das primeiras duas décadas do Sport Lisboa e Benfica.
Alberto Lima de pé, à esquerda. À direita, Cosme Damião. Sentado Bento Mântua.

Mas, voltando à fotografia inicial, o julgamento dos conspiradores decorreu no Convento das Trinas do Rato, também conhecido por Convento das Trinas do Mocambo:


Convento das Trinas do Rato, fachada principal, Largo do Rato, [c. 1900]. Autor: Alberto Carlos Lima, in AML. Fonte: http://lisboadeantigamente.blogspot.pt/2015/08/convento-das-trinas-do-rato-convento.html

Fundado em 1633, o convento teve mais tarde como principais mecenas e responsáveis pela conclusão das obras, Manuel Correia de Lacerda e Luís Gomes de Sá e Meneses. Este último tinha por alcunha "O Rato", o que aliás deu nome ao recolhimento e ao actual largo. O convento foi edificado para a Ordem Hospitalar da Santíssima Trindade do Resgate dos Cativos, tendo sofrido pouco com o terramoto de 1755. Foi mandado extinguir por Decreto de 6 de Outubro de 1864, em virtude de não existir o número legal e canónico de religiosas, sendo habitado apenas, por quatro professas tendo a última falecido em 1878. Depois disso o edifício seria ocupado pelas Franciscanas que depois seriam expulsas após a revolução de 1910. Foi depois usado como tribunal e por diversas outras instituições públicas entre as quais o Arquivo Central de Identificação e Estatística Criminal (Arquivo de Identificação). A partir de 1969 passou a ser a sede do Instituto Hidrográfico.


O julgamento destes revoltosos monárquicos decorreu entre Dezembro de 1911 a Maio de 1912, depois das prisões políticas ao longo do ano de 1911. Esta aliás não seria a única revolta, nem sequer o único motivo para as múltiplas revoltas que eclodiram até à instauração da Ditadura ou Estado Novo em 1928. Como se vê por esta extensa lista: http://www.iscsp.ulisboa.pt/~cepp/revoltas/i_republica._quadro_das_revoltas.htm

Neste julgamento e conforme descrito em a "Guerra religiosa na I República" de Maria Lúcia de Brito Moura, o Tribunal das Trinas era palco de aceso confronto com os militares Republicanos radicais e numerosos populares a tentarem pressionar os juízes, jurados e testemunhas para obterem condenações. Algumas revistas da época deram numerosos detalhes, o que atesta a relevância desse julgamento. Apresento apenas fragmentos dessas reportagens:


Revista Brasil Portugal, nº 310, Dezembro de 1911.


Ilustração Portuguesa nº 304, Dezembro de 1911.

E ali está o Dr. Alberto Lima, mencionado na última página. Nesse julgamento Alberto Lima defendeu Aníbal Cândido Pedro, mancebo com apenas 18 anos de idade, natural de Chaves e acusado de aliciamento de gente para as hostes de Paiva Couceiro, líder da revolta. Com as suas alegações o Dr. Alberto lima conseguiu uma condenação que presumo, terá sido relativamente leve e que ascendeu a 20 meses de prisão e 200 réis diários pelo mesmo tempo. Aliás, numa demonstração de tolerância talvez nem sempre comum a esse tempo, o tribunal decretaria 42 absolvições e apenas três penas leves, entre as quais como vimos a do constituinte do Dr. Alberto Lima.


O réu Aníbal Candido Pedro, constituinte do Dr. Alberto Lima. Fonte: AML.

Por fim não conheço muitos detalhes mas penso que o líder da revolta, Henrique Paiva Couceiro, emérito militar, continuou a manter actividades a partir da Galiza onde se refugiou em 1911. Liderou ou inspirou incursões monárquicas contra a Primeira República Portuguesa em 1911, 1912 e 1919. Detalhes sobre a sua vida aventurosa, aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Mitchell_de_Paiva_Couceiro. Findo esse breve período as conspirações monárquicas calaram-se tendo o descontentamento ficado restrito a pequenos grupos. A Republica tinha vindo para ficar. Outras fracturas, de diversa natureza, viriam depois a atormentar a sociedade Portuguesa. Outros tempos de agitação política estavam para chegar.

Eddie_


RedVC

Muito obrigado Eddie_  O0

É um prazer partilhado. Pesquisar e depois escrever estes textos dá-me um grande prazer.
E claro depois de partilhar saber que outros Benfiquistas gostam é uma grande recompensa.

Nada no Benfica tem sentido se não for partilhado. Por isso o meu agradecimento estende-se a todos os que tem manifestado que gostam de ler estes pedaços da grande História do Sport Lisboa e Benfica.

RedVC

#289
-65-
Festa de gerações.

3 de Julho de 1944. Festa à Benfica! Festa de gerações.


Fonte: Em Defesa do Benfica

Faço hoje algumas notas a propósito de uma fotografia fabulosa publicada por Alberto Miguéns e de um extraordinário artigo a ela alusivo. O artigo da autoria de António Ribeiro dos Reis foi publicado nesse dia no Diário de Lisboa:



Fonte: Diário de Lisboa, 3 de Julho de 1944
 
Realizada no Espelho d'Água, obra dos arquitectos: António Maria Veloso Reis Camelo e João Simões (um antigo jogador Glorioso de que falamos no nº. 62), a festa teve um enorme simbolismo. Festa em Belém, berço do Sport Lisboa e Benfica. Esse espaço tinha sido bastante transformado por via da Exposição do Mundo Português alguns anos antes. Mas era a Belém onde tudo começou. E com muitos dos homens que moldaram os alicerces do nosso Clube.



Publicidade em 24 d Julho de 1943

Fonte: restosdecoleccao.blogspot.com


Foi uma celebração do Benfiquismo passado, presente e futuro. Foi também, digo eu, uma certa reconciliação com algum passado menos feliz. Como em qualquer família, alguns incidentes e abandonos tingiram de cores mais carregadas partes da nossa História. Mas não afectaram o essencial. A noção de que muitos contribuíram com o melhor do seu esforço para a grandeza do colectivo.

A três anos da morte de Cosme Damião, nesse jantar foi possível reunir um conjunto absolutamente notável de antigos jogadores responsáveis pelas primeiras conquistas do Benfica. Merecem ser salientados: Cosme Damião, Félix Bermudes, Leopoldo Mocho, António Meireles, Virgílio Paula, Francisco Belas, Mário Monteiro, Aires Martins, Jorge Rosa Rodrigues, Carlos Homem de Figueiredo, José Domingos Fernandes, entre outros. Alguns já tinham partido e certamente foram evocados: Manuel Gourlade (nesse mesmo ano), Álvaro Gaspar (1915), Carlos Sobral (1926), José e António Rosa Rodrigues (1924 e 1938), Artur José Pereira (1943). E tantos outros. Mortos e vivos, todos da fina flor das primeiras equipas do nosso clube. A "velha guarda" como lhe chamou Ribeiro dos Reis.

E acrescentou Ribeiro dos Reis que com a Festa se pretendia "celebrar o Passado, o Presente e o Futuro da colectividade. Reúnem-se no mesmo abraço de saudação os jogadores de "ontem", os jogadores de "hoje" e os que hão-de ser os jogadores de "amanhã"."

Juntava-se assim à mesma mesa a "velha guarda", os vencedores da Taça de Portugal e do Campeonato Nacional de Juniores da época de 1943-1944. Festa de gerações. Festa à Benfica! O artigo merece ser lido com cuidado por qualquer Benfiquista.

E mesmo que no Benfica o colectivo se sobreponha sempre ao individual, Ribeiro dos Reis ainda assim salientou alguns nomes que simbolizavam a excelência das gerações passadas. Da geração que precedeu a Grande Guerra de 1914 o reconhecimento justo de Félix Bermudes e Cosme Damião. Da geração campeã nacional nesse ano: Francisco Albino. Nada mais justo.

Mas como disse, mais importante que as notas, o texto de Ribeiro dos Reis é merecedor de leitura.

RedVC

#290
-66-
Memórias francesas.

Sexta feira, 10 de Agosto de 1979. Sochaux, Estádio Auguste Bonal

Sochaux FC vs. Paris Saint Germain

João Alves, alguns minutos antes da fatídica lesão. Ao lado o árbitro Jean-Marie Meeus.

Cerca dos 53 minutos de jogo João Alves é gravemente lesionado depois de sofrer uma agressão de Genghini. Nesse momento de dor deu-se um ponto de inflexão decisivo na carreira de João Alves. Depois de alguns longos e penosos meses de recuperação estaria no seu horizonte o regresso a casa.

O diagnóstico não poderia ser mais cruel: fractura do tornozelo com distensão do ligamento. Uma lesão horrível, um minuto dramático da vida do grande jogador.

No fim do jogo, o inenarrável árbitro Sr. Meeus, declarou: "Alves lesionou-se sozinho". Mas o vice presidente do PSG Charles Talard viria a por as coisas no devido sítio, pronunciando palavras duras: "Foi o futebol que foi assassinado esta  noite!".

Ainda na ressaca, Eric Renaut, o colega de Alves resumiu o estado de espírito da equipa após o drama: "A derrota a perda de Alves vão-nos custar entre dez e quinze mil espectadores para o nosso próximo jogo no Parque dos Príncipes.". Eric sabia o que estava a dizer. A desmobilização da comunidade Portuguesa teria graves custos para o PSG. Foi a desolação para os parisienses, pela perda competitiva, pela perda financeira, especialmente porque se percebia que o PSG não viria a rentabilizar o investimento de três milhões de Francos, o valor total da transferência.

Para Alves viriam duas operações ao tornozelo, e um afastamento dos relvados durante cinco longos meses.

Adaptado de: http://www.paris-canalhistorique.com/10081979-sochaux-psg/



João António Ferreira Resende Alves
nasceu em Albergaria-a-Velha, Albergaria-a-Velha, em 5 de Dezembro de 1952.

Memórias Francesas de um grande jogador. Um Glorioso jogador em terras de França:

PARIS SAINT GERMAIN 1979-1980:



Plantel de 1979-1980. Entre os colegas de equipa de João Alves nota-se a presença de duas cara conhecidas que depois se tornaram treinadores: o Brasileiro Abel Braga e o Francês Luiz Fernandez.



Equipa do jogo uma semana antes do jogo fatídico: PSG - Marseille 2-1, 3 de Agosto de 1979








Retrato de João Alves enquanto jogador do PSG:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=PatBiry3JjI

Fora das quatro linhas Alves teve também reconhecimento e visibilidade como atesta a sua participação no programa Palmarès 80, difundido em 16 de Janeiro de 1980:


Mas por fim, em meados desse ano chegaria o desejado regresso à sua casa:


Por fim com o manto sagrado:


Com o manto sagrado. Assim como deveria ter sido sempre.

O regresso de João Alves ao Sport Lisboa e Benfica deu que falar. O nosso Clube terá pago cerca de um milhão e meio de francos para além de um chorudo ordenado. O assunto chegou a ser discutido no Parlamento Português.

De novo no Benfica para três épocas de elevado nível, liderando o melhor meio campo que alguma vez vi jogar ao vivo: João Alves, Shéu, Carlos MAnuel, José Luís, Diamantino e Chalana. Depois ainda viria Stromberg.


No derbi eterno. Imagem de jogo, um momento que parece uma pintura

João Alves foi um ídolo da minha juventude. Um jogador que tive o prazer de ainda ver ao vivo, com o perfume do seu futebol.

Pena é que muitos Benfiquistas não tenham tido essa sorte. Pena é que tenha jogado tão pouco com a nossa camisola. Porque para mim deveria ter jogado pelo menos 15 anos.

Craque!

nota adicional:
Encontrei uma entrevista de João Alves ao jornal Le Parisien datado de 28 de Dezembro de 2003.
Entre outras afirmações percebe-se que João Alves entende que Genghini não teve intenção na lesão que lhe causou. Alves ressalta (e no meu entender estranha) que o árbitro nem sequer apitou.
Alves terá sido contactado e contratado pouco tempo depois de uma magnífica prestação na final torneio de Paris com a camisola do Benfica. Vitória contra o Estrela Vermelha de Belgrado por 4-0.
Acrescenta que gostou muito de jogar no clube Parisiense e que foi o destino que não quis que ele pudesse brilhar mais. Guarda no coração o melhor dessas memórias Francesas. Em particular o jogo de estreia no Parc des Princes em que venceram o OM por 2-1 e em que realizou uma grande exibição.

Aqui:
http://www.leparisien.fr/sports/joao-alves-j-ai-une-cicatrice-au-coeur-28-12-2003-2004643027.php#xtref=https%3A%2F%2Fwww.google.pt%2F



fudim flan

vi jogar o j. alves ao vivo muitas vezes,era magnifico,do nivel de aimar ou valdo.
fica um amargo de boca,saber que podia ter dado muito mais ao nosso benfica,uma pena.

RedVC

Citação de: fudim flan em 09 de Outubro de 2015, 22:02
vi jogar o j. alves ao vivo muitas vezes,era magnifico,do nivel de aimar ou valdo.
fica um amargo de boca,saber que podia ter dado muito mais ao nosso benfica,uma pena.

Sim fudim flan. Nós os dois temos essa sorte. Era de facto um gosto tremendo ver o seu jogo. Em Espanha ao serviço do Salamanca foi considerado o melhor jogador estrangeiro. E lá jogavam alguns dos melhores jogadores mundiais... Curioso como o seu coração era Benfiquista. Ele que teve como avô um grande jogador, o primeiro luvas pretas. Carlos Alves. Tanto quanto sei Carlos Alves foi jogador por longos anos do Carcavelinhos, fez alguns jogos pelo SCP numa digressão ao Brasil (onde começaram a jogar com aquela camisola listada), uma época no FCP e penso que ainda no Académico do Porto. Não me consta que Carlos Alves fosse Benfiquista. Talvez fosse influência do seu pai. Quem sabe...


Selecção Nacional de 1928. Carlos Alves é inconfundível.

RedVC

#293
-67-
Cosme e o inventor do Fla-Flu.

Vamos hoje partir de uma fotografia retratando dois homens, dois jogadores posando para o fotógrafo antes de um jogo em que se viriam a defrontar.


Alberto Borgerth e Cosme Damião,
Fonte: Globo Sportivo


Para o universo Benfiquista a identificação do homem à direita é imediata: Cosme Damião!

Mas atravessando o oceano, e parando na Gávea, a principal sede do Clube de Regatas do Flamengo, a resposta pronta passa para o homem da esquerda: Alberto Borgerth!

O homem no seu contexto.

Mas de facto, esta fotografia tirada durante a digressão da equipa da AFL ao Rio de Janeiro em 1913 juntou dois homens de grande notoriedade no seu tempo e no seu espaço. Dois homens que são símbolos do clube onde ganharam notoriedade: Clube de Regatas Flamengo e Sport Lisboa e Benfica.

De Cosme Damião, nunca é demais salientar que merece o reconhecimento e a eterna gratidão de todos os Benfiquistas. Mas para Alberto Borgerth a situação é um pouco diferente dependendo se estamos a falar de Flamengo ou Fluminense. E na verdade como veremos, estamos a falar do inventor do Fla-Flu.

Alberto Borgerth nasceu em 3 de dezembro de 1892, no bairro da Glória, no Rio de Janeiro. E... começou a remar pelo Flamengo em 1906, ao mesmo tempo em que jogava futebol pelo Rio Futebol Clube, uma espécie de delegação juvenil do Fluminense (fonte: http://www.torcidaflamengo.com.br/news.asp?nID=33039).

A cisão

Em Novembro de 1911, Borgerth já era capitão da primeira categoria de futebol do Fluminense, tendo-se sagrado campeão Carioca na época finda. Mas, no final desse ano, na sequência de uma cisão interna grave, Borgerth deixou o clube tricolor para ir fundar o departamento de futebol do Flamengo. A cisão deveu-se à formação de uma comissão técnica no clube tricolor. Ou seja foi uma dissidência entre atletas e dirigentes. Nada menos do que nove jogadores deixaram o Fluminense e partiram para formar uma equipa competitiva no Flamengo, clube que até então se dedicava... ao remo: Alberto Borgerth, Armando de Almeida (Gallo), Emmanuel Augusto Nery, Ernesto Amarante (Zalacain), Gustavo Adolpho de Carvalho, Lawrence Andrews, Orlando Sampaio de Mattos (Bahiano), Othon de Figueiredo Baena e Píndaro de Carvalho Rodrigues (fonte: wikipedia). Para trás ficava Oswaldo Gomes que viria a tornar-se figura relevante do clube tricolor.

Quando se dá a dissidência não se pode dizer que a maioria dos jogadores que saíram estivesse apenas identificado com o Fluminense. Na verdade muitos eram remadores do Flamengo. Pela manhã remadores rubro-negros, pela tarde futebolistas tricolores...

Borgerth terá liderado a reunião entre os atletas tendo estes decidido propor ao clube rubro-negro a criação de uma secção terrestre ou seja uma secção de futebol. A proposta foi aceite e assim a secção de futebol viria a ser oficialmente criada em 4 de Dezembro de 1911.

Em boa verdade antes disso já tinham existido algumas experiências do Flamengo no futebol. Pelo que percebi o primeiro jogo de futebol no Flamengo, de carácter amigável, realizou-se no dia 25 de Outubro de 1903 no Estádio do Paissandü Atlético Clube. O Flamengo defronta e perde para o Botafogo por 5-1. Mas até aos acontecimentos acima descritos o futebol rubro-negro era algo episódico.

As rivalidades Cariocas

Assim, e até 1912, pode-se dizer que o Flamengo e o Fluminense não colidiam. Uma estranha situação tendo em conta a rivalidade dos nossos dias. Rivalidade de décadas.

O Flamengo foi fundado em 1895 para a prática do remo enquanto o Fluminense foi criado em 1902 para a prática do futebol. A rivalidade do Clube de Regatas Flamengo estava centrada no Clube de Regatas Vasco da Gama, fundado em 1898 por Portugueses e Luso descendentes. Aliás, a este propósito diga-se que a entrada do Vasco no futebol viria justamente a acontecer após a visita em 1913, ao Rio de Janeiro, da selecção de jogadores da A. F. Lisboa. A semente de Cosme e companheiros.


Regata na Praia do Flamengo, em frente à sede do Clube, década de 1920


Dessa forma, no futebol e até 1912, as rivalidades futebolísticas Cariocas estavam centradas no Botafogo e no Fluminense. Estes dois clubes mantinham acesas disputas, que algumas vezes acabavam em bofetões dentro do campo e suspensões fora dele...
O Botafogo que, diga-se, receberia em 1913 o nosso Luís Vieira, tornando-se este o primeiro estrangeiro da história do Glorioso do Rio de Janeiro. A semente de Cosme e companheiros.


Fluminense, Campeão Carioca 1911,
Em cima: Píndaro, Baena e Nery;
Ao meio Orlando, Lawrence, Amarante e Galo;
Em baixo: Oswaldo Gomes, Alberto Borgerth, Gustavo e Calverth.


Flamengo, Outubro 1912,
De pé: Píndaro, Gilberto, Gallo, Baena, Nery e Coriolano;
Sentados: Baiano, Arnaldo, Amarante, Gustavinho e Alberto Borgerth.



Campo onde o Flamengo fazia os seus treinos de futebol no final de 1911.
Fonte: http://www.rioquepassou.com.br/2005/12/20/gloria-e-centro-15-de-novembro-de-1911/

Tudo isto soa familiar? Apenas familiar. O contexto e muitos detalhes são diferentes do que se passou entre o Sport Lisboa e Benfica e o SCP.

Nesse ano de 1912, os nove jogadores que saíram do clube tricolor, campeão de 1911, fizeram-no não por razões de estatuto social ou de falta de condições de trabalho ou ainda de dinheiro mas sim por discordâncias associativas insanáveis.

E de facto as coisas não foram simples. Nunca são simples.

Ao liderar o processo, Alberto Borgerth tornou-se o inventor do Fla-Flu, esse dérbi assombroso foi definido de forma suprema nas palavras de Nélson Rodrigues, jornalista, escritor e autor de teatro brasileiro:

O Fla-Flu não tem começo.
O Fla-Flu não tem fim.
O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada.
E então, as multidões despertaram.

in "Jornal de resenhas: seis anos, de abril de 1995 a abril de 2001" - página 1465


E o primeiro Fla-Flu acabaria por disputar-se somente alguns meses depois, no dia 7 de julho de 1912, no antigo Estádio do Fluminense na Rua Guanabara. Ao contrário do que se passou entre os clubes Lisboetas, aqui o clube que recebeu os dissidentes, apesar de favorito, acabou por perder o jogo. Venceu o Fluminense por 3-2. Mas rapidamente o Flamengo viria a tornar-se uma equipa vencedora, tendo-se sagrado bicampeã carioca em 1914 e 1915.


Ou seja, quando em Julho de 1913 Cosme tira a fotografia com Borgerth já este estava completamente envolvido na secção e na equipa de futebol do Flamengo.

O jogo que opôs Cosme e Borgerth disputou-se no dia 14 de Julho de 1913. A equipa Portuguesa jogou contra uma selecção Brasileira, num dos primeiros jogos disputados por uma selecção Brasileira contra uma equipa estrangeira.


A equipa Brasileira. Fonte: Globo Sportivo.


Equipa Portuguesa e aspecto do campo e do jogo.
Na verdade percebe-se que esta fotografia é do jogo contra o Botafogo (por sinal ganho pelos Portugueses).
Fonte: Globo Sportivo.


A equipa Portuguesa jogou com Augusto Paiva Simões, Carlos Homem Figueiredo, Henrique Costa; Carlos Sobral, Cosme Damião, Artur José Pereira; António Stromp, José Domingos Fernandes, Luís Vieira,Álvaro Gaspar e João Bentes.

A equipa Brasileira jogou com: Marcos, Pindaro, Nery; Mendes, Amarante; Gallo; Bartholomeu, Oswaldo, Babiano, Borgerth e Ernani. Quase todos jogadores do Flamengo, dissidentes do Fluminense.

E para tudo encaixar, seria Alberto Borgerth que marcaria o golo da vitória dos Brasileiros...

Epílogo

Em 1915, Borgerth formou-se em medicina e abandonou o futebol para exercer a profissão. Continuou no entanto ligado ao futebol tendo inclusivamente operado alguns jogadores de futebol entre os quais se destacou o famoso Domingos da Guia. Teve também responsabilidades directivas, representando o Brasil em Encontros Directivos internacionais. Teve também acção política tendo chegado inclusivamente a ser Secretário de Saúde do então Distrito Federal do Rio de Janeiro.


Alberto Borgerth, de óculos. Delegado Brasileiro numa reunião em Montevideu em Fevereiro de 1942.
Fonte: Esporte Ilustrado.

Alberto Borgerth morreu em 25 de novembro de 1958, ou seja ainda viu o Brasil ganhar o campeonato do mundo na Suécia no Verão de 1958. Teve essa suprema felicidade. O Flamengo contribuíu com quatro jogadores: Zagallo, Moacir, Joel e Dida enquanto o Fluminense com apenas um: Castilho. A força do Campeão Mundial estava nos clubes Paulistas Santos e São Paulo e nos clubes Cariocas Botafogo e Vasco da Gama.

Sete anos mais novo, Borgerth morreu onze anos depois de Cosme Damião. Não sei que palavras trocaram nesse distante dia de 14 de Julho de 1913, mas seguramente foi um encontro de dois homens de carácter e que respiravam futebol. Um encontro breve mas seguramente com significado para dois homens que deixariam marca no futebol dos seus países. Os seus clubes são, serão sempre, credores de gratidão para com eles.


Alberto Borgerth é Clube de Regatas Flamengo e Cosme Damiao é Sport Lisboa e Benfica!

RedVC

#294
Para aqueles que tiverem curiosidade aqui fica um magnífico e premiado documentário sobre o grande clássico Carioca:


Segundo as palavras imortais de Nélson Rodrigues,  jornalista, escritor e autor de teatro brasileiro:


O Fla-Flu não tem começo.
O Fla-Flu não tem fim.
O Fla-Flu começou 40 minutos antes do nada.
E então, as multidões despertaram.


citado em "Jornal de resenhas: seis anos, de abril de 1995 a abril de 2001" - página 1465

fudim flan

Citação de: RedVC em 09 de Outubro de 2015, 22:20
Citação de: fudim flan em 09 de Outubro de 2015, 22:02
vi jogar o j. alves ao vivo muitas vezes,era magnifico,do nivel de aimar ou valdo.
fica um amargo de boca,saber que podia ter dado muito mais ao nosso benfica,uma pena.

Sim fudim flan. Nós os dois temos essa sorte. Era de facto um gosto tremendo ver o seu jogo. Em Espanha ao serviço do Salamanca foi considerado o melhor jogador estrangeiro. E lá jogavam alguns dos melhores jogadores mundiais... Curioso como o seu coração era Benfiquista. Ele que teve como avô um grande jogador, o primeiro luvas pretas. Carlos Alves. Tanto quanto sei Carlos Alves foi jogador por longos anos do Carcavelinhos, fez alguns jogos pelo SCP numa digressão ao Brasil (onde começaram a jogar com aquela camisola listada), uma época no FCP e penso que ainda no Académico do Porto. Não me consta que Carlos Alves fosse Benfiquista. Talvez fosse influência do seu pai. Quem sabe...


Selecção Nacional de 1928. Carlos Alves é inconfundível.
o meu avõ viu jogar carlos alves,e me contou que era um grande jogador.
o nosso j.alves era um predestinado,que pena a sua carreira...

mandrake

Citação de: RedVC em 09 de Outubro de 2015, 21:38
-66-
Memórias francesas.

Sexta feira, 10 de Agosto de 1979. Sochaux, Estádio Auguste Bonal

Sochaux FC vs. Paris Saint Germain

João Alves, alguns minutos antes da fatídica lesão. Ao lado o árbitro Jean-Marie Meeus.

Cerca dos 53 minutos de jogo João Alves é gravemente lesionado depois de sofrer uma agressão de Genghini. Nesse momento de dor deu-se um ponto de inflexão decisivo na carreira de João Alves. Depois de alguns longos e penosos meses de recuperação estaria no seu horizonte o regresso a casa.

O diagnóstico não poderia ser mais cruel: fractura do tornozelo com distensão do ligamento. Uma lesão horrível, um minuto dramático da vida do grande jogador.

No fim do jogo, o inenarrável árbitro Sr. Meeus, declarou: "Alves lesionou-se sozinho". Mas o vice presidente do PSG Charles Talard viria a por as coisas no devido sítio, pronunciando palavras duras: "Foi o futebol que foi assassinado esta  noite!".

Ainda na ressaca, Eric Renaut, o colega de Alves resumiu o estado de espírito da equipa após o drama: "A derrota a perda de Alves vão-nos custar entre dez e quinze mil espectadores para o nosso próximo jogo no Parque dos Príncipes.". Eric sabia o que estava a dizer. A desmobilização da comunidade Portuguesa teria graves custos para o PSG. Foi a desolação para os parisienses, pela perda competitiva, pela perda financeira, especialmente porque se percebia que o PSG não viria a rentabilizar o investimento de três milhões de Francos, o valor total da transferência.

Para Alves viriam duas operações ao tornozelo, e um afastamento dos relvados durante cinco longos meses.

Adaptado de: http://www.paris-canalhistorique.com/10081979-sochaux-psg/



João António Ferreira Resende Alves
nasceu em Albergaria-a-Velha, Albergaria-a-Velha, em 5 de Dezembro de 1952.

Memórias Francesas de um grande jogador. Um Glorioso jogador em terras de França:

PARIS SAINT GERMAIN 1979-1980:



Plantel de 1979-1980. Entre os colegas de equipa de João Alves nota-se a presença de duas cara conhecidas que depois se tornaram treinadores: o Brasileiro Abel Braga e o Francês Luiz Fernandez.



Equipa do jogo uma semana antes do jogo fatídico: PSG - Marseille 2-1, 3 de Agosto de 1979








Retrato de João Alves enquanto jogador do PSG:
https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=PatBiry3JjI

Fora das quatro linhas Alves teve também reconhecimento e visibilidade como atesta a sua participação no programa Palmarès 80, difundido em 16 de Janeiro de 1980:


Mas por fim, em meados desse ano chegaria o desejado regresso à sua casa:


Por fim com o manto sagrado:


Com o manto sagrado. Assim como deveria ter sido sempre.

O regresso de João Alves ao Sport Lisboa e Benfica deu que falar. O nosso Clube terá pago cerca de um milhão e meio de francos para além de um chorudo ordenado. O assunto chegou a ser discutido no Parlamento Português.

De novo no Benfica para três épocas de elevado nível, liderando o melhor meio campo que alguma vez vi jogar ao vivo: João Alves, Shéu, Carlos MAnuel, José Luís, Diamantino e Chalana. Depois ainda viria Stromberg.


No derbi eterno. Imagem de jogo, um momento que parece uma pintura

João Alves foi um ídolo da minha juventude. Um jogador que tive o prazer de ainda ver ao vivo, com o perfume do seu futebol.

Pena é que muitos Benfiquistas não tenham tido essa sorte. Pena é que tenha jogado tão pouco com a nossa camisola. Porque para mim deveria ter jogado pelo menos 15 anos.

Craque!


Brutal, este equipamento do PSG de 1979-80!!! Os equipamentos da Le Coq Sportif e o seu material desportivo durante a década de 80 é uma das boas memórias!

zappendrix



João Alves num Benfica-Nacional de Montevideo (Uruguai) em 1978.

fudim flan

Citação de: zappendrix em 14 de Outubro de 2015, 15:16


João Alves num Benfica-Nacional de Montevideo (Uruguai) em 1978.
vi esse jogo na luz,acabou tudo á batatada.
o redes do nacional era o rodolfo rodriguez,que mais tarde jogou na lagartagem.

RedVC

Foi uma macacada. Ao que parece que até do público vieram "reforços".




Fonte: Diário de Lisboa, 17 Agosto 1978.

Felizmente portaram-se bem melhor no dia 25 de Outubro de 2003.

Reparem quem foi o árbitro...




Fonte: Mais Futebol


Fonte: Tomás Paulo


Estádio da Luz, Lisboa
Lotação: 65 400 espectadores
Árbitro: Pedro Proença

BENFICA
Moreira, Armando, Argel, Hélder, Ricardo Rocha, Petit, Tiago, Simão, Geovanni, Nuno Gomes e Sokota.

Treinador
José António Camacho

NACIONAL DE MONTEVIDEU
Bava, Benoit, Machado, Curbelo, Scotti, Eguren, Coelho, Fernandes, Albin, Ferreira e Mello

Treinador
Daniel Carreño