Decifrando imagens do passado

Ned Kelly

Que prazer enorme vir aqui ler estas "estórias" da nossa História!

Bakero

Até há 6 meses atrás trabalhei no Rossio e tomava o pequeno-almoço no Café Gelo todos os dias. Sabia que o local tem uma grande importância histórica, mas não fazia ideia que também a História do Benfica passou por lá.

Fantástico como sempre  :bow2:

RedVC

Caros Ned Kelly e Bakero, muito obrigado pelos vossos comentários  O0
Para onde quer que nos viremos há sempre uma surpresa ligada ao SLB.
Esperemos que neste novo ano apareçam mais surpresas :coolsmiley:

Ned Kelly

Em 2017 queria digitalizar a história do Benfica de 1954, pois do que já li tem referências bastante interessantes e material dos primeiros 50 anos que dificilmente encontramos noutro lugar assim organizado. É a modos que uma resolução de ano novo, pois ando a adiar isto há bastante tempo e o material vai-se deteriorando.

Para já vou-me deliciando aqui e a ler o Alberto no seus blog, à espera que a nova benfiquista lá de casa me dê um pouco de descanso  :buck2:

RedVC

#544
Citação de: Ned Kelly em 06 de Janeiro de 2017, 15:21
Em 2017 queria digitalizar a história do Benfica de 1954, pois do que já li tem referências bastante interessantes e material dos primeiros 50 anos que dificilmente encontramos noutro lugar assim organizado. É a modos que uma resolução de ano novo, pois ando a adiar isto há bastante tempo e o material vai-se deteriorando.

Para já vou-me deliciando aqui e a ler o Alberto no seus blog, à espera que a nova benfiquista lá de casa me dê um pouco de descanso  :buck2:

Ned, essa é a obra! Quase infalível tal o cuidado que Mário Fernando Oliveira e Carlos Rebelo da Silva colocaram nela.

É a referência que devemos considerar pois tiveram a rara oportunidade de entrevistar dois fundadores: Cosme Damião e Daniel Santos Brito. Obtiveram também informações e material raro e precioso de Cândido Rodrigues (outro fundador) e José da Cruz Viegas (homem que definiu as nossas cores e equipamentos). Pelo menos estes mas com certeza terão sido mais.

Usaram os arquivos do Clube obtendo informações privilegiadas. Foram cuidadosos e verificaram fontes. E mais importante e surpreendente é que foi uma obra de autor ou seja custeada do bolso deles!!

O Sport Lisboa e Benfica estaria bem se disponibilizasse cópias digitais dessa obra (mesmo que fosse com marca de água) ou ainda melhor se lançassem uma versão relativamente económica. Se calhar os iluminados do "marquetingue" ficariam surpreendidos com o sucesso da iniciativa.

Como isso não acontece vamos deliciando-nos com o material que Alberto Miguéns disponibiliza pois ele tem uma cópia e gosta de partilhar fragmentos que acompanham os seus excelentes textos. Outra referência da História do Benfica.

E parabéns! Parabéns e boa sorte com essa pequena Benfiquista. Boa sorte e desfruta bastante pois (mesmo que por vezes não pareça) esse é o melhor tempo dela e dos papás  :cool2:



RedVC

#545
-136-
Uma equipa infantil

Há papéis que nos revelam pedaços de vida, fragmentos de carreiras, curiosidades, muitas vezes sem uma interpretação imediata. É o caso de um curioso documento oficial emitido pelo Sport Lisboa e Benfica, em 3 de Julho 1925, para ser enviado ao Comité Olímpico Português.


Documento enviado pelo SLB ao COP em 3-07-1925. Nota-se a identificação da sede na Rua da Rosa e do Campo de jogos na Avenida Gomes Pereira em Benfica. Fonte: Arquivo do Comité Olímpico de Portugal.


Assinado por José Colmeiro, vice-secretário da Direcção do Benfica de 1925, o documento foi recebido dois dias depois dando a conhecer ao Comité Olímpico de Portugal o nome de 13 jogadores da equipa infantil de futebol do SLB que iria defrontar o SCP. Foram eles, pela ordem inscrita no documento:

                              •   Fernando Adrião
                              •   Fernando Assis
                              •   Jorge Carvalho
                              •   Manuel Carreira
                              •   Germano da Costa Campos
                              •   Hipólito Silva
                              •   José Carlos
                              •   Alberto Ferreira
                              •   José Prazeres
                              •   Salvador Dias
                              •   Eugénio Salvador
                              •   José de Mattos
                              •   José Tavares


Nessa época, por equipa infantil entendia-se uma equipa de jogadores até 21 anos. Seria talvez uma lista de jogadores que três anos depois poderiam potencialmente vir a integrar a equipa Olímpica de futebol nos Jogos Olímpicos de Amesterdão de 1928. Como se sabe, Portugal viria a apresentar uma equipa notável nesses Jogos (incluindo os Benfiquistas Vítor Silva e Jorge Tavares e o ex-Benfiquista Raúl "Tamanqueiro").

Na verdade nenhum dos elementos desta equipa infantil chegaria a futebolista internacional mas ainda assim olhar para esta lista permite perceber a presença de algumas figuras Benfiquistas interessantes.

A esta distância e pela falta de elementos, torna-se inviável detalhar a contribuição que cada um destes jovens Benfiquistas deu ao nosso Clube ao longo da sua vida desportiva. Podemos no entanto usar a lista para reunir elementos biográficos que nos permita perceber dois aspectos fundamentais do Benfiquismo: 1) Eclectismo e 2) Amor ao Clube, traduzidos numa longa e multifacetada dedicação.

Não dispomos de uma fotografia dessa equipa infantil mas temos uma outra que apesar de ser de uma equipa de hóquei em campo, alinhada no Estádio das Amoreiras, permite identificar cinco desses jogadores.



Os jogadores da equipa juvenil de futebol de 1925 estão assinalados. Fonte: biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.


Alguns dos elementos dessa equipa infantil terão tido presença discreta no nosso Clube. Outros deram inicialmente uma importante contribuição ao nosso hóquei em campo, modalidade que se iniciou no Clube por volta de 1923. Como veremos, apenas dois conseguiriam ter uma presença significativa que na 1ª categoria: Eugénio Salvador e Germano Campos.

No resto deste texto vamos aproveitar os elementos disponíveis para salientar aspectos curiosos de alguns desses rapazes, do seu Amor e da sua dedicação ao Clube.


José Prazeres


Homem injustamente esquecido do nosso Clube pois foi um dedicado praticante de hóquei em campo, futebol, atletismo e principalmente hóquei em patins (HP). Foi campeão em todas essas modalidades. Foi o treinador da equipa que venceu pela primeira vez o Campeonato do Mundo de HP em Lisboa 1947. Esse título seria revalidado em Montreaux 1948, Lisboa 1949 e Milão 1950, tornando Portugal o primeiro tetracampeão da modalidade. Nunca antes visto! Do grande José Prazeres já por aqui falámos anteriormente (ver texto nº 113 Um hoquista feliz).



A – Equipa de HP na década de 20; José Prazeres (amarelo) e Fernando Adrião (azul) estão assinalados. B - Equipa de estafetas 5x80m do SLB de 1927; Eugénio Salvador (vermelho) e José Prazeres estão assinalados. C - Equipa de futebol da primeira categoria de 1929; Eugénio Salvador e Fernando Adrião estão assinalados. D - Equipa de Portugal, campeã do Mundo de HP em 1947. José Prazeres era o treinador. Fonte: Em Defesa do Benfica; Jornal do SLB; hemeroteca de Lisboa; Delcampe.



Eugénio Salvador Marques da Silva nasceu em Lisboa no dia 31 de Março de 1908 e faleceu na mesma cidade no primeiro dia de Janeiro de 1992. Uma longa e produtiva vida de 84 anos ligada ao desporto e as artes de palco. As novas gerações não se lembrarão de uma coisa ou de outra. As velhas gerações provavelmente só se lembrarão da sua vida ligada ao teatro de revista.

Filho do cenógrafo e empresário teatral Luís Salvador Marques da Silva (Lisboa, Santa Justa, 6 de Janeiro de 1876 - 13 de Abril de 1949) e de sua mulher Eugénia Maria Dias (Lisboa, 18 de Agosto de 1874 - Lisboa, 4 de Janeiro de 1955). Era irmão do pintor Luís Salvador Jr. (Mestre Luís Salvador Marques da Silva, Jr.) e neto do grande proprietário e dramaturgo João Salvador Marques da Silva e de sua mulher Antónia Cândida Reynaud e Silva. Fonte: wikipedia.

Figura inesquecível do nosso teatro, dedicando a sua vida essencialmente à comédia. Foi aluno do Conservatório Nacional, tendo no âmbito do curso participado em 1926 numa peça chamada "O Regedor" em cena no Teatro Nacional D. Maria II. No entanto a sua estreia em palcos profissionais ocorreu em 1928 no Teatro Maria Vitória, actuando na revista "O Grão-de-bico". Durante a sua vida artística participou em mais de uma centena de revistas à Portuguesa onde foi tudo: bailarino, actor, coreógrafo, autor, encenador e empresário (1942 a 1961, Teatro Maria Vitória). A sua vida artística começou ainda antes da década de 30 e durou até ao final da década de 80. Foi um dos mais notáveis actores do seu tempo, muito querido do público, tendo participado em digressões ao Brasil e Ultramar.



Algumas das numerosas revistas à Portuguesa onde Eugénio Salvador espalhou o seu talento, alegrando a vida dos que tiveram a sorte de o ver actuar.



A – A - Eugénio Salvador (boné) com Herman José e Henrique Santana num número da revista " O Bombo da Festa", 1976, no Teatro Maria Vitória. B – Com Victor Espadinha, Ivone Silva e a escultural Odete Antunes numa outra revista. C - Eugénio Salvador com Laura Alves numa cena de "Sonhar é fácil". D – com a lindíssima Milú no filme "Vidas sem rumo" de Manoel Guimarães (1956). Fonte: Revista Imagem, nº 2, de Fevereiro de 1954. Estreado em Setembro de 1956, o filme esteve apenas 3 semanas em cartaz no Teatro da Trindade.


Para além dessas inúmeras revistas trabalhou em cinema e televisão, geralmente assumindo papéis secundários, excepto no filme "Um Marido Solteiro" onde foi protagonista. Ao longo da sua carreira artística contracenou com grandes nomes como Chaby Pinheiro, Beatriz Costa, António Silva, Milú, João Villaret, Henrique Viana, Ivone Silva, Vasco Morgado, Tony de Matos, Vítor Mendes, Henrique Santana, Delfina Cruz, Simone de Oliveira, Florbela Queiroz, Fernando Mendes, entre muitos, muitos outros. A sua popularidade explica que o seu nome tenha, muito justamente, sido imortalizado numa rua de Lisboa:
http://aps-ruasdelisboacomhistria.blogspot.pt/2014/07/ruas-de-lisboa-com-nomes-de-actrizes-e_26.html


https://www.youtube.com/watch?v=McXOk3hP8i0
Um registo de valor histórico. Ivone Silva, Eugénio Salvador e Herman José num quadro da revista.


No desporto, foi um caso de dedicação ao nosso Clube não apenas no futebol, modalidade em que se distinguiu chegando ao topo e sagrando-se campeão, mas também no atletismo onde competiu em provas de velocidade. Entende-se assim que tenha sido um rápido extremo esquerdo. Dos 12 Benfiquistas dessa equipa juvenil foi aliás aquele que teve mais sucesso leia-se mais larga participação na 1ª categoria do nosso futebol (102 jogos em 8 temporadas). Jogou ao lado de grandes nomes do nosso futebol tais como Jesus Crespo, Vítor Silva, Tamanqueiro, António Pinho, entre outros. O seu trajecto sénior começou quando Cosme Damião saiu da Direcção técnica do futebol do Clube. Eugénio Salvador foi essencialmente treinado por Ribeiro dos Reis, aliás seu treinador no primeiro e último jogo da sua carreira na primeira categoria. Foi também treinado pelo Inglês Arthur John e por Vítor Gonçalves.

Salvador jogou durante épocas difíceis para o nosso Clube pois as nossas equipas de futebol tentavam recuperar competitividade perdida para os nossos oponentes depois de o Clube ter durante anos optado por privilegiar os investimentos nas infra-estruturas. Mesmo assim sagrou-se campeão de Lisboa em 1929-1930.



Eugénio Salvador fez uma carreira marcante no nosso futebol como extremo esquerdo. A - Equipa de 1933-1933, no estádio das Amoreiras. Em cima, esquerda para a direita: Júlio Silva, João Correia, Gustavo Teixeira, Augusto Amaro, João Oliveira e Pedro Silva; Em baixo: Domingos Lopes, Luís Xavier, Vítor Silva, Carlos Torres e Eugénio Salvador; B – Equipa de 1932-1933, esquerda para a direita: Pedro da Conceição, Vítor Silva, Dinis, Rogério Sousa, Eugénio Salvador, Luís Xavier, João Correia, Manoel Oliveira. Em baixo: Albino, João Oliveira, Gatinho. Fonte: Em Defesa do Benfica.




A – Em cima: Eusébio, Amália, Eugénio Salvador e João Santos, presidente da Direcção do SLB (1987-1992) em 1988 na festa dos 80 anos de vida de Eugénio Salvador. João Santos oferecia um livro ao Glorioso actor. B - Parque Mayer no início dos anos 30. C - Teatro Maria Vitória nos anos 40; dois locais onde Eugénio Salvador fez a sua vida de actor. Fonte: AML.


Germano Campos


Germano Augusto Mourão da Costa Campos, nasceu numa das ilhas de Goa, Pangim, a 30 de Setembro de 1907. Tinha excelentes aptidões para a prática do desporto. Foi um grande hoquista em campo, tendo igualmente feito uma carreira interessante embora peculiar no futebol, onde atingiu a 1ª categoria logo em 1926/1927 e fez o último jogo em 1936/1937. Pelo meio teve no entanto dois hiatos (duas épocas e três épocas) para provavelmente se dedicar ao hóquei em campo. No total efectuou 52 jogos como futebolista da 1ª categoria jogando (primeiro) a avançado quer (mais tarde) a médio.

Foi no entanto no hóquei em campo que atingiu maior notoriedade sendo considerado como um atleta muito talentoso embora por vezes algo individualista.
Germano Campos é bisavô de João Magalhães nosso atleta de voleibol e pai dos nossos antigos voleibolistas José Magalhães e de uma das nossas "Marias", a mítica equipa de voleibol feminino que conquistou Campeonatos nacionais de Voleibol sucessivos entre a época 1966-1967 e 1974-1975. Germano Campos foi uma figura prestigiada no nosso Clube tendo chegado a Águia de Ouro!



A – Equipa de 1935; Em cima da esquerda para a direita: Pedro Conceição, Manoel de Oliveira, Pedro Silva, João Correia, Cardoso, Rogério de Sousa, Germano Campos. Em baixo: Pinho, Luís Xavier, João Oliveira, Dinis e Octávio Policarpo. B – Germano Campos num dérbi de 1935. C - Em cima da esquerda para a direita: Albino, Manuel Oliveira, Rogério Sousa, Alberto Cardoso, Guedes Gonçalves, Germano Campos, Vítor Silva e João Oliveira. Em baixo: Augusto Dinis, João Correia, Luiz Xavier e Emídio Pinho. Fonte: Em Defesa do Benfica.



Fernando Adrião


Fernando Pinto Adrião (1908-?) notabilizou-se nas nossas equipas de HP entre 1922 e 1933. Em 1933 transitou para o Clube Futebol Benfica onde permaneceu de 1933 a 1943. Integrou a primeira Direcção do Clube Futebol Benfica, o popular FóFó, como vogal da Direcção Fonte: http://futebolinformacao.com/page/12/ e
http://rinkhockey.net/search/player.php?Name=Adriao&FirstName=Fernando+Pinto



A - Equipa nacional que em 1930 participou pela primeira vez no Campeonato da Europa de HP. Fernando Adrião (vermelho) e José Prazeres (amarelo) estão assinalados. B – Equipa do Clube de Futebol Benfica de 1934, assinalados: Adrião (azul) Manuel Carreira (verde) e Salvador (presumo Salvador Dias; rosa); C - Partida de Fernando Adrião de partida para Moçambique em 1943; D – Ringue "Fernando Pinto Adrião" de patinagem do CFB, anos 60. E – Fernando Adrião, ainda jogador já em Lourenço Marques. F – Como treinador de uma equipa juvenil do GDLM. à esquerda está o filho Fernando que viria a tornar-se um hóquista genial. Fontes: Delcampe; http://futebolinformacao.com/page/12/; Artur Goulart, AML;  https://delagoabay.wordpress.com/category/hoquei-mocambique/fernando-adriao/; http://www.francisco-velasco.com/2011/05/a-velha-guarda/


Adrião foi internacional ao integrar a Selecção Nacional que participou pela primeira vez no Campeonato da Europa de HP. Facto curioso é que essa representação nacional foi entregue ao Sport Lisboa e Benfica! A formação-base dessa equipa era Fernando Pinto Adrião, António da Câmara Adão, Germano de Magalhães, José Prazeres e Leonel Costa. Sempre José Prazeres.

Em Abril de 1943 Fernando Pinto Adrião emigrou para Moçambique. Por lá fundou a secção de HP do Grupo Desportivo de Lourenço Marques onde ainda jogaria, tendo depois assumido o cargo de treinador. Foi pai do genial hoquista Fernando Amaral Adrião (1939-2006) que se sagraria múltiplas vezes campeão europeu e mundial mas que apenas por uma vez jogou no SLB, (por convite no dia da festa de homenagem a Cruzeiro, um dos nossos maiores hóquistas de sempre).

No futebol, Fernando Pinto Adrião ainda jogaria na primeira equipa do SLB actuando como guarda-redes na época de 1927/28, fazendo ao todo 6 jogos. Estreou-se no nosso Estádio das Amoreiras num dérbi contra o Sporting em que perdemos por 2-3. Segundo as crónicas Adrião revelou vontade apesar de ter alguma inexperiência.

O Benfica vivia o drama de substituir o excelente guarda-redes internacional Chiquinho. Fernando Adrião foi um dos testados nessa época tais como Jaime, Picoto e Dyson mas acabaria por ser ultrapassado no lugar por este último. Artur Dyson era um guarda-redes instável que acabaria por ficar no nosso Clube por pouco tempo acabando por preferir transferir-se para o SCP, onde chegaria a internacional.

Quando se estreou, Adrião era treinado pelo Inglês Arthur John, tendo actuado atrás de nomes como António Pinho, Ralph Bailão, Aníbal José. Mário de Carvalho e Vítor Silva, entre outros. Seria pois nos escalões inferiores que teria algum destaque como guarda-redes de futebol no entanto o seu futuro estaria mesmo no HP e no FóFó.


Hipólito Silva


Nascido em Lisboa a 30 de Dezembro de 1907, tenho pouca informação de Hipólito como atleta. A sua maior contribuição para o Clube parece ter sido em hóquei em campo durante a década de 20. Há também informação que Hipólito jogou HP em 1934 e 1937 contribuindo para um título regional (1934). Em 1927 sabe-se também que fez 1 jogo na 3ª e 1 jogo na 4ª categoria de futebol.



Duas imagens da presença de Hipólito Silva nas nossas equipas de HP na década de 20. Fonte: Revista Ilustração e Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian.

Mais tarde já na década de 30 seria dirigente de modalidades. Já a década de 50 foi um dos dirigentes do Clube integrado na comitiva que foi ao Brasil em 1957, facto que demonstra o prestígio e as valorosas contribuições que nos deu.


Hipólito Silva, em 1955, já um prestigiado dirigente do Clube.



Manuel Carreira            Salvador Dias            Fernando Assis

       
Pouca informação. Fica o registo fotográfico que comprova terem sido dedicados praticantes de HP, os dois primeiros também no Clube Futebol Benfica.

De Manoel Carreira uma rara fotografia de uma equipa da 2ª categoria mostra-nos que também jogou futebol ao lado de Fernando Adrião e Eugénio Salvador. Mais tarde jogaria HP no FóFó.




Equipa da 2ª categoria do SLB em Setembro de 1929. Fernando Adrião, Eugénio Salvador e Manoel Carreira estão assinalados. Fonte: Delcampe.


De Fernando Assis (http://serbenfiquista.com/jogador/assis) repete-se aqui o que em tempos se disse noutro texto deste tópico (ver 111- Acidente no Cartaxo (parte II) – Glorioso ciclismo). Assis estreou-se no futebol em 1928/29 em categorias inferiores. Existe apenas o registo de ter jogado num jogo da primeira categoria contra o CPAC, Casa Pia Atlético Clube. Esse jogo foi disputado no dia 16 de Novembro de 1930, ni campo das Amoreiras.  O jogo acabou com um empate a uma bola por via de um golo tardio de Mário de Carvalho. A nossa equipa era treinada pelo Inglês Arthur John.

Fernando Assis jogaria ainda mais 4 jogos na equipa principal, tendo feito a sua última aparição em 1935/35 quando Vítor Gonçalves já era o nosso treinador. Pelo meio completou 3 épocas na 2ª categoria. Jogador que não deixou um currículo futebolístico muito extenso na primeira categoria mas provavelmente terá contribuído para outras modalidades no nosso Clube.


Alberto Ferreira                  Jorge V. Carvalho


De estes dois homens apenas disponho de um registo fotográfico mostrando a sua presença em equipas de hóquei em patins. Sem detalhes.


Equipa de HP do SLB do início da década de 20. Estão assinalados José Prazeres, Alberto Ferreira e Fernando Valente. Fonte: Em Defesa do Benfica.



RedVC

#546
-137-
Gloriosa Magyarország (parte I): o Feiticeiro


As árvores avaliam-se pelos seus frutos. A importância de um País avalia-se pelas obras dos seus filhos. No futebol alguns países vão para além do seu tamanho físico tornando-se gigantes ao longo dos mais de 100 anos do futebol. A Hungria, a Magyarország, é justamente um desses casos notáveis, tendo dado ao futebol mundial muitos jogadores e treinadores que fizeram evoluir o futebol em termos tácticos e técnicos e espalharam o perfume do seu futebol pelo mundo fora. O Glorioso sempre esteve atento e por isso alguns deles por cá estiveram escrevendo algumas das mais belas páginas do futebol Benfiquista.

Vamos hoje partir de uma fotografia com quase 93 anos para identificar dois desses filhos, figuras imortais, nobres e prestigiadas do futebol Benfiquista. Vamos reconhece-los numa famosa selecção da Hungria que participou nos jogos Olímpicos de Paris em 1924.



A famosa equipa nacional da Hungria que participou na modalidade de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris, 1924. Da esquerda para a direita: Fogl, Opata, Hirzer, Jeny, Eisenhoffer, Béla Guttmann, Mándi, Obitz, Braun, Orth e Kiss. Em baixo János Biri.


Falamos do guarda-redes János Biri e do médio centro Béla Guttmann, dois dos melhores treinadores de sempre do SLB. Ambos foram titulares nos dois jogos dessa aventura olímpica. Dois outros jogadores, Jeny e Orth, também estiveram ligados ao futebol Português mas não ao SLB.

Hoje centraremos atenção em Béla Guttman, o melhor treinador da História do SLB.


Béla Guttmann

(Budapeste, 27-01-1899 - Viena, 28-08-1981)


Húngaro de nascimento, cidadão do mundo pelas circunstâncias e por opção, Béla Guttmann chegou ao nosso Clube em 1959. Vinha com uma já longa história de vida, tendo trabalhado em muitos países e diversas culturas desportivas. Chegou envolto em polémica ao voltar as costas aos FCP, onde se sagrou campeão nacional, para trabalhar no grande Benfica. Guttmann sabia que era a única equipa em Portugal com potencial para a glória europeia.

Era já um nome conhecido e prestigiado do futebol internacional, que pela sua personalidade peculiar nunca se tinha fixado num país, partindo geralmente após um período máximo de 2 anos de permanência. Nas duas finais Europeias defrontou colossos europeus com alguns dos mais afamados jogadores Húngaros de sempre (Kubala, Czibor e Bószik no FC Barcelona, Púskas no Real Madrid), todos estrelas de primeira grandeza do futebol Mundial, todos conhecendo e/ou tendo trabalhado no passado com o nosso mago.

Mas Guttmann conhecia-os melhor ainda e por isso estava em vantagem. E usou bem esse conhecimento, assim como a sua sageza futebolística e experiência de vida para, com a genialidade dos jogadores Benfiquistas, escrever as duas mais belas páginas da nossa História. Ao ganhar finais contra colossos Europeus, fez realidade do sonho, tornando-nos os maiores na Europa. Liderou uma equipa que se tornou a lenda europeia e mundial. Com ele fomos mais alto, com ele fomos mais do que nunca Benfica!


Béla Guttmann nasceu em Budapeste, em Janeiro do último ano do século XIX. Filho de uma família de origem judia, teve uma precoce educação musical, incluindo a dança, dada pelos seus pais Abraham Guttman e Ester Szánto, bailarinos de profissão. Assim se compreende que em algumas circunstâncias e lugares que percorreu na sua vida, a dança tenha servido de actividade profissional de recurso, permitindo-lhe por o pão na mesa em tempos difíceis. Mas o desporto e a prática desportiva do futebol mereceram-lhe precoce interesse e prioridade.

 


Elementos pessoais de Béla Guttmann. Em cima: registo de nascimento. Em baixo: mala de viagem de Béla Guttmann e duas fichas de emigração temporária no Brasil. Na mala vê-se uma etiqueta do Hotel Batalha no Porto e do Hotel Eden em Spietz, local onde o SLB estagiou antes da grande vitória de Berna em 1961.


Guttman, o jogador

Definido como um jogador combativo, generoso e inteligente, Béla Guttmann foi um médio organizador de jogo, com carreira feita na Hungria, Áustria e Estados Unidos. Iniciou-se no modesto Törevkés SC onde permaneceu de 1917 a 1919, transferindo-se depois para o famoso MTK de Budapeste, que à época, com o Ferencváros, dominava o futebol Húngaro. Por lá permaneceu duas temporadas e, apesar de tapado por jogadores mais velhos e prestigiados, foi campeão Húngaro. Na segunda época, alterações políticas levaram ao agravamento do clima de anti-semitismo, forçando Guttmann a emigrar para a vizinha Áustria.


Törevkés SC. Guttman é o sexto, de pé a contar da esquerda. Fonte: http://www.nemzetisport.hu/benfica/guttmann-a-focista-vendegposzt-2-resz-2470251


Em Viena, integrou de 1922 a 1924, os quadros do SC Hakoah, clube fundado em 1909. Nesse tempo, o Hakoah era um dos quatro principais clubes do futebol austríaco (todos da capital): Rapid (1899), First (1894), Austria (1911; na altura chamado Wiener Amateur). Tanto o Áustria como o Hakoah tinham grande influência cultural e financeira da comunidade judaica, embora Hakoah (palavra que significa Força) fosse considerado o clube dos judeus pobres, sendo mais activo e tendo maior adesão popular. Nessa época, o futebol austríaco e húngaro eram dos mais avançados da Europa, dispondo de boa organização e bastante dinheiro, com excelentes jogadores e grandes treinadores incluindo génios como o escocês Jimmy Hogan (1882-1974) e o austríaco Hugo Meisl (1881-1937).

No auge desse período austríaco, Guttman seria convocado para integrar a forte selecção Húngara de futebol que participou em Paris, 1924. Depois de uma vitória inicial robusta por 5-0 contra a Polónia, veio uma desastrosa derrota por 0-3 contra o Egipto. Os jogadores foram muito criticados mas muitas atenuantes foram apontadas para explicar o fiasco desportivo, desde uma deficiente alimentação a uma péssima planificação e acompanhamento dos dirigentes (que ao que parece era tantos quantos os jogadores...). O jogo contra o Egipto seria o último de Guttmann na selecção húngara. No total, Guttmann jogaria apenas 4 vezes com a camisola nacional, algo frequente dado o número exíguo de jogos entre selecções nesse tempo.



O Hakoah estava também interessado em apresentar-se fora da Áustria, tendo-se deslocado em 1923 a Inglaterra onde jogou e venceu o West Ham United, naquela que foi a primeira derrota de um clube inglês no seu terreno contra uma equipa estrangeira. Em 1925, o Hakoah venceria pela primeira e única vez o campeonato austríaco, num ano inesquecível que culminou com uma bem-sucedida digressão aos EUA. Vivia-se um período breve mas de grande exuberância financeira e desportiva do futebol na América.



Cartaz promocional do Hakoah Wien para a sua digressão aos EUA em 1926.


A admiração de Guttmann por Nova Iorque e pela América levou-o ainda em 1926 a aceitar uma das propostas que recebeu em NY. Iniciou assim uma nova etapa de vida de seis anos em que jogou em cinco clubes nova-iorquinos. Em 1930 o Hakoah All Stars faria mesmo uma digressão pelo Brasil, Argentina e Uruguai, altura em que Guttman terá tido primeiro contacto com o futebol Sul-Americano. Mas em 1932, o futebol Americano entrou num declínio fatal. Tempo para uma nova mudança, levando Guttman a regressar ao Hakoah, para jogar a sua última época.



Guttman, capitão de equipa no Hakoah All Stars durante a digressão na América do Sul em 1930.


Como jogador, Guttmann teve um trajecto feito de muitas e diversas experiências. Sempre em movimento, opção que repetiria enquanto treinador. Trabalhou com treinadores famosos, verdadeiros pioneiros que tiveram parte activa na evolução táctica e técnica do futebol. Disputou campeonatos competitivos e talvez ainda mais interessante acumulou uma experiência de vida que lhe permitiu compreender como poucos os homens, os tempos e as particularidades de um jogo de futebol. A essas virtudes juntou a sua forte personalidade e a coerência dos seus critérios. Faltava conseguir treinar equipas com recursos que lhe permitissem chegar à glória. Levaria tempo e seria um caminho de pedras. Um caminho que o traria ao SL Benfica, Clube onde atingiu o zénite das suas capacidades e obteve as suas maiores glórias individuais.



Quatro das equipas onde Guttmann jogou.


O trajecto do jogador Bélla Guttmann. Fonte: wikipedia


Guttman, o treinador



Foi no Hakoah Wien que Guttmann iniciou a sua carreira de treinador. Dois anos depois começaria uma longa e intensa vida de globetrotter que o levaria a pelo menos doze países na Europa e na América do Sul. A primeira paragem foi o FC Twente (então Enschede), contrato que conseguiu por intercessão do grande Hugo Meisl. Nessas experiências começaram a manifestar-se traços de que raramente Guttman abdicou: discutir detalhadamente e com dureza os diversos aspectos dos seus contratos, ficar não mais de dois anos num clube e exigir autonomia e dignidade de trabalho aos dirigentes dos clubes. Tudo tarefas complicadas dado que os treinadores tinham pouca relevância e por isso capacidade reivindicativa. Mandavam os dirigentes.

Depois dessa aventura holandesa, Guttmann regressou ao Hakoah para dois anos depois retornar novamente ao seu país natal para treinar o Újpest, onde foi campeão Húngaro e onde ganhou a Taça Mitropa, o primeiro grande torneio entre clubes europeus, equivalente à Taça Latina, disputado desde 1927 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mitropa_Cup).

Mas, no final dessa época desportiva, rebentou a segunda guerra mundial. Guttman interrompeu a sua actividade desportiva e provavelmente passou à clandestinidade para poder sobreviver, escapando às perseguições nazis. Pouco se sabe desse período. Terá sido preso? Terá estado num campo de concentração? Guttmann nunca falou. Não sabemos como ele sobreviveu mas, ao que li, pelo menos um irmão e um primo de Guttmann morreram num campo de concentração nazi. Mais uma etapa dura de vida, mais sofrimento causada pelo horror que certo comportamento humano consegue causar aos seus semelhantes. Guttmann sobreviveu.

Finda a guerra, Guttman voltou a treinar na Hungria desta vez no Vasas de Budapeste. Seguiu-se um ano na Roménia, o regresso ao Ujpest e depois uma importante experiência no Kipest, onde foi substituir o pai de Púskas no comando técnico da equipa. Aliás o plantel integrava o já então famoso Púskas. E seria um conflito de personalidades em que Púskas acabaria por causar a saída de Guttmann apesar do plantel permitir pensar em grandes conquistas. Uma vez mais o carácter de Guttmann impunha-se às conveniências de circunstância e aos vedetismos. Sempre coerente na dignidade que exigia para as suas funções.

Em 1949-1950 foi contratado pelo Padova treinando finalmente em Itália. Por lá conseguiu algum destaque mas incompatibilizou-se com dirigentes que interferiram no seu trabalho. Exigia respeito e independência. Demitiu-se e foi-se embora. Na época seguinte o Triestina e depois em 1953, uma breve experiência na Argentina e outra em Chipre.

Mas o seu prestígio em Itália permanecia intocável, tendo ainda neste ano sido contratado pelo poderoso AC Milan. Nos rossoneros orientou grandes craques como o italiano Schiaffino e os suecos Nordhal, Gren e Liedholm. Apesar dos vedetismos, ganhou o respeito da equipa e os excelentes resultados obtidos nas 15 primeiras jornadas, valeram-lhe a liderança do campeonato. Viria depois alguma instabilidade e conflitos com a Direcção do clube. Como sempre Guttmann não pactuou e demitiu-se. Mas a equipa estava lançada, e sendo depois dirigida por Puricelli, veio a sagrar-se campeã de Itália. Na hora da conquista vários foram os jogadores que não se esqueceram de Guttmann.

Outra das notáveis paragens foi a oportunidade de Guttman treinar no Brasil em 1957, a grande equipa do Hónved que por ali andava em digressão. Na verdade era mais uma fuga de que uma digressão de uma equipa que contava com os grandes Koczis, Puskas e Czibor. Os Húngaros estavam no Brasil a convite do Flamengo mas recusavam voltar à sua pátria pois ali viviam-se dias negros de revolução comunista.



Guttmann com Kócsis e Púskas. Três génios do futebol Húngaro.


Aproveitando essa estadia, Guttmann recebeu um convite do São Paulo FC. Aceitou e foi campeão Paulista treinando craques como Zizinho. Por lá os métodos, a personalidade e as inovações tácticas de Guttmann deixaram marcas, sendo claro que influenciaram a evolução e competitividade do futebol Brasileiro que no ano seguinte se sagraria campeão mundial na Suécia.



Uma fotografia extraordinária de três génios do futebol. Zizinho, Guttmann e Púskas em São Paulo, 1957. Fonte: fourfourtwo.hu


Fonte: Revista Cruzeiro, 1958



Os Clubes mais importantes da longa carreira de Béla Guttmann.


Viria depois o convite do FCP, que aceite levou Guttmann a acrescentar Portugal à lista de países onde trabalhou. Por lá foi campeão depois de uma acesa compita com o SLB. Astuto, na hora do balanço, Guttmann percebeu que o futuro estava no SLB, clube que dispunha de excelentes jogadores, e de meios para lhe poder dar outros voos. Era o SLB que ele queria treinar. E assim foi. E assim se fez História.



Momentos de glória no SLB.


Depois do SLB seria convidado pelo Penarol de Montevideo para mais uma aventura Sul-Americana. Dois anos antes tinha disputado com os Uruguaios uma Taça Intercontinental, conhecendo por isso o ambiente. E uma vez mais Guttman foi campeão, juntando o título Uruguaio ao seu currículo. Mas uma vez mais não ficou muito tempo regressando para treinar o Austria Wien.



Juan Alberto Schiaffino, um dos melhores jogadores Uruguaios de sempre com Béla Guttman.


Nunca regresses a um local onde já foste feliz. Assim foi com Guttman.

Diz-se que em 1965, aquando do seu regresso, Guttman chegou ao Estádio da Luz, olhou para os bólides dos jogadores por lá parqueados e logo disse que o seu regresso tinha sido um erro. O mago percebeu logo que a força motriz de ambição e de conquista não existia mais na Luz. Eram tempos diferentes, os jogadores aburguesaram-se, o clube estava diferente. Mas até Guttmann estava diferente.

A época foi má, o título foi perdido para o SCP, esfumando-se o tetra. Fomos também estrondosamente eliminados da Taça dos Clubes Campeões Europeus por um jovem e ambicioso Manchester United. Na hora da saída, Guttmann queixou-se amargamente. Era o fim da ligação Guttmann com o SLB. O fim que selava uma era que na verdade tinha terminado em 1962, logo após a partida do feiticeiro.



As declarações amargas de Guttmann na hora da partida. Fonte: Jornal "A Bola".


Guttmann ainda treinaria na Suiça, Grécia e Áustria, mas viria a finalizar a carreira no FCP. Sempre sem resultados dignos de menção. E assim fechou a sua extraordinária carreira. Sem a glória de outros tempos mas sempre com a mesma dignidade e sempre fiel aos seus princípios.



O trajecto do treinador Béla Guttmann. Fonte: wikipedia


Eu gostar do Benfica!




Guttmann foi um gigante da vida e do futebol. Foi e com razão muitas vezes acusado de pensar primeiro na sua carteira. Como não? Como não o fazer quando esteve exposto ao anti-semitismo, às agruras da guerra, às leviandades e à maldade dos homens, à inconstância das personalidades, à falta de critérios dos dirigentes dos clube, aos caprichos dos jogadores, à pressão dos adeptos, enfim às agruras da vida. Como não o fazer se a vida é um local duro em que somos todos cavaleiros na tempestade?

Guttmann foi um guerreiro, um sobrevivente, um gigante. Mas teve e mostrou ter coração. Mostrou-o aqueles que lhe deram a sua paixão e reconhecimento. Aqueles que lhe deram os dias mais felizes da sua longa vida do futebol. Deu-o aos adeptos Benfiquistas. Deu-o de forma intemporal, aos Benfiquistas passados, presentes e futuros. E deu-o de tal forma que é difícil conter as lágrimas ao recordar os seus tempos como Benfiquista. E assim não poderia fechar este texto sem ir buscar algumas das palavras sábias, de Amor, gratidão e reconhecimento que proferiu sobre o Sport Lisboa e Benfica, sobre os Benfiquistas e sobre a mística Benfiquista:



"Chove? Faz Frio? Faz Calor? Que importa, nem que o jogo seja no fim do mundo, entre as neves das serras ou no meio das chamas do inferno... Por terra... Por mar... Ou pelo ar, eles aí vão, os adeptos do Benfica atrás da equipa... Grande... Incomparável... Extraordinária... massa associativa!"



Obrigado Míster. Estará sempre nos nossos corações.



RedVC

O nosso Museu publicou uma digitalização de melhor qualidade da convocatória escrita por Manuel Gourlade para o encontro no Café Gelo.




No Dia da Escrita à Mão, recordamos uma convocatória de treino que terá sido redigida por Manuel Gourlade, a 9 de março de 1905. O ponto de encontro dos jogadores seria o histórico café Gelo, no Rossio, para preparar o jogo frente ao Gilman FC. Podem saber mais e descobrir outros documentos históricos do Clube na área 1 - Ontem e hoje. #MuseuBenfica #SLBenfica

RedVC

#548
-138-
Gloriosa Magyarország (parte II): János Biri, uma aposta feliz!

Voltamos hoje a olhar para a selecção da Hungria que participou nos jogos Olímpicos de Paris em 1924 mas desta vez para nos concentrarmos no seu guarda-redes, o (futuro Glorioso) János Biri.

A famosa equipa nacional da Hungria que participou na modalidade de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris, 1924. Em cima, da esquerda para a direita: Fogl, Opata, Hirzer, Jeny, Eisenhoffer, Béla Guttmann, Mándi, Obitz, Braun, Orth e Kiss (treinador). Sentado em baixo János Biri.

Dito pelo nosso imortal Ângelo Martins: "a maioria dos Benfiquistas desconhecem o trajecto desportivo deste homem extraordinário quer como treinador quer como pessoa".

Depois destas palavras o que se poderá ainda dizer de melhor e mais justo? Talvez apenas tentar reunir e sumarizar alguns detalhes da vida desse homem bom, de um vencedor, de uma aposta feliz que o nosso Clube fez num homem vindo da longínqua Hungria, mesmo que então tivesse ainda poucos anos de Portugal e pouca experiência como treinador. Mas Biri provou saber muito de futebol. Soube também perceber e amar o nosso País e soube acima de tudo, amar o Sport Lisboa e Benfica, clube que lhe deu as maiores glórias e alegrias profissionais e provavelmente muitas alegrias pessoais.

János Biri

 


Nascido em Budapeste em 21 de Julho de 1901, János Biri viria a fazer uma interessante carreira como guarda-redes na Hungria, Itália, França e Portugal. Iniciou-se em 1920 no Kispesti Atlétikai Club, também conhecido por KAC.



O percurso do guarda-redes János Biri em clubes Húngaros.

O KAC foi fundado pouco tempo antes, em 1909 na pequena vila de Kispest ("defesa da pátria"), localidade próxima de Budapeste. Não obstante a sua origem modesta, o KAC viria a sofrer transformações significativas nas décadas de 40 e 50, alterando do seu nome passando a ser conhecido como Budapesti Honvéd SE, o famoso Honvéd. Nesse tempo o Honvéd viria a atingir dimensão internacional, contando nos seus quadros com prestigiadas figuras do futebol mundial tais como Púskas, Kocsis, Czibor e Bószik, todos membros daquela que foi uma das melhores equipas do mundo no início da década de 50.


Fonte: wikipedia, acedido em Janeiro 2017.


No entanto em 1923 a 1925, nesse tempo de Biri, o KAC era ainda um clube pequeno da periferia de Budapeste. Apesar disso, Biri foi contratado em 1925 pelo Calcio Padova, clube onde jogou por duas épocas, tendo a sua equipa obtido um 4º e um 7º lugar na competitiva liga Italiana. É provável que para esse contrato muito tenha contribuído o facto de Biri ser titular da selecção Olímpica da Hungria que competiu em Paris 1924.



János Biri em 1925 ainda no KAC pouco antes de partir para Itália. Ao seu lado guarda-redes dos outros dois grandes clubes de Budapeste, Kropacsek (MTK) e Kutrucz (Vasas). Fonte: Darabanth


Duas equipas da Associazione Calcio Padova de 1925 onde facilmente se identifica o guarda-redes János Biri. Fonte: Polesine Sport.


Em termos absolutos, Biri apenas terá feito 5 jogos pela selecção, algo normal dado o exíguo número de jogos internacionais da época. Entre 1923 e 1925, Biri participou em 4 jogos, incluindo os dois da olimpíada, o último dos quais foi uma goleada sofrida contra a selecção sueca. Apenas em 1928 Biri voltaria a integrar a selecção do seu país num jogo de fraca memória, em que sofreram uma goleada humilhante contra a vizinha e rival Áustria. Nesse jogo Biri entrou quando o resultado já era desfavorável por 1-3 mas não conseguiu evitar que a Hungria sofresse mais dois golos. Uma despedida infeliz.



A carreira internacional de János Biri na selecção da Hungria


Depois da experiência italiana, Biri regressaria a Budapeste mas agora para jogar no famoso MTK, que na altura era conhecido como Hungária. Jogou pouco. Talvez até o maior privilégio desses tempos tenha sido o facto de, na primeira época de MTK, por lá ter ser treinado por um dos maiores treinadores da história do futebol, o escocês Jimmy Hogan. Hogan fez parte de um conjunto restrito de inovadores que revolucionaram tacticamente o futebol mundial na primeira metade do século XX. Um grupo onde são também incluídos o austríaco Hugo Meisl e o inglês Herbert Chapman.



Herbert Chapman, Hugo Meisl e Jimmy Hogan, os três magos do futebol nas primeiras décadas do século XX.


A influência de Hogan na criação e evolução da famosa escola do Danúbio (futebol Húngaro e Austríaco) seria tal que, em 1953, seria chamado de traidor pelos ingleses quando a famosa selecção Húngara de Puskas e companhia foi a Wembley esmagar a Inglaterra por 6-3. Mas esse jogo foi mais do que uma derrota, aliás a primeira derrota de sempre da Inglaterra em sua casa, foi o fim do mito da invencibilidade inglesa em casa e também o fim do mito da superioridade dos mestres ingleses que vinha desde o tempo em que os Ingleses inventaram e fizeram evoluir o futebol. Foi o fim de uma era. Nesse jogo, que alguns apelidaram o "jogo do século", ficou evidente que os ensinamentos e o modelo de jogo implementado por Hogan, feito de passes curtos e trocas de bola rápidas feitas por jogadores dotados de grande tecnicismo e mobilidade, foram a base da genialidade e sucesso que os Húngaros obtiveram nas décadas de 40 e 50.

Biri fazia parte dessa escola, tendo bebido directamente dos conhecimentos de Hogan aquando desses tempos de MTK. Passaria mais tarde por equipas de pequena dimensão com pouco sucesso. Em 1930 emigrou para França tendo jogado 3 anos, no Amiens SC, ano em que foi introduzido o profissionalismo nesse clube francês. E seria integrado numa comitiva do Amiens SC que, em digressão por Portugal, Biri se encantou pelo Porto e se decidiu por lá ficar. Na altura ligou-se ao Boavista FC, integrando por três anos o plantel de um clube então modesto e que jogava na segunda divisão. Curiosamente, no Boavista Biri foi ocupar o lugar de Soares dos Reis que saiu para o FCP. Mais tarde Soares dos Reis seria orientado por... Biri.



Duas imagens relativas ao Boavista FC em 1935-1936 Na equipa em cima, Biri é o último, ao fundo, no lado direito. Em baixo é o 5º a contar da esquerda. Fonte: Em Defesa do Benfica.


Ora, esse ano de 1933 foi um ano de grandes mudanças internas no Boavista FC, clube fundado 30 anos antes (1-08-1903) por ingleses e portugueses, moradores no bairro da Boavista. Pouco tempo depois, o Boavista estrearia um novo equipamento com calções negros e camisola xadrez, importado de uma equipa francesa observada pelo presidente da altura, Artur Oliveira Valença (fonte: https://www.publico.pt/noticias/jornal/no-principio-eram-os-boavista-footballers-158226). Subsiste ainda por identificar essa equipa mas há outra possibilidade que é o SC Roches Noites, equipa marroquina que nessa época tinha um equipamento axadrezado.

Curiosamente ainda no Boavista e quase no fim da sua carreira o guarda-redes João Biri (pois naturalizou-se Português) defrontou o SLB:



Crónicas do jogo SL Benfica 1 – Boavista FC 1. Fonte: Esquerda DL 3-05-1936 e direita Jornal "Os Sports" de 4-05-1936 in Em Defesa do Benfica.


Uns meses mais tarde Biri terminava a carreira de jogador e iniciava no Porto a sua prestigiada carreira de treinador. Passaria por diversos clubes mas seria no SLB que atingiria a Glória.


Em Portugal

Como atrás se disse, János Biri terminou a carreira no Boavista FC em 1935-1936. E logo no final dessa época, em 23 Agosto de 1936 Biri foi convidado para ser treinador do FCP, apesar de aparentemente não ter experiência de treinador. Muito provavelmente o prestígio do futebol húngaro, e provavelmente os seus traços de personalidade fizeram que Biri merecesse a confiança dos dirigentes portistas. E Biri respondeu, introduzindo inovações nos treinos, impondo disciplina, e apostando no aprimoramento técnico dos jogadores. No entanto, Biri não completaria a época tendo sido demitido em Fevereiro de 1937.



A equipa do FCP em 1937-1938 que foi orientada por János Biri até Fevereiro de 1938. Nota-se a presença de um muito jovem Francisco Ferreira (2º de pé a contar da direita). Para ambos a glória só chegaria de Águia ao peito.


Transitou depois para o vizinho Académico do Porto, clube onde ficou duas épocas. Finalmente em 1939 chegaria o seu prémio maior, aceitou o convite do Clube que lhe mudaria a vida e do qual ele deu o melhor do seu saber, e do seu coração.



János Biri, de jogador a treinador.




Contratado para o Benfica pelo presidente Augusto da Fonseca Júnior, János Biri iniciou funções de treinador em 1 de Agosto de 1939 e ficaria até 2 Julho 1947. Quase oito anos que começaram com uma aposta de risco atendendo a que o seu currículo era ainda escasso. Biri revelou-se metódico, atento aos detalhes, gostando de ensaiar jogadas, repetindo-as até à exaustão, criando o que Toni mais tarde chamaria de "automatismos".

Na sua primeira época (1939-1940) Biri ajudou-nos a conquistar o Regional de Lisboa e a Taça de Portugal (a primeira do nosso historial). Na sua segunda época (1940-1941) não conseguiu conquistar qualquer título mas ainda assim a Direcção manteve-lhe a confiança. Depois (1941-1942) o SLB venceria o campeonato nacional não obstante o prolongado afastamento, por doença, de Espírito Santo. Na época seguinte (1942-1943) o SLB passou a contar com dois craques, Rogério e Julinho que aumentando a qualidade da equipa, ajudaram à conquista da dobradinha.

De entre as numerosas vitórias de Biri no Benfica, uma ter-lhe-á sido bastante especial, pelos números e pelo oponente. Assim foi na 5ª Jornada do campeonato, a 7 de Fevereiro de 1943, em que o SL Benfica cilindrou o FC Porto por 12-2 naquela que foi a maior cabazada alguma vez verificada entre os dois clubes. Uma derrota histórica imposta ao clube que o tinha despedido sete anos antes. O jogo foi disputado no Campo Grande e mais detalhes podem ser lidos no texto -70- O dia da dúzia! (p.21). Nota curiosa, nesse dia o treinador dos portistas era Lippo Hertzka, um nome grande do SLB mas que no FCP nada faria de registo. Ou melhor, até fez, pois fez o FCP sofreu a sua maior cabazada de sempre.




Imagens diversas equipas slb com biri

Na época seguinte (1943-1944) e já com a integração de Arsénio, o SLB conquistou a Taça de Portugal. Depois (1944-1945) viria mais um campeonato, o 6º da nossa História. Mas na época seguinte (1945-1946), ficaríamos novamente em branco, iniciando-se um período vitorioso do SCP que aproveitaria para nivelar o seu palmarés com o nosso. E foi já nesse período de desencanto que a meio da época seguinte, em Fevereiro de 1947, a Direcção do SLB decidiu afastar Biri do comando técnico do nosso futebol.

Feliz ou infeliz, essa decisão coincidiria com perdas sucessivas de campeonatos para o eterno rival. Ao que se diz a decisão foi tomada depois de um desentendimento entre Biri e Ferreira Bogalho. Em face desses acontecimentos o presidente Tamagnini Barbosa tomou a decisão de afastar o treinador.

Ironicamente, a dispensa de János Biri foi acompanhada pela contratação do seu compatriota Lippo Hertzka. O regresso de Hertzka ao nosso Clube ficou à distância de um golo para ser feliz, pois perderíamos esse campeonato pela diferença de um único golo, o campeonato do pirolito. Teria sido diferente com János Biri?



No balanço dos oito anos sob o comando técnico de Biri, o SLB celebrou 3 títulos de campeão nacional (1941/42, 1942/43 e 1944/45), três Taças de Portugal (1939-1940; 1942-1943 e 1943-1944) e um campeonato de Lisboa (1939-1940). Este palmarés torna Biri ainda hoje um dos treinadores mais vencedores da nossa história.

Depois do SLB, Biri enveredou um trajecto longo de cerca de 20 anos em que treinou por diversos clubes. Estaria em numerosos clubes, alguns bastante prestigiados como o Vitória de Setúbal onde em 1954 foi a uma final da Taça de Portugal perdida para o SCP. Este também entre outros, no Vitória de Guimarães e na Académica de Coimbra.



János Biri, na época 1958-1959 aquando da sua passagem pela Académica de Coimbra.



Para lá do SLB. Alguns dos clubes Portugueses por onde János Biri também treinou.


Regressaria por fim em 1971 para as funções de treinador no sector de formação e olheiro. Manteria esse tipo de funções durante mais de uma década, contribuindo de forma meritória com o seu saber e dedicação e sempre com a educação que o caracterizou. Ângelo Martins, igualmente um nome importante no sector da nossa formação, salientaria depois a importância que o imenso saber e extraordinária educação desse Senhor do futebol tiveram para a formação de jovens valores no SLB durante a década de 70.


Dando plena expressão ao seu amor pelo SLB, János Biri participaria também em actividades do nosso Sport Lisboa e Saudade. Ali o vimos ao lado de grandes nomes do Universo Benfiquista a celebrar a recordação dos bons velhos tempos.



Sport Lisboa e Saudade, em cima: António Adão, Alfredo Valadas, János Biri, Francisco Ferreira, Vítor Silva, Jacinto Marques, Guia Costa, Rogério de Sousa. Em baixo: Mário Rui, Luís Xavier, Francisco Albino e Artur Santos.

Faleceu em 2 de Abril de 1983. Faleceu quando estava ao serviço do SLB. Paz à sua Alma. Honra e Glória à evocação do grande János Biri.


Bakero

8 anos! É o treinador do futebol do Benfica com mais longevidade no cargo na nossa História certo?

Obrigado por mais este bocadinho de História  :)

RedVC

Citação de: Bakero em 05 de Fevereiro de 2017, 14:29
8 anos! É o treinador do futebol do Benfica com mais longevidade no cargo na nossa História certo?

Obrigado por mais este bocadinho de História  :)

Obrigado Bakero!  O0

Não será o treinador de maior longevidade porque o primeiro é Cosme Damião. Cosme liderou o nosso Clube durante cerca de 17 anos, desde 1909 até 1926. Isto se considerarmos que assumiu funções equivalentes a de um treinador pois era designado como Capitão geral, o que equivalia a treinador, chefe do departamento de futebol, secretário técnico, etc. Basicamente era quase tudo e a ele devemos quase tudo.

Mas Biri foi um treinador de grande longevidade e grande sucesso já quando o futebol do SLB era semi-profissional.


RedVC

Conforme (muito) bem lembrado pelo Rodolfo no SLB vintage, neste dia em 1942 foi dia de dúzia. Dia de cabazada ao fecepe!




relembrar o texto -70- O dia da dúzia! (p.21)

aqui: http://serbenfiquista.com/forum/index.php?topic=53816.300

Um dia em que János Biri levou a nossa Gloriosa equipa até ao maior esmagamento que há memória entre SLB e fecepe

Joaquim Ferreira Bogalho

RedVC, que trabalho fantástico...dar os parabéns e agradecer imenso todos os conteúdos.

RedVC

Citação de: Joaquim Ferreira Bogalho em 09 de Fevereiro de 2017, 14:49
RedVC, que trabalho fantástico...dar os parabéns e agradecer imenso todos os conteúdos.

Caro, agradeço as palavras simpáticas, tanto mais que vêm de um membro deste fórum que também sabe partilhar. Obrigado O0

alfredo

Citação de: RedVC em 22 de Janeiro de 2017, 11:45
-137-
Gloriosa Magyarország (parte I): o Feiticeiro


As árvores avaliam-se pelos seus frutos. A importância de um País avalia-se pelas obras dos seus filhos. No futebol alguns países vão para além do seu tamanho físico tornando-se gigantes ao longo dos mais de 100 anos do futebol. A Hungria, a Magyarország, é justamente um desses casos notáveis, tendo dado ao futebol mundial muitos jogadores e treinadores que fizeram evoluir o futebol em termos tácticos e técnicos e espalharam o perfume do seu futebol pelo mundo fora. O Glorioso sempre esteve atento e por isso alguns deles por cá estiveram escrevendo algumas das mais belas páginas do futebol Benfiquista.

Vamos hoje partir de uma fotografia com quase 93 anos para identificar dois desses filhos, figuras imortais, nobres e prestigiadas do futebol Benfiquista. Vamos reconhece-los numa famosa selecção da Hungria que participou nos jogos Olímpicos de Paris em 1924.



A famosa equipa nacional da Hungria que participou na modalidade de futebol nos Jogos Olímpicos de Paris, 1924. Da esquerda para a direita: Fogl, Opata, Hirzer, Jeny, Eisenhoffer, Béla Guttmann, Mándi, Obitz, Braun, Orth e Kiss. Em baixo János Biri.


Falamos do guarda-redes János Biri e do médio centro Béla Guttmann, dois dos melhores treinadores de sempre do SLB. Ambos foram titulares nos dois jogos dessa aventura olímpica. Dois outros jogadores, Jeny e Orth, também estiveram ligados ao futebol Português mas não ao SLB.

Hoje centraremos atenção em Béla Guttman, o melhor treinador da História do SLB.


Béla Guttmann

(Budapeste, 27-01-1899 - Viena, 28-08-1981)


Húngaro de nascimento, cidadão do mundo pelas circunstâncias e por opção, Béla Guttmann chegou ao nosso Clube em 1959. Vinha com uma já longa história de vida, tendo trabalhado em muitos países e diversas culturas desportivas. Chegou envolto em polémica ao voltar as costas aos FCP, onde se sagrou campeão nacional, para trabalhar no grande Benfica. Guttmann sabia que era a única equipa em Portugal com potencial para a glória europeia.

Era já um nome conhecido e prestigiado do futebol internacional, que pela sua personalidade peculiar nunca se tinha fixado num país, partindo geralmente após um período máximo de 2 anos de permanência. Nas duas finais Europeias defrontou colossos europeus com alguns dos mais afamados jogadores Húngaros de sempre (Kubala, Czibor e Bószik no FC Barcelona, Púskas no Real Madrid), todos estrelas de primeira grandeza do futebol Mundial, todos conhecendo e/ou tendo trabalhado no passado com o nosso mago.

Mas Guttmann conhecia-os melhor ainda e por isso estava em vantagem. E usou bem esse conhecimento, assim como a sua sageza futebolística e experiência de vida para, com a genialidade dos jogadores Benfiquistas, escrever as duas mais belas páginas da nossa História. Ao ganhar finais contra colossos Europeus, fez realidade do sonho, tornando-nos os maiores na Europa. Liderou uma equipa que se tornou a lenda europeia e mundial. Com ele fomos mais alto, com ele fomos mais do que nunca Benfica!


Béla Guttmann nasceu em Budapeste, em Janeiro do último ano do século XIX. Filho de uma família de origem judia, teve uma precoce educação musical, incluindo a dança, dada pelos seus pais Abraham Guttman e Ester Szánto, bailarinos de profissão. Assim se compreende que em algumas circunstâncias e lugares que percorreu na sua vida, a dança tenha servido de actividade profissional de recurso, permitindo-lhe por o pão na mesa em tempos difíceis. Mas o desporto e a prática desportiva do futebol mereceram-lhe precoce interesse e prioridade.

 


Elementos pessoais de Béla Guttmann. Em cima: registo de nascimento. Em baixo: mala de viagem de Béla Guttmann e duas fichas de emigração temporária no Brasil. Na mala vê-se uma etiqueta do Hotel Batalha no Porto e do Hotel Eden em Spietz, local onde o SLB estagiou antes da grande vitória de Berna em 1961.


Guttman, o jogador

Definido como um jogador combativo, generoso e inteligente, Béla Guttmann foi um médio organizador de jogo, com carreira feita na Hungria, Áustria e Estados Unidos. Iniciou-se no modesto Törevkés SC onde permaneceu de 1917 a 1919, transferindo-se depois para o famoso MTK de Budapeste, que à época, com o Ferencváros, dominava o futebol Húngaro. Por lá permaneceu duas temporadas e, apesar de tapado por jogadores mais velhos e prestigiados, foi campeão Húngaro. Na segunda época, alterações políticas levaram ao agravamento do clima de anti-semitismo, forçando Guttmann a emigrar para a vizinha Áustria.


Törevkés SC. Guttman é o sexto, de pé a contar da esquerda. Fonte: http://www.nemzetisport.hu/benfica/guttmann-a-focista-vendegposzt-2-resz-2470251


Em Viena, integrou de 1922 a 1924, os quadros do SC Hakoah, clube fundado em 1909. Nesse tempo, o Hakoah era um dos quatro principais clubes do futebol austríaco (todos da capital): Rapid (1899), First (1894), Austria (1911; na altura chamado Wiener Amateur). Tanto o Áustria como o Hakoah tinham grande influência cultural e financeira da comunidade judaica, embora Hakoah (palavra que significa Força) fosse considerado o clube dos judeus pobres, sendo mais activo e tendo maior adesão popular. Nessa época, o futebol austríaco e húngaro eram dos mais avançados da Europa, dispondo de boa organização e bastante dinheiro, com excelentes jogadores e grandes treinadores incluindo génios como o escocês Jimmy Hogan (1882-1974) e o austríaco Hugo Meisl (1881-1937).

No auge desse período austríaco, Guttman seria convocado para integrar a forte selecção Húngara de futebol que participou em Paris, 1924. Depois de uma vitória inicial robusta por 5-0 contra a Polónia, veio uma desastrosa derrota por 0-3 contra o Egipto. Os jogadores foram muito criticados mas muitas atenuantes foram apontadas para explicar o fiasco desportivo, desde uma deficiente alimentação a uma péssima planificação e acompanhamento dos dirigentes (que ao que parece era tantos quantos os jogadores...). O jogo contra o Egipto seria o último de Guttmann na selecção húngara. No total, Guttmann jogaria apenas 4 vezes com a camisola nacional, algo frequente dado o número exíguo de jogos entre selecções nesse tempo.



O Hakoah estava também interessado em apresentar-se fora da Áustria, tendo-se deslocado em 1923 a Inglaterra onde jogou e venceu o West Ham United, naquela que foi a primeira derrota de um clube inglês no seu terreno contra uma equipa estrangeira. Em 1925, o Hakoah venceria pela primeira e única vez o campeonato austríaco, num ano inesquecível que culminou com uma bem-sucedida digressão aos EUA. Vivia-se um período breve mas de grande exuberância financeira e desportiva do futebol na América.



Cartaz promocional do Hakoah Wien para a sua digressão aos EUA em 1926.


A admiração de Guttmann por Nova Iorque e pela América levou-o ainda em 1926 a aceitar uma das propostas que recebeu em NY. Iniciou assim uma nova etapa de vida de seis anos em que jogou em cinco clubes nova-iorquinos. Em 1930 o Hakoah All Stars faria mesmo uma digressão pelo Brasil, Argentina e Uruguai, altura em que Guttman terá tido primeiro contacto com o futebol Sul-Americano. Mas em 1932, o futebol Americano entrou num declínio fatal. Tempo para uma nova mudança, levando Guttman a regressar ao Hakoah, para jogar a sua última época.



Guttman, capitão de equipa no Hakoah All Stars durante a digressão na América do Sul em 1930.


Como jogador, Guttmann teve um trajecto feito de muitas e diversas experiências. Sempre em movimento, opção que repetiria enquanto treinador. Trabalhou com treinadores famosos, verdadeiros pioneiros que tiveram parte activa na evolução táctica e técnica do futebol. Disputou campeonatos competitivos e talvez ainda mais interessante acumulou uma experiência de vida que lhe permitiu compreender como poucos os homens, os tempos e as particularidades de um jogo de futebol. A essas virtudes juntou a sua forte personalidade e a coerência dos seus critérios. Faltava conseguir treinar equipas com recursos que lhe permitissem chegar à glória. Levaria tempo e seria um caminho de pedras. Um caminho que o traria ao SL Benfica, Clube onde atingiu o zénite das suas capacidades e obteve as suas maiores glórias individuais.



Quatro das equipas onde Guttmann jogou.


O trajecto do jogador Bélla Guttmann. Fonte: wikipedia


Guttman, o treinador



Foi no Hakoah Wien que Guttmann iniciou a sua carreira de treinador. Dois anos depois começaria uma longa e intensa vida de globetrotter que o levaria a pelo menos doze países na Europa e na América do Sul. A primeira paragem foi o FC Twente (então Enschede), contrato que conseguiu por intercessão do grande Hugo Meisl. Nessas experiências começaram a manifestar-se traços de que raramente Guttman abdicou: discutir detalhadamente e com dureza os diversos aspectos dos seus contratos, ficar não mais de dois anos num clube e exigir autonomia e dignidade de trabalho aos dirigentes dos clubes. Tudo tarefas complicadas dado que os treinadores tinham pouca relevância e por isso capacidade reivindicativa. Mandavam os dirigentes.

Depois dessa aventura holandesa, Guttmann regressou ao Hakoah para dois anos depois retornar novamente ao seu país natal para treinar o Újpest, onde foi campeão Húngaro e onde ganhou a Taça Mitropa, o primeiro grande torneio entre clubes europeus, equivalente à Taça Latina, disputado desde 1927 (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mitropa_Cup).

Mas, no final dessa época desportiva, rebentou a segunda guerra mundial. Guttman interrompeu a sua actividade desportiva e provavelmente passou à clandestinidade para poder sobreviver, escapando às perseguições nazis. Pouco se sabe desse período. Terá sido preso? Terá estado num campo de concentração? Guttmann nunca falou. Não sabemos como ele sobreviveu mas, ao que li, pelo menos um irmão e um primo de Guttmann morreram num campo de concentração nazi. Mais uma etapa dura de vida, mais sofrimento causada pelo horror que certo comportamento humano consegue causar aos seus semelhantes. Guttmann sobreviveu.

Finda a guerra, Guttman voltou a treinar na Hungria desta vez no Vasas de Budapeste. Seguiu-se um ano na Roménia, o regresso ao Ujpest e depois uma importante experiência no Kipest, onde foi substituir o pai de Púskas no comando técnico da equipa. Aliás o plantel integrava o já então famoso Púskas. E seria um conflito de personalidades em que Púskas acabaria por causar a saída de Guttmann apesar do plantel permitir pensar em grandes conquistas. Uma vez mais o carácter de Guttmann impunha-se às conveniências de circunstância e aos vedetismos. Sempre coerente na dignidade que exigia para as suas funções.

Em 1949-1950 foi contratado pelo Padova treinando finalmente em Itália. Por lá conseguiu algum destaque mas incompatibilizou-se com dirigentes que interferiram no seu trabalho. Exigia respeito e independência. Demitiu-se e foi-se embora. Na época seguinte o Triestina e depois em 1953, uma breve experiência na Argentina e outra em Chipre.

Mas o seu prestígio em Itália permanecia intocável, tendo ainda neste ano sido contratado pelo poderoso AC Milan. Nos rossoneros orientou grandes craques como o italiano Schiaffino e os suecos Nordhal, Gren e Liedholm. Apesar dos vedetismos, ganhou o respeito da equipa e os excelentes resultados obtidos nas 15 primeiras jornadas, valeram-lhe a liderança do campeonato. Viria depois alguma instabilidade e conflitos com a Direcção do clube. Como sempre Guttmann não pactuou e demitiu-se. Mas a equipa estava lançada, e sendo depois dirigida por Puricelli, veio a sagrar-se campeã de Itália. Na hora da conquista vários foram os jogadores que não se esqueceram de Guttmann.

Outra das notáveis paragens foi a oportunidade de Guttman treinar no Brasil em 1957, a grande equipa do Hónved que por ali andava em digressão. Na verdade era mais uma fuga de que uma digressão de uma equipa que contava com os grandes Koczis, Puskas e Czibor. Os Húngaros estavam no Brasil a convite do Flamengo mas recusavam voltar à sua pátria pois ali viviam-se dias negros de revolução comunista.



Guttmann com Kócsis e Púskas. Três génios do futebol Húngaro.


Aproveitando essa estadia, Guttmann recebeu um convite do São Paulo FC. Aceitou e foi campeão Paulista treinando craques como Zizinho. Por lá os métodos, a personalidade e as inovações tácticas de Guttmann deixaram marcas, sendo claro que influenciaram a evolução e competitividade do futebol Brasileiro que no ano seguinte se sagraria campeão mundial na Suécia.



Uma fotografia extraordinária de três génios do futebol. Zizinho, Guttmann e Púskas em São Paulo, 1957. Fonte: fourfourtwo.hu


Fonte: Revista Cruzeiro, 1958



Os Clubes mais importantes da longa carreira de Béla Guttmann.


Viria depois o convite do FCP, que aceite levou Guttmann a acrescentar Portugal à lista de países onde trabalhou. Por lá foi campeão depois de uma acesa compita com o SLB. Astuto, na hora do balanço, Guttmann percebeu que o futuro estava no SLB, clube que dispunha de excelentes jogadores, e de meios para lhe poder dar outros voos. Era o SLB que ele queria treinar. E assim foi. E assim se fez História.



Momentos de glória no SLB.


Depois do SLB seria convidado pelo Penarol de Montevideo para mais uma aventura Sul-Americana. Dois anos antes tinha disputado com os Uruguaios uma Taça Intercontinental, conhecendo por isso o ambiente. E uma vez mais Guttman foi campeão, juntando o título Uruguaio ao seu currículo. Mas uma vez mais não ficou muito tempo regressando para treinar o Austria Wien.



Juan Alberto Schiaffino, um dos melhores jogadores Uruguaios de sempre com Béla Guttman.


Nunca regresses a um local onde já foste feliz. Assim foi com Guttman.

Diz-se que em 1965, aquando do seu regresso, Guttman chegou ao Estádio da Luz, olhou para os bólides dos jogadores por lá parqueados e logo disse que o seu regresso tinha sido um erro. O mago percebeu logo que a força motriz de ambição e de conquista não existia mais na Luz. Eram tempos diferentes, os jogadores aburguesaram-se, o clube estava diferente. Mas até Guttmann estava diferente.

A época foi má, o título foi perdido para o SCP, esfumando-se o tetra. Fomos também estrondosamente eliminados da Taça dos Clubes Campeões Europeus por um jovem e ambicioso Manchester United. Na hora da saída, Guttmann queixou-se amargamente. Era o fim da ligação Guttmann com o SLB. O fim que selava uma era que na verdade tinha terminado em 1962, logo após a partida do feiticeiro.



As declarações amargas de Guttmann na hora da partida. Fonte: Jornal "A Bola".


Guttmann ainda treinaria na Suiça, Grécia e Áustria, mas viria a finalizar a carreira no FCP. Sempre sem resultados dignos de menção. E assim fechou a sua extraordinária carreira. Sem a glória de outros tempos mas sempre com a mesma dignidade e sempre fiel aos seus princípios.



O trajecto do treinador Béla Guttmann. Fonte: wikipedia


Eu gostar do Benfica!




Guttmann foi um gigante da vida e do futebol. Foi e com razão muitas vezes acusado de pensar primeiro na sua carteira. Como não? Como não o fazer quando esteve exposto ao anti-semitismo, às agruras da guerra, às leviandades e à maldade dos homens, à inconstância das personalidades, à falta de critérios dos dirigentes dos clube, aos caprichos dos jogadores, à pressão dos adeptos, enfim às agruras da vida. Como não o fazer se a vida é um local duro em que somos todos cavaleiros na tempestade?

Guttmann foi um guerreiro, um sobrevivente, um gigante. Mas teve e mostrou ter coração. Mostrou-o aqueles que lhe deram a sua paixão e reconhecimento. Aqueles que lhe deram os dias mais felizes da sua longa vida do futebol. Deu-o aos adeptos Benfiquistas. Deu-o de forma intemporal, aos Benfiquistas passados, presentes e futuros. E deu-o de tal forma que é difícil conter as lágrimas ao recordar os seus tempos como Benfiquista. E assim não poderia fechar este texto sem ir buscar algumas das palavras sábias, de Amor, gratidão e reconhecimento que proferiu sobre o Sport Lisboa e Benfica, sobre os Benfiquistas e sobre a mística Benfiquista:



"Chove? Faz Frio? Faz Calor? Que importa, nem que o jogo seja no fim do mundo, entre as neves das serras ou no meio das chamas do inferno... Por terra... Por mar... Ou pelo ar, eles aí vão, os adeptos do Benfica atrás da equipa... Grande... Incomparável... Extraordinária... massa associativa!"



Obrigado Míster. Estará sempre nos nossos corações.




a faixa na ultima foto, é a do meu avatar.